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Compatibilidade: medicamentos e nutrição parenteral

Compatibilidade: medicamentos e nutrição parenteral

Autores:

Talita Muniz Maloni Miranda,
Andressa de Abreu Ferraresi

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.14 no.1 São Paulo jan./mar. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AO3440

INTRODUÇÃO

O déficit de calorias compromete o fornecimento de energia ao nosso organismo, constituindo um problema comum e grave em unidades de terapia intensiva, e se associando ao aumento de complicações, do tempo de internação e da mortalidade.1 A nutrição parenteral (NP) é uma modalidade terapêutica vital para recém-nascidos, crianças e adultos nessas condições. Um grande número de indicações utiliza uma variedade de eletrólitos e nutrientes, terapia esta que intenta suprir odéficit de calorias e, assim, garantir uma recuperação rápida e desejada.2

O uso adequado dessa terapia complexa proporciona benefícios clínicos e reduz potenciais riscos de eventos adversos. As complicações ocorrem tanto por causa da própria mistura da NP, como por conta dos processos em que é utilizada.3 A revisão das práticas de segurança para NP, realizada em 2004, abordou a padronização das práticas gerais de NP para melhorar o atendimento e limitar os erros de medicação envolvendo a terapia.4

Para pacientes graves, além da NP, usualmente é necessário o uso de diversos medicamentos, soluções e hemotransfusões.1 A administração concomitante de medicamentos com NP pode ser necessária principalmente em casos de limitação de acesso venoso. Desse modo, incompatibilidades físico-químicas podem ocorrer entre os medicamentos e NP.5

Uma das atividades do farmacêutico clínico é justamente verificar a compatibilidade dos medicamentos injetáveis para infusão em paralelo, no mesmo acesso venoso da NP. Essa verificação deve ser realizada com extrema cautela e constitui uma das últimas alternativas, pois deve-se, sempre que possível, evitar a infusão, devido a risco de incompatibilidade físico-química.

O estudo de compatibilidade se faz necessário para garantir as condições farmacológicas, tanto dos medicamentos, quanto da NP, já que ele aumenta a segurança e evita à formação de um composto incompatível durante a infusão. A incompatibilidade pode ocorrer, por exemplo, pela formação de precipitados, prejudicando e retardando a recuperação do paciente internado.6

OBJETIVO

Padronizar e sistematizar informações, proporcionando um acesso rápido à compatibilidade dos principais medicamentos injetáveis utilizados no âmbito hospitalar para a nutrição parenteral.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo desenvolvido por farmacêuticos do Departamento de Farmácia Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein localizado em São Paulo (SP), utilizando a base de dados MICROMEDEX® Healthcare Series, no período de julho de 2014 a março de 2015.

Foram selecionados 55 medicamentos injetáveis comumente utilizados no ambiente hospitalar. Foi realizada uma análise da compatibilidade destes medicamentos com a NP, utilizando a base de dados MICROMEDEX® Healthcare Series.7

Esta avaliação envolveu dois tipos de NP: dois em um e três em um. A fórmula dois em um é isenta de emulsão lipídica intravenosa; combina glicose e aminoácidos; e apresenta uma coloração amarela pela presença de multivitaminas. Já a fórmula três em um, também conhecida como total nutrient admixture(TNA) possui emulsão lipídica intravenosa, aminoácidos e glicose, e a coloração é leitosa. A presença de lipídeos na três em um pode mudar a estabilidade da NP.8

Foram avaliadas a compatibilidade dos medicamentos com a NP dois em um e três em um, levando em consideração a concentração final do medicamento após diluição. Foram incluídas as seguintes informações: princípio ativo, compatibilidade dos medicamentos com a NP com e sem lipídios, e a respectiva concentração máxima do medicamento após diluição para os medicamentos compatíveis com a NP. Os fármacos foram classificados entre compatível, incompatível e não testado.

RESULTADOS

Após a análise de cada um dos 55 medicamentos selecionados, foi elaborada uma tabela, que comtemplou as informações pertinentes à compatibilidade do medicamento com a NP. Somente a compatibilidade do medicamento ranitidina com a NP três em um não foi informada, pois variava de acordo com a composição da NP, apresentando recomendação para entrar em contato com o farmacêutico para sua avaliação (Tabela 1).

Tabela 1 Compatibilidade dos medicamentos com nutrição parenteral dois em um e três em um 

Princípio ativo NP sem lipídios dois em um Concentração máxima NP com lipídios três em um Concentração máxima Observação
Aciclovir INC INC
Amicacina C 250mg/mL C 5mg/mL
Aminofilina C 2,5mg/mL C 2,5mg/mL
Ampicilina C 20mg/mL C 40mg/mL
Anfotericina B lipossomal INC INC Incompatível com cloreto de sódio
Caspofungina INC NT
Cefazolina C 10mg/mL C 20mg/mL
Cefepime C 90mg/mL C 100mg/mL
Cefoxitina C 200mg/mL C 20mg/mL
Ceftriaxona INC INC Atenção às preparações que contenham cálcio na composição, incompatível com ceftriaxona
Ciprofloxacino INC C 1mg/mL Preparação pronta para uso na concentração 2mg/mL
Claritromicina NT NT
Clindamicina C 150mg/mL C 12mg/mL
Clorpromazina C 2mg/mL C 2mg/mL
Ciclosporina C 0,15mg/mL C 5mg/mL
Dexametasona C 1mg/mL C 4mg/mL
Diazepam NT NT
Difenidramina C 50mg/mL C 50mg/mL
Dimenidrinato NT NT
Folinato de cálcio C 2mg/mL C 2mg/mL
Foscavir C 24mg/mL INC
Furosemida C 10mg/mL* C 10mg/mL NP dois em um: compatível somente na concentração 10mg/mL*
Ganciclovir C 1mg/mL INC
Hidrocortisona C 1mg/mL C 1mg/mL
Doxiciclina C 10mg/mL NT
Fenobarbital C 5mg/mL INC
Fentalina C 0,05mg/mL C 0,05mg/mL
Fluconazol C 2mg/mL C 2mg/mL
Ganciclovir INC INC
Gluconato de cálcio C 40mg/mL C 40mg/mL
Hidralazina NT NT
Hidroxizine C 2mg/mL NT
Imipenem/cilastatina C 10mg/mL* C 10mg/mL* Compatível somente na concentração de 10mg/mL*
Imunoglobulina humana NT NT
Insulina regular C 2UI/mL C 1UI/mL
Levofloxacino NT NT
Meropenem NT C 50mg/mL
Mesna C 10mg/mL C 10mg/mL
Metilprednisolona C 5mg/mL C 5mg/mL
Metoclopramida C 0,58mg/mL C 5mg/mL
Metronidazol C 5mg/mL C 5mg/mL
Micafungina C 1,5mg/mL NT
Midazolam C 0,5mg/mL INC
Morfina C 30mg/mL C 5mg/mL
Naloxona NT NT
Oxacilina C 167mg/mL C 20mg/mL
Penicilina G potássica C 500.000UI/mL C 40.000UI/mL
Prometazina INC C 2mg/mL
Ranitidina C 5mg/mL Varia de acordo com a composição da NP entrar em contato com o farmacêutico para avaliação da formulação
Sulfametoxazol + trimetoprima C 4mg/mL C 4mg/mL
Sulfato de magnésio 10% C 100mg/mL C 100mg/mL
Tacrolimus C 1mg/mL C 1mg/mL
Teicoplamina C 0,2mg/mL C 0,2mg/mL
Vancomicina C 50mg/mL C 10mg/mL
Voriconazol INC INC

MICROMEDEX® Healthcare Series. Versão 2.0.(7)

* compatível exclusivamente na concentração descrita na tabela, outras concentrações podem ser incompatível ou não testada. NP: nutrição parenteral; INC: incompatível; C: compatível; NT: não testado.

DISCUSSÃO

A administração de medicamentos injetáveis em via separada da NP é viável e sempre preferida. No entanto, muitas vezes, a administração simultânea de medicamentos e NP demanda algumas considerações sobre compatibilidade.1 De acordo com a portaria 272, de 8 de abril de 1998, a infusão deve ocorrer, em via própria e exclusiva para essa finalidade. Quando isso não for possível, a Comissão de Terapia Nutricional deve ser acionada, para orientar sobre possíveis interações ou outros problemas que possam vir a ocorrer. É comum, na ausência de uma via exclusiva, a utilização de equipos de duas vias, para se infundirem concomitantemente a nutrição parenteral total e outras soluções endovenosas.9

Algumas alternativas podem ser sugeridas para evitar a adição de fármacos na mesma via da NP, como, por exemplo, uso da via oral ou intravenosa periférica para administração de medicamentos, correr NP cíclica ou a utilização de cateter multilúmen.

A administração de medicamentos com a NP exige conhecimento da estabilidade, da compatibilidade e das interações do fármaco com a mistura nutricional. Faz-se necessária a avaliação farmacêutica relativa ao pH do medicamento, aos diluentes, à concentração do íons divalentes na NP, à presença de eletrólitos, à concentração final do medicamento e também aos relatos na literatura científica sobre compatibilidade.

A tabela sintetizada neste estudo levou em consideração a informação da concentração final dos medicamentos, mas deve-se ter atenção especial para formulações com soluções já prontas para o uso, para as quais não é necessária a diluição do fármaco, como, por exemplo, o ciprofloxacino, concentração final 2mg/mL. Nesse caso, a concentração compatível com a NP, de acordo com a tabela, é 1mg/mL. Portanto, o medicamento é incompatível com a NP, pois sua concentração excede a testada com a NP.

Para os medicamentos sem estudos de compatibilidade com a NP, não é recomendada a administração simultânea, por não se ter a informação da literatura que embase tal infusão. Para os medicamentos incompatíveis, é contraindicada a administração na mesma via da NP, pelo risco que a incompatibilidade oferece.

Essa tabela tem a vantagem de padronizar as informações de compatibilidade, pois, durante a avaliação, interpretações divergentes podem ocorrer. A tabela disponibiliza as informações de forma clara e objetiva, além de ser uma ferramenta de busca rápida, que pode ser consultada a qualquer momento.

Uma limitação deste estudo foi o fato de as informações disponíveis necessitarem ser revisadas com períodos regulares. Estudos de compatibilidade devem ter as informações atualizadas conforme os estudos forem realizados.

CONCLUSÃO

O estudo de compatibilidade dos medicamentos injetáveis com a nutrição parenteral é de extrema importância para aumentar a segurança do paciente. A sistematização das informações de compatibilidade em forma de tabela proporcionou um acesso rápido e fácil, viabilizando e padronizando o trabalho do farmacêutico.

REFERÊNCIAS

1. Robinson CA, Lee JE. Y-site compatibility of medications with parenteral nutrition. J Pediatr Pharmacol Ther. 2007;12(1):53-9.
2. Calder PC, Jensen GL, Koletzko BV, Singer P, Wanten GJ. Lipid emulsions in parenteral nutrition of Intensive care patients: current thinking and future directions. Intensive Care Med. 2010;36(5):735-49. Review.
3. Mirtallo JM. Consensus of parenteral nutrition safety issues and recommendations. JPEN J Parenteral Enteral Nutr. 2012;36(2 Suppl):62S.
4. Mirtallo J, Canada T, Johnson D, Kumpf V, Petersen C, Sacks G, Seres D, Guenter P; Task Force for the Revision of Safe Practices for Parenteral Nutrition. Safe practices for parenteral nutrition. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2004;28(6):S39-70. Erratum in: JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2006;30(2):177.
5. Bouchoud L, Fonzo-Christe C, Klingmüller M, Bonnabry P. Compatibility of intravenous medications with parenteral nutrition: in vitro evaluation. JPEN J Parenteral Enteral Nutr. 2013;37(3):416-24.
6. Mattox TW, Crill CM. Parenteral nutrition. In: Dipiro JT, Talbert RL, Yee GC, Matzke GR, Wells BG, Posey LM. Pharmacotherapy: a pathophysiologic approach. 8th. United States: McGraw-Hill Education; 2011. p. 2505-25.
7. Micromedex® Healthcare Series Database [Internet]. Versão 2.0. Greenwood Village (CO): Thomson Micromedex; 2015. [citado 2016 Feb 29]. Available from: http://www.micromedexsolutions.com/micromedex2/librarian/ND_T/evidencexpert/ND_PR/evidencexpert/CS/52BB0A/ND_AppProduct/evidencexpert/DUPLICATIONSHIELDSYNC/A03365/ND_PG/evidencexpert/ND_B/evidencexpert/ND_P/evidencexpert/PFActionId/evidencexpert.FindIVCompatibility?navitem=topIV&isToolPage=true
8. Dickerson RN, Sacks GS. Medication administration considerations with specialized nutrition support. In: Dipiro JT, Talbert RL, Yee GC, Matzke GR, Wells BG, Posey LM. Pharmacotherapy: a pathophysiologic approach. 8th. United States: McGraw-Hill Education; 2011. p. 2493-03.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância Sanitária. Portaria n. 272, de 8 de Abril de 1998. Regulamento técnico para a Terapia de Nutrição Parenteral. Diário Oficial da república Federativa do Brasil, Brasília (DF); Ministério da Saúde; 2014.