versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.3 São Paulo 2018 Epub 17-Set-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4265
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define adolescência como o período compreendido entre os 10 e os 19 anos,(1) e a juventude entre os 15 e 24 anos.(1,2)
As causas de morbimortalidade na adolescência e juventude têm-se alterado nas últimas décadas, com aumento das causas que podem ser prevenidas, resultantes dos estilos de vida.(3) A gravidez na adolescência e as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são, atualmente, as principais causas de morbilidade.(4)
Os adolescentes e jovens constroem sua identidade por meio da integração de sentimentos e desejos,(3,4) sendo este o período em que a atividade sexual frequentemente tem início. Esta mudança nem sempre é acompanhada por adequada educação sexual ou por conhecimento da fisiologia ou dos aspetos biológicos da sexualidade e da reprodução.(4)
Vários estudos têm revelado que os adolescentes iniciam sua atividade sexual cada vez mais precocemente,(3,5) parecendo associar-se à existência de múltiplos parceiros sexuais, elevadas taxas de DSTs e de perturbações emocionais, maior precocidade do consumo de álcool, tabaco e drogas, maiores taxas de aborto, complicações durante a gravidez e de partos pré-termo.(6)
Apesar de se observar melhoria nos comportamentos sexuais dos adolescentes e jovens nos últimos anos, a contracepção nem sempre é prioridade no início da vida sexual.(3) Muitos não utilizam qualquer método contraceptivo, ou usam o preservativo de forma incorreta, o que aumenta o risco de gravidez indesejada e de DSTs.(3,4)
A educação sexual e a promoção da saúde devem ter lugar antes do início da vida sexual.(7) O profissional de saúde tem papel fundamental na promoção da saúde reprodutiva e no aconselhamento contraceptivo,(8) sendo igualmente importante envolver os pais no diálogo sobre sexualidade com seus filhos.(9)
As boas práticas nos cuidados antecipatórios ao adolescente e jovem incluem a elaboração de sua história sexual e reprodutiva, o rastreio de gravidez e de DSTs, bem como o aconselhamento e o acesso aos métodos contraceptivos.(3)
A prevenção da gravidez e das DSTs nesta faixa etária é um tema central nos cuidados de saúde do século XXI, já que são causas importantes de problemas de saúde, sociais e econômicos dos adolescentes e jovens, assim como da sociedade em geral.(3)
Assim, reveste-se de grande importância conhecer os comportamentos sexuais dos adolescentes e jovens, tendo em vista a intervenção precoce. Este estudo visa, primariamente, avaliar os conhecimentos e caracterizar os comportamentos sexuais dos adolescentes e jovens da cidade portuguesa de Leiria e, secundariamente, compará-los com dados nacionais e internacionais, tendo como finalidade a implementação de medidas que permitam minimizar a morbilidade decorrente de comportamentos sexuais de risco.
Caracterizar os comportamentos sexuais e os conhecimentos sobre sexualidade de adolescentes e jovens, bem como avaliar comportamentos de risco e identificar os respectivos fatores de proteção e risco.
Estudo descritivo analítico, baseado na aplicação de um questionário adaptado do original desenvolvido pela OMS, constituído por questões de múltipla escolha, para avaliar os conhecimentos e os comportamentos sexuais dos adolescentes. Trata-se de um questionário formado por questões relacionadas com utilização de métodos contraceptivos, práticas sexuais, DSTs, gravidez, contracepção de emergência, consumos concomitantes e orientação sexual. O questionário original encontra-se disponível em: http://www.who.int/reproductivehealth/topics/adolescence/questionnaire/en/.
O questionário foi distribuído a estudantes portugueses do Ensino Secundário e Superior, matriculados, respectivamente, nas escolas secundárias do concelho de Leiria e no Instituto Politécnico de Leiria, com idades entre 14 e 24 anos. Tratou-se de um questionário anônimo, individual, confidencial e voluntário, preenchido em sala de aula, durante aproximadamente 20 minutos. O questionário foi distribuído pelos professores a grupos de 20 a 30 alunos do Ensino Médio e recolhido, a posteriori, em envelopes lacrados, por profissionais de saúde, responsáveis pelo estudo em questão. No Ensino Superior, o questionário foi divulgado em plataforma on-line, assegurando-se igualmente o anonimato e a confidencialidade. Os dados foram colhidos no período compreendido entre abril e maio de 2013.
Dividiu-se a amostra em dois grupos etários: o Grupo 1 (G1), que incluiu as idades compreendidas entre 14 e 19 anos, e o Grupo 2 (G2), dos 20 aos 24 anos. A amostra foi analisada por sexo e grupo etário.
As variáveis estudadas foram primeira relação sexual, comportamentos sexuais, métodos contraceptivos, gravidez e DSTs.
Para análise estatística, foi utilizado o Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22 (α=0,05). Foi usado o teste χ2 para comparar variáveis categóricas.
O projeto foi aprovado pela Direção-Geral de Educação (protocolo nº 0366900002), pelas direções das escolas e, de forma a respeitar os princípios éticos, foi obtido previamente o consentimento informado dos pais dos alunos com menos de 18 anos e do próprio estudante para participação no estudo.
Fizeram parte desta pesquisa 2.369 adolescentes e jovens, com distribuição etária e por sexo, conforme a tabela 1. A média de idade foi de 18,5±2,4 anos e a mediana foi de 18 anos.
Tabela 1 Caracterização da amostra
Grupos | Sexo masculino | Sexo feminino |
---|---|---|
n (%) | n (%) | |
1 | 601 (38,3) | 970 (61,7) |
2 | 266 (38,8) | 420(61,2) |
Já tinham iniciado a vida sexual 58% dos adolescentes e jovens da amostra, dos quais 66% do sexo feminino (p=0,993) e 74,5% do G2 (p<0,001).
A média de idade da primeira relação sexual foi de 16,4±1,8 anos (16,4±1,7 anos, no sexo feminino, e 16,4±1,9 anos, no sexo masculino), com diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários: 15,9±1,3 anos no G1, e 17±1,9 anos no G2 (p<0,001).
A primeira relação sexual ocorreu com o namorado em 78,5% dos casos e em 88% foi consentida por ambos. Admitiram terem sido forçados a ter relação sexual 3,5% (75% do sexo feminino; p=0,009); 2% tiveram relações sexuais em troca de dinheiro (68% do sexo masculino; p<0,001); e 13% admitiram ter vários parceiros simultaneamente.
Os participantes assumiram já terem adotado outras formas de comportamentos sexuais, principalmente as práticas de automasturbação (63%) e heteromasturbação (56%), e 30% admitiram já terem visto filmes pornográficos. Quanto ao tipo de sexo, 59% já praticaram sexo vaginal; 53% admitiram ter praticado sexo oral; 23% sexo anal; e 3% já praticaram sexo em grupo.
Relativamente aos que referiram que ainda não tinham iniciado vida sexual, a média de idade foi de 19,9±1,6 anos, sendo que 66% deles eram do sexo feminino (p=0,993) e 51% do G2 (p<0,001). As razões que motivaram o adiamento da atividade sexual encontram-se discriminadas na tabela 2. Destes, 74% admitiram ter alguém por quem já se sentiram atraídos sexualmente ou afetivamente. Outros assumiram já terem adotado outros comportamentos sexuais, como automasturbação (63%), visualização de filmes pornográficos (29%), heteromasturbação (27%), sexo oral (22,5%) e sexo anal (6%).
Tabela 2 Motivos para o adiamento do início da vida sexual e orientação sexual
n | Sexo masculino | Sexo feminino | Valor de p | Grupo 1 | Grupo 2 | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
(%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
Não me sinto preparado | 345(43) | 42 (12,2) | 303(87,8) | <0,001 | 323 (99,7) | 1 (0,3) | 0,005 |
Ainda não surgiu a oportunidade | 472 (51,9) | 195 (41,3) | 277 (58,7) | 0,013 | 431 (46,2) | 17 (3,8) | <0,001 |
Acho que não deve haver relações sexuais antes do casamento | 120 (13,2) | 45 (37,5) | 75 (62,5) | 0,035 | 74 (64,9) | 40(35,1) | <0,001 |
Tenho medo de engravidar alguém/ficar grávida | 281(31,5) | 77 (27,4) | 204 (72,6) | <0,001 | 264 (97,8) | 6 (2,2) | <0,001 |
Tenho medo de contrair HIV ou outra IST | 387 (43,6) | 118 (30,5) | 269 (69,5) | 0,001 | 361 (96,5) | 13(3,5) | <0,001 |
Acho que sou muito novo | 336 (36,8) | 74 (22) | 262 (78) | <0,001 | 302 (95,3) | 15 (4,7) | <0,001 |
Tenho medo de ficar mal visto perante a sociedade | 66 (7,3) | 23 (34,8) | 43 (65,2) | 0,818 | 61 (98,4) | 1 (1,6) | 0,112 |
Sexo oposto | 1.970 (91,4) | 809 (41,1) | 1.160 (58,9) | 0,001 | 1.305 (68,9) | 588 (31,1) | 0,002 |
Mesmo sexo | 73 (3,4) | 15(20,5) | 58 (79,5) | 36 (50) | 36 (50) | ||
Ambos os sexos | 112 (5,2) | 37 (33) | 75 (67) | 81 (73) | 30 (27) |
IST: Infecções Sexualmente Transmissíveis.
Ainda, 21% dos adolescentes e jovens referiram ter tido experiências homossexuais, dos quais 62% pertenciam ao G1 e 84% ao sexo feminino (p<0,001). A orientação sexual encontra-se discriminada na tabela 2.
Na primeira relação sexual, foi utilizado método contraceptivo por 93% dos adolescentes e jovens, dos quais 60% pertenciam ao sexo feminino (p<0,001) e 54% ao G1 (p=0,499).
A primeira relação sexual foi considerada acidental por 59% das adolescentes e jovens do sexo feminino (p=0,402) e por 55% do G1 (p=0,147). Dos que admitiram ter tido uma primeira relação sexual acidental (51%), 91% usaram algum método contraceptivo (p<0,001). Por outro lado, dos que tiveram relações sexuais planejadas, 96% recorreram à contracepção (p<0,001).
O contraceptivo de eleição na primeira relação foi o preservativo (85%), enquanto que, nas relações sexuais subsequentes, os métodos mais utilizados foram o preservativo (34%) e a dupla proteção (35%). A utilização de contracepção e os métodos contraceptivos escolhidos encontram-se discriminados nas tabelas 3 e 4, respectivamente.
Tabela 3 Utilização de contracepção e consumo de álcool/drogas
Sexo masculino | Sexo feminino | Valor de p | Grupo 1 | Grupo 2 | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |||
Primeira relação sexual | 514 (39,7) | 780(60,3) | 0,014 | 683 (54,3) | 574 (45,7) | 0,915 |
Relações sexuais subsequentes | 504 (37,2) | 852(62,8) | 0,651 | 729 (55,1) | 595 (44,9) | <0,001 |
Consumo de álcool | 274 (46,4) | 317 (53,6) | <0,001 | 270 (46,6) | 310 (53,4) | <0,001 |
Consumo de outras drogas | 102(47,2) | 114 (52,8) | 0,003 | 106 (51) | 102(49) | <0,001 |
Tabela 4 Métodos contraceptivos escolhidos na primeira relação sexual e nas subsequentes
Métodos contraceptivos | Primeira relação | Relações subsequentes |
---|---|---|
n (%) | n (%) | |
Preservativo | 1119 (85,1) | 471 (33,6) |
Pílula | 95 (7,2) | 323 (23) |
Coito interrompido | 22 (1,7) | 5 (0,4) |
Pílula + preservativo (dupla proteção) | 73(5,6) | 496 (35,4) |
Calendário | 4 (0,3) | - |
Preservativo + coito interrompido | 2 (0,2) | 23 (1,6) |
Pílula + coito interrompido | - | 19 (1,4) |
Preservativo + pílula + coito interrompido | - | 56 (4) |
Dentre os participantes que não utilizaram contracepção após a primeira relação sexual (18%), 83,5% pertenciam ao G1 (p<0,001) e 61% eram do sexo feminino (p=0,651). Destes, 70% consideraram a contracepção desnecessária (73% do sexo feminino e 69% do G2; p<0,001).
Na nossa amostra, 54% dos adolescentes e jovens recorreram pelo menos uma vez à contracepção de emergência, sendo que, destes, 62,5% eram do sexo feminino (p=0,404) e 61% pertenciam ao G2 (p<0,001).
Na primeira relação sexual ficaram grávidas 26 adolescentes/jovens (2%), sendo que 24 destas gravidezes (77%) terminaram em aborto. Do total da amostra, 45 adolescentes/jovens (2%) referiram ter contraído alguma infecção sexualmente transmissível (IST).
Dentre os que tiveram relações sexuais desprotegidas, 9% estavam sob o efeito de álcool e 5% sob influência de outras drogas (a distribuição por sexo e grupo etário encontra-se discriminada na tabela 3). Dos que tiveram relações sexuais sob influência de outras drogas, 53% eram do sexo feminino (p=0,002) e 51% pertencia ao G1 (p<0,001).
Estudos desenvolvidos em diversos países revelam que os adolescentes e jovens iniciam sua atividade sexual cada vez mais precocemente,(3-5,10) e Portugal não é exceção.(4) Cerca de 40% dos jovens com idades compreendidas entre os 13 e os 21 anos são sexualmente ativos.(11) De acordo com o relatório do Centers for Disease Control and Prevention, 44,1% da população adolescente afirma ser sexualmente ativa.(12) No presente estudo, mais de metade dos envolvidos (58%) já tinha iniciado sua atividade sexual, e a média de idade no momento da primeira relação sexual foi de 16,4 anos.
Adolescentes do sexo feminino, em geral, iniciam sua vida sexual mais tarde.(3,4,13-16) Neste estudo, a idade de início foi similar em ambos os sexo, o que está de acordo com algumas publicações mais recentes.(11) Registrou-se, contudo, diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários - os adolescentes mais novos iniciaram sua atividade sexual mais cedo (média 15,9 anos), comparativamente ao grupo dos mais velhos e jovens (média 17 anos).
No presente estudo, a média de idade no momento da primeira relação sexual foi ligeiramente superior à de outras publicações nacionais. Em uma revisão sistemática sobre a sexualidade dos adolescentes portugueses, a média de idade na primeira relação foi de 15,6 anos(4) e no estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), mais de três quartos dos adolescentes iniciou a sua vida sexual aos 14 anos ou mais.(17) Em outros trabalhos nacionais, a média foi de 15,49 anos(3) e 14,68 anos,(12) o que está de acordo com dados internacionais (média de 14 a 16 anos).(18)
O presente estudo denota algum desconhecimento por parte dos participantes no que diz respeito à definição de atividade sexual, uma vez que, parte dos adolescentes e jovens que referiram não ter iniciado sua vida sexual assumiu a prática de auto e heteromasturbação, a visualização de filmes pornográficos, e a prática de sexo oral e anal. Não sendo estas práticas percepcionadas como comportamentos sexuais, o risco inerente não é devidamente valorizado, cabendo aos profissionais de saúde intervir no ensino para sua prevenção.
Sabe-se que o recurso à contracepção tem aumentado.(3) Em nossa amostra, a maioria (93%) referiu ter usado algum método contraceptivo na primeira relação sexual, sobretudo no sexo feminino e no grupo dos mais novos. Este resultado foi superior ao observado em outros estudos nacionais, nos quais a percentagem de utilização de contraceptivos na primeira relação foi de 84 a 91%.(4,16) Nas relações sexuais subsequentes, tal porcentagem foi menor (82%), sendo igualmente superior no sexo feminino e no grupo dos mais novos. Dentre aqueles que não utilizaram contracepção nas relações sexuais subsequentes, cerca de metade a considerou desnecessária, principalmente adolescentes mais velhos e do sexo feminino. Isto pode sugerir que os adolescentes e jovens da nossa amostra não estão devidamente instruídos sobre a contracepção e os riscos decorrentes de condutas sexuais desadequadas.
Portugal é um dos países da União Europeia com menor taxa de educação sexual nas escolas (48%),(4) e o aconselhamento junto de profissionais de saúde também não é uma prática comum. Revisão sistemática revelou que apenas um terço dos adolescentes portugueses (34%) já recorreu a unidades de saúde para procurar aconselhamento sobre contracepção ou DSTs, principalmente aqueles do sexo feminino e de escolaridade mais elevada.(4) Outros estudos revelaram, igualmente, que mais de dois terços dos adolescentes sexualmente ativos nunca frequentou consultas de planejamento familiar.(3,12)
A percentagem que contraiu alguma forma de DSTs foi baixa, sendo semelhante à média nacional.(4) Este resultado pode ser decorrente da elevada percentagem de utilização do preservativo e/ou da existência de infeções não diagnosticadas ou assintomáticas.(3,4)
Estudos nacionais apontam o preservativo como o método contraceptivo de eleição na primeira relação (76 a 96%(4); 70,5% assim como nas relações subsequentes (52 a 69%;(4) 70,4%(17)).
Na população em estudo, o método mais utilizado na primeira relação sexual foi o preservativo, o que pode estar relacionado com sua disponibilidade e acessibilidade, ao fato de não requerer prescrição médica e por proporcionar uma proteção de baixo custo contra ISTs.(8)
Nas relações sexuais subsequentes, os métodos contraceptivos de eleição foram o preservativo e a dupla proteção. A redução da utilização do preservativo nas relações subsequentes pode ser justificada pela imaturidade/impulsividade dos adolescentes e jovens, pela idade mais avançada, pela utilização de outro método contraceptivo pela parceira (no caso dos heterossexuais), ou pela existência de uma relação mais sólida entre o casal.
O envolvimento dos jovens em relacionamentos mais prolongados pode constituir barreira à promoção de comportamentos sexuais saudáveis e seguros.(16) Esta condição pode justificar o fato de a contracepção ser menos usada pelos/as adolescentes mais velhos/as, como observado neste estudo. Efetivamente, os adolescentes e jovens tendem a descontinuar o uso do preservativo à medida que assumem um parceiro fixo, com quem têm uma atividade sexual regular, especialmente se utilizam outro método com o intuito de prevenir uma gravidez.(19)
Em 2012, foram publicadas as recomendações sobre aconselhamento contraceptivo pela Sociedade Portuguesa de Medicina do Adolescente e a Sociedade Portuguesa de Contracepção.(20) Nestas recomendações, a dupla proteção, que associa o preservativo a outro método de elevada eficácia, é a contracepção de eleição,(20) uma vez que, além de prevenir uma possível gravidez, também previne a transmissão das DSTs. Quando comparada com outros estudos internacionais, a percentagem de utilização deste método foi superior nesta amostra (35% versus <25%).(19)
Em estudo recente, 35% dos adolescentes e jovens recorreram à contracepção de emergência pelo menos uma vez. Destes, cerca de metade não utilizou método contraceptivo e, nos restantes, houve falha do método utilizado.(4)
Neste estudo, mais de metade recorreu, pelo menos uma vez, à contracepção de emergência, principalmente as adolescentes, e quase dois terços pertenciam ao grupo dos mais velhos, o que pode estar relacionado com a menor utilização da contracepção verificada neste grupo etário. A maior exposição social da mulher em caso de gravidez, e a crença de que a contracepção e as consequências de uma gravidez são da responsabilidade do sexo feminino(21) justificam o maior recurso à contracepção de emergência por este sexo, assim como a maior responsabilidade contraceptiva.
A atividade sexual na adolescência está frequentemente associada a outros comportamentos de risco, sobretudo o consumo de álcool, tabaco ou outras drogas.(3,10) O álcool é a substância mais consumida, seguida da cannabis.(22)
Grande parte dos adolescentes e jovens que já iniciou sua vida sexual consome álcool regularmente(4) e, de acordo com alguns estudos, uma percentagem significativa (9%) referiu não ter utilizado o preservativo, por estar demasiado embriagado para o fazer.(4,13)
Algumas drogas atuam como estimulantes sexuais, reduzindo a inibição e aumentando o desejo sexual. Aqueles que consomem álcool e outras drogas têm relações sexuais com maior frequência, são mais precoces no que toca à iniciação da vida sexual, têm mais parceiros sexuais e mais relações sexuais desprotegidas.(22)
De acordo com o estudo HBSC, 15,9% dos adolescentes já tiveram relações sexuais sob efeito do álcool ou drogas (19% do sexo masculino e 10,3% do feminino).(17) Outros estudos nacionais indicam que 35 a 51% dos adolescentes já tiveram relações sob influência do álcool, e cerca de 22%, sob efeito de drogas, predominantemente no sexo masculino.(22,23)
No presente estudo, dentre os participantes que tiveram relações sexuais desprotegidas, 9% tinham consumido álcool previamente e 5% estavam sob influência de outras drogas. Contrariamente a outros estudos, nesta amostra, o sexo feminino teve mais relações sexuais sob o efeito destas substâncias. Quanto à idade, os adolescentes mais velhos tiveram mais relações sexuais sob o efeito do álcool, e os mais novos tiveram mais relações sob influência de drogas, o que pode estar relacionado com o consumo de “drogas leves” - atualmente mais acessíveis.
Tem-se verificado que as adolescentes mais novas estão mais envolvidas em relações sexuais não planejadas, o que aumenta o risco de relações desprotegidas e de gravidez.(6) Em termos mundiais, 9% das mulheres tiveram uma gravidez não planejada antes dos 19 anos(15) e, em Portugal, esta percentagem se reduz para 5%, das quais 2% entre os 15 e os 19 anos.(15) Conforme a literatura, neste estudo, foram os adolescentes mais novos e do sexo feminino que tiveram mais relações sexuais não planejadas.
Em Portugal, a taxa de natalidade na adolescência é de 14,7 nascimentos por 1.000 adolescentes com 15 a 19 anos, e a taxa de aborto tem diminuído.(4) No presente estudo, 2% das adolescentes engravidaram e 77% destas gravidezes resultaram em aborto, valores similares aos de outro estudo nacional.(3)
O número reduzido de gravidezes pode estar relacionado com a elevada percentagem de utilização de contracepção. Por outro lado, o aumento da escolaridade, a perspectiva profissional, a ausência de planos de futuro centrados exclusivamente na maternidade e a facilidade de acesso à saúde reprodutiva podem justificar a reduzida taxa de gravidez na adolescência em Portugal.(4) O elevado número de abortos é resultante, provavelmente, de uma gravidez não planejada ou desejada.(3)
Durante a adolescência, surgem diversas experiências sexuais, nas quais se incluem os contatos homossexuais. Os adolescentes homossexuais são um grupo prioritário de intervenção em saúde, já que estão em maior risco de isolamento social, insucesso escolar, disfunção familiar, consumo de álcool ou drogas, depressão, suicídio e estigmatização.(9) Globalmente, a maioria dos adolescentes deste estudo mostrou preferência por relações heterossexuais, em concordância com outro estudo português.(15) As adolescentes referiram mais frequentemente uma atração pelo mesmo sexo, assim como mais experiências homossexuais, conforme o verificado no grupo dos adolescentes mais jovens.
Apesar da concordância estatística com outros estudos nacionais e internacionais, este trabalho foi limitado a uma cidade portuguesa, podendo não traduzir linearmente a realidade do país. No entanto, o objetivo central passou por caracterizar os comportamentos sexuais de uma amostra de adolescentes/jovens, com o intuito de delinear estratégias preventivas e promotoras de saúde a nível local, o que se veio a verificar com a promoção de um fórum destinado aos adolescentes envolvidos (disponível em: http://www.midlandcom.pt/main.php?link=1132&op=detalhe). Neste fórum, intitulado Sexualidades à Conversa, foram apresentados e comentados os resultados deste estudo, em uma perspectiva de educação e promoção para uma sexualidade saudável e responsável.
Foi elevada a percentagem de utilização de métodos contraceptivos na primeira relação sexual, assim como o maior recurso à dupla proteção, em concordância com as recomendações nacionais. No entanto, foram preocupantes o número de adolescentes que não utilizou nenhum método contraceptivo nas relações subsequentes e a elevada percentagem que o considerou desnecessário.
Para além das relações sexuais desprotegidas, o consumo concomitante de álcool ou drogas é uma realidade que merece especial atenção. As adolescentes deste estudo foram as que tiveram mais relações sob o efeito destas substâncias, assim como mais relações não planejadas e maior recurso à contracepção de emergência. Acresce a isto o fato de que foram os mais novos aqueles que tiveram mais relações não planejadas, por vezes sem recurso a qualquer método contraceptivo e sob o efeito de álcool ou drogas.
A baixa taxa de gravidez contrasta com a elevada percentagem de aborto e de utilização da contracepção de emergência, que, em parte, pode justificar este resultado. Apesar da baixa taxa de Infecções Sexualmente Transmissíveis e de gravidez, ambas causas de morbilidade nesta faixa etária, é importante apostar na implementação de estratégias preventivas e promotoras da saúde, para a melhoria destes resultados. De notar ainda que determinadas práticas não são percepcionadas como comportamentos sexuais, cabendo também aos profissionais de saúde o esclarecimento e a advertência para os riscos inerentes a essas práticas.
O conhecimento das questões relacionadas com a sexualidade ainda não foi satisfatório, sendo traduzido por comportamentos sexuais de risco, como relações sexuais desprotegidas, consumo concomitante de álcool/ drogas e não comparecimento nas consultas de planejamento familiar.
A aposta na educação sexual em Portugal é premente, envolvendo não só os cuidados de saúde, mas também as escolas e a sociedade em geral, de forma a travar as consequências que podem ser decorrentes de condutas sexuais desajustadas.