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Comportamentos saudáveis e escolaridade no Brasil: tendência temporal de 2008 a 2013

Comportamentos saudáveis e escolaridade no Brasil: tendência temporal de 2008 a 2013

Autores:

Lidyane do Valle Camelo,
Roberta Carvalho de Figueiredo,
Maryane Oliveira-Campos,
Luana Giatti,
Sandhi Maria Barreto

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.4 Rio de Janeiro abr. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015214.09742015

Abstract

This study analyzed data from the telephone-based Surveillance System of Risk and Protective Factors for Chronic Non-Communicable Diseases (VIGITEL) to assess the prevalence of clusters of healthy behavior patterns (non-smoker, non-alcohol-drinker, regular leisure-time physical activity and recommended consumption of fruit and vegetables) and the temporal trend between 2008 and 2013. Additionally, we evaluated whether the association between level of schooling and clustering of three or more healthy behavior patterns decreased in this same period. Prevalence ratios were obtained using Poisson regression. We found that between 2008 and 2013, the clustering prevalence of three or more healthy behavior patterns increased from 20% to 25% in men, and from 26% to 32% in women, suggesting an increase in the prevalence of healthy behavior patterns in Brazil. This increase was found at all levels of schooling. However, the association between levels of schooling and the prevalence of clustering of three or more healthy behavior patterns remained constant during the period. Thus, the results suggest that educational disparities in clustering of three or more healthy behavior patterns did not change over time, despite the social improvements observed in the country in recent years.

Key words: Health inequalities; Health behavior; Chronic disease; Level of schooling

Introdução

A mortalidade atribuível às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil diminuiu 20% entre 1996 e 2007, refletindo a redução em 31% da mortalidade por doenças cardiovasculares e de 38% por doenças respiratórias crônicas1. Apesar dessa redução, as DCNT foram responsáveis por 74% do total de óbitos registrados no Brasil no ano de 20102, evidenciando a liderança das mesmas na carga global de doenças no país.

A morbimortalidade por DCNT é maior em populações em desvantagens socioeconômicas3 e análise recente do Whitehall II Study demostrou que a desigualdade social no engajamento em quatro fatores de risco modificáveis (tabagismo, inatividade física, consumo abusivo de álcool e dieta não saudável), explicaram cerca de metade dessas inequidades para a mortalidade por doenças cardiovasculares4. No Brasil, os níveis de desigualdade e pobreza vêm diminuindo nos últimos anos, refletindo o crescimento econômico balanceado, o aumento do salário mínimo, as melhorias no mercado de trabalho (como redução do desemprego e do trabalho informal) e as políticas sociais (como os programas de transferência de renda)5,6. Consequentemente, uma fração significativa da população vivenciou uma mobilidade socioeconômica ascendente recente5,6. Entretanto, pouco se sabe se essas transformações econômicas e sociais no país estão relacionadas à redução da desigualdade social na prevalência e em padrões de comportamentos saudáveis, caracterizados pela ocorrência simultânea de vários desses atos protetores. Esses padrões de comportamento têm importantes implicações para a saúde pública devido ao seu efeito sinérgico para a diminuição da incidência de DCNT7,8 e de sua mortalidade9. Assim, uma redução da desigualdade na ocorrência simultânea de comportamentos saudáveis poderia impactar futuramente na diminuição da desigualdade da morbimortalidade por DCNT no país.

Este estudo analisou dados do Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) com o objetivo de estimar a prevalência de aglomeração de comportamentos saudáveis (não fumar, consumo não abusivo de álcool, prática de atividade física regular no lazer e consumo recomendado de frutas e hortaliças) entre adultos brasileiros segundo gênero, bem como sua tendência ao longo dos anos de 2008 a 2013. Adicionalmente, avaliamos a associação entre a escolaridade e a aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis no mesmo período e examinamos se houve uma redução da magnitude dessa associação ao longo do tempo, o que poderia representar uma queda da desigualdade social no perfil de saúde no Brasil.

Metodologia

Este estudo incluiu adultos de 18 a 64 anos participantes do Vigitel nos anos de 2008 a 2013. No Vigitel, anualmente são entrevistados por telefone cerca de 2000 adultos (≥ 18 anos de idade) das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal com objetivo de monitorar de forma contínua a prevalência dos principais fatores de risco e proteção para as DCNT em adultos do país. O processo de amostragem do Vigitel visa obter amostras probabilísticas da população de adultos residentes em domicílios que são servidos por pelo menos uma linha telefônica fixa em cada cidade. A metodologia detalhada do Vigitel está disponível em outra publicação10.

Variáveis do estudo

Neste estudo investigamos os seguintes comportamentos saudáveis: (1) Não fumar: foi considerado não fumante os participantes que referiram nunca ter fumado ou que não fumava no momento da entrevista; (2) Consumo não abusivo de álcool: ingestão de menos de cinco doses de bebida alcoólica em uma única ocasião nos últimos trinta dias, para homens, e de menos de quatro, para mulheres; ou ainda ter afirmado não ingerir bebidas alcoólicas. Uma dose de bebida alcoólica correspondeu a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de cachaça, whisky ou qualquer outra bebida alcoólica destilada; (3) Atividade física regular no lazer: prática de pelo menos 30 minutos diários de atividade física no lazer de intensidade leve ou moderada em cinco ou mais dias da semana; ou 20 minutos diários de atividade física no lazer de intensidade vigorosa em três ou mais dias da semana. Caminhada, caminhada em esteira, musculação, hidroginástica, ginástica em geral, natação, artes marciais e luta, ciclismo e voleibol/futevôlei e dança foram classificados como práticas de intensidade leve ou moderada; corrida, corrida em esteira, ginástica aeróbica, futebol/ futsal, basquetebol e tênis foram classificados como práticas de intensidade vigorosa; (4) Consumo recomendado de frutas e hortaliças: consumo de cinco ou mais porções desses alimentos por dia em cinco ou mais dias da semana.

Adicionalmente, para avaliar nos indivíduos a aglomeração dos comportamentos saudáveis descritos acima, foi criado um escore que variou de zero (ausência de comportamento saudável) até quatro (presença dos quatro comportamentos saudáveis).

A escolaridade categorizada em três grupos (0-8; 9-11; ≥ 12 anos de estudo) foi a variável explicativa principal neste estudo. Sexo, idade agrupada em faixas etárias (18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64), região de residência (sudeste, sul, centro-oeste, nordeste e norte), obesidade, diabetes e hipertensão arterial foram considerados como variáveis de ajuste. A obesidade foi definida como IMC ≥ 30 kg/m2 calculado a partir do peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros, ambos autorreferidos. Hipertensão arterial e diabetes foram consideradas presentes quando havia relato de diagnóstico médico prévio dessas doenças.

Análise dos dados

Descrição da população adulta do Vigitel em cada ano de realização do inquérito segundo as características sociodemográficas foi realizada por meio de distribuições de frequências. Todas as demais análises foram realizadas estratificadas por sexo para investigar possíveis diferenciais de gênero. Foram estimadas as prevalências de cada comportamento saudável separadamente e de sua aglomeração nos anos de 2008 a 2013. A significância estatística da tendência temporal dessas prevalências foi verificada por meio de regressão linear. Para essas análises foram consideradas como variáveis resposta as prevalências dos comportamentos e da aglomeração simultânea dos comportamentos saudáveis nos diferentes anos (variável contínua) e a variável explicativa correspondeu ao ano de realização do inquérito expresso como variável contínua. Assim, o coeficiente de regressão do modelo indicou a variação anual média expressa em pontos percentuais, que foi considerada significativa quando o coeficiente da regressão foi estatisticamente diferente de zero a um nível de significância de 5%10. Além disso, foi reportada a diferença bruta em pontos percentuais das prevalências encontradas em 2013 quando comparadas às de 2008.

A prevalência da aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis foi descrita segundo nível de escolaridade. Para analisar a associação entre a escolaridade e a aglomeração de comportamentos saudáveis, o grupo exposto simultaneamente a três ou mais comportamentos saudáveis foi comparado aos demais por meio de regressão de Poisson com variância robusta para obtenção de razões de prevalência e seus intervalos de 95% de confiança. Sexo, idade, região do país, obesidade e diagnóstico referido de hipertensão arterial e diabetes foram considerados como variáveis de ajuste nesses modelos.

A análise foi feita no software Stata (versão 13.0) utilizando o comando “svy” (com fatores de ponderação) que permitiu atribuir peso pós-estratificação distintos a cada indivíduo. Esse peso foi definido pelo método “rake” e objetiva corrigir as diferenças de probabilidades de seleção amostral e permitir a inferência estatística dos resultados do Vigitel para a população adulta de cada cidade. Mais detalhes sobre a definição do peso pós-estratificação podem ser obtidos em outra publicação10.

O Vigitel foi aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde. Por ser uma pesquisa realizada por telefone, o termo de consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal obtido na ocasião do contato telefônico para a realização da entrevista.

Resultados

A distribuição de adultos (18-64 anos) participantes do Vigitel entre os anos de 2008 e 2013 segundo idade, sexo e escolaridade pode ser visualizada na Tabela 1. No período houve um discreto aumento da participação de indivíduos mais velhos e a escolaridade dos participantes apresentou uma tendência de aumento (Tabela 1).

Tabela 1 Características sociodemográficas dos adultos (18 a 64 anos) participantes do VIGITEL (2008 a 2013). 

* Corresponde à diferença entre as proporções de cada categoria nos anos de 2013 e 2008. Corresponde ao coeficiente de regressão linear: variável resposta corresponde às proporções de participantes em cada categoria de idade, sexo e anos de estudos nos diferentes anos e variável explicativa corresponde ao ano de realização do inquérito expresso como variável contínua.

Com exceção da prevalência de consumo não abusivo de álcool, que permaneceu constante ao longo dos anos em ambos os sexos, a de todos os demais comportamentos saudáveis em homens e mulheres apresentou um aumento estatisticamente significante entre 2008 e 2013 (Tabela 2). Em todo o período, a prevalência da prática de atividade física regular no lazer foi maior nos homens, já os demais comportamentos saudáveis foram mais prevalentes entre as mulheres (Tabela 2).

Tabela 2  Tendências temporais das estimativas de prevalências de cada comportamento saudável isoladamente entre adultos (18 a 64 anos) participantes do VIGITEL (2008 a 2013). 

* Corresponde à diferença entre as prevalências nos anos de 2013 e 2008. Corresponde ao coeficiente de regressão linear: variável resposta corresponde às prevalências dos indicadores nos diferentes anos e variável explicativa corresponde ao ano de realização do inquérito expresso como variável contínua. Foi considerado não fumante o participante que referiu nunca ter fumado ou que não fumava no momento da entrevista. § Prática de pelo menos 30 minutos diários de atividade física no lazer de intensidade leve ou moderada em cinco ou mais dias da semana; ou pelo menos 20 minutos diários de atividade física de intensidade vigorosa em três ou mais dias da semana. // Consumo de 5 ou mais porções diárias de frutas e hortaliças por 5 ou mais dias da semana. Ingestão de menos de cinco doses de bebida alcoólica em uma única ocasião nos últimos trinta dias, para homens, e de menos de quatro, para mulheres; ou ainda ter afirmado não ingerir bebidas alcoólicas.

No sexo feminino, a prevalência de aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis aumentou 5,6 pontos percentuais entre 2008 e 2013 e passou de 26,4% para 32,0%. Já nos homens, essa prevalência e passou de 20,4% para 25,2% resultando em um aumento de 4,8 pontos percentuais (Tabela 3). O aumento dessa prevalência foi observado em todas as faixas de escolaridade, entretanto, quanto maior escolaridade maior a de aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis em homens e mulheres em todos os anos de realização do inquérito, como pode ser visualizado na Figura 1. Esse gradiente social permaneceu estatisticamente significante mesmo após ajuste pelas covariáveis na análise multivariada, como pode ser verificado pelas razões de prevalências ajustadas na Tabela 4.

Tabela 3  Tendências temporais das estimativas de prevalências de aglomeração dos comportamentos saudáveis* entre adultos (18 a 64 anos) participantes do VIGITEL (2008-2013). 

* Não fumar, consumo não abusivo de álcool, prática de atividade física regular no lazer e consumo recomendado de frutas e hortaliças. Corresponde a diferença entre as prevalências nos anos de 2013 e 2008. Corresponde ao coeficiente de regressão linear: variável resposta corresponde às prevalências dos indicadores nos diferentes anos e variável explicativa corresponde ao ano de realização do inquérito expresso como variável contínua.

Figura 1  Tendências temporais das prevalências de aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis simultaneamente (não fumar, consumo não abusivo de álcool, prática de atividade física regular no lazer e consumo recomendado de frutas e hortaliças) entre adultos (18 a 64 anos) participantes do VIGITEL (2008-2013), segundo nível de escolaridade em homens e mulheres. 

Tabela 4  Razões de prevalências (IC 95%) ajustadas‡ da associação entre escolaridade e aglomeração dos três ou mais comportamentos saudáveis† em adultos (18 a 64 anos) participantes do VIGITEL (2008-2013). 

Razões de prevalências ajustadas por sexo, idade, região do país e diagnóstico referido de hipertensão arterial, obesidade e diabetes. Nas análises estratificadas, o sexo não foi considerado com variável de ajuste. Não fumar, consumo não abusivo de álcool, prática de atividade física regular e consumo recomendado de frutas e hortaliças. ***p < 0,001

A magnitude da associação entre escolaridade e prevalência da aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis foi menor em 2013 do que em 2008. Entretanto não observamos uma tendência clara de diminuição da magnitude da associação ao longo do tempo e essas variações observadas não foram estatisticamente significantes, já que as estimativas de razões de prevalência em cada nível de escolaridade apresentaram sobreposição dos intervalos de confiança ao longo dos anos (Tabela 4).

Discussão

A aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis apresentou um aumento em ambos os sexos entre os anos de 2008 e 2013, indicando uma ampliação na prevalência desses padrões na população brasileira no período. Esse aumento foi evidenciado em todas as faixas de escolaridade de forma semelhante. Assim, encontramos que as disparidades por escolaridade na aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis não se alteraram no período analisado, apesar das melhorias sociais observadas no país nos últimos anos.

Enquanto a prevalência da aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis aumentou, a de participantes que não apresentam nenhum comportamento saudável ou que exibiram apenas um desses comportamentos diminuiu ao longo do tempo. Esses resultados podem indicar uma mudança no padrão de comportamentos relacionados às DCNT na população brasileira voltada para hábitos mais saudáveis. Isso pode ser ilustrado também pela prevalência isolada de cada comportamento saudável, já que dos quatro analisados, apenas a do consumo não abusivo de álcool se manteve estável no período. O aumento do padrão de comportamentos saudáveis no país pode ser atribuído, principalmente, a políticas públicas que envolvem setores externos à saúde. A redução do tabagismo no país é um exemplo de como políticas intersetoriais podem promover a saúde da população. O tabagismo diminuiu cerca de 50% entre os anos de 1989 e 2010 e estima-se que 46% dessa redução seja atribuída à implementação de políticas intersetoriais de caráter regulatório, legislativo e fiscal11. Algumas dessas medidas intersetoriais já vêm sendo implantadas no Brasil para a promoção de outros comportamentos saudáveis, como o que vem sendo proposto pelo Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022, que prevê ações intersetoriais visando aumentar a disponibilidade e a redução de preços dos alimentos saudáveis, regulação da publicidade e composição nutricional de alimentos processados, aumento de impostos dos produtos derivados do álcool e o Programa Academia da Saúde12. Políticas intersetoriais são mais efetivas para a promoção de hábitos saudáveis do que ações individuais, porque o engajamento em comportamentos saudáveis não resulta apenas de uma opção individual, mas é fortemente influenciada pelo contexto no qual os indivíduos estão inseridos.

A aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis foi consistentemente menor entre os homens do que entre as mulheres em todos os anos. Adicionalmente, a prevalência de participantes que não apresentaram nenhum comportamento saudável ou que exibiram apenas um desses comportamentos foi maior nos homens do que nas mulheres durante todo o período. Esses resultados são consistentes com estudos na literatura nacional13,14 e internacional15,16. O gênero masculino é considerado um fator de risco “não modificável” para diversas DCNT, como as doenças cardiovasculares17. Entretanto, características modificáveis como o menor engajamento em comportamentos saudáveis entre os homens podem explicar grande parte do diferencial de gênero na morbimortalidade por DCNT18. O menor engajamento dos homens em comportamentos saudáveis pode ser atribuído à menor oportunidade de informação sobre a importância da adoção de comportamentos saudáveis, tendo em vista que eles utilizam menos os serviços de saúde19, principalmente os de caráter preventivo20. Estudos também demonstram que muitos homens evitam os comportamentos saudáveis, já que esses hábitos não estão associados à ideia de “sexo forte”. Assim, os homens tenderiam a evitar comportamentos saudáveis com o intuito de rejeitar os ideais femininos e ressaltar sua masculinidade21.

A prevalência de aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis cresceu com o aumento da escolaridade, permanecendo constante a magnitude dessa associação entre 2008 e 2013. Esses resultados precisam ser interpretados com cautela, já que qualquer mudança no tamanho relativo de um extrato socioeconômico específico precisa ser considerada para a interpretação desse tipo de tendência22. Isso acontece, pois se existe uma mobilidade social ascendente na população, ocasionada por melhorias econômicas e sociais como as observadas no Brasil, a parcela populacional localizada em baixa socioeconômica diminui. Assim, mesmo que ao longo do tempo os diferenciais de saúde entre os indivíduos de baixa versus alta posição socioeconômica não diminuam (ou até mesmo aumentem), uma melhoria na saúde pode ter sido alcançada, tendo em vista que o tamanho da população exposta à baixa posição socioeconômica diminuiu22. Dessa forma, a parcela da população brasileira exposta à baixa escolaridade no Brasil em 2013 é menor que em 2008; e é possível que os indivíduos de baixa escolaridade em 2013 estejam em maiores desvantagens sociais que aqueles de comparável escolaridade em 2008. Essa situação derivaria do fato dos indivíduos que permaneceram em baixa posição socioeconômica pertencerem, geralmente, às parcelas populacionais que não conseguiram ascender socialmente, mesmo mediante os estímulos relacionados a melhorias econômicas e políticas sociais redistributivas22,23.

Nós utilizamos apenas a escolaridade para aferir a posição socioeconômica dos participantes, uma vez que esse é o único indicador direto de posição socioeconômica disponível no Vigitel. Maior escolaridade está associada a maior aquisição e melhor uso da renda, ascensão ocupacional, prestígio social e vivência em contextos sociais e de vizinhança diferenciados24, caracterizados por menor índice de criminalidade, maior disponibilidade de locais apropriados para a prática de atividade física e de estabelecimentos para a compra de alimentos saudáveis25-27. Adicionalmente, a escolaridade proporciona à população conhecimentos e habilidades que são úteis para a promoção da saúde24. Por exemplo, indivíduos mais escolarizados são mais bem informados sobre as consequências positivas do engajamento em comportamentos saudáveis por terem mais facilidade de encontrar, compreender e assimilar informações que podem ser traduzidas em mudança de hábitos28-30. Entretanto, a posição socioeconômica é um construto multidimensional e o uso apenas da escolaridade como indicador pode ser insuficiente para mensurar as desigualdades sociais na prevalência de comportamentos relacionados à saúde. Por exemplo, a escolaridade é fixada cedo na vida adulta e tende a se manter estável ao longo da vida. Já a renda é um indicador mais direto de circunstâncias materiais de vida, que flutua mais facilmente de um período de tempo para o outro, tendo em vista o contexto socioeconômico31. Dessa forma, é possível que variações de pequena magnitude na prevalência de comportamentos saudáveis, no gradiente social, sejam mais rapidamente verificadas com o uso da renda do que com o da escolaridade.

Algumas limitações deste estudo precisam ser consideradas. Em primeiro lugar, a amostra do Vigitel envolve apenas adultos brasileiros com linha de telefone fixa. Estamos presenciando no Brasil uma queda do número de domicílios com telefone fixo convencional. Entre 2008 e 2013 a cobertura da telefonia fixa caiu progressivamente 44,4% para 38,6%32,33. Além disso, a cobertura por telefonia fixa varia muito entre as regiões do país. Segundo estimativas da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, a cobertura por telefonia fixa nas capitais variou de 22,4% em Macapá até 72,4% no Rio de Janeiro34. Essa limitação é parcialmente corrigida pela utilização de pesos pós-estratificação, que tentam aproximar a população do Vigitel à das capitais brasileiras. Entretanto, não é possível descartar a possibilidade de problemas nas estimativas devido a essa característica do processo de seleção da amostra. Em segundo lugar, apesar de o Vigitel ter iniciado em 2006, apenas a partir de 2008 tivemos disponibilidade de informações comparáveis, no que tange à mensuração dos quatro comportamentos analisados neste estudo. O pequeno período de tempo em que a associação entre a aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis e a escolaridade foi analisada pode ter dificultado o encontro de variações temporais de pequena magnitude. No futuro, com a continuidade desse sistema de vigilância, as tendências dessas prevalências segundo escolaridade poderão ser estabelecidas com maior precisão.

Os resultados deste trabalho evidenciaram que existe uma tendência de aumento na prevalência simultânea de três ou mais comportamentos saudáveis na população brasileira em todos os níveis de escolaridade, sugerindo uma modificação benéfica no padrão de comportamentos relacionados às DCNT com aumento da adoção de hábitos saudáveis. Entretanto, as disparidades por escolaridade na aglomeração de três ou mais comportamentos saudáveis não se alteraram ao longo do tempo, apesar da parcela populacional localizada em baixa posição socioeconômica ter diminuído ao longo dos últimos anos no país.

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