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Comportamentos sexuais de risco e associação com sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares: um estudo transversal

Comportamentos sexuais de risco e associação com sobrepeso e obesidade em adolescentes escolares: um estudo transversal

Autores:

Alaine Souza Lima,
Ana Carolina Rodarti Pitangui,
Mayra Ruana de Alencar Gomes,
Rachel Mola,
Rodrigo Cappato de Araújo

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.3 São Paulo 2019 Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4782

Introdução

A iniciação sexual entre adolescentes tem ocorrido cada vez mais cedo.(1) O impacto das atuais taxas de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) entre adolescentes é relevante para a saúde pública e constitui ameaça para a saúde dos jovens.(2) Entre os fatores que também podem ser considerados de risco com relação ao comportamento sexual, estão idade de iniciação sexual e número de parceiros.(3)

Além disso, a obesidade pode estar relacionada com comportamentos sexuais que aumentam o risco de IST.(2) O sobrepeso e a obesidade podem influenciar no comportamento sexual dos adolescentes, já que o índice de massa corporal (IMC) está associado a fatores psicológicos de atratividade física.(4)

Para melhor explicar essa relação, foram sugeridas duas teorias: a primeira propõe que a associação entre IMC e risco sexual é mediada por fatores de risco psicossociais. As consequências psicossociais da obesidade, incluindo o aumento de depressão e problemas sociais, podem afetar a capacidade de ter relacionamentos amorosos positivos e negociar práticas de sexo seguro, o que leva a um maior risco sexual.(5) A segunda teoria sugere que o sobrepeso e a obesidade podem ser vistos como fatores relacionados a um menor risco sexual, já que reduzem o número de parceiros e a frequência sexual.(5) Outro possível mecanismo para a associação entre obesidade e comportamento sexual de risco envolve a iniciação sexual precoce(2) devido à maturação sexual precoce relacionada à presença de obesidade na infância.(6)

Alguns estudos encontraram associação entre IMC alto e comportamentos sexuais de risco, como o não uso de preservativo e o consumo de álcool e outras drogas antes da última relação.(2,7-9) Além disso, a percepção errônea do peso também foi identificada como importante fator associado a comportamentos de risco.(10)

Devido ao aumento em taxas de obesidade entre adolescentes, a compreensão da relação entre IMC e comportamento sexual se torna importante, pois certos comportamentos estabelecidos durante a adolescência podem comprometer a saúde a curto e longo prazo.(11,12)

Objetivo

Determinar a prevalência de comportamento sexual de risco e sua associação com sobrepeso e obesidade entre adolescentes em idade escolar.

Métodos

Trata-se de estudo epidemiológico transversal realizado em escolas públicas estaduais de Petrolina (PE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, CAAE: 24288213.2.0000.5207.

A população do estudo foi composta por adolescentes inscritos nessas escolas. A distribuição da amostra foi feita pelo tamanho da escola e pelo período de aula (diurno), para garantir a proporcionalidade da amostra. Para sustentar o planejamento da amostra, as escolas foram classificadas em três categorias: pequena (<200 alunos), média (200 a 499 alunos) e grande (≥500 alunos).

Para a seleção da amostra, usamos amostragem por conglomerados, em dois estágios, com a escola e a classe representando as unidades de amostra no primeiro e segundo estágio, respectivamente. Todas as escolas públicas e urbanas de Petrolina foram consideradas elegíveis para o estudo. Inicialmente, a estratificação foi feita para que o sorteio fosse dividido por tamanho da escola. Após todos os estágios, chegamos a nove escolas, o que representou 31,03% das escolas públicas de Petrolina.

Para a quantificação da amostra, consideramos população de 25.635 alunos, intervalo de confiança de 95% (IC95%), erro máximo tolerável de 5 pontos percentuais, perda amostral de 20% e prevalência estimada de 50%, pois o estudo cobriu diversos comportamentos sexuais de risco, com diferentes frequências de ocorrência. Foi aplicado efeito de desenho de 2,0 pontos, totalizando 948 adolescentes. Porém, para garantir boa proporcionalidade de indivíduos por escola e por classe, decidimos avaliar um mínimo de 17 alunos por classe. Assim, o presente estudo avaliou 1.226 adolescentes.

O estudo incluiu adolescentes que preencheram os seguintes critérios: idade entre 12 e 17 anos e matriculados em instituições educacionais localizadas na área urbana de Petrolina. Foram excluídos adolescentes com doenças ou distúrbios físicos ou psicológicos que interferissem na coleta de dados; aqueles que entregaram os formulários incompletos ou com erros; e que não aceitaram ter seu peso e/ou altura medidos.

Para a avaliação socioeconômica, foi utilizado um questionário estruturado, e os comportamentos de risco foram avaliados pela versão brasileira do Youth Risk Behavior Survey (YRBS).(13) A avaliação antropométrica incluiu a medição de peso e altura. Ambas as variáveis foram usadas para calcular o IMC, que foi categorizado como percentis para cada idade e sexo, utilizando-se os critérios do Centers for Disease Control and Prevention (CDC).

Antes da coleta de dados, foi conduzido estudo piloto, para testar a aplicabilidade dos instrumentos, fazer correções e identificar possíveis vieses ou limitações nos procedimentos de pesquisa. Os dados foram coletados em uma escola pública de Petrolina, com uma amostra de 80 adolescentes. Com relação aos procedimentos, o projeto foi apresentado e, depois, os questionários foram distribuídos para os adolescentes, que os preencheram na sala de aula, sem a presença do professor. Após o preenchimento do questionário, o pesquisador coletou os formulários e posteriomente registrou os dados antropométricos.

Variáveis do estudo

As variáveis dependentes usadas nesse estudo foram uso de preservativo, classificado como “sim” ou “não, e número de parceiros sexuais na vida, classificado como “até três parceiros” ou “quatro ou mais parceiros”.

As variáveis independentes foram: dados socioeconômicos (sexo, idade, raça/etnia, religião, estado civil, número de filhos, grau de escolaridade dos pais e renda mensal da família), variáveis de comportamento sexual (se havia iniciado a vida sexual, idade da iniciação sexual, número de parceiros nos últimos 3 meses, número de parceiros na vida, consumo de álcool ou drogas antes da última relação sexual e método contraceptivo usado na última relação), peso corpóreo, percepção errônea de peso corpóreo, violência entre parceiros íntimos (VPI) e IMC.

Para a classificação do IMC, os adolescentes com percentil <5 foram considerados abaixo do peso; ≥5 e <85, eutróficos; ≥85 e <95, acima do peso; e ≥95, obesos.(14) Para verificar a percepção errônea do peso corpóreo, comparamos as categorias de IMC à percepção do peso corpóreo.

A VPI foi avaliada pelas perguntas: “Nos últimos 12 meses, você sofreu alguma agressão física de seu parceiro com tapas, socos ou chutes?” e “Você já foi forçado pelo seu parceiro a ter relação sexual contra sua vontade?”. Os participantes que responderam “sim” a qualquer uma dessas perguntas foram considerados como tendo histórico de VPI.(10)

Análise de dados

A análise de dados foi feita com o software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0. A análise descritiva para as variáveis categóricas incluiu a distribuição de frequências absolutas e relativas. Para variáveis numéricas, valores de tendência central e dispersão foram calculados de acordo com a distribuição dos dados, que foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirvov.

Para verificar possíveis fatores associados com as variáveis dependentes, foi feita análise de regressão logística binária, utilizando-se a odds ratio (OR) e seus respectivos IC95%. Um modelo bivariado de associação (análise bruta) foi previamente construído para verificar a presença e/ou magnitude das associações entre cada variável independente e a variável dependente. O modelo de regressão logística binária adotado foi a utilização do método retroativo manual. A decisão de manter ou remover as variáveis do modelo foi determinada pela análise de valores da OR, estatística Deviance, mudanças no valor de p das variáveis e intervalo de confiança. Com esse modelo, encontramos dois modelos concorrentes, e o critério para a escolha do melhor modelo foi baseado nos menores valores observados nas estatísticas da Análise de Informação de Akaike (AIC) e do Critério de Informação Bayesiano (BIC - Bayesian Information Criterion). Finalmente, a qualidade do ajuste do modelo foi determinada pela análise de multicolinearidade pelo fator de inflação de variância (FIV), teste de Hosmer-Lemeshow e análise dos pontos influentes. Todos os testes foram bicaudais, e todas as análises adotaram nível de significância de p<0,05.

Resultados

O estudo avaliou 1.226 alunos, mas apenas 1.169 foram incluídos na análise final de dados. Foram excluídos 57 indivíduos devido à falta de informações relevantes em seu questionário. A idade dos adolescentes variou entre 12 e 17 anos.

Com relação às características socioeconômicas, 56,6% (n=660; IC95%: 53,6-59,3) dos adolescentes eram do sexo feminino, 55,0% (n=639; IC95%: 52,1-57,9) se autorrelataram pardos, 50,1% (n=575; IC95%: 47,1-53,0) eram católicos, 94,9% (n=1.088; IC95%: 93,4-96,1) eram solteiros e 66,5% (n=453; IC95%: 62,8-70,0) tinham renda familiar de até dois salários mínimos. Com relação ao grau de instrução dos pais, 33,8% (n=273; IC95%: 30,7-37,0) relataram que sua mãe completara o Ensino Fundamental ou tinha Ensino Médio incompleto, e 34,8% (n=280; IC95%: 31,5-38,2) relataram que seu pai completara Ensino Fundamental ou tinha Ensino Médio Incompleto.

Em nossa amostra, 33,9% (n=388; IC95%: 31,2-36,8) relataram já terem tido relações sexuais. A tabela 1 mostra a distribuição do comportamento sexual dos adolescentes. Apenas 1,2% (n=13; IC95%: 0,6-2,0) dos alunos relataram ter filhos. Dos indivíduos avaliados, 3,5% (n=40; IC95%: 2,4-4,6) relataram histórico de VPI: 1,5% (n=17; IC95%: 0,9-2,3) relataram terem sido forçados a terem relações sexuais e 2,0% (n=23; IC95%: 1,3-3,0) sofreram agressão física do parceiro.

Tabela 1 Comportamento sexual entre adolescentes que relataram ter iniciado atividade sexual 

Variáveis n (%) IC95%
Idade de iniciação sexual (n=387), anos
≤13 159 (41,1) 36,1-46,2
≥14 228 (58,9) 53,8-63,9
Número de parceiros sexuais na vida (n=382)
1 149 (39,0) 34,1-44,1
2-3 108 (28,3) 23,8-33,1
4-5 53 (13,9) 10,6-17,7
≥6 72 (18,8) 15,0-23,1
Número de parceiros sexuais nos últimos 3 meses (n=382)
Nenhum 107 (28,3) 23,8-33,1
1-5 256 (67,7) 62,7-72,4
≥6 15 (4,0) 2,2-6,5
Consumo de álcool e drogas antes da última relação sexual (n=376)
Sim 48 (12,8) 9,6-16,6
Não 328 (87,2) 83,4-90,4
Uso de preservativo na última relação sexual (n=379)
Sim 254 (67,0) 62,0-71,7
Não 125 (33,0) 28,3-38,0
Método contraceptivo na última relação sexual (n=378)
Nenhum método 69 (18,3) 14,5-22,5
Anticoncepcional 43 (11,4) 8,4-15,0
Preservativo 199 (52,6) 47,5-57,8
Anticoncepcional e preservativo 27 (7,1) 4,8-10,2
Outros métodos 40 (10,6) 7,7-14,1

O número total pode variar devido à falta de alguns valores. IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Com relação a peso e altura, a mediana, e os valores máximo e mínimo foram 1,63m (1,36m a 1,95m) e 53,2kg (26,1kg a 106,5kg), respectivamente. Dados referentes ao estado nutricional dos adolescentes, de acordo com IMC e peso corpóreo, são apresentados na tabela 2. A comparação entre as categorias de IMC e percepção de peso corpóreo mostrou que 49,4% (n=574; IC95%: 46,5-52,3%) dos adolescentes tinham percepção errônea do peso corpóreo, sendo 51,1% (n=336; IC95%: 47,2-55,0) das mulheres e 47,1% (n=238; IC95%: 42,7-51,1) dos homens.

Tabela 2 Classificação do índice de massa corporal e percepção do peso corpóreo pelos adolescentes (n=1.169) 

Variáveis Mulheres Homens Total
n (%); IC95% n (%); IC95% n (%); IC95%
Índice de massa corporal
Baixo peso 40 (6,1); 4,4-8,2 42 (8,3); 6,0-11,0 82 (7,0); 5,6-8,6
Eutrófico 515 (78,0); 74,7-81,1 393 (77,2); 73,3-80,8 908 (77,7); 75,2-80,0
Sobrepeso 72 (10,9); 8,6-13,5 51 (10,0); 7,5-12,9 123 (10,5); 8,8-12,4
Obesidade 33 (5,0); 3,5-6,9 23 (4,5); 2,9-6,7 56 (4,8); 3,6-6,1
Percepção do peso corpóreo
Peso muito ou um pouco menor do que esperado 203 (30,9); 27,4-34,6 187 (37,0); 32,5-41,1 390 (33,6); 30,8-36,4
Peso esperado 236 (35,9); 32,2-39,7 213 (42,2); 37,5-46,3 449 (38,6); 35,8-41,5
Peso um pouco maior do que esperado 168 (25,6); 22,3-29,1 86 (17,0); 13,7-20,4 254 (21,9); 19,5-24,3
Peso muito maior do que esperado 50 (7,6); 5,7-9,9 19 (3,8); 2,3-5,8 69 (5,9); 4,6-7,4

IC95%: intervalo de confiança de 95%.

A tabela 3 apresenta os resultados das variáveis independentes no modelo final de regressão logística. Nessa análise, apenas o número de parceiros mostrou associação significativa com o uso de preservativo durante a última relação sexual.

Tabela 3 Análise de regressão logística binária entre não uso de preservativos e variáveis independentes 

Variáveis independentes Não uso de preservativos

OR (IC95%) Valor de p
Escolaridade da mãe
Fundamental incompleto ou menos 0,44 (0,17-1,13) 0,083
Ensino Médio completo ou mais 1
Índice de massa corporal
Baixo peso 1
Eutrófico 0,44 (0,17-1,13) 0,087
Sobrepeso e obesidade 0,42 (0,12-1,44) 0,166
Percepção do peso corpóreo
Peso muito ou um pouco menor do que esperado 1
Peso esperado 0,75 (0,42-1,35) 0,340
Peso muito maior do que esperado 1,35 (0,65-2,82) 0,418
Número de parceiros sexuais na vida
≤3 1
≥4 0,50 (0,28-0,88) 0,016
Violência entre parceiros íntimos
Sim 2,26 (0,93-5,48) 0,071
Não 1

p<0,05. OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

A tabela 4 mostra os resultados do modelo de regressão, demonstrando que sexo, idade de iniciação sexual e uso de álcool ou drogas tiveram associação significativa com o número de parceiros sexuais.

Tabela 4 Análise de regressão logística binária entre número de parceiros e variáveis independentes 

Variáveis independentes ≥4 parceiros

OR (IC95%) Valor de p
Idade, anos
≤14 1
≥15 2,35 (0,84-6,55) 0,104
Sexo
Feminino 1
Masculino 9,17 (4,16-20,22) <0,001
Renda familiar, salário mínimo
Até 2 0,80 (0,40-1,62) 0,534
>2 1
Índice de massa corporal
Baixo peso 1
Eutrófico 2,10 (0,58-7,56) 0,255
Sobrepeso e obesidade 0,94 (0,19-4,53) 0,936
Idade de iniciação sexual, anos
≤13 2,51 (1,23-5,13) 0,011
≥14 1
Consumo de álcool e drogas antes da última relação sexual
Sim 6,16 (2,14-17,73) 0,001
Não 1
Violência entre parceiros íntimos
Sim 2,80 (0,70-11,14) 0,145
Não 1

p<0,05. OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Discussão

Com relação ao comportamento sexual dos adolescentes, a maioria relatou ter tido apenas um parceiro, seguido de 32,7% que relataram ter tido quatro ou mais parceiros. Corroborando tais achados, Lowry et al.,(2) encontraram prevalência similar de jovens com quatro ou mais parceiro, o que pode ser explicado pelo fato de que a adolescência é uma fase de experimentação, na qual a troca de parceiros é comum. Porém, o alto número de parceiros é preocupante com relação à saúde, pois isso pode aumentar o risco de transmissão de HIV e outras IST.(12)

A maioria dos adolescentes fez uso do preservativo durante a última relação. Porém, é importante notar que por volta de um terço dos jovens que tinham iniciado a vida sexual não usaram preservativo durante a última relação. Isso mostra que, embora os jovens tenham acesso a informações sobre IST, isso não é suficiente para estabelecer ações preventivas.

Com relação ao estado nutricional dos adolescentes com base no IMC, a prevalência de sobrepeso e obesidade encontrada foi de 10,5% e 4,8%, respectivamente, e mostrou-se mais alta entre as mulheres. Esses números foram mais baixos do que aqueles encontrados em outros estudos nacionais e internacionais.(2,15,16)

Além da análise do IMC, outra importante variável que pode influenciar no comportamento é a percepção de peso corpóreo. Nesse estudo, a maioria dos alunos relatou estar dentro do peso esperado. Contudo, observamos que a prevalência de indivíduos que se consideravam abaixo do peso mostrou-se mais alta entre os homens. Por outro lado, a prevalência de alunos com a percepção de que estavam acima do peso ideal ou muito acima do peso ideal mostrou-se mais alta entre as mulheres. Esses achados podem ser explicados pela tendência das mulheres de superestimarem e dos homens de subestimarem seu peso corpóreo.

Na análise da associação entre variáveis independentes e o não uso de preservativo, vimos que as variáveis com probabilidade de serem incluídas no modelo de regressão foram grau de escolaridade da mãe, IMC, percepção de peso corpóreo, número de parceiros durante a vida e VPI. Porém, após a análise de regressão logística binária, a única variável que permaneceu associada foi o número de parceiros na vida. Os resultados mostraram que os indivíduos que relataram terem tido quatro ou mais parceiros tinham 50% menos chance de não terem usado preservativo durante a última relação sexual. A partir desses dados, podemos concluir que os adolescentes que tiveram mais parceiros usaram preservativo com mais frequência. Contudo, esse estudo não avaliou o tipo de relacionamento como estável ou casual – um número mais alto de parceiros está associado a relações casuais.

Calazans et al.,(17) encontraram diferenças significativas no uso de preservativo entre jovens de acordo com o tipo de relacionamento durante a última relação – o uso da preservativo com parceiros casuais ocorre com mais frequência do que com parceiros estáveis. Portanto, os adolescentes acreditam que relacionamentos estáveis oferecem menor risco de infecções, o que resulta em um desafio maior com relação ao uso da preservativo.

Na associação entre variáveis independentes e número de parceiros durante a vida, as variáveis que entraram no modelo de regressão foram idade, sexo, renda familiar, IMC, idade de iniciação sexual, consumo de álcool e drogas antes da última relação e VPI. Porém, após a regressão logística binária, as variáveis que permaneceram foram aquelas relacionadas a sexo, idade de iniciação sexual e ingestão de álcool ou drogas antes da última relação.

Nossos resultados demonstraram que adolescentes do sexo masculino apresentaram 9,17 vezes mais chances de ter quatro ou mais parceiros durante a vida. Todavia, essa diferença era esperada, já que a sexualidade é muito influenciada pelas relações assimétricas entre os sexos observadas na sociedade. Para os homens, a iniciação sexual e a mudança de parceiro são vistas como mais naturais, ao contrário do que ocorre com as mulheres, de quem é esperado um comportamento mais recatado.

Com relação à idade de iniciação sexual, os alunos que começaram a ter relações com 13 anos ou menos tinham 2,51 mais chances de terem tido quatro ou mais parceiros na vida. Essa relação já era esperada, pois a iniciação precoce mostra associação com maior número de parceiros ao longo da vida. A literatura mostra que a associação entre a iniciação precoce da atividade sexual e IST é mediada pelo número de parceiros sexuais.(18)

O consumo de álcool e drogas antes da última relação foi apresentado como fator de risco que aumenta em 6,16 vezes a chance de se ter quatro ou mais parceiros durante a vida; quando os jovens estão sob a influência dessas substâncias, ficam mais propensos a terem relações não planejadas em encontros casuais.(19)

A variável IMC foi incluída nos modelos de regressão com as variáveis dependentes não uso da preservativo e número de parceiros sexuais. Porém, a análise de regressão não permaneceu associada a essas variáveis, o que está de acordo com os resultados de outros estudos que não encontraram associação entre IMC e comportamento sexual de risco.(10,20) Por outro lado, outros autores encontraram associação entre IMC alto e comportamentos sexuais de risco, como não uso da preservativo e consumo de álcool ou drogas antes da última relação.(2,7-9)

Diferentemente, Averett et al.,(21) observaram que mulheres com sobrepeso têm menor probabilidade de terem coitos vaginais sem preservativo, e Nagelkerke et al.,(4) viram que adultos com sobrepeso relataram menos parceiros sexuais no último ano do que seus pares eutróficos. Dessa forma, não foi encontrado consenso na literatura sobre o tema, e os resultados variam muito. Isso pode ser resultado das diferenças nas metodologias aplicadas com relação à caracterização das amostras, com diferentes perfis e tamanhos, além dos diferentes pontos de corte para o IMC na avaliação do estado nutricional.

Com relação aos nossos resultados, que não mostraram associação entre IMC e comportamento sexual, destacamos o fato de que todos os outros estudos foram feitos nos Estados Unidos. É importante notar que características culturais podem influenciar o comportamento dos adolescentes. Além disso, nesse estudo, a prevalência de sobrepeso e obesidade mostrou-se baixa, o que pode ter influenciado os resultados.

Embora a percepção do peso corpóreo tenha entrado apenas no modelo com a variável dependente “não uso da preservativo”, após a análise de regressão, a associação entre esses dois fatores desapareceu. Isso pode contradizer os achados de Akers et al.,(10) que revelaram que os adolescentes que se percebiam com sobrepeso tinham menos probabilidade de relatar o uso de preservativo durante a última relação. Porém, seu estudo incluiu apenas indivíduos do sexo feminino.

Pode-se inferir que essa pesquisa oferece informações relevantes sobre os adolescentes nessa região do Brasil, e que tais dados podem auxiliar em decisões sobre ações de saúde para essa população. Porém, destacamos algumas limitações do presente estudo. Os dados foram obtidos em uma pequena cidade do Estado de Pernambuco, portanto, suas realidades local, social e cultural podem não refletir o perfil de todo o país. O desenho transversal do estudo não permite análise do efeito causal desses comportamentos. Ademais, o questionário foi feito por autorrelato, o que pode resultar em maior suscetibilidade a vieses de recordação, limitação intrínseca de estudos transversais e retrospectivos.(22) Finalmente, todos os participantes vieram de escolas públicas, o que limita a reprodutibilidade dos resultados para alunos do setor privado.

Sugerimos mais estudos sobre o assunto, que tenham desenho longitudinal e analisem adolescentes de instituições públicas e privadas de diferentes regiões.

Conclusão

As taxas de comportamento sexual de risco foram altas, e não houve associação entre o sobrepeso e obesidade e os comportamentos de risco analisados.

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