versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.5 São Paulo set./out. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.07.007
Estudo de coorte histórica longitudinal. É notório que parece não haver relação direta entre o tamanho da perfuração da membrana timpânica nas otites médias crônicas simples e a perda auditiva avaliada pela audiometria tonal limiar. Esta suspeita foi estudada e avaliada, mas com métodos subjetivos para medir o tamanho das perfurações.1 - 5 Com o aparecimento de modernos programas de computador, pudemos avaliar objetivamente a percentagem desta perfuração em relação ao tamanho total da membrana. Com esses dados mais precisos foi possível podemos comparar este achado com cada frequência da audiometria, de modo mais confiável. Poucos trabalhos semelhantes foram encontrados na literatura.6 , 7 Nossa proposta foi analisar a correlação entre o tamanho percentual da perfuração timpânica com as perdas auditivas em quatro frequências.
Estudo de coorte histórico longitudinal realizado no Departamento de Otorrinolaringologia de uma instituição de ensino médico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa nº 9228. As imagens da membrana timpânica foram adquiridas utilizando-se fibra óptica rígida de 3 mm de diâmetro acoplada à câmera digital e captura digital em computador.
Foram selecionadas apenas imagens de otites médias crônicas simples (perfurações secas, como sequelas de otites necrosantes), com mais de seis meses sem otorreia referida pelos pacientes. Foram consideradas as perdas auditivas em quatro frequências: 500 Hz, 1K, 2 K e 4K, com qualquer intensidade de perda condutiva.
As audiometrias foram realizadas por fonoaudiólogos com o uso da técnica de Katz.8
Foi utilizado o programa ImageScope Version 11.1.2.760 da Aperio Technologies(r). As imagens selecionadas foram avaliadas circunscrevendo a área total da membrana timpânica com a seta do mouse, que foi medida através de contagem de pixels (fig. 1). O mesmo foi feito com a área da perfuração. Ambas as medidas foram transportadas para uma planilha do software Excel(r) da Microsoft. Como a medida da área da perfuração foi feita percentualmente em relação à área da membrana timpânica, não houve interferência quanto ao ângulo de visualização ou proximidade na captura da imagem. Estas medidas foram realizadas por dois examinadores, em diferentes momentos, e foram consideradas apenas as que coincidiam com um fator de erro menor que 5%.
Os critérios de inclusão e exclusão do estudo foram os seguintes:
Inclusão - Imagens de membranas timpânicas com perfuração, sem quadro inflamatório evidenciado por otorreia há mais de 6 meses, otites médias crônicas simples.
Exclusão - Quando a avaliação do tamanho da perfuração feita por dois examinadores apresentou diferença maior que 5%.
As audiometrias foram avaliadas apenas quanto às suas perdas condutivas, ou seja, o "gap" aéreo-ósseo que caracterizou o comprometimento timpânico da membrana ou da cadeia ossicular. As frequências utilizadas foram as de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 4.000 Hz.
Os dados obtidos com as perfurações das membranas timpânicas foram correlacionados com o "gap" aero-ósseo, em cada uma das frequências analisadas, através do teste de correlação de Pearson.
Participaram do estudo 187 orelhas que apresentavam otite média crônica simples. A idade dos pacientes analisados variou e quatro a 75 anos, sendo que 79 pacientes apresentaram acometimento da orelha direita e 108 da esquerda. A correlação entre o tamanho da perfuração e as frequências estudadas encontra-se na tabela 1.
500 Hz | 1.000 Hz | 2.000 Hz | 4.000 Hz | ||
---|---|---|---|---|---|
Correlação | 0,415 | 0,372 | 0,282 | 0,325 | |
de Pearson |
A correlação entre a porcentagem da perfuração da membrana timpânica e o "gap" aero-ósseo existente em cada uma das frequências analisadas está apresentada nas figuras 2 a 5.
A figura 2 ilustra a correlação entre a percentagem da perfuração da membrana timpânica e o "gap" aero-ósseo encontrado na frequência de 500 Hz.
A figura 3 ilustra a correlação entre a percentagem da perfuração da membrana timpânica e o "gap" aero-ósseo encontrado na frequência de 1.000 Hz.
Na figura 4 uma correlação entre a percentagem da perfuração da membrana timpânica e o "gap" aero-ósseo encontrado na frequência de 2.000 Hz.
Finalmente, na figura 5 a correlação entre a percentagem da perfuração da membrana timpânica e o "gap" aero-ósseo encontrado na frequência de 4.000 Hz.
Foi pesquisada a correlação linear entre o tamanho da perfuração timpânica em pacientes portadores de otite média crônica simples e a perda auditiva em quatro diferentes frequências. O coeficiente de correlação de Pearson para as frequências 500 Hz; 1.000 Hz; 2.000 Hz e 4.000 Hz foi, respectivamente, de 0,415; 0,372; 0,282 e 0,325; demonstrando que não há uma correlação linear forte entre as variáveis estudadas.
A correlação apresentada para a frequência de 500 Hz mostrou-se moderadamente significante para a questão analisada, enquanto as correlações encontradas para as outras frequências mostraram-se pouco significantes.
Entre os autores avaliados na literatura, o trabalho de Pannu et al. 9 apresentou resultado diferente, demonstrando aumento da perda auditiva com o aumento do tamanho das perfurações timpânicas em 100 pacientes que também apresentavam perfurações sem sinais de inflamação ativa e secreção. É importante salientar que, neste trabalho, o tamanho da perfuração foi estimado medindo-se os seus diâmetros vertical maior (R1) e horizontal maior (R2) com um fio de arame de 1 mm, inserindo os valores obtidos na fórmula: Área da perfuração = π. R1.R2.
Também, segundo Ibekwe et al., 10 quanto maior a perfuração da membrana timpânica, maior é a perda na percepção sonora. Nesse estudo, foram analisados 67 pacientes com 77 perfurações no total. O estudo chegou a esta conclusão utilizando o teste de correlação de Pearson (p = 0,01; r = 0,05).
O artigo de Ahmad e Ramani 1 coincide com os outros estudos citados anteriormente. Nele foram analisados 70 pacientes com perfuração central seca. Os pacientes foram divididos em quatro grupos, de acordo com o tamanho, em percentagem da perfuração que apresentavam. Foi analisada a perda auditiva encontrada em cada frequência, em cada um dos grupos, concluindo que a perda auditiva aumenta com o aumento da perfuração.
Portanto, nosso trabalho, que possui um número maior de pacientes e uma metodologia mais moderna, contradiz a literatura pertinente e nos leva a concluir que outros fatores, que não o tamanho de perfuração, como disjunções ou fixações da cadeia ossicular, compromete a acuidade auditiva nos pacientes portadores de otite média crônica simples.
Não existe correlação entre o tamanho das perfurações das membranas timpânicas nas otites média crônica simples e as perdas auditivas nas frequências de 500 Hz; 1.000 Hz; 2.000 Hz e 4.000 Hz.