versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.3 São Paulo jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150054
A Doença Renal Crônica (DRC) é cada vez mais prevalente no Brasil e no mundo.1 A sobrevida dos portadores de DRC, particularmente dos que necessitam de diálise, é muito inferior à de pessoas da população geral de mesma idade.2 A doença cardiovascular é a principal causa de óbito nesses pacientes3,4 e está diretamente relacionada à presença de hipertrofia ventricular esquerda (HVE), que acomete 75% dos pacientes em diálise.5,6 A presença dessa alteração marca os pacientes que desenvolverão desfechos cardiovasculares fatais.7,11
A hipertensão arterial (HA), que tem prevalência de 60% a 80% na população dialítica,12 é a principal causa da HVE em diálise. Assim, além de constituir a primeira causa de DRC em nosso meio,2 a HA pode exercer influência na mortalidade cardiovascular nos pacientes em fase tardia da DRC. Tal influência se deve principalmente ao controle inadequado da pressão arterial (PA)13,14 e a alterações hemodinâmicas devidas ao ganho de sódio e líquido no período interdialítico.6
O modelo morfológico mais característico do coração dos pacientes em diálise é de dilatação da cavidade acompanhada de espessamento progressivo das paredes do ventrículo esquerdo, que se torna menos reversível à medida que progride o tempo em diálise.15 A HVE constitui primariamente um processo de remodelamento adaptativo e minimiza o estresse da parede ventricular.16 Esse processo, inicialmente adaptativo, pode culminar em hipertrofia inapropriada que redunda em insuficiência cardíaca congestiva e altas taxas de morbidade e de mortalidade.
Discute-se na literatura se é possível reduzir a HVE em pacientes em diálise. Alguns trabalhos demonstram essa redução,17,18 diminuição essa que associa-se a declínio do risco cardiovascular.17,18 Esses pressupostos fazem com que a reversão da HVE possa ser encarada como desfecho intermediário e, portanto, objetivo a ser alcançado na terapêutica desses pacientes. Assim, a ecocardiografia tem sido realizada periodicamente em nossos pacientes desde 1993.
Dessa forma, o objetivo primário do corrente trabalho é avaliar o comportamento da hipertrofia ventricular esquerda no decorrer desses 17 anos em pacientes de um centro universitário de diálise. O objetivo secundário é verificar as possíveis causas desse comportamento.
Foi realizado um estudo longitudinal retrospectivo que avaliou a HVE em pacientes submetidos à hemodiálise em nosso Serviço de Diálise. Foram incluídos 250 exames de pacientes com DRC terminal com idade superior a 18 anos que foram submetidos à avaliação ecocardiográfica de rotina.
A ecocardiografia foi realizada no dia interdialítico (portanto às segundas, quartas e sextas-feiras para os pacientes com diálise às terças, quintas-feiras e sábados e às terças e quintas-feiras para os demais pacientes), com condições clínicas e bioquímicas estáveis no programa de hemodiálise e ritmo cardíaco sinusal ao eletrocardiograma. Foram excluídos pacientes com hipertensão maligna, aqueles com dificuldades técnicas para obter a imagem ecocardiográfica e pacientes com doenças valvares hemodinamicamente significativas. Este estudo obedece à resolução 169/96 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu.
Foram avaliadas e comparadas entre si as ecocardiografias em quatro momentos distintos num período de 17 anos: 23 ecocardiografias em 1993, 50 em 2000, 77 em 2006 e 100 em 2010. Os dados foram obtidos a partir dos registros do prontuário médico. Dez aferições de PA, antes do início das sessões de hemodiálise prévias à realização do ecocardiograma, foram registradas, juntamente com os dados antropométricos: peso e altura, com os quais se calculou o índice de massa corporal (IMC) e o ganho médio de peso interdialítico (GMID).
O uso de drogas anti-hipertensivas também foi registrado e anotado o número de classes, bem como as classes de anti-hipertensivos utilizadas, classificadas como inibidores de enzima conversora (IECA), bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), betabloqueadores (β-bloq.), bloqueadores dos canais de cálcio (Bloq. Ca++), simpatolíticos (Simpatol.) e vasodilatadores (Vasodil.). Os dados a respeito dos anti-hipertensivos utilizados não estavam disponíveis para os pacientes avaliados em 1993.
Foram transcritos dos prontuários dos pacientes os resultados dos exames de hemoglobina, cálcio, fósforo e hormônio da paratireoide (PTH) no mesmo período da ecocardiografia. Não há dados referentes ao PTH do ano de 1993.
Especialistas em Ecocardiografia realizaram todos os exames. O ecocardiograma foi realizado com pacientes em decúbito lateral esquerdo e o membro superior esquerdo ligeiramente fletido sob a cabeça. As imagens foram obtidas conforme as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia e gravadas em videocassete para serem examinadas posteriormente. O coeficiente de variação entre dois observadores cegos, em nosso laboratório, é de 2%. As dimensões do VE foram medidas em três a cinco ciclos. O índice de função sistólica e diastólica foi obtido. O ecocardiograma foi realizado conforme técnica padrão19,20 e foram registrados os seguintes dados: diâmetro da câmara ventricular esquerda; espessura da parede posterior e septo, todos na diástole. Esses dados foram utilizados para calcular a massa ventricular esquerda (MVE), que foi indexada para a altura elevada à potência 2,7 para obter-se o índice de massa ventricular esquerda (IMVE).
Os dados foram analisados no software Sigma Stat 2.03. Empregou-se a análise de variância para distribuição paramétrica ou não paramétrica quando apropriado para comparar as variáveis contínuas. O teste do Qui-quadrado foi utilizado para comparar as variáveis categóricas e regressão linear múltipla para as correlações. Todos os testes foram considerados significantes ao nível de 5% (p = 0,05). Os dados de distribuição paramétrica foram expressos em média ± desvio padrão e os de distribuição não paramétrica em mediana (intervalo interquartílico).
Os dados clínicos idade, peso, altura, IMC, PA sistólica e diastólica, MVE, IMVE, uso de anti-hipertensivos divididos em IECA, BRA, β-bloqueadores, Bloq. Ca++, Vasodilatadores e Simpatologia e número de classes utilizadas por paciente são mostrados na Tabela 1. Também encontram-se nesta tabela o número de pacientes em diálise em cada um dos momentos, o número e frequência de pacientes com avaliação ecocardiográfica disponível.
Tabela 1 Evolução secular de parâmetros relacionados ao controle da hipertensão arterial em pacientes em hemodiálise
Ano | 1993 | 2000 | 2006 | 2010 | p |
---|---|---|---|---|---|
Pac. HD. (n) | 32 | 69 | 115 | 115 | |
Pac. avaliados (%) | 23 (72%) | 50 (72%) | 77 (67%) | 100 (87%) | |
Idade (anos) | 36 ± 15a | 47 ± 14b | 54 ± 14c | 59 ± 14c | < 0,001 |
Altura (cm) | 162 ± 10,3 | 161 ± 8,7 | 161 ± 9,1 | 162 ± 9,4 | 0,938 |
Peso (Kg) | 58 ± 11,7a | 58 ± 10,6a | 62 ± 13,0a | 67 ± 14,4b | < 0,001 |
IMC (m/Kg2) | 22 (19-24)a | 22 (20-24)a | 23 (21 -25)ab | 24 (22-29)b | < 0,001 |
PAS (mm Hg) | 163 (156-172)a | 150 (135-163)b | 146 (137-154)b | 142 (128-153)b | < 0,001 |
PAD (mm Hg) | 105 (100-109)a | 88 (83-105)b | 89 (82-93)b | 80 (74-90)c | < 0,001 |
Anúricos (número) | - | 28/50 | 37/77 | 45/100 | 0,424 |
Volume urinário (mL) | - | 60(0-440) | 190 (0-915) | 200(0-800) | 0,313 |
GMID (L) | - | 2,9 ± 0,80a | 2,7 ± 1,29ab | 2,4 ± 0,90b | 0,006 |
MVE g | 303 (243-411)a | 272 (234-391)a | 262 (227-318)a | 234 (193-266)b | < 0,001 |
IMVE g/m2,7 | 85 (67-102)a | 80 (66-102)a | 74 (63-86)a | 63 (52-76)b | < 0,001 |
Anti-hipertensivos | |||||
IECA (%) | - | 22 | 44 | 45 | 0,015 |
BRA (%) | - | 0 | 0 | 11 | < 0,001 |
IECA/BRA (%) | - | 22 | 44 | 55 | < 0,001 |
β-bloq. (%) | - | 2 | 20 | 41 | < 0,001 |
Bloq. Ca++ (%) | - | 26 | 29 | 38 | 0,236 |
Simpatol. (%) | - | 36 | 39 | 12 | < 0,001 |
Vasodil. (%) | - | 10 | 6 | 1 | 0,038 |
Número de classes | - | 1 (0-2)a | 1 (0-2)ab | 2 (1-2)b | 0,021 |
Pac. HD.: pacientes em hemodiálise; Pac. avaliados: pacientes avaliados; IMC: índice de massa corpórea; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; GMID: ganho de peso médio interdialítico; MVE: massa ventricular esquerda; IMVE: índice de massa ventricular esquerdo; IECA: inibidores da enzima conversora da angiotensina; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina; β-bloq.: betabloqueadores; Bloq. Ca++: bloqueadores do canal de cálcio; Simpatol.: simpatolíticos; Vasodil.: vasodilatadores.
abcletras iguais indicam semelhança estatística; dados expressos em média ± desvio padrão; mediana (intervalo interquartílico) ou porcentagem (%).
Observou-se um aumento na média de idade dos pacientes no decorrer dos anos (p < 0,001), que foi estatisticamente significante entre os três primeiros momentos avaliados (1993, 2000 e 2006), porém, não atingindo diferença entre este último e o ano de 2010.
A altura dos pacientes não apresentou diferença estatística no decorrer dos anos (p = 0,938). De maneira geral, o peso e o IMC dos pacientes aumentaram ao longo dos anos (p < 0,001). Em 2010, o peso foi estatisticamente diferente dos anos anteriores. O IMC, em 1993 e 2000, foi inferior ao de 2010. O IMC em 2006 foi intermediário e não apresentou diferença estatística com relação a nenhum dos demais momentos.
A PA sistólica diferiu quanto aos momentos avaliados (p < 0,001), foi semelhante nos anos de 2000, 2006 e 2010, porém, inferior em relação ao ano de 1993. A PA diastólica também diferiu entre os anos (p < 0,001): foi menor no ano de 2010 que nos anos anteriores; entre os anos de 2000 e 2006 não foi distinta, mas ambas foram menores que a do ano de 1993. Assim, observa-se, genericamente, uma redução da PA no decorrer dos anos. A proporção de anúricos e o volume urinário não diferiram estatisticamente nos anos estudados. O ganho médio interdialítico sofreu redução significante.
Quanto aos dados ecocardiográficos, MVE e IMVE, nota-se uma redução numérica que se torna estatisticamente significante no último período de observação (p< 0,001). Assim, a MVE e o IMVE no ano 2010 foram estatisticamente inferiores aos anos anteriores, porém, a diferença entre os demais anos não atingiu significância estatística.
Ao longo dos anos, houve um aumento da utilização de IECA (p = 0,015), BRA e β-bloqueadores (p < 0,001). Somente no ano de 2010 foi observado o uso de BRA pelos pacientes em diálise (11% em 2010 vs. 0% em 2006 e 2000) [p < 0,001]. Em 2010, o β-bloqueador foi prescrito para 41% dos pacientes, em comparação com 20% em 2006 e 2% em 2000. O emprego dos simpatolíticos (p < 0,001) e vasodilatores (p = 0,038) no tratamento da hipertensão arterial foi diminuindo gradativamente com o tempo. Em 2010, os simpatolíticos passaram a ter uma participação em apenas 12% dos pacientes, contrapondo-se a uma porcentagem de 39% em 2006 e 36% em 2000 (p < 0,001). O número de classes de anti-hipertensivos prescritos aumentou em 2010 comparado a 2000 (p = 0,021), porém, não foi diferente em relação a 2006.
A Tabela 2 apresenta os níveis séricos de hemoglobina, cálcio, fósforo e PTH. Observam-se maiores níveis de hemoglobina no ano de 2010 quando comparados a 1993 (p < 0,001). Não houve diferença dos níveis de cálcio e fósforo nos diferentes anos (p > 0,05). Nota-se aumento progressivo do hormônio da paratireoide entre os anos de 2000, 2006 e 2010 (p < 0,001).
Tabela 2 Evolução secular de parâmetros hematológicos e bioquímicos relacionados em pacientes em hemodiálise
Ano | 1993 | 2000 | 2006 | 2010 | p |
---|---|---|---|---|---|
Pac. (n) | 32 | 69 | 115 | 115 | - |
Pac. avaliados (%) | 23 (72%) | 50 (72%) | 77 (67%) | 100 (87%) | - |
Hemoglobina (g/dL) | 7,3 (6,7-8,2)a | 10,1 (9,2-11,3)b | 10,7 (9,5-11,8)b | 11,6 (10,6-12,7)c | < 0,001 |
Cálcio (mg/dL) | 9,0 (8,6-9,6) | 9,0 (8,5-9,4) | 9,1 (8,3-9,7) | 8,9 (8,6-9,4) | 0,863 |
Fósforo (mg/dL) | 5,5 (4,6-6,3) | 5,2 (3,9-6,7) | 5,6 (4,2-7,8) | 5,2 (4,3-6,2) | 0,507 |
Hormônio da paratireoide (pg/dL) | - | 84 (49-245)a | 201 (99-494)b | 477 (250-810)c | < 0,001 |
Clearance residual de ureia (mL/min) | - | 0,28 (0-1,1) | 0,33 (0-1,9) | 0,42 (0-2,0) | 0,337 |
Pac.: pacientes;
a,b,cletras iguais indicam semelhança estatística; dados expressos em mediana (intervalo interquertílico).
A Tabela 3 representa a regressão múltipla que avalia a associação dos fatores envolvidos na HVE. Observa-se que a pressão arterial sistólica pré-diálise (p < 0,001) associou-se ao índice de massa ventricular esquerda de maneira independente de outras variáveis.
Tabela 3 Preditores do índice de massa ventricular esquerda em pacientes renais crônicos entre os anos de 1993, 2000, 2006 e 2010
Beta | p | |
---|---|---|
Idade (anos) | -0,053 | 0,500 |
IMC (Kg/m2) | 0,084 | 0,273 |
PAS (mm Hg) | 0,271 | < 0,001 |
Uso de IECA ou BRA | 0,017 | 0,820 |
PTH (pg/mL) | -0,067 | 0,380 |
Hemoglobina (g/dL) | -0,105 | 0,181 |
GMID (L) | 0,083 | 0,271 |
IMC: Índice de massa corpórea; PAS: Pressão arterial sistólica pré-diálise; IECA: Inibidores da enzima conversora da angiotensina; BRA: Bloqueadores do receptor da angiotensina; PTH: Paratormônio; GMID: Ganho médio de peso interdialítico.
A Figura 1 mostra a correlação da PAD e PAS nos anos avaliados. Observou-se que no ano de 1993 apenas 22% dos pacientes apresentavam pressão arterial abaixo de 140/90 mm Hg. No ano de 2000, este valor elevou-se para 34% dos pacientes e manteve-se semelhante no ano de 2006, com 35%. Em 2010, houve novo aumento na proporção de pacientes com controle adequado de PA, que atingiu o valor de 44%.
Figura 1 Diagramas de dispersão da pressão arterial diastólica (PAD) e pressão arterial sistólica (PAS) em diferentes momentos entre os anos de 1993 e 2010 em pacientes em hemodiálise.
A Figura 2 mostra uma correlação positiva entre as médias de PA sistólica em cada ano de avaliação e a respectiva média de IMVE. Observa-se que uma redução progressiva nos níveis de PA sistólica acompanhou-se de redução proporcional no IMVE no decorrer dos anos.
A HVE é comum em renais crônicos e prevê prognóstico ruim. A reversão da HVE pode ser um objetivo a ser atingido no tratamento desses pacientes. No decorrer dos últimos anos, passou a ocorrer em nosso serviço um aumento dos cuidados com a pressão arterial dos pacientes em diálise e passou-se a utilizar com maior frequência medicamentos com ação no sistema renina-angiotensina-aldosterona. Não se sabe qual o impacto dessas medidas na hipertrofia cardíaca desses pacientes. Assim, este trabalho teve por objetivo rever o comportamento da tendência secular do IMVE nos pacientes em diálise na nossa instituição.
No presente estudo, com o decorrer dos anos, observou-se uma redução progressiva da média da massa ventricular esquerda dos pacientes em diálise neste serviço, que foi acompanhada de redução progressiva dos níveis de pressão arterial e aumento da frequência de uso de medicamentos com ação no sistema renina angiotensina aldosterona e diminuição do uso dos vasodilatadores diretos.
Há evidências experimentais e clínicas de que a reversão da HVE é um objetivo terapêutico atingível no tratamento do paciente renal crônico. Essa reversão vem se tornando nos últimos anos um dos tópicos de destaque, principalmente pela possível melhora do prognóstico que ela poderia acarretar para o paciente hipertenso e para o renal crônico, constituindo-se um desfecho intermediário desejável.17 O foco de interesse tem sido o papel de proteção da estrutura vascular e miocárdica pelos diversos agentes anti-hipertensivos.
Os fatores patogênicos envolvidos na HVE na DRC estão relacionados com alterações na pré e pós-carga. Na pré-carga, os fatores relacionados envolvem a expansão do volume intravascular (sal e fluido) e anemia. No presente estudo, foi observada uma correlação inversa entre os níveis de hemoglobina e o IMVE. Em renais crônicos não dialíticos, observaram-se resultados semelhantes.21 Porém, o nível de hemoglobina durante os anos avaliados não foi um preditor independente da menor HVE quando avaliado em regressão linear múltipla.
A pós-carga é determinada pela impedância aórtica que é basicamente constituída de dois componentes: a complacência arterial e a resistência vascular periférica que, por sua vez, determina a pressão arterial. Estudos prévios encontraram forte relação entre a elevação da PAS e o desenvolvimento da HVE em pacientes renais crônicos em período pré-diálise.21,22 No corrente trabalho, encontramos redução da pressão arterial sistólica e diastólica ao longo dos anos. Consequentemente, houve redução significativa na pós-carga e assim na MVE, interessante notar que, no decorrer dos anos, houve uma correlação direta entre redução de PAS e do IMVE.
Os vasodilatadores constituem uma classe de drogas anti-hipertensivas que reduzem a pressão arterial, porém, não interferem na hipertrofia ventricular, e, no caso do minoxidil, podem até acentuá-la. É relevante que, no presente trabalho, a frequência do uso dessas drogas foi se reduzindo no decorrer dos anos. Ao passo que o uso de drogas que interferem em mecanismos patogênicos comuns à elevação da pressão arterial e ao crescimento miocárdico foi se tornando mais frequente.
Outro achado significativo no corrente estudo foi a utilização dos BRA nos anos mais recentes. Os mecanismos pelos quais as drogas anti-hipertensivas revertem a HVE não se restringem à mera redução da PA.23 A inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona, por ter um efeito redutor na resistência vascular periférica, que é determinante da pós-carga, afeta significativamente a MVE. Ainda essa inibição apresenta um efeito direto no miocárdio, independente de sua ação hipotensora. No entanto, em análise múltipla, o uso de IECA e BRA não se associou à IMVE de maneira independente da PA. Isto sugere que o efeito dessas drogas sobre os mecanismos de remodelação cardíaca foi mediado principalmente pelo seu efeito anti-hipertensivo.
Não se pode afastar que o melhor cuidado dos pacientes na fase pré-dialítica possa ter influenciado a intensidade da HVE no presente estudo. Sabe-se da literatura que pacientes com atendimento nefrológico prévio à entrada em diálise acabam por ter as alterações associadas à insuficiência renal tratadas de maneira mais eficiente (hipertensão, anemia e distúrbios minerais e ósseos), com consequente menor HVE.24
Quanto às datas de realização das ecocardiografias, há certa periodicidade, porém, irregular (sete anos do primeiro para o segundo momento, seis para o terceiro e quatro para o quarto momento). Há um acordo entre a Nefrologia e a Cardiologia em nossa instituição, que já dura duas décadas, para tentarmos avaliar periodicamente a ecocardiografia de nossos pacientes em diálise, entretanto, a periodicidade perfeita esbarra na sobrecarga clínica do serviço. Assim, as datas avaliadas coincidem com a disponibilidade do exame e, portanto, essa distribuição aparentemente aleatória deveu-se à disponibilidade de ecocardiografistas no serviço de Cardiologia, que, apesar de toda boa vontade, tem limitações de pessoal inerentes ao excesso de demanda.
As variações de volume do pré-dialítico para o pós-dialítico são intensas e realmente interfeririam decisivamente nos resultados, como verificado inclusive por nós.25 Assim, os exames ora apresentados não são nem do pré nem do pós-diálise imediatos. Ao solicitarmos os ecocardiogramas, o fizemos para o dia em que o paciente não realizava diálise. Não há como afirmar que não possa haver pequenas variações de volume do primeiro para o segundo e terceiro dias interdialíticos, entretanto, seguramente essas variações são muito pequenas quando comparadas às observadas entre o pré e o pós-dialítico.
O ganho de peso interdialítico, que foi associado ao IMVE de maneira independente da PA em trabalho prévio,25 sofreu redução progressiva, o que foi levado em conta na análise múltipla. Entretanto, esse fator de risco perdeu significância estatística ao ser ajustado para as demais variáveis, principalmente a pressão arterial.
Há que reconhecer algumas limitações neste estudo. Primeiramente, não temos informações sobre as medicações do primeiro período. Os exames de Ecocardiografia utilizados em nosso trabalho foram realizados em máquinas diferentes no transcorrer dos anos, porém, os profissionais responsáveis pela análise e leitura dos dados foram os mesmos. Por outro lado, seria possível que a redução observada na massa ventricular poderia ser explicada pelo viés de sobrevivência, ou seja, sobreviveram, no decorrer dos anos, pacientes com menor massa ventricular. Porém, mesmo excluindo-se os pacientes que se repetiram, a redução de massa ventricular descrita no corrente estudo manteve significância estatística (p = 0,001; dados não apresentados), o que exclui o viés de sobrevivência. Alguns dados referentes ao ano de 1993 são incompletos, o que constitui outra limitação deste trabalho. Ainda, não podemos excluir que outros fatores não acessados, tais como, avanços tecnológicos ou dietoterapia mais adequada possam ter participado dessa evolução favorável.
Em conclusão, a hipertrofia ventricular esquerda sofreu redução significante no decorrer dos 17 anos em nossa Unidade. Os fatores associados a essa redução que puderam ser identificados no corrente estudo foram a redução progressiva da pressão arterial e a elevação da hemoglobina. O efeito do uso mais frequente de medicamentos que têm ação no sistema renina-angiotensina-aldosterona na reversão da hipertrofia ventricular parece ter sido mediado pela redução da PA.