versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.3 São Paulo 2019 Epub 30-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4419
A atividade física corresponde ao movimento atribuído ao músculo esquelético com implicações no dispêndio energético diário, passível de acontecer em três contextos: mobilidade cotidiana, atividades ocupacionais e lazer. Em termos de saúde pública, tem sido dedicada grande ênfase à obesidade e, em parte, às disfunções metabólicas que lhe estão associadas e se revelam crônicas.(1,2) Não surpreendentemente, o combate à obesidade e, sobretudo, à inatividade física levaram à emergência de um paradigma de medicina comportamental preventiva, que depende do estilo de vida e não tanto de fatores contagiosos. Valoriza-se os programas de intervenção para o estímulo da atividade física,(3) muito particularmente as intensidades mais altas, tidas como mais efetivas na regulação da composição corporal.(4)
Nesse sentido, a adiposidade, especialmente na idade adulta, pode desencadear uma série de disfunções metabólicas, que são fatores de risco da síndrome metabólica(5) e morte por doenças cardiovasculares.(6) Por outro lado, a massa livre de gordura parece ser fator de proteção para morte por doenças cardiovasculares.(6) Ainda, uma maior massa muscular pode atenuar a relação entre maior adiposidade e doenças cardiovasculares,(6) sendo, dessa forma, importantes componentes da saúde entre adultos.
Além disso, a saúde óssea emerge como muito relevante na sociedade contemporânea face ao progressivo envelhecimento da população, cuja perda de autonomia funcional implica elevados custos na qualidade de vida da pessoa idosa e também nos setores econômicos do sistema de saúde e sociofamiliares. São cada vez mais abundantes as pesquisas que necessitam considerar indicadores funcionais e composição corporal em articulação com parâmetros de saúde óssea, reforçando o entendimento global de saúde e qualidade de vida.
Embora durante o envelhecimento as mulheres tenham maior risco de fratura óssea devido à menor aposição periosteal,(7) estima-se que o risco de homens com mais de 50 anos vivenciarem uma fratura osteoporótica é de 27%.(8) Por sua vez, a atividade física tem sido consistentemente associada a benefícios para a saúde metabólica, mental, cardiovascular, independentemente da idade e sexo, incluindo os indicadores de saúde óssea. Existe certo consenso sobre como o incremento de conteúdo mineral ósseo (CMO) requer exercícios eminentemente de força muscular, valorizando-se a carga mecânica como elemento de fortalecimento do tecido ósseo.(9–11) No entanto, a associação entre participação desportiva e saúde óssea ainda não é clara, considerando igualmente os componentes teciduais e as provas de força específicas (relativamente aos grupos musculares testados e às formas de manifestação de forças estática e isocinética).(12,13)
Comparar massa gorda, massa magra, conteúdo mineral ósseo, densidade mineral óssea e indicadores de aptidão física entre um grupo de jogadores de futebol com anos de prática da modalidade competitiva amadora e um grupo de jovens adultos, da mesma idade, ativos, mas não praticantes de desporto federado.
As recolhas foram realizadas de acordo com procedimentos éticas internacionais para ensaios com humanos,(14) aprovados pela Comissão de Ética da Universidade de Coimbra (CE/FCDEF-UC/00102014). Todos os participantes assinaram um consentimento informado, e a participação foi voluntária e informada acerca da natureza e dos objetivos do estudo, sendo permitida a desistência.
A amostra foi composta por 66 adultos do sexo masculinos com idade cronológica entre 18,5 e 29,9 anos de idade, divididos em grupo de adultos saudáveis (G1, n=35), sem meio de transporte próprio, com média superior a 10 mil passos realizados diariamente, não portadores de qualquer doença, incluindo lesões neuromusculares, e há pelo menos 5 anos sem praticar desporto, sendo que apenas um sujeito foi previamente praticante desportivo em contexto escolar; e um grupo de praticantes de futebol federado (G2, n=31), recrutados localmente (isto é, clubes da terceira divisão nacional, o principal campeonato após as duas ligas profissionais de Portugal). A informação relativa aos anos de prática desportiva na modalidade de futebol foi fornecida pelos clubes e confirmada nas associações. Para serem incluídos no G2, os sujeitos tinham de ter um mínimo de 4 anos de prática de futebol e treinar pelo menos quatro vezes por semana nos escalões da Federação Portuguesa de Futebol. A média de anos de prática desportiva do grupo de futebolistas foi de 14,5±4,2 anos.
A estatura foi obtida de um estadiômetro (Harpenden Stadiometer, modelo 98.603, Holtain Ltd., Crosswell, Reino Unido) com aproximação a 0,1cm.
Foi utilizado um equipamento que permite determinar o volume corporal (Bod Pod Composition System, modelo Bod Pod 2006, Life Measurement, Inc., Concord, Califórnia, EUA) e, subsequentemente, a densidade corporal. Inicialmente, foi avaliada a massa corporal, com a precisão de 0,1kg, fazendo uso de balança eletrônica conectada ao aparelho. A calibração da unidade foi efetuada antes de cada teste individual, usando um cilindro de 50,225L. Todos os participantes foram testados com o uso calções de banho de lycra e touca, sentados na câmara do equipamento (Bod Pod), imóveis, enquanto o volume corporal foi medido consecutivamente, até que dois valores dentro de uma diferença de 150mL tivessem sido obtidos. Quando necessário obter mais do que três volumes corporais, foi realizada avaliação adicional. O volume médio de ar nos pulmões e tórax durante a respiração corrente normal (volume de gás torácico) foi predito para cada. A densidade corporal (massa corporal/volume corporal) foi calculada e usada para estimar a percentagem de massa gorda.(15) Todas as avaliações foram executadas pelo mesmo investigador com experiência técnica de laboratório.
Os parâmetros da composição dos tecidos corporais foram obtidos por absorciometria de raios-X de dupla energia (DXA), avaliando os participantes em decúbito dorsal. Esta metodologia (Lunar DPX-PRO/NT/MD+) quantificou o tecido magro (TM), o tecido gordo (TG), CMO e densidade mineral óssea (DMO). Todas as avaliações foram efetuadas em laboratório certificado e por um técnico experiente.
A avaliação da força em ação isométrica do membro superior foi realizada com um dinamômetro mecânico (Hand Dynamometer, Lafayette modelo 78010, EUA) em ambos os membros. A preensão manual máxima foi efetuada sem haver qualquer contato com o corpo, e o registo do resultado foi expresso em kg.
A avaliação isocinética (Biodex System 3, Shirley, Nova Iorque, EUA) dos músculos extensores e flexores da articulação do joelho foi realizada apenas em modo concêntrico (CON), à velocidade angular de 60°/s-1. Os participantes foram colocados em posição sentada, sendo o braço da alavanca alinhado com o epicôndilo lateral do joelho e a tira de fixação na articulação tíbio-társica colocada aproximadamente entre 3 a 5cm do maléolo medial da tíbia. Os participantes foram instruídos para colocar as mãos nos ombros durante todo o teste. A amplitude de movimento durante o teste foi determinada pela extensão voluntária máxima (0° para 90° de flexão do joelho). A remoção do efeito da gravidade no braço do dinamômetro e membro avaliado foi efetuada pela calibração (ângulo 30°) no início de cada avaliação. Os participantes foram instruídos a realizar o máximo de força voluntária para a realização do movimento angular. Foram realizadas cinco repetições contínuas para as funções de extensão e flexão do joelho. A informação retida para análise considerou o momento de força máximo (MFmax), expresso em N.m. O aquecimento para o teste foi realizado em cicloergômetro (Monark Ergomedic 894E Peak Bike, Monark AB, Varberg, Suécia) com resistência mínima (≤60rpm), três exercícios de alongamentos estáticos (20 segundos) dos quadríceps, isquiotibiais e adutores, e ajustadas no dinamômetro três repetições (para a extensão e flexão) na velocidade de teste. Os dados foram posteriormente analisados recorrendo à filtragem e à suavização das curvas, com recurso ao programa AcqKnowledge, versão 4.1 (Biopac Systems, Inc., California, USA).
A estatística descritiva (amplitude, média, erro padrão da média, intervalo de confiança de 95% da média e desvio padrão) foi calculada para a totalidade da amostra. A normalidade das variáveis foi verificada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. O tamanho do efeito das comparações entre grupos foi estimado pelo d Cohen. A análise estatística foi conduzida no programa IBM Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22.0 (SPSS, Inc., Chicago, Illinois, EUA), com o nível de significância estabelecido nos 5%.
Na tabela 1, são apresentados os valores descritivos obtidos por meio da metodologia antropométrica, incluindo pletismografia de ar deslocado, e relativos à saúde óssea e composição tecidular, bem como os relativos à avaliação funcional. Verificou-se, em diversas variáveis, a violação da distribuição normal, refletindo a heterogeneidade entre grupos.
Tabela 1 Estatística descritiva e prova estatística para testar a normalidade da distribuição
Variável | Mínimo-máximo | Média | Desvio padrão | Normalidade (Kolmogorov-Smirnov) | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Valor da média | Erro padrão | IC95% | Valor de p | Valor de p | |||
Idade cronológica, anos | 18,48-29,93 | 22,49 | 0,30 | (21,80; 23,17) | 2,80 | 0,146 | <0,01 |
Estatura, cm | 155,8-191,5 | 176,9 | 0,7 | (175,4; 178,4) | 6,0 | 0,068 | 0,20 |
Massa corporal, kg | 50,1-101,9 | 74,6 | 1,3 | (71,8; 77,2) | 10,9 | 0,142 | <0,01 |
Volume corporal, L | 46,2-100,2 | 70,1 | 1,4 | (67,3; 72,9) | 11,2 | 0,160 | <0,01 |
Densidade corporal, L/kg | 1,018-1,092 | 1,066 | 0,002 | (1,061; 1,070) | 0,019 | 0,139 | <0,01 |
TM: corpo todo, kg | 44,57-71,80 | 56,82 | 0,80 | (55,53; 58,44) | 6,50 | 0,095 | 0,20 |
TM: membros inferiores, kg | 6,06-12,49 | 8,79 | 0,18 | (8,42; 9,16) | 1,49 | 0,106 | 0,06 |
TM: membro superiores, kg | 2,32-7,65 | 4,75 | 0,09 | (4,58; 4,92) | 0,69 | 0,111 | 0,04 |
TG: corpo todo, kg | 2,39-36,74 | 13,25 | 1,04 | (11,18; 15,33) | 8,44 | 0,167 | <0,01 |
TG: corpo todo, % | 4,8-39,1 | 17,3 | 1,1 | (15,1; 19,4) | 9,7 | 0,154 | <0,01 |
TG: membros inferiores, kg | 0,41-8,61 | 2,30 | 0,24 | (1,82; 2,79) | 1,97 | 0,168 | <0,01 |
TG: membro superiores, kg | 0,14-2,63 | 0,62 | 0,08 | (0,45; 0,78) | 0,07 | 0,314 | <0,01 |
CMO: corpo total, g | 2220-4910 | 3370 | 650 | (3240; 3500) | 525 | 0,079 | 0,20 |
DMO: corpo total, g/cm2 | 1,029-1,576 | 1,302 | 0,015 | (1,273; 1,332) | 0,120 | 0,052 | 0,20 |
DMO: lombar (L1-L4), g/cm2 | 0,931-1,852 | 1,307 | 0,023 | (1,312; 1,408) | 0,193 | 0,089 | 0,20 |
DMO: membros inferiores, g/cm2 | 1,370-2,257 | 1,741 | 0,025 | (1,691; 1,791) | 0,203 | 0,077 | 0,20 |
DMO: membro superiores, g/cm2 | 0,900-1,303 | 1,109 | 0,011 | (1,073; 1,111) | 0,091 | 0,050 | 0,20 |
MFMax: extensores joelho (60°/s), N.m | 138-306 | 214 | 4 | (206; 223) | 35 | 0,061 | 0,20 |
MFMax: flexores joelho (60°/s), N.m | 45-164 | 113 | 3 | (107; 120) | 25 | 0,066 | 0,20 |
Dinamometria manual, kg | 30,0-61,5 | 45,1 | 0,8 | (43,6; 46,7) | 6,1 | 0,071 | 0,20 |
Resultados expressos por amplitude, média, erro padrão da media, intervalo de confiança a 95% da média, desvio padrão.
IC95%: intervalo de confiança de 95%; TM: tecido magro; TG: tecido gordo; CMO: conteúdo mineral ósseo; DMO: densidade mineral óssea; L1-L4: 1ª lombar a 4ª lombar; MFMax: momento de força máximo.
As comparações entre grupos são apresentadas na tabela 2. No que se refere à composição corporal, foi possível verificar que o grupo de futebolistas apresentou valores superiores de densidade corporal (+0,016L/kg; d=1,22). Por sua vez, os adultos saudáveis apresentaram percentagens superiores de massa gorda nos diferentes segmentos analisados (d=0,67 a 1,67) e massa magra dos membros inferiores (d=1,39). A absorciometria permitiu observar que o grupo de futebolistas obteve níveis superiores de CMO (+651g; d=1,60). A mesma tendência foi verificada para a DMO (lombar L1-L4: +0,24g/cm2; +19,4%; d=1,90; membros superiores: +0,09g/cm2; +8,6%; d=1,20; membros inferiores: +0,27g/cm2; +16,8%; d=1,90), conforme ilustrado na figura 1. Relativamente à condição física, os futebolistas apenas obtiveram valores superiores de força na preensão manual (+5,6kg; d=0,99).
Tabela 2 Estatística descritiva por grupo e diferença entre médias nas variáveis morfológicas e funcionais
Variável | Variável independente | Diferença (IC95%) | t Student | Magnitude do efeito | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
G1 (n=35) | G2 (n=31) | t | Valor de p | d | (qualitativo) | ||
Idade cronológica, anos | 21,65 (20,74; 22,54) | 23,44 (22,48; 24,39) | |||||
Anos prática desportiva, anos | 14,4 (13,3; 15,5) | ||||||
Estatura, cm | 175,1 (173,2; 177,0) | 178,9 (176,9; 180,9) | -3,7 (-6,5; −1,0) | -2,702 | <0,01 | 0,67 | Moderada |
Massa corporal, kg | 73,7 (70,0; 77,4) | 75,6 (71,7; 79,5) | -1,9 (-7,1; +3,3) | -0,724 | 0,47 | 0,16 | Trivial |
Densidade corporal, L/kg | 1,059 (1,053; 1,065) | 1,075 (1,068; 1,081) | -0,016 (-0,024; −0,007) | -3,838 | <0,01 | 1,22 | Larga |
TM: corpo todo, kg | 52,76 (51,12; 54,41) | 61,41 (59,66; 63,16) | -8,65 (-11,05; −6,25) | -7,195 | <0,01 | 1,75 | Larga |
TM: membro superiores, kg | 4,85 (4,62; 4,39) | 4,64 (4,39; 4,89) | 0,21 (-0,13; +0,55) | 1,247 | 0,21 | 0,30 | Pequena |
TM: membros inferiores, kg | 9,60 (9,18; 10,01) | 7,89 (7,434; 8,32) | 1,72 (+1,116; +2,321) | 5,703 | <0,01 | 1,39 | Larga |
TG: corpo todo, % | 20,6 (17,9; 23,1) | 13,5 (10,6; 16,3) | 7,1 (+3,1; +11,0) | 3,735 | <0,05 | 0,87 | Moderada |
TG: corpo todo, kg | 15,82 (13,11; 18,54) | 10,35 (7,47; 13,24) | 5,47 (+1,50; +9,43) | 2,756 | <0,01 | 0,67 | Moderada |
TG: membro superiores, kg | 0,92 (0,71; 1,12) | 0,28 (0,06; 0,49) | 0,64 (+0,35; +0,94) | 4,317 | <0,01 | 1,05 | Moderada |
TG: membros inferiores, kg | 3,50 (2,99; 4,01) | 0,95 (0,41; 1,49) | 2,55 (+1,81; +3,29) | 6,888 | <0,01 | 1,67 | Larga |
CMO: corpo todo, g | 3,06 (2,93; 3,21) | 3,72 (3,57;3,76) | -0,65 (-0,85; −0,45) | -6,369 | <0,01 | 1,60 | Larga |
DMO: corpo todo, g/cm2 | 1,23 (1,20; 1,27) | 1,38 (1,35; 1,41) | -0,14 (-0,19; −0,10) | -1,593 | <0,01 | 0,99 | Moderada |
DMO: lombar (L1-L4), g/cm2 | 1,24 (1,20; 1,29) | 1,49 (1,43; 1,54) | -0,24 (-0,31; −0,17) | -6,423 | <0,01 | 1,90 | Larga |
DMO: membros superiores, g/cm2 | 1,05 (1,03; 1,07) | 1,14 (1,12; 1,16) | -0,09 (-0,13; −0,05) | - 4,874 | <0,01 | 1,22 | Larga |
DMO: membros inferiores, g/cm2 | 1,61 (1,56; 1,66) | 1,88 (1,83; 1,94) | -0,27 (-0,35; −0,20) | -7,554 | <0,01 | 1,90 | Larga |
MFmax: extensores joelho, N.m | 212 (200; 224) | 217 (205; 230) | -5 (-22; +12) | -0,282 | 0,562 | 0,14 | Trivial |
MFmax: flexores joelho, N.m | 113 (104; 121) | 114 (104; 123) | -1 (-14; +11) | -0,223 | 0,824 | 0,03 | Trivial |
Dinamometria manual, kg | 42,5 (40,6; 44,3) | 48,1 (46,1; 50,1) | -5,6 (-8,3; −2,9) | -4,156 | <0,01 | 0,99 | Moderada |
Resultados expressos por média (intervalo de confiança a 95%).
G1: adultos saudáveis; G2: futebolistas; TM: tecido magro; TG: tecido gordo; CMO: conteúdo mineral ósseo; DMO: densidade mineral óssea; L1-L4: 1ª lombar a 4ª lombar; MFMax: momento de força máximo.
Diferenças de massa óssea têm sido justificadas por meio de fatores intrínsecos (por exemplo: sexo e idade) e extrínsecos (por exemplo: dieta alimentar e exercício físico).(16) Os extrínsecos podem ser adaptados e regulados de acordo com a saúde do indivíduo. O presente estudo comparou um grupo de adultos saudáveis e ativos, mas que não praticavam modalidade desportiva de forma regular, com um grupo de praticantes de futebol federado, relativamente à composição corporal, saúde óssea e avaliação funcional. Os principais resultados sugerem que a prática do futebol, que se associa a cargas mecânicas, promove largamente o CMO do corpo todo e, moderadamente, o aumento da DMO, quando analisada para o corpo todo, mas mais substantivamente (em termos de magnitude dos efeitos) quando se observam regiões particulares (coluna lombar e regiões apendiculares, isto é, membros superiores e inferiores). Tal acontece mesmo quando as diferenças para as formas de manifestação de força muscular assumem menor magnitude de efeitos (trivial ou moderada). Adicionalmente, verificou-se que o grupo de adultos saudáveis apresentou índices de massa gorda superiores, sugerindo que um programa desportivo pode ser diferenciado na obtenção do equilíbrio energético e, consequentemente, na manutenção da massa corporal ideal, ou na obtenção de melhores indicadores de saúde do tecido ósseo, sendo observáveis, mesmo quando funcionalmente o nível de participação desportiva não é de alta competição e não são notadas diferenças funcionais relevantes entre os praticantes e adultos saudáveis fisicamente ativos.
Os resultados obtidos confirmam os resultados de estudos anteriores,(17) em que o grupo de futebolistas apresentou DMO para o corpo todo cerca de 12% superior ao Grupo Controle. No entanto, ao invés do expectável, não se detectaram diferenças na força muscular isocinética entre os grupos. Esta similaridade demonstra que a totalidade da amostra do presente estudo exerce atividade física passível de induzir adaptações na quantidade e na funcionalidade do tecido muscular, sugerindo que as adaptações ósseas requerem doses superiores e especificidade, isto é, impacto mecânico.(9) Os futebolistas produzem níveis de força superiores, comparativamente ao grupo de adultos saudáveis, reforçando a ideia de que o teste de preensão manual, que é de fácil aplicabilidade, cumpre função de diagnóstico geral e global de condição musculoesquelética, sendo também utilizado na avaliação sumária de grupos subnutridos.(18)
A diferença no CMO não foi notada como significativa em estudo comparativo de futebolistas com corredores.(19) No entanto, em nosso estudo, foram considerados apenas adultos ativos (sem necessariamente praticar qualquer desporto) e futebolistas, pressupondo que o futebol, como um desporto com maiores impactos mecânicos, pode proporcionar maior DMO e CMO desde idades precoces.(20) A prática desportiva do futebol pode ter apresentado maiores valores de CMO e DMO por meio de diferentes vias. Primeiramente, o impacto mecânico do desporto. Além disso, futebolistas, por praticarem o desporto em ar livre, tendem a apresentar maior exposição ao sol e, consequentemente, maior nível de vitamina D, a qual é relacionada a maior CMO e DMO.(21) Ainda, por serem atletas recreativos, futebolistas do presente estudo apresentam maior volume de treino, o qual também é associado a maiores CMO e DMO.(22)
Cumulativamente, foi possível verificar relação inversa entre a massas magra e gorda nos diferentes segmentos, decorrente da intensidade em sprints, saltos, aceleração e desacelerações a que os jogadores de futebol estão sujeitos.(23) Mesmo que futebolistas tenham apresentado menor tecido magro quando comparados aos seus pares ativos, os primeiros também apresentaram cerca de três vezes menos gordura nos membros inferiores, indicando maior proporção de tecido magro/tecido gordo, quando comparado ao grupo ativo não desportista. Isto reforça a relevância de regimes de atividade física oscilatórios em intensidade, acíclicos em termos de padrão de movimentos e com impacto mecânico. Em pesquisa com 88 participantes femininos em idades peripubertárias (6 a 11 anos, sendo 30 ginastas de alta competição com regimes de treino próximo de 16 horas semanais, 29 ginastas com regimes de treino entre 1 a 5 horas semanais, e 29 jovens não praticantes da modalidade de ginástica),(24) foram avaliados o tecido magro, o conteúdo e densidade mineral óssea do membro superior, a geometria óssea do antebraço e as três provas funcionais de desempenho muscular do membro superior, concluindo-se que as ginastas com regimes de treino mais modestos alcançaram melhores desempenhos funcionais, e valores mais favoráveis de geometria e resiliência do tecido ósseo, sendo as diferenças entre os dois grupos de ginastas a favor do grupo de elite, no que diz respeito à massa muscular total e à área muscular da máxima secção transversa do antebraço.
Os resultados do presente estudo conduzem a claras aplicações práticas. Levando em consideração a elevada incidência e a prevalência de lesões por conta da fragilidade óssea,(25,26) bem como os crescente quadro de obesidade ao redor do mundo,(2) a prática desportiva parece proporcionar resultados como o aumento da CMO e DMO, bem como menor gordura corporal. Sendo o futebol uma modalidade amplamente praticada, de elevada intensidade e com elevado impacto mecânico articular,(27) o presente estudo demonstrou ser esta uma proposta de prática desportiva suficiente para estimular a DMO.
O presente estudo apresenta algumas limitações. A amostra estudada, além de transversal, foi composta por grupos com dimensão amostral relativamente baixa e somente com sujeitos adultos e do sexo masculino. Isto reduz a extrapolação dos presentes resultados para outras amostragens. A análise destas diferenças em sujeitos com idades mais jovens, e a inclusão de sujeitos do sexo feminino, com maior variabilidade de tamanho e composição corporal devem ser enfocadas em futuras investigações. Isto deve permitir desenhar programas e estratégias adequadas para incrementar a saúde óssea durante os períodos de crescimento, maturação e desenvolvimento do segmento infanto-juvenil, conduzindo à prevenção mais eficaz de osteoporose. Ainda, não foi controlado o tipo de exercício que os grupos realizavam, sendo que o único critério foi praticar futebol ou ser fisicamente ativo.
A prática desportiva na modalidade de futebol, mesmo quando recreativa, podem resultar em maiores conteúdo e densidade mineral óssea, menor gordura corporal e maior força de preensão manual. O futebol constitui boa proposta de intervenção para obtenção e controle de massa corporal ideal, conferindo vantagens acrescidas, no que diz respeito à composição do tecido magro, tecido ósseo e tecido gordo.