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Completitude dos dados de cadastro de portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitus registrados no Sistema Hiperdia em um estado do Nordeste do Brasil

Completitude dos dados de cadastro de portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitus registrados no Sistema Hiperdia em um estado do Nordeste do Brasil

Autores:

Lourani Oliveira dos Santos Correia,
Bruna Merten Padilha,
Sandra Mary Lima Vasconcelos

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.6 Rio de Janeiro junho 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014196.02842013

ABSTRACT

The scope of this study was to evaluate the accuracy of the data recorded in the Hiperdia system assessed by geographical area, type of field and information consistency between related variables. It involved an observational, descriptive and cross-sectional investigation. The sample of 287 registration forms was randomly and proportionally obtained from the five health regions. Variables relating to blocks of registration and attendance data were selected using the percentage of inaccuracy as an indicator and classification was then made using the Romero and Cunha score (2007). The percentages between the health macro regions was compared using the chi-square test and the completion consistency was assessed using the Kappa coefficient. Of the 32 variables studied, 68.7% revealed good to excellent accuracy. In 62.5% of the variables, the accuracy of the data of the 2nd health macroregion was marked. The percentages of inaccuracy of mandatory data were higher than those for non-mandatory data. Although most of the variables revealed good usage conditions, greater involvement of managers and health professionals in the information production process is required in order to generate more accurate and reliable data.

Key words: Health assessment; Information quality; Information systems; Arterial hypertension

Introdução

As ações para o fortalecimento do sistema de vigilância em saúde estão entre as diretrizes e recomendações do Ministério da Saúde para o cuidado integral das doenças crônicas não transmissíveis. Desse modo, faz-se necessário agregar informações sobre a situação de saúde da população, seja com relação a aspectos da mortalidade ou fatores de risco, visando definir vulnerabilidades e promover melhor ajuste das estratégias de informação1.

A ampla rede de sistemas de informações em saúde (SIS) existentes no País objetiva fornecer dados para subsidiar a análise da situação sanitária, possibilitando aos gestores a tomada de decisões com base em evidências e o estabelecimento de ações, programas de saúde e políticas públicas que atendam às necessidades da população. Para isso, há sistemas de informações que geram resultados referentes à assistência à saúde (ambulatorial e hospitalar), estatísticas vitais, epidemiológicas, financeiras, cadastros nacionais e sistema para monitoramento de programas específicos implantados2. No que diz respeito à hipertensão arterial e diabetes mellitus, consideradas doenças crônicas e ao mesmo tempo fatores de risco, as informações que devem subsidiar as ações de vigilância estão dispersas entre esses SIS, sendo, em algumas situações, complementadas com dados de inquéritos de saúde.

O Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (SisHiperdia) é o mais recente sistema de monitoramento de programas instituído pelo Ministério da Saúde. Implantado em 2002, como parte do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus (PRAHADM), é uma plataforma que permite cadastrar e acompanhar portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes mellitus, captados e vinculados às unidades de saúde ou equipes da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS), gerando informações para profissionais e gestores de secretarias municipais e estaduais e Ministério da Saúde3.

Esse sistema apresenta várias opções para uso de seus dados e informações e torna possível investigar se a população sob risco está sendo assistida de forma adequada, conhecer o perfil demográfico e epidemiológico da comunidade atingida, verificar a prevalência de fatores de risco, doenças concomitantes e complicações, monitorar a qualidade clínica do atendimento prestado e conhecer parâmetros reais que garantam o fornecimento contínuo de medicamentos, bem como possibilitar o controle social através de informações que permitam analisar acesso, cobertura e qualidade da atenção4,5.

Os dados coletados pelos municípios são transferidos via internet, consolidados pelo Ministério da Saúde e disponibilizados, mensalmente, para acesso público no sítio do Datasus (http://hiperdia.datasus.gov.br), possibilitando a qualquer cidadão acessar relatórios com indicadores operacionais, gerenciais e epidemiológicos pré-definidos pela Coordenação Nacional do Programa de Hipertensão e Diabetes (CNPHD). O usuário também pode ter acesso às principais informações da base de dados do sistema, calcular indicadores, produzir gráficos e mapas a partir de tabulação própria e rápida, utilizando os aplicativos Tabnet e Tabwin, disponibilizados gratuitamente pelo Datasus6,7. Entretanto, para que as informações possam ser utilizadas com segurança na tomada de decisão, é de fundamental importância conhecer sua qualidade e confirmar se são adequadas para essa finalidade.

As múltiplas dimensões que envolvem a qualidade da informação explicam a complexidade para sua avaliação, tema que tem despertado interesse em ser estudado por várias áreas da ciência, embora não exista consenso na literatura sobre definições teóricas e operacionais8. Dados indicam que, nas análises envolvendo os SIS, predominam estudos sobre atributos intrínsecos da informação, entre os quais se destacam: confiabilidade, validade, cobertura e completitude9.

Nos últimos anos, apesar de ter-se observado um aumento no número de estudos que avaliam a completitude do sistema, ainda é destacada pela maioria dos autores a necessidade de ampliação deles para todos os SIS e regiões do País10. Atualmente, essa investigação é realizada de forma pontual, concentrada nas regiões Sudeste e Sul, sendo mais frequente entre o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (Sinan), não sendo identificado, até 2009, esse tipo de análise para os sistemas de assistência à saúde ou de monitoramento de programas. Em 80% das análises de completitude foi utilizado o cálculo do percentual de campos sem informação9.

As informações produzidas pelo SisHiperdia constituem ferramenta de apoio para auxiliar a gestão e a gerência das ações de assistência e vigilância à saúde com vistas ao controle da hipertensão arterial e do diabetes mellitus. A carência de estudos que avaliem a qualidade dos dados desse sistema11 e a necessidade de adoção de medidas para ampliar o uso das informações dos SIS como estratégia para melhorar a qualidade dos dados12-15 corroboram para a realização de estudos dessa natureza.

Nesse contexto, o presente artigo pretende contribuir para a identificação de potencialidades e limitações das informações geradas pelo SisHiperdia ao avaliar a completitude de dados do cadastro, realizado pelas equipes de saúde da família do Estado de Alagoas, considerando-a por área geográfica, tipo de campo para entrada de dados no sistema (obrigatório ou não obrigatório) e coerência do preenchimento entre variáveis relacionadas.

Métodos

Caracterização do universo

Segundo Estado brasileiro com menor área geográfica, menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País (0,677) e maior taxa de analfabetismo (24,39%) entre a população de 15 anos e mais16, Alagoas foi o universo pesquisado. As desigualdades sociais estão equitativamente distribuídas pelos 102 municípios que compõem o território alagoano com aproximadamente três milhões de habitantes. O padrão de desenvolvimento adotado é um modelo agrícola, industrial e de serviços bastante heterogêneo. Produção diversificada, baixa produtividade e relações de trabalho informais tornam Alagoas um dos Estados socialmente mais atrasados do País17. A maioria da população (60,84%) encontra-se em situação de pobreza, índice abaixo apenas do registrado no Maranhão (64,70%). Além disso, possui a terceira menor renda média domiciliar per capita do Brasil (R$ 421,32)16.

Em 2002, o Plano Diretor de Regionalização (PDR) das ações de saúde da Secretaria de Saúde do Estado18 dividiu a assistência à saúde em cinco regiões, que agregavam 13 microrregiões de saúde19. A nova proposta de organização da saúde, elaborada em 2011, redivide o espaço territorial alagoano em duas macrorregiões, com subdivisão em 10 regiões sanitárias19. Convém destacar que o Estado não possui estrutura administrativa de regiões de saúde nos municípios denominados sede de regiões, sendo a divisão apenas organizativa das ações de saúde20. Quanto ao modelo de atenção, predomina a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que está implantada nos 102 municípios e cobre cerca de 77% da população.

A adesão ao SisHiperdia foi iniciada em 2002 e concluída em 2007, com os 102 municípios alagoanos assinando o Termo de Adesão PNAFHADM. Mas, a despeito dessa formalização, ainda havia, em 2010, 18 municípios que não alimentavam o SisHiperdia desde a data da adesão. Na maioria deles, a regularidade no envio de dados ainda é precária21. A cobertura do cadastro está em torno de 19,7% para hipertensão e 21% para diabetes mellitus, classificada como baixíssima, mantendo-se no mesmo patamar entre as cinco regiões de saúde22.

No SisHiperdia, não há um módulo centralizador que consolide as informações enviadas em um único banco de dados do Estado. Por isso, a Coordenação Estadual do Programa de Hipertensão e Diabetes só tem acesso a essas informações por meio do sítio do Datasus (http://hiperdia.datasus.gov.br/), sendo restrita a algumas variáveis da ficha de cadastro.

Delineamento e protocolo de pesquisa

Trata-se de um estudo descritivo, observacio nal e transversal.

Envolve amostra probabilística representativa do total de cadastro realizado pelas equipes de saúde da família dos municípios alagoanos no período de janeiro a novembro de 2011. O percentual de incompletitude de 20%23 foi utilizado para determinar o tamanho da amostra, inicialmente estimada em 239 fichas, adotando-se margem de erro de 5% e intervalo de confiança de 95%. Essa amostra foi distribuída proporcionalmente ao número de cadastros realizados em cada uma das cinco regiões de saúde, uma vez que em algumas regiões da atual divisão do PDR não havia dados suficientes para compô-la.

A seleção ocorreu em dois estágios: no primeiro, em cada Região de Saúde foi sorteado um município, incluído com probabilidade igual a 1. No segundo, realizado no próprio município, foram sorteadas as fichas de cadastro que iriam compor a amostra, assim distribuída: Município A (1ª Região) - 77 fichas; Município B (2ª Região) - 29 fichas; Município C (3ª Região) - 36 fichas; Município D (4ª Região) - 84 fichas; Município E (5ª Região) - 13 fichas.

Foram elegíveis para o sorteio em cada região de saúde os municípios que tivessem o total de cadastro igual ao tamanho da amostra estabelecida para a região, acrescido de 20% para compensar possíveis perdas. Foram excluídos do sorteio 51 municípios sem dados de cadastro publicados no sítio do Datasus no período de coleta de dados do presente estudo, entre eles a capital Maceió. Também foram excluídos 23 municípios com total de cadastro inferior ao tamanho da amostra para região. O sorteio foi realizado de forma aleatória simples e sem reposição.

Nos municípios, foram incluídas no sorteio apenas as fichas dos cadastros realizados de janeiro a novembro de 2011. Ao verificar-se a baixa qualidade da segunda via da ficha, foram acrescidas mais 20% ao total da amostra, para evitar perdas por reprodução ilegível das sorteadas. Dessa forma, o total geral da amostra passou a ser de 287 fichas, assim distribuídas: 1ª região de saúde (Município A) - 92 fichas; 2ª região de saúde (Município B) - 35 fichas; 3ª região de saúde (Município C) - 43 fichas; 4ª região de saúde (Município D) - 101 fichas; 5ª região de saúde (Município E) - 16 fichas. A partir do total de fichas localizadas nos arquivos das secretarias municipais de saúde (SMS) definiu-se o pulo amostral e foi realizado o sorteio da primeira ficha de forma aleatória simples, sem reposição.

A coleta de dados foi feita com o apoio da Gerência do Núcleo de Atenção à Saúde de Grupos Específicos (Hipertensão e Diabetes)/Diretoria de Atenção Básica/Secretaria de Estado da Saúde, coordenadores municipais da atenção básica e digitadores do SisHiperdia.

Do bloco de cadastramento, foram selecionadas as variáveis de identificação do estabelecimento de saúde (nome da Unidade de Saúde, código SIA/SUS e número do prontuário) e do usuário (nome do paciente, data de nascimento, sexo, raça/cor, escolaridade, nome e número do logradouro). Do bloco de atendimento, foram analisadas todas as variáveis dos dados clínicos mensuráveis (pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, cintura, peso, altura, glicemia capilar e tipo de glicemia); fatores de risco e doenças concomitantes (antecedentes familiares - cardiovasculares, diabetes tipo 1, diabetes tipo 2, tabagismo, sedentarismo, sobrepeso/obesidade e hipertensão arterial); presença de complicações (infarto agudo do miocárdio, outras coronariopatias, acidente vascular cerebral (AVC), pé diabético, amputação por diabetes e doença renal) e responsável pelo atendimento (data da consulta e assinatura do responsável).

Todas as variáveis foram identificadas segundo o tipo de campo para entrada de dados como obrigatório ou não obrigatório, conforme legenda informada na ficha de cadastro.

Análise estatística

O processamento das fichas foi realizado em banco de dados criado no Microsoft Office Access 2007. Os dados foram analisados no software Epi Info 2000 versão 3.5.3 e no BioEstat versão 5.0.

Para reduzir erros de digitação, precodificou-se os campos em 0-Não preenchido e 1-Preenchido e processaram-se as fichas de cadastro em dupla entrada independente. As discordâncias foram resolvidas por consenso. Como os pressupostos para a realização de testes não paramétricos não foram atendidos em duas regiões de saúde, agruparam-se os dados por macrorregião de saúde, de acordo com a nova reorganização do PDR. O teste do qui-quadrado foi utilizado para verificar a homogeneidade dos percentuais de incompletitude entre as macrorregiões. Considerou-se a significância estatística quando p < 0,05.

A completitude foi avaliada utilizando-se como indicador o percentual de incompletitude, calculado dividindo-se o total de campos não preenchidos pelo total de campos preenchidos e multiplicando-se o resultado pela base 100. Consideraram-se não preenchidos os campos sem informação (em branco) e os campos preenchidos cuja leitura gerasse interpretação dúbia. Na variável "assinatura do responsável", considerou-se o campo preenchido quando o nome do profissional estava escrito de forma legível ou rubricada e carimbada. Campos com opção de respostas dicotômicas (sim ou não) preenchidos concomitantemente foram considerados não preenchidos.

Para classificar o grau de completitude, utilizou-se o escore proposto por Romero e Cunha23, que estabelece as seguintes categorias para interpretação do percentual de incompletitude: < 5% - excelente; 5-10% - bom; 10-20% - regular; 20-50% - ruim e acima de 50% - muito ruim.

A concordância entre o preenchimento dos dados clínicos mensurados foi avaliada entre as variáveis que representam as medidas de pressão arterial, comparando os campos PAS/PAD e glicemia capilar e tipo de glicemia. Foi verificada a coerência entre o preenchimento dos campos referentes às medidas da pressão arterial (PAS e PAD) e o diagnóstico de hipertensão arterial e da medida da glicemia capilar e o diagnóstico de diabetes tipo 1 e tipo 2.

O grau de concordância foi mensurado pelo coeficiente Kappa. Para interpretá-lo, utilizou-se o critério de Landis & Koch citado por Lima et al.10: 0,00-0,20 - insignificante; 0,21-0,40 - discreta; 0,41-0,60 - moderada; 0,61-0,80 - substancial e 0,81-1,00 - quase perfeita.

Aspectos éticos

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ufal, conforme determina a Resolução 196/9624 do Conselho Nacional de Saúde.

Os secretários municipais de Saúde receberam explicações claras sobre justificativa, objetivos e benefícios da pesquisa e formalizaram a autorização mediante assinatura do Termo de Aceitação da Instituição, sendo garantida a confidencialidade das informações.

Resultados

Das variáveis, 22/32 (68%) foram bem preenchidas pelos profissionais de saúde, pois apresentaram percentual de incompletitude inferior a 10%. Apenas três variáveis tiveram o grau de completitude classificado como ruim e uma variável como muito ruim. No bloco de dados do cadastramento, que contém informações sobre a identificação do estabelecimento de saúde e do usuário do Programa Hiperdia, cinco entre 10 variáveis analisadas tiveram o preenchimento entre excelente e bom. Quanto aos dados referentes ao processo de atendimento do usuário, 77,3% das variáveis tiveram bom preenchimento (Tabela 1).

Tabela 1 Percentual de incompletitude e classificação do grau de completitude das variáveis de cadastramento e atendimento do SisHiperdia. Alagoas, 2011. 

Blocos Percentual (n = 280) IC95% Escore
Identificação do estabelecimento de saúdea
Unidade de Saúde 5,4 (3,0-8,7) Bom
Código SIA/SUS 36,4 (30,8-42,4) Ruim
Número do prontuário 12,1 (8,6-16,6) Regular
Identificação do usuárioa
Nome do paciente 0,7 (0,1-2,6) Excelente
Data de nascimento 1,1 (0,2-3,1) Excelente
Sexo 1,8 (0,6-4,1) Excelente
Raça/Cor 11,8 (8,3-16,2) Regular
Escolaridade 10,4 (7,0-14,5) Regular
Nome do logradouro 3,2 (1,5-6,0) Excelente
Número do logradouro 41,4 (35,5-47,4) Ruim
Dados clínicos mensuráveisb
PAS 6,5 (3,9-10,0) Bom
PAD 6,1 (3,6-9,5) Bom
Cintura (cm) 21,4 (16,8-26,7) Regular
Peso (kg) 6,1 (3,6-9,5) Bom
Altura (cm) 7,5 (4,7-9,5) Bom
Glicemia capilar 66,8 (60,9-72,3) Muito ruim
Tipo de glicemiac (Jejum/pós prandial) 11,8 (6,1-20,2) Regular
Fatores de risco/doenças concomitantesb
Antecedentes familiares-cardiovasculares 6,8 (4,1-10,4) Bom
Diabetes tipo 1 5,7 (3,3-9,1) Bom
Diabetes tipo 2 5,4 (3,0-8,7) Bom
Tabagismo 4,3 (2,2-7,4) Bom
Sedentarismo 5,0 (2,8-8,2) Bom
Sobrepeso/obesidade 5,0 (2,8-8,2) Bom
Hipertensão arterial 5,4 (3,0-8,7) Bom
Presença de complicaçõesb
Infarto agudo do miocárdio 6,1 (3,6-9,5) Bom
Outras coronariopatias 5,7 (3,3-9,1) Bom
AVC 5,4 (3,0-8,7) Bom
Pé diabético 5,7 (3,3-9,1) Bom
Amputação por diabetes 5,7 (3,3-9,1) Bom
Doença renal 6,4 (3,9-10,0) Bom
Responsável pelo atendimentob
Data da consulta 10,7 (7,3-14,9) Regular
Assinatura do responsável 41,8 (35,9-47,8) Ruim

Fonte: Autora, 2013

Notas: a Dados do cadastramento

b Dados do Atendimento

c Como o campo "Tipo de glicemia" deve ser preenchido quando o valor da glicemia for informado, o percentual de incompletitude foi calculado para os registros com a variável "Glicemia capilar" preenchida (n = 93)

SisHiperdia: Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos

PAS: Pressão Arterial Sistólica

PAD: Pressão Arterial Diastólica

AVC: Acidente Vascular Cerebral

SIA/SUS: Sistema de Informação Ambulatorial/Sistema Único de Saúde

Nos dados do cadastramento, verificou-se preenchimento entre excelente e bom para as variáveis "nome da unidade de saúde", "nome do paciente", "data de nascimento", "sexo" e "nome do logradouro". Embora o "nome do logradouro" estivesse presente em mais de 95% dos cadastros, o "número do logradouro" foi deixado em branco em mais de 40% destes. Outra variável com preenchimento deficitário foi o "Código SIA/SUS", que deixou de ser informado em mais de 40% dos cadastros. Já as variáveis sociodemográficas "raça/cor" e "escolaridade" tiveram apenas preenchimento regular ( Tabela 1 ).

Em relação às características do processo de atendimento, a boa completitude do formulário foi homogênea entre as informações relacionadas aos fatores de risco/doenças concomitantes e presença de complicações. Os dados clínicos mensuráveis e as informações referentes ao responsável pelo atendimento apresentaram problemas quanto ao preenchimento. Nos dados clínicos, a informação sobre o resultado do exame da "glicemia capilar" foi deixada em branco em quase 70% das fichas analisadas e a circunferência da "cintura" em mais de 20%; diante disso, o grau de completitude dessas variáveis foi classificado como muito ruim e regular, respectivamente, inviabilizando sua utilização em estudos epidemiológicos. Quanto às informações sobre o profissional de saúde que realizou o atendimento, a "assinatura do responsável" teve completitude ruim, uma vez que em 15% foi deixada em branco e em 26,8% estava ilegível ( Tabela 1 ).

A avaliação da completitude por área geográfica evidenciou que, de um modo geral, os municípios que compõem a 1ª macrorregião de saúde coletaram dados menos completos. Das 32 variáveis analisadas, apenas 15 (46,9%) foram classificadas com grau de completitude entre excelente e bom, enquanto entre aqueles da 2ª macrorregião esse percentual foi quase o dobro (81,2%). Em 22 (62,5%) variáveis, os percentuais de incompletitude da 1ª macrorregião foram mais elevados, com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05). Embora a 2ª macrorregião tenha apresentado percentuais mais elevados nas variáveis "número do prontuário", "número do logradouro" e "glicemia capilar", a diferença não foi estatisticamente significativa (p = 0,57; 0,67 e 0,22, respectivamente) (Tabela 2).

Tabela 2 Percentual de incompletitude das variáveis referente aos dados de cadastramento e atendimento do SisHiperdia segundo macrorregiões de saúde. Alagoas, 2011. 

1ª Macrorregião 2ª Macrorregião
Blocos (n = 136) (n = 144)
% IC95% % IC95% p-value
Identificação do estabelecimento de saúdea
Nome Unidade de Saúde 7,4 (3,6-13,1) 3,5 (1,1-7,9) 0,14
Código SIA/SUS 50,7 (42,0-59,4) 22,9 (16,3-30,7) 0,00
Número do prontuário 11,0 (6,3-17,5) 13,2 (8,1-19,8) 0,57
Identificação do usuárioa
Nome do paciente 1,0 (0,2-5,2) 0,0 - -
Data de nascimento 1,5 (0,2-5,2) 0,7 (0,0-3,8) -
Sexo 3,7 (1,2-8,4) 0,0 - -
Raça/Cor 19,1 (12,9-26,7) 4,9 (2,0-9,8) 0,02
Escolaridade 16,2 (10,4-23,5) 4,9 (2,0-9,8) 0,00
Nome do logradouro 3,7 (1,2-8,4) 2,8 (0,8-7,0) 0,29
Número do logradouro 38,2 (30,4-47,0) 44,4 (36,2-52,9) 0,67
Dados clínicos mensuráveisb
PAS 11,8 (6,9-18,4) 1,4 (0,2-5,0) 0,00
PAD 11,8 (6,9-18,4) 0,7 (0,0-3,8) 0,00
Cintura (cm) 27,9 (20,6-36,3) 15,3 (9,8-22,2) 0,00
Peso (kg) 11,0 (6,3-17,5) 1,4 (0,2-4,9) 0,00
Altura (cm) 12,5 (7,5-19,3) 2,8 (0,8-7,0) 0,00
Glicemia capilar (mg/d) 63,2 (54,5-71,3) 70,1 (62,0-77,5) 0,22
Tipo de glicemiac 14,1 (5,8-26,7) 9,3 (2,6-22,1) 0,48
Fatores de risco/doenças concomitantesb
Antecedentes familiares-cardiovasculares 11,8 (6,9-18,4) 2,1 (0,4-6,0) 0,00
Diabetes tipo 1 9,6 (5,2-15,8) 2,1 (0,4-6,0) 0,00
Diabetes tipo 2 8,8 (4,6-14,9) 2,1 (0,4-6,0) 0,01
Tabagismo 7,4 (3,6-13,1) 1,4 (0,2-4,9) 0,01
Sedentarismo 7,4 (3,6-13,1) 2,8 (0,8-7,0) 0,07
Sobrepeso/obesidade 7,4 (3,6-13,1) 2,8 (0,8-7,0) 0,07
Hipertensão arterial 8,1 (4,1-14,0) 2,8 (0,8-7,0) 0,04
Presença de complicaçõesb
Infarto agudo do miocárdio 9,6 (5,2-15,8) 2,8 (0,8-7,0) 0,01
Outras coronariopatias 9,6 (5,2-15,8) 2,1 (0,4-6,0) 0,00
AVC 8,8 (4,6-14,9) 2,1 (0,4-6,0) 0,01
Pé diabético 8,8 (4,6-14,9) 2,8 (0,8-7,0) 0,02
Amputação por diabetes 8,8 (4,6-14,9) 2,8 (0,8-7,0) 0,02
Doença renal 9,6 (5,2-15,8) 3,5 (1,1-7,9) 0,03
Responsável pelo atendimentob
Data da consulta 17,6 (11,6-25,1) 4,2 (1,5-8,5) 0,00
Assinatura do responsável 47,8 (39,2-56,5) 36,1 (28,3-44,5) 0,04

Fonte: Autora, 2013

Notas: a Dados de cadastramento

b Dados de atendimento

c Como o campo "Tipo de glicemia" deve ser preenchido quando o valor da glicemia for informado, o percentual de incompletitude foi calculado para os registros com a variável "Glicemia capilar" preenchida: 1ª Macrorregião de saúde (n = 50) e 2ª Macrorregião de saúde (n = 43)

SisHiperdia: Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos

PAS: Pressão Arterial Sistólica

PAD: Pressão Arterial Diastólica

AVC: Acidente Vascular Cerebral

Quanto à análise por bloco de dados, verificou-se que, entre as variáveis do cadastramento, há uma diferença estatisticamente significativa entre os percentuais da 1ª macrorregião de saúde referente às variáveis "Cód. SIA/SUS", "raça/cor" e "escolaridade", que foram quase o dobro do encontrado na 2ª macrorregião. Convém destacar que as variáveis "nome do paciente" e "sexo" tiveram 100% de completitude na 2ª macrorregião de saúde ( Tabela 2 ).

Com relação aos fatores de risco e doenças concomitantes/presença de complicações, a situação por área geográfica é homogênea, semelhante à observada para o conjunto de dados do Estado, que receberam classificação entre "excelente" e "bom", exceto para a variável "antecedentes familiares-cardiovasculares". No entanto, no conjunto dessas variáveis, os percentuais de incompletitude da 1ª macrorregião são superiores, em quase quatro vezes ou mais, aos da 2ª macrorregião. Em 11 (84,6%) das 13 variáveis que compõem esse bloco, as diferenças nos percentuais entre as duas macrorregiões foram estatisticamente significativas (p < 0,05) ( Tabela 2 ).

No conjunto das variáveis de dados clínicos mensuráveis, há maior heterogeneidade nos resultados, com variáveis apresentando diferentes graus de completitude - à exceção da "glicemia capilar", que teve preenchimento muito ruim nos dois locais avaliados, e da medida da "cintura", que apresentou preenchimento ruim na 1ª e regular na 2ª macrorregião de saúde. Quanto aos dados do responsável pelo atendimento, a "assinatura do responsável" foi deixada em branco ou estava ilegível em mais de 35% dos cadastros realizados na 2ª macrorregião e quase 50% da 1ª (p < 0,04).

Em relação à coerência da completitude entre variáveis relacionadas, ou seja, dados clínicos mensuráveis e fatores de risco/doenças concomitantes, foi observada excelente concordância entre o registro da medida da pressão arterial (sistólica e diastólica) (Kappa = 0,96) e da "glicemia capilar" e o "tipo de glicemia" (Kappa = 0,86). Os dados informados sobre as medidas da pressão arterial e o diagnóstico de hipertensão, peso e altura e a classificação do usuário com sobrepeso/obesidade e da glicemia capilar com o diagnóstico de diabetes tipo 1 e tipo 2 não tiveram preenchimento coerente (Tabela 3).

Tabela 3 Concordância do preenchimento entre variáveis relacionadas do SisHiperdia. Alagoas, 2011. 

Categorias de dados Kappa p-valor
Clínicos mensurados
PAS x PAD 0,96 < 0,00
Glicemia capilar vs Tipo de glicemia 0,86 0,00
Clínicos mensurados e fatores de risco/doenças concomitantes
PAS e PAD vs Hipertensão Arterial 0,00 0,40
Peso e altura vs Sobrepeso/obesidade 0,15 0,00
Glicemia capilar vs Diabetes tipo 1 -0,01 0,17
Glicemia capilar vs Diabetes tipo 2 -0,01 < 0,00

Fonte: Autora, 2013

Notas: Interpretação Kappa: (0,00-0,20) = insignificante

(0,21-0,40) = discreta

(0,41-0,60) = moderada

(0,61-0,80) = substancial

(0,81-1,00) = quase perfeita

SisHiperdia: Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos

PAS: Pressão Arterial Sistólica

PAD: Pressão Arterial Diastólica

Na avaliação segundo o tipo de campo, que define a forma de entrada de dados no SisHiperdia, verificou-se que, no conjunto de variáveis obrigatórias (n = 15), os percentuais de incompletitude foram mais elevados e apresentaram maior dispersão. Os campos não obrigatórios (n = 17) apresentaram percentuais homogêneos e relativamente mais baixos (Figure 1).

Figura 1 Percentual de incompletitude segundo tipo de campo. 

A única exceção refere-se ao preenchimento da medida da "glicemia capilar", que obteve o percentual de incompletitude mais elevado de todas as variáveis analisadas (66,8%). Entre as variáveis obrigatórias, as que apresentaram maior percentual de incompletitude foram "assinatura do responsável", "Cód. SIA/SUS", "raça/cor" e "escolaridade" (Tabela 4).

Tabela 4 Percentual de incompletitude e classificação do grau de completitude das variáveis do SisHiperdia segundo tipo de campo. Alagoas, 2011. 

Tipo de campo Percentual Escore
(n=280)
Não obrigatório
Tabagismo 4,3 Bom
Sedentarismo 5,0 Bom
Sobrepeso/obesidade 5,0 Bom
Diabetes tipo 2 5,4 Bom
Hipertensão Arterial 5,4 Bom
AVC 5,4 Bom
Diabetes tipo 1 5,7 Bom
Outras coronariopatias 5,7 Bom
Pé diabético 5,7 Bom
Amputação por diabetes 5,7 Bom
Infarto agudo do miocárdio 6,1 Bom
Doença renal 6,4 Bom
Antec. familiares cardiovasc. 6,8 Bom
Número do prontuário 12,1 Regular
Cintura (cm) 21,4 Regular
Glicemia capilar (mg/d) 66,8 Muito ruim
Tipo de glicemiaa 11,8 Regular
Obrigatório
Nome do paciente 0,7 Excelente
Data de nascimento 1,1 Excelente
Sexo 1,8 Excelente
Nome do logradouro 3,2 Excelente
Unidade de Saúde 5,4 Bom
PAD 6,1 Bom
Peso (kg) 6,1 Bom
PAS 6,5 Bom
Altura (cm) 7,5 Bom
Escolaridade 10,4 Regular
Data da consulta 10,7 Regular
Raça/cor 11,8 Regular
Código SIA/SUS 36,4 Ruim
Número do logradouro 41,4 Ruim
Assinatura do responsável 41,8 Ruim

Fonte: Autora, 2013

Notas: a Como o campo "Tipo de glicemia" deve ser preenchido quando o valor da glicemia for informado, o percentual de incompletitude foi calculado para os registros com a variável "Glicemia capilar" preenchida (n = 93)

SisHiperdia: Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos

AVC: Acidente Vascular Cerebral

PAS: Pressão Arterial Sistólica

PAD: Pressão Arterial Diastólica

SIA/SUS: Sistema de Informação Ambulatorial/Sistema Único de Saúde

Convém ressaltar que entre as fichas de cadastro da amostra já digitadas no SisHiperdia quase 20% tinham retornado à unidade de saúde para complementação dos dados.

Discussão

No período estudado, as fichas de cadastro do SisHiperdia apresentaram boa completitude em quase 70% das variáveis. Nessa perspectiva, denota-se a possibilidade do uso desses dados em estudos epidemiológicos no Estado. Todavia, foram observadas deficiências no preenchimento de algumas variáveis relativas aos dados de identificação da unidade de saúde e do usuário, dados clínicos mensuráveis e informações referentes ao responsável pelo atendimento prestado, o que compromete o conjunto analisado.

Os dados de identificação (do indivíduo assistido, da instituição ou local de assistência, do profissional prestador do atendimento) são atributos comuns, de uso obrigatório para todos os sistemas de informações em saúde, pois possibilitam a intercomunicação entre sistemas e bases de dados na área da saúde25,26. Foram definidos desde a década de 90, por meio da Portaria Ministerial Nº 3.947/9826. A ausência de registros como os encontrados nesse estudo denota problemas que refletem na cobertura do SisHiperdia, no conhecimento limitado dessas patologias segundo fatores de risco, como a etnia e as condições socioeconômicas27, e na continuidade da prestação dos cuidados26.

Registros incompletos de dados de identificação prejudicam os processos de busca ativa de casos, monitoramento de ações dos programas de saúde e visitação domiciliar26. Chama a atenção que os percentuais de incompletitude dos dados de identificação encontrados na amostra estudada foram quase o dobro dos observados por Zillmmer et al.11 no SisHiperdia de Pelotas (RS) e Oliveira28 em Guarapuava (SP). No que concerne às variáveis sociodemográficas (raça/cor e escolaridade), os resultados são semelhantes a outros SIS11,14,28-32. A despeito das evidên cias de melhoria no preenchimento dessas variáveis, a completitude ainda é classificada como ruim e muito ruim em várias regiões do País14,23,29-31,33.

Há estudos mostrando que o preenchimento de dados de identificação dos SIS tem sido realizado por profissionais da área administrativa, técnicos e/ou auxiliares de enfermagem14,33. O manual do SisHiperdia faz menção que estes dados, exceto as variáveis "data da consulta" e "assinatura do responsável", inseridas no bloco de atendimento, poderão ser preenchidos pelo responsável para fazer o cadastramento, geralmente o agente comunitário de saúde. Isso indica a necessidade de maior envolvimento destes profissionais no processo como um todo, a saber, na coleta de dados e participação nas reuniões de atualização, monitoramento e avaliação do SisHiperdia, como estratégia para melhorar a qualidade do trabalho.

As informações sobre as medidas antropométricas, da pressão arterial e do exame para dosagem de glicemia são relevantes para confirmação do diagnóstico, avaliação das condições clínicas do paciente e classificação do risco cardiovascular a que estão submetidos. São extremamente úteis para direcionar a conduta terapêutica mais adequada para cada caso. Nos três estudos5,11,26 que avaliaram a completitude dessas variáveis, os percentuais encontrados foram mais elevados que outras variáveis estudadas, mas em patamares bem inferiores aos observados em nosso estudo. Tem-se o exemplo em que a ausência de preenchimento da variável "glicemia capilar" foi quase quatro vezes maior que os valores encontrados por Zillmer et al.11. Esses achados apontam para deficiências na assistência à saúde que precisam ser mais investigadas.

Vasconcellos et al.26, estudando a presença de características do processo de atendimento em uma amostra de prontuários referentes aos portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitus em quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro, ressalta que o pequeno número de registro das medidas de peso, pressão arterial e glicemia sugere dificuldades na continuação da prestação do cuidado e baixa qualidade técnico-científica, vez que o registro em prontuário caracteriza prosseguimento da assistência e a baixa qualidade técnico-científica corresponde à adequação das ações ao conhecimento vigente.

Essa afirmação é corroborada por Costa15 e Pereirae34 ao realizarem pesquisa avaliativa sobre a implantação do programa de Hipertensão e Diabetes em Recife/PE. As autoras identificaram falhas na operacionalização dos programas decorrentes da infraestrutura inadequada das unidades de saúde, deficiência de insumos e baixa qualificação dos profissionais de saúde na atenção aos hipertensos e diabéticos. A ausência de uma coordenação-geral para os referidos programas, a manutenção rotineira dos equipamentos e a disponibilidade de materiais básicos para o diagnóstico foram aspectos da estrutura considerados críticos no município. Com relação ao SisHiperdia, as autoras relataram que não há regularidade no envio de dados, em decorrência da baixa adesão dos profissionais no envio das fichas (cadastro e acompanhamento) e precário uso das informações pelas equipes de saúde da família no planejamento das ações de controle desses agravos.

Ainda com relação aos dados clínicos mensuráveis, outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado diz respeito à baixa confiabilidade dos dados antropométricos coletados em Alagoas. Um estudo realizado por Lima et al.35 para avaliar a confiabilidade dos dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) em uma amostra de 20 municípios alagoanos encontrou uma "diversidade de instrumentos disponíveis nos serviços de saúde para realização das medidas de comprimento/altura, aliado ao mau posicionamento dos mesmos e à inadequação da técnica utilizada pelos antropometristas". Também foi identificada a falta de adequação e/ou manutenção dos equipamentos, capacitação e/ou motivação entre os profissionais envolvidos para a realização das ações. Por isso, os dados que representam essas medidas no SisHiperdia podem apresentar limitações que só um estudo de outras dimensões de qualidade poderá identificar. Embora o público-alvo dessa pesquisa tenha sido composto por crianças menores de cinco anos, a inconsistência verificada no preenchimento da variável sobrepeso/obesidade em nosso trabalho aponta para a necessidade de outra investigação, visando identificar os critérios utilizados pelas equipes de saúde para caracterizar esse fator de risco.

Jardim e Leal36 também já levantaram os mesmos questionamentos sobre esse assunto, pois uma avaliação da qualidade dos dados do SisHiperdia identificou que o registro desse dado estava presente em 63% dos cadastros e quando o Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado, com os dados disponíveis na ficha de cadastro, esse percentual aumentou para 79,4%. Nesse estudo, foi avaliada apenas a coerência entre o preenchimento da variável, mas chamou a atenção o fato de que alguns dados referentes à confirmação do diagnóstico estavam ausentes, mas havia informações nos campos sobre a presença ou não da patologia ou fator de risco.

A não concordância entre os dados registrados suscita questionamentos quanto à fidedignidade dessas informações e adequações do preenchimento, bem como quanto aos critérios utilizados para a caracterização clínica dessas informações, vez que fica a cargo do profissional, especialista ou não, o julgamento clínico quando do preenchimento do formulário36. No nível individual, esses equívocos no diagnóstico podem comprometer a atenção adequada aos hipertensos e diabéticos por parte dos profissionais de saúde. No nível coletivo, poderão constituir-se em vieses para os estudos epidemiológicos sobre a prevalência das doenças e sua associação com os fatos de risco, bem como interferir na adequada aquisição de insumos e medicamentos específicos.

Outro aspecto que precisa ser rediscutido pelos gestores do sistema diz respeito ao número de variáveis definidas como campo obrigatório para entrada de dados. Enquanto no Sinan há, em média, seis campos com essa característica, no SisHiperdia há em torno de 32 campos. Se, por um lado, essa proposta visa garantir a geração de dados mais completos, por outro, interfere diretamente na cobertura dos eventos. Quando o profissional de saúde deixa uma dessas variáveis em branco, desencadeia-se uma série de acontecimentos que, se não forem bem conduzidos, poderão ter como consequência a perda daquele cadastro. Fichas de cadastros com preenchimento incompleto, ilegíveis ou inconsistentes resultam em duplo trabalho para digitadores e profissionais de saúde, pois precisam envidar esforço extra para recuperar a informação perdida. Se não houve um controle efetivo das fichas que precisam ter seus dados complementados, certamente a consequência será o sub-registro daquele cadastro.

Essa situação foi vivenciada durante a coleta de dados para esta pesquisa, quando, nas secretarias municipais de saúde visitadas, verificou-se quase o dobro de fichas de cadastro comparadas ao total de cadastros disponibilizados no sítio do Datasus. Essa situação requer atenção especial dos gestores do sistema, visto que, assim como Zillmer et al.11 encontraram em Pelotas (RS) percentuais de incompletitude mais elevados entre este grupo de variáveis, o mesmo padrão também foi observado nos dados de Alagoas.

Sobre esse tema, a literatura ainda apresenta pontos controversos. Vasconcellos et al.26 defendem que a melhoria da qualidade do registro em saúde pode ocorrer mediante incentivo à estruturação de campos obrigatórios. Por outro lado, Costa e Frias37 entendem que, ao identificar variáveis como "mais importantes", pode-se estimular a cultura de não preenchimento em função da falta de valorização daquela variável. Entende-se que essa é uma questão mais complexa, que exige maior aprofundamento a partir de estudos mais específicos. A redução do número de variáveis dos SIS38 evitando a coleta de dados desnecessários ou subutilizados, a identificação e revisão de questões mal formuladas que induzem respostas diferenciadas; a capacitação e o envolvimento dos profissionais de saúde e gestores do sistema com o processo de coleta de dados, aliados à padronização dos critérios de diagnóstico; e, a utilização de técnicas qualitativas para avaliação dos SIS39 podem ser estratégias eficazes para melhorar a completitude dos dados.

No presente estudo, não se levou em consideração a cobertura do cadastro. Portanto, se houver aumento da cobertura sem estar associada a estratégias para melhorar a qualidade do preenchimento, poderá elevar-se ainda mais o problema da incompletitude. Vale salientar que a melhoria do preenchimento de algumas variáveis pode estar associada à adequada infraestrutura das unidades de saúde e à disponibilidade de insumos básicos para o desenvolvimento adequado das ações do Programa Hiperdia. Outra questão é que essa análise limitou-se a verificar se os campos estavam ou não preenchidos e as inconsistências estudadas dizem respeito apenas a essa situação. A confiabilidade e a validade das informações produzidas pelo SisHiperdia devem ser objetos de estudos posteriores, pois falhas no cadastro e acompanhamento de hipertensos e diabéticos também foram relatadas por Malfatti e Assunção40.

A boa completitude da maioria das variáveis confirma seu potencial para ampliar o conhecimento sobre a epidemiologia da hipertensão arterial e diabetes mellitus no Estado. No entanto, é preciso que os usuários dessas informações estejam atentos às limitações da cobertura e tenham atenção especial para os dados com registros contraditórios. Sugerem-se outros estudos para aprofundar o conhecimento sobre fatores que contribuem para a baixa qualidade dos dados clínicos mensuráveis e avaliação de outros atributos de qualidade, abordando as variáveis relacionadas aos fatores de risco e presença de complicações.

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