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Comunicação científica efetiva: reflexões e dicas

Comunicação científica efetiva: reflexões e dicas

Autores:

Bárbara Niegia Garcia de Goulart,
Rafaela Soares Rech

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.2 São Paulo 2018 Epub 17-Maio-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017197

CARTA AO EDITOR

A pesquisa é um processo clássico notadamente reconhecido para a construção do conhecimento e, ainda que seja a melhor fonte de evidências para a construção de novos saberes, desde que respeitados os princípios metodológicos apropriados, não se constitui como única fonte de saberes.

As informações que temos sobre o mundo, nossa existência pessoal e vida social se condensam em crenças, geralmente baseadas no senso comum(1). Para aferir nossas crenças, é relevante contar com uma definição bem formulada de conhecimento(1).

Segundo Platão, o conhecimento é uma crença verdadeira justificada. Ainda que não haja uma definição única de conhecimento na atualidade, a lógica excessivamente sistemática é hegemônica na sociedade contemporânea. A prática traz um conhecimento empírico que pode ser útil inclusive para os questionamentos futuros a serem investigados, assim como para a mudança e/ou aprimoramento da prática clínica. A expertise do profissional e as experiências vivenciadas também constituem e oportunizam a prática baseada em evidência.

Neste cenário, estudos que compartilham práticas favoráveis ao desenvolvimento de novas ações são relevantes e permitem reflexões sobre novas possibilidades a serem desenvolvidas e o que tem sido executado até o momento; entretanto, alguns cuidados são necessários e devem ser incorporados quando se divulga o trabalho desenvolvido. Para compartilhar ideias e replicar as experiências, bem como os estudos, em contextos diversos, é importante que o planejamento, a execução e o relato das experiências e estudos científicos obedeçam a certos critérios específicos, oferecendo o máximo de informações possível. É preciso dar reprodutibilidade ao trabalho detalhando o público alvo (amostra estudada), o objetivo investigado, as atividades desenvolvidas, os protocolos ou os instrumentos utilizados. Qualquer leitor precisa compreender passo a passo como o trabalho foi executado. Os itens essenciais que devem compor o planejamento de relatos de experiência, revisões integrativas de literatura e algumas reflexões epistemológicas muito breves sobre a potencial relevância destes tipos de expedientes para uma área de conhecimento serão apresentados a seguir.

Quando da intenção de apresentar um relato de experiência, é relevante considerar que este compartilhamento de experiência, seja em forma de um relato de caso, seja de um projeto de extensão, deve conter algum tipo de inovação, seja científica, tecnológica, social ou mesmo da forma de desenvolver alguma atividade (do “fazer”). Este tipo de relato para que seja replicado em outros cenários e para que seja possível verificar seu impacto ou avaliar de forma objetiva algum tipo de resultado de intervenção, por exemplo, é fundamental que sejam claramente descritos e explicitados: público-alvo, metas do projeto ou atividade desenvolvida, descrição detalhada de todos os elementos envolvidos nas atividades desenvolvidas (de forma que seja possível replicar em outros cenários, com outros públicos, se for o caso), resultados esperados e resultados alcançados (relacionados às metas e atividades desenvolvidas) e conclusões (afeitas aos resultados das ações relatados e suportados pelas metodologias empregadas).

As revisões integrativas da literatura têm o seu papel de dar um panorama do estado da arte em relação a um tema, entretanto, para que se afira de forma efetiva o que está publicado sobre o assunto de interesse, é imperativo que as bases de dados relevantes para o objeto de interesse sejam adequadamente escolhidas (exemplo: para temas de interesse relacionados à saúde mental é necessário incluir PsycINFO; Pubmed e CINAHAL sempre devem ser incluídos em estudos ligados à área da saúde por apresentarem os maiores contingentes de publicações da área na atualidade etc.). Para além disso, o tempo dispensado para realizar uma revisão de literatura deve ser considerado e é fundamental que se tenha um problema e uma questão de pesquisa claramente formulados para que sejam respondidos a partir da revisão da literatura, caso seja este o caminho de eleição, visto que o dispêndio de tempo para tal deve ser pautado em justificativa científica ou social, a partir de lacuna do conhecimento que pretende suprir. Neste caso, no planejamento da revisão, há que identificar os unitermos mais apropriados e suas combinações para o levantamento dos estudos-alvo e descrever estas informações quando do relato da revisão de forma que esta possa ser replicada. Importante salientar que, caso haja revisão sistemática (com ou sem metanálise) adequada e atualizada, não há razão para que uma revisão integrativa de literatura seja feita. Sendo assim, sempre antes de iniciar uma revisão integrativa da literatura é necessário verificar se não existe uma revisão sistemática e o que já se sabe sobre o assunto. O nosso referencial e embasamento teórico deve ser construído com ampla busca, com muita leitura e com cautela para que bons estudos não sejam omitidos, além disso, deve conter os principais autores da área, referências atualizadas, bons estudos metodológicos e o que já se sabe de mais importante sobre o tema.

Atualmente, uma comunicação científica efetiva é primordial na formação de futuros profissionais, assim como determinante para a qualidade da clínica do profissional formado. A pesquisa científica não é um nicho específico da academia, deve fazer parte da rotina do profissional que poderá sustentar suas práticas e sua importância, tanto aos seus pacientes quanto aos demais profissionais, a partir da evidência científica. Para uma adequada atuação do profissional clínico moderno, é fundamental que se saiba analisar a qualidade dos estudos existentes na literatura, mesmo que não desempenhe atividades como pesquisador. É preciso ser crítico e compreender quais são os achados clinicamente relevantes. É de suma importância que fonoaudiólogos sejam treinados em todos os níveis de formação para interpretar evidências e possam usufruir da sua capacidade técnica e reflexiva para aplicação destas informações na rotina clínica. Importante pontuar também a necessidade que o mundo globalizado impõe de aprender línguas estrangeiras, conhecer outras culturas, estar atento a novas tecnologias e informações disponíveis. A atualização constante é obrigatória em qualquer momento da carreira profissional.

Ainda que tenhamos um país com dimensões continentais, que enfrenta altos e baixos para o desenvolvimento científico de uma área de conhecimento que ainda busca consolidar-se, há meios de diminuir desigualdades e enfrentar as barreiras relacionadas à desigualdade de oportunidades utilizando redes de colaboração entre instituições e grupos de pesquisa estaduais, federais, particulares e comunitários; ferramentas on-line gratuitas para contato e reuniões virtuais (recurso que já é amplamente utilizado por grupos de pesquisa em colaborações internacionais, diminuindo custos, além de serem mais ecossustentáveis), recursos de tradução on-line gratuitos, recursos de disponibilização gratuita de artigos que não são livremente disponíveis, recursos em bibliotecas universitárias, cursos gratuitos, entre outros.

Uma comunicação científica efetiva é uma obrigatoriedade da vida contemporânea. A partir dela são possíveis progressos nas áreas da saúde e nas demais áreas, permitindo que as ciências ofereçam sempre o que há de melhor e mais adequado em diversos cenários. Não obstante, é relevante para viabilizar a produção de bases adequadas de planejamento e formulação de políticas de saúde específicas.

REFERÊNCIAS

1 Oliva A. Teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar; 2011.