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Comunicação e acesso a informações na avaliação da qualidade de assistência multiprofissional a pacientes internados

Comunicação e acesso a informações na avaliação da qualidade de assistência multiprofissional a pacientes internados

Autores:

Leny Vieira Cavalheiro,
Paola Bruno de Araújo Andreoli,
Nadia Sueli de Medeiros,
Telma de Almeida Busch Mendes,
Roselaine Oliveira,
Júnia Jorge Rjeille Cordeiro,
Rejane Augusta de Oliveira Figueiredo,
Anna Margherita Toldi Bork

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1298

INTRODUÇÃO

A assistência ao paciente internado é um processo complexo e exige da equipe uma dinâmica de trabalho organizada. O processo de assistência envolve um contexto de informações clínicas para a decisão terapêutica e um contexto de comunicação entre a equipe para tratar o paciente com efetividade.

A literatura relaciona com frequência a qualidade da assistência ao aspecto de segurança, principalmente em relação à comunicação entre a equipe. Alguns pontos são relacionados à dificuldade de acesso à informação no prontuário, informação sobre a conduta terapêutica e falha na comunicação, principalmente quando envolve medicamentos(1).

A comunicação entre as equipes e o conhecimento sobre o caso de cada paciente são os principais impactos para a continuidade da assistência e agilidade nos processos de organização das mesmas. A diversidade e a quantidade de profissionais que podem acessar o paciente aumentam a possibilidade de falhas na comunicação em aspectos importantes e de risco para os pacientes(2). No hospital, um único paciente, além do médico, pode ser assistido apenas por um enfermeiro e um nutricionista, ou por vários outros profissionais, como um terapeuta ocupacional, um psicólogo e um fisioterapeuta. Todos esses profissionais compõem a equipe multiprofissional. O elo entre as informações geradas por todos os profissionais que assistem o paciente frequentemente está fragmentado(3).

A minimização desses riscos se dá a partir da definição de modelos de assistência que permitam uma boa colaboração interdisciplinar e mecanismos de comunicação eficientes com foco em prevenção de erros e melhora dos resultados assistenciais(4).

Assim, a proposta de desenhar um modelo de assistência pautado no conhecimento sobre o caso e na comunicação entre a equipe poderá permitir a observação e análise do desempenho da equipe multiprofissional durante a assistência ao paciente.

OBJETIVO

Avaliar a qualidade de um modelo de assistência a pacientes internados por meio de dois índices de desempenho das equipes multiprofissionais.

MÉTODOS

O modelo de assistência proposto teve como pressuposto a posição do enfermeiro como gerenciador das informações sobre a assistência à beira do leito e a existência de canais de comunicação formal entre ele, a equipe médica e a equipe multidisciplinar.

O desempenho do enfermeiro foi mensurado a partir da criação de um índice estatístico pontuado nas respostas das questões realizadas nas entrevistas, cujo peso distribuiu-se em: sim (2 pontos), parcialmente (1 ponto) e não (zero ponto). Esse índice foi construído (estatisticamente) com uma variação de 0 a 100%, o que permitiu determinar um corte mínimo de desempenho.

Foi realizado um corte transversal para avaliação do conhecimento dos profissionais a respeito das informações clínicas do paciente e o uso de estratégias de comunicação intraequipe. Foram sorteados para entrevista 199 prontuários.

As entrevistas ocorreram com profissionais durante o período de trabalho, e o critério de inclusão utilizado foi estar pelo menos há uma hora do recebimento de seu plantão. Foi permitido que consultassem suas anotações sobre o paciente em prontuário ou em registros pessoais. Os profissionais da equipe multiprofissional entrevistados foram: enfermeiro, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, farmacêutico, assistente social e terapeuta ocupacional.

O método amostral foi aleatório estratificado, cuja unidade foi o número de saídas/transferências de pacientes em cada uma das unidades de internação do Hospital, entrevistando-se todos os profissionais envolvidos em sua assistência. Para o cálculo, foi considerando um nível de confiança de 95% e um erro amostral de 7%.

O sorteio de leitos foi aleatório em cada unidade, segundo uma tabela de randomização. Como critério de inclusão foi utilizada a seleção de pacientes que estavam internados na unidade há mais de 24 horas e sem programação de alta nas 24 horas subsequentes.

Foram utilizados três instrumentos para coleta de dados: a) instrumento do padrão-ouro das informações clínicas, b) instrumento do padrão-ouro sobre as premissas do modelo (comunicação entre a equipe) e c) instrumento de coleta da conformidade sobre o conhecimento do caso e comunicação entre a equipe.

O estabelecimento de informações padronizadas e abrangentes sobre o que se deveria saber sobre o caso de um paciente passa por itens importantes, como conhecer o diagnóstico, o motivo de internação, os cuidados planejados para o dia, o plano terapêutico, os exames alterados e o planejamento para alta. A comunicação neste modelo pôde ser testada sobre o recebimento de informações do caso do plantão anterior e se o enfermeiro recebeu as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar, se fez uso do impresso Plano Assistencial e o manteve atualizado, e se houve registro da discussão do enfermeiro com o médico sobre o caso do paciente.

Cada questão do instrumento continha respostas que variavam entre sim, parcialmente e não, cuja pontuação distribuía-se em: 0 se a resposta fosse ‘não’, 1 se fosse ‘parcialmente’, 2 se fosse ‘sim’. As médias das pontuações para cada questão foram transformadas em escalas de 0 a 100, compondo assim os índices de conhecimento e compreensão que são utilizados nas análises subsequentes(5).

Análise estatística

A partir do ponto de corte do índice de desempenho (85%) (conhecimento do caso e comunicação), foram constituídos dois grupos de comparação: grupo modelo de desempenho esperado (índice acima de 85%) e grupo modelo de desempenho abaixo do esperado (índice abaixo de 85%). Os resultados são apresentados segundo as diferenças encontradas para cada um dos índices estudados.

Para as comparações das variáveis qualitativas, foi utilizado o teste do χ2 ou exato de Fisher (F), quando necessário. Para as comparações das variáveis quantitativas entre duas amostras independentes, o teste utilizado foi o t de Student. Para todos os testes, adotou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Foram entrevistados 312 profissionais em 7 categorias a partir da amostragem de 199 prontuários. A amostra foi caracterizada pela predominância do envolvimento dos profissionais de enfermagem e fisioterapia nos prontuários avaliados (Tabela 1), e os profissionais envolvidos, em sua maioria, tinham cargo de pleno (Tabela 2) e eram fixos nas unidades de assistência (Tabela 3).

Tabela 1 Descritivo do número de profissionais envolvidos nas entrevistas por categoria profissional 

Categoria profissional n %
Enfermeiro 199 63,8
Fisioterapeuta 80 25,6
Fonoaudiólogo 8 2,6
Psicólogo 9 2,9
Terapia ocupacional 1 0,3
Farmacêutico 12 3,8
Assistente social 3 1
Total 312 100

Tabela 2 Distribuição dos profissionais por categoria profissional júnior, pleno e sênior, envolvidos em cada prontuário 

Categoria profissional Júnior Pleno Sênior Total
n % n % n % n %
Enfermeiro 12 6, 0 154 77,4 33 16,6 199 63,8
Fisioterapeuta 1 1,3 62 77,5 17 21,3 80 25,6
Fonoaudiólogo 1 12,5 7 87,5 0 8 2,6
Psicólogo 5 55,6 2 22,2 2 22,2 9 2,9
Terapia ocupacional 0 1 100 0 1 0,3
Farmacêutico 5 41,7 4 33,3 3 25 12 3,8
Assistente social 0 3 100 0 3 1
Total 24 7,7 233 74,7 55 17,6 312 100

Tabela 3 Distribuição dos profissionais pela situação de trabalho como fixo ou cobertura de folga ou férias, envolvidos em cada prontuário 

Categoria profissional Cobertura Fixo Total
n % n % n %
Enfermeiro 55 27,6 144 72,4 199 100
Fisioterapeuta 18 22,5 62 77,5 80 100
Fonoaudiólogo 4 50 4 50 8 100
Psicólogo 3 33,3 6 66,7 9 100
Terapia ocupacional 0 0 1 100 1 100
Farmacêutico 1 8,3 11 91,7 12 100
Assistente social 0 0 3 100 3 100
Total 81 26 231 74 312 100

Estabeleceu-se o nível do índice em 85% para considerar que o profissional tivesse qualidade no conhecimento das informações sobre o caso e na comunicação entre a equipe. Para a análise, as pontuações para conhecimento e comunicação foram categorizadas em:

    –. modelo de desempenho esperado: alto grau de conhecimento (comunicação), correspondendo a valores do índice iguais ou maiores que 85% na pontuação geral.

    –. modelo de desempenho abaixo do esperado: baixo grau de conhecimento (comunicação) correspondendo a valores do índice abaixo de 85% na pontuação geral;

Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos modelo de desempenho esperado e modelo de desempenho abaixo do esperado para as variáveis: sexo, situação e cargo dos profissionais (Tabela 4).

Tabela 4 Análise do conhecimento do caso do paciente 

Características do profissional e conhecimento do caso Conhecimento geral Valor p
<85% ≥85%
n % n %
Sexo F 15 62,5 106 60,6 0,856
M 9 37,5 69 39,4
Enfermagem - situação do profissional Cobertura 8 33,3 47 26,9 0,506
Fixo 16 66,7 128 73,1
Enfermagem - cargo do profissional Júnior 1 4,2 11 6,3 0,919
Pleno 19 79,2 135 77,1
Sênior 4 16,7 29 16,6
Recebeu informações sobre o conhecimento do caso do plantão anterior (enf) Não/parciais 1 4,2 3 1,7 0,422
Sim 23 95,8 172 98,3
Tem as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar (enf) Não/parciais 2 15,4 6 6,7 0,265 (F)
Sim 11 84,6 84 93,3
O impresso Plano Assistencial do paciente está aberto (enf) Não/parciais 2 8,7 5 3 0,205 (F)
Sim 21 91,3 160 97
O impresso Plano Assistencial do paciente está atualizado (enf) Não/parciais 5 21,7 15 9,1 0,077 (F)
Sim 18 78,3 150 90,9
Há registro de discussão com o médico (enf) Não/parciais 9 39,1 37 22,3 0,078
Sim 14 60,9 129 77,7
Número de funcionários envolvidos Até 2 funcionários 20 83,3 167 95,4 0,02
Mais de 2 funcionários 4 16,7 8 4,6
Comunicação gera <85% 17 70,8 106 60,6 0,332
>85% 7 29,2 69 39,4

F: Teste exato de Fisher.

enf = enfermeiro(a)

Na análise sobre o conhecimento do caso do paciente, encontrou-se a seguinte evidência:

    –. maior percentual de pacientes com mais de dois profissionais envolvidos no grupo modelo de desempenho abaixo do esperado (com grau de conhecimento menor que 85%), indicando que quanto maior o número de profissionais envolvidos, menor o grau de conhecimento (Tabela 4).

Na análise da comunicação entre a equipe-multiprofissional, as seguintes evidências foram encontradas:

    –. a comunicação foi melhor quando o enfermeiro tinha as informações relevantes sobre a assistência interdisciplinar, utilizava de forma adequada (abertura e atualização) o impresso denominado plano assistencial e formalizava a discussão com o médico. O impresso do plano assistencial foi composto com os dados sobre o conhecimento do caso e sobre a comunicação entre a equipe (Tabela 5);

    –. houve maior percentual de pacientes com um número de profissionais envolvidos >2 no grupo do modelo de desempenho esperado (com grau conhecimento maior do que 85%), indicando que quanto maior o número de profissionais envolvidos, maior o grau de comunicação.

Tabela 5 Análise da comunicação entre a equipe multiprofissional 

Características do profissional e conhecimento do caso Comunicação geral Valor p
<85% ≥85%
n % n %
Sexo F 75 61 46 60,5 0,95
M 48 39 30 39,5
Enfermagem - Situação do profissiona Cobertura 39 31,7 16 21,1 0,102
Fixo 84 68,3 60 78,9
Enfermagem - Cargo do profissional Júnior 6 4,9 6 7,9 0,397
Pleno 99 80,5 55 72,4
Sênior 18 14,6 15 19,7
Recebeu informações sobre o conhecimento do caso do plantão anterior (enf) Não/parciais 3 2,4 1 1,3 >0,999
Sim 120 97,6 75 98,7
Tem as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar (enf) Não/parciais 6 22,2 2 2,6 0,004 (F)
Sim 21 77,8 74 97,4
O impresso Plano Assistencial do paciente está aberto (enf) Não/parciais 7 6,3 0 0 0,043 (F)
Sim 105 93,8 76 100
O impresso Plano Assistencial do paciente está atualizado (enf) Não/parciais 17 15,2 3 3,9 0,014
Sim 95 84,8 73 96,1
Há registro de discussão com o médico (enf) Não/parciais 37 32,7 9 11,8 0,001
Sim 76 67,3 67 88,2
Número de funcionários envolvidos Até 2 funcionários 121 98,4 66 86,8 0,001 (F)
Mais de 2 funcionários 2 1,6 10 13,2
Conhecimento geral <85% 17 13,8 7 9,2 0,332
≥85% 106 86,2 69 90,8

enf = enfermeiro(a)

DISCUSSÃO

De acordo com Leonard et al, é importante mensurar a comunicação entre os diversos profissionais das diferentes áreas e também a continuidade da informação passada entre os plantões dentro de cada disciplina(6). Os resultados deste trabalho também evidenciam que a comunicação entre os profissionais delimita a qualidade das informações e, consequentemente, a qualidade da assistência.

As instituições de saúde caminham para organizar e conhecer a qualidade de sua assistência, como no sistema de saúde da Austrália, que discute junto ao The Australian Council for Safety and Quality in Health Care alguns aspectos a respeito da qualidade no desempenho da assistência. Não há exatamente uma abordagem tão específica em relação a indicadores sobre essa qualidade de comunicação, mas o direcionamento é para a melhoria dos processos assistenciais(7).

Todos os profissionais que fazem a assistência do paciente devem direcionar sua atenção a essas informações, podendo, consequentemente, definir e decidir o tratamento mais adequado ao paciente. O que se discute é que, para o benefício e melhor planejamento do tratamento, é importante que cada profissional conheça as informações sobre o paciente e possa compartilhá-las com os envolvidos no caso.

Para tanto, é importante que se possa mensurar a comunicação entre os diversos profissionais das diferentes áreas e também a continuidade da informação passada entre os plantões dentro de cada disciplina.

A assistência ao paciente também permeia a interação do tratamento dos profissionais envolvidos no caso. Quanto melhor a comunicação, entendimento e objetivos em comum determinando o tratamento, melhor o resultado clínico(8).

O modelo de assistência adotado por cada instituição de saúde envolve um processo de comunicação, de eficiência e efetividade técnica dos profissionais envolvidos em um caso, proporcionando um entendimento harmonioso e um melhor atendimento ao paciente. O relacionamento interpessoal influi diretamente nesse processo(9).

Em consonância com os desfechos apresentados, outros autores estudaram a qualidade da assistência e discutiram que os três fatores que nela influem diretamente são: a dificuldade nos registros do prontuário, a continuidade da assistência e a comunicação entre a equipe(1). Da mesma forma, o presente estudo propõe que os pilares para assistência com qualidade seguem por conhecimento do caso, continuidade da assistência e efetiva comunicação entre a equipe que está envolvida em cada caso.

Muitas equipes adotam metodologias de informações do caso e comunicação da equipe, assim como foi feito neste estudo, a fim de avaliar a qualidade da assistência(6).

Por outro lado, uma reavaliação periódica é necessária para que se possa avaliar o desempenho da equipe. É um ponto importante no processo para o acompanhamento de ações ou metas para a equipe assistencial.

CONCLUSÕES

A qualidade da assistência pode ser avaliada utilizandose um modelo baseado em um índice de desempenho relacionado ao conhecimento e comunicação do caso com a equipe multiprofissional.

REFERÊNCIAS

1. Dean JE, Kamisha AH, Escoto H, Lawson R. Using a multi-method, user centred, prospective hazard analysis to assess care quality and patient safety in a care pathway. BMC Health Serv Res. 2007;7(89):1-10.
2. Bohlman LN, Panzer AM, Kindig DA. Health literacy: a prescription to end confusion. Washington: National Academy of Sciences; 2004.
3. Nutbeam D. Health literacy as a public health goal: a challenge for contemporary health education and communication strategies into the 21st century. Health Promotion International. 2000;15(3):259-67.
4. Sirota T. Nurse\Physician relationships improving or not. Nursing. 2007;37(1):52-6.
5. McDowel I, Newell C. Measuring health: a guide to rating scales and questionnaires. 2nd ed. New York: Osford Press; 1996.
6. Leonard M, Graham S, Bonacum D. The human factor: the critical importance of effective teamwork and communication in providing safe care. Qual Saf Health Care. 2004;13(1):85-90.
7. Australian Council for Safety and Quality in Health Care, Open Disclosure Standard: A National Standard for Open Communication in Public and Private Hospitals following and Adverse Event; 2003. Available from: www.safetyandquality.com
8. Sheehan D, Robertson L, Ormond T. Comparison of language used and patterns of communication in interprofessional and multidisciplinary teams. Journal of Interprofessional Care. 2007;21(1):17-30.
9. Mayer M, Costenaro RGS, Mota MS, Fossá MIT. A importância da comunicação organizacional na atuação da equipe multiprofissional de saúde. [Internet] [s.d.] [cited 2010 maio 15] Available from: encipecom.metodista.br/…/GT1_-_A_importancia_da_comunicacao-varios.pdf