versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.2 São Paulo abr./un. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140018
A literatura relata amplamente a associação direta entre declínio da função renal e comprometimento cognitivo,1-4 demonstrando que, para cada decréscimo de 15 ml/min/1,73 m2 na taxa de filtração glomerular, há um declínio cognitivo semelhante ao de 3 anos de envelhecimento.5 Recentemente, uma meta-análise relatou que a doença renal crônica (DRC) é um fator de risco independente para o declínio cognitivo,6 e isto pode ser um fator determinante na qualidade de vida.7
Estudos têm mostrado que o comprometimento cognitivo está associado com a gravidade da doença renal e a prevalência dessa condição é particularmente elevada em indivíduos submetidos ao tratamento hemodialítico, englobando até 60% dessa população.8,9
Os mecanismos envolvidos na etiologia do comprometimento cognitivo não estão completamente esclarecidos. Os efeitos das toxinas urêmicas contribuem diretamente para o declínio cognitivo. No entanto, a persistência de déficits cognitivos, apesar da dose adequada de diálise, indica que outros fatores contribuem para a disfunção cerebral.7
Alterações na hemodinâmica cerebral podem desempenhar papel relevante na patogenia da disfunção cognitiva entre pacientes em hemodiálise.10,11 A reatividade vasomotora cerebral é a resposta vasodilatadora às elevações na concentração arterial de dióxido de carbono. Essa resposta pode estar prejudicada na presença de disfunção cognitiva. Idade avançada, depressão e lesão da substância branca estão associadas tanto a disfunção cognitiva como a alterações da reatividade vasomotora cerebral.12 No entanto, poucos estudos fornecem informações sobre a melhor maneira de intervir na hemodinâmica cerebral.
As manifestações neurológicas de pacientes em HD impõem desafios diagnósticos e terapêuticos únicos, devido à heterogeneidade de condições que comumente a elas se associam.
Neste número do Jornal Brasileiro de Nefrologia (JBN), os autores Matta et al. apresentam um artigo de revisão sobre o tema abordado. Os autores, de maneira íntegra, contemplam a questão do comprometimento cognitivo e os mecanismos envolvidos nesta disfunção. Nesta mesma edição do JBN, o artigo de Silva et al. avalia a relação entre a capacidade cognitiva de 75 indivíduos submetidos à hemodiálise e suas características sociodemográficas e clínicas. De maneira relevante, os autores propuseram diferentes pontos de corte utilizados na literatura para o instrumento empregado no rastreamento cognitivo. A capacidade cognitiva apresentou relação direta com escolaridade e renda per capita; e relação inversa com idade. O estudo não encontrou correlações nítidas entre o comprometimento cognitivo e o processo hemodialítico. Eventualmente, um número maior de pacientes seja necessário para demonstrar essa relação amplamente relatada na literatura. Entretanto, o artigo ressalta a importância das alterações cognitivas sobre o prognóstico do paciente, condição esta muito pouco valorizada na avaliação clínica da DRC. Baseado nesses achados, seria interessante que todo paciente com DRC fosse submetido a avaliações de alterações da capacidade cognitiva.
Recentemente, surgiram evidências preliminares que apoiam o papel atividade física na prevenção ou no adiamento do declínio cognitivo. Assim, surge uma nova estratégia terapêutica coadjuvante contra o declínio cognitivo baseada em método não farmacológico. Pesquisas iniciais basearam-se na identificação de mecanismos envolvidos na proteção neuronal por meio de exercícios físicos, evidenciando uma associação entre altos níveis de atividade física e maior capacidade cognitiva.13
Nosso grupo de pesquisa tem se empenhado em investigar possíveis associações entre o nível de atividade física e a função cognitiva de pacientes em hemodiálise. Em estudo observacional com 102 pacientes, pudemos observar uma forte associação entre atividade física e uma melhor função cognitiva, independentemente das variáveis de confusão. Verificou-se que os pacientes mais ativos obtiveram menor risco de comprometimento cognitivo grave em comparação com aqueles irregularmente ativos e sedentários. Pacientes classificados como ativos obtiveram melhores pontuações em testes de função cognitiva (Mini Exame do Estado Mental), quando comparados a indivíduos sedentários e irregularmente ativos.14
Diante desses achados, e baseando-se na hipótese de que alterações na hemodinâmica cerebral possivelmente possam influenciar a patogenia da disfunção cognitiva, demos início a um estudo clínico randomizado, o qual objetiva avaliar os efeitos do treinamento físico intradialítico sobre o fluxo sanguíneo cerebral, função cognitiva e qualidade de vida em pacientes hemodialíticos. O estudo está em andamento, mas com resultados preliminares estimulantes.
Ainda que o papel neuroprotetor da atividade física no declínio cognitivo não esteja completamente elucidado, sua implementação em centros de hemodiálise é recomendada pela possibilidade de proteção cardiovascular, claramente descrita na literatura.
Em pesquisas futuras, é fundamental considerar novas estratégias de encorajamento de pacientes hemodiáliticos frente a esta mudança de comportamento para adequada adesão em protocolos de atividade física.