versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1298
A assistência ao paciente internado é um processo complexo e exige da equipe uma dinâmica de trabalho organizada. O processo de assistência envolve um contexto de informações clínicas para a decisão terapêutica e um contexto de comunicação entre a equipe para tratar o paciente com efetividade.
A literatura relaciona com frequência a qualidade da assistência ao aspecto de segurança, principalmente em relação à comunicação entre a equipe. Alguns pontos são relacionados à dificuldade de acesso à informação no prontuário, informação sobre a conduta terapêutica e falha na comunicação, principalmente quando envolve medicamentos(1).
A comunicação entre as equipes e o conhecimento sobre o caso de cada paciente são os principais impactos para a continuidade da assistência e agilidade nos processos de organização das mesmas. A diversidade e a quantidade de profissionais que podem acessar o paciente aumentam a possibilidade de falhas na comunicação em aspectos importantes e de risco para os pacientes(2). No hospital, um único paciente, além do médico, pode ser assistido apenas por um enfermeiro e um nutricionista, ou por vários outros profissionais, como um terapeuta ocupacional, um psicólogo e um fisioterapeuta. Todos esses profissionais compõem a equipe multiprofissional. O elo entre as informações geradas por todos os profissionais que assistem o paciente frequentemente está fragmentado(3).
A minimização desses riscos se dá a partir da definição de modelos de assistência que permitam uma boa colaboração interdisciplinar e mecanismos de comunicação eficientes com foco em prevenção de erros e melhora dos resultados assistenciais(4).
Assim, a proposta de desenhar um modelo de assistência pautado no conhecimento sobre o caso e na comunicação entre a equipe poderá permitir a observação e análise do desempenho da equipe multiprofissional durante a assistência ao paciente.
Avaliar a qualidade de um modelo de assistência a pacientes internados por meio de dois índices de desempenho das equipes multiprofissionais.
O modelo de assistência proposto teve como pressuposto a posição do enfermeiro como gerenciador das informações sobre a assistência à beira do leito e a existência de canais de comunicação formal entre ele, a equipe médica e a equipe multidisciplinar.
O desempenho do enfermeiro foi mensurado a partir da criação de um índice estatístico pontuado nas respostas das questões realizadas nas entrevistas, cujo peso distribuiu-se em: sim (2 pontos), parcialmente (1 ponto) e não (zero ponto). Esse índice foi construído (estatisticamente) com uma variação de 0 a 100%, o que permitiu determinar um corte mínimo de desempenho.
Foi realizado um corte transversal para avaliação do conhecimento dos profissionais a respeito das informações clínicas do paciente e o uso de estratégias de comunicação intraequipe. Foram sorteados para entrevista 199 prontuários.
As entrevistas ocorreram com profissionais durante o período de trabalho, e o critério de inclusão utilizado foi estar pelo menos há uma hora do recebimento de seu plantão. Foi permitido que consultassem suas anotações sobre o paciente em prontuário ou em registros pessoais. Os profissionais da equipe multiprofissional entrevistados foram: enfermeiro, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, farmacêutico, assistente social e terapeuta ocupacional.
O método amostral foi aleatório estratificado, cuja unidade foi o número de saídas/transferências de pacientes em cada uma das unidades de internação do Hospital, entrevistando-se todos os profissionais envolvidos em sua assistência. Para o cálculo, foi considerando um nível de confiança de 95% e um erro amostral de 7%.
O sorteio de leitos foi aleatório em cada unidade, segundo uma tabela de randomização. Como critério de inclusão foi utilizada a seleção de pacientes que estavam internados na unidade há mais de 24 horas e sem programação de alta nas 24 horas subsequentes.
Foram utilizados três instrumentos para coleta de dados: a) instrumento do padrão-ouro das informações clínicas, b) instrumento do padrão-ouro sobre as premissas do modelo (comunicação entre a equipe) e c) instrumento de coleta da conformidade sobre o conhecimento do caso e comunicação entre a equipe.
O estabelecimento de informações padronizadas e abrangentes sobre o que se deveria saber sobre o caso de um paciente passa por itens importantes, como conhecer o diagnóstico, o motivo de internação, os cuidados planejados para o dia, o plano terapêutico, os exames alterados e o planejamento para alta. A comunicação neste modelo pôde ser testada sobre o recebimento de informações do caso do plantão anterior e se o enfermeiro recebeu as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar, se fez uso do impresso Plano Assistencial e o manteve atualizado, e se houve registro da discussão do enfermeiro com o médico sobre o caso do paciente.
Cada questão do instrumento continha respostas que variavam entre sim, parcialmente e não, cuja pontuação distribuía-se em: 0 se a resposta fosse ‘não’, 1 se fosse ‘parcialmente’, 2 se fosse ‘sim’. As médias das pontuações para cada questão foram transformadas em escalas de 0 a 100, compondo assim os índices de conhecimento e compreensão que são utilizados nas análises subsequentes(5).
A partir do ponto de corte do índice de desempenho (85%) (conhecimento do caso e comunicação), foram constituídos dois grupos de comparação: grupo modelo de desempenho esperado (índice acima de 85%) e grupo modelo de desempenho abaixo do esperado (índice abaixo de 85%). Os resultados são apresentados segundo as diferenças encontradas para cada um dos índices estudados.
Para as comparações das variáveis qualitativas, foi utilizado o teste do χ2 ou exato de Fisher (F), quando necessário. Para as comparações das variáveis quantitativas entre duas amostras independentes, o teste utilizado foi o t de Student. Para todos os testes, adotou-se o nível de significância de 5%.
Foram entrevistados 312 profissionais em 7 categorias a partir da amostragem de 199 prontuários. A amostra foi caracterizada pela predominância do envolvimento dos profissionais de enfermagem e fisioterapia nos prontuários avaliados (Tabela 1), e os profissionais envolvidos, em sua maioria, tinham cargo de pleno (Tabela 2) e eram fixos nas unidades de assistência (Tabela 3).
Tabela 1 Descritivo do número de profissionais envolvidos nas entrevistas por categoria profissional
Categoria profissional | n | % |
---|---|---|
Enfermeiro | 199 | 63,8 |
Fisioterapeuta | 80 | 25,6 |
Fonoaudiólogo | 8 | 2,6 |
Psicólogo | 9 | 2,9 |
Terapia ocupacional | 1 | 0,3 |
Farmacêutico | 12 | 3,8 |
Assistente social | 3 | 1 |
Total | 312 | 100 |
Tabela 2 Distribuição dos profissionais por categoria profissional júnior, pleno e sênior, envolvidos em cada prontuário
Categoria profissional | Júnior | Pleno | Sênior | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Enfermeiro | 12 | 6, 0 | 154 | 77,4 | 33 | 16,6 | 199 | 63,8 |
Fisioterapeuta | 1 | 1,3 | 62 | 77,5 | 17 | 21,3 | 80 | 25,6 |
Fonoaudiólogo | 1 | 12,5 | 7 | 87,5 | 0 | 8 | 2,6 | |
Psicólogo | 5 | 55,6 | 2 | 22,2 | 2 | 22,2 | 9 | 2,9 |
Terapia ocupacional | 0 | 1 | 100 | 0 | 1 | 0,3 | ||
Farmacêutico | 5 | 41,7 | 4 | 33,3 | 3 | 25 | 12 | 3,8 |
Assistente social | 0 | 3 | 100 | 0 | 3 | 1 | ||
Total | 24 | 7,7 | 233 | 74,7 | 55 | 17,6 | 312 | 100 |
Tabela 3 Distribuição dos profissionais pela situação de trabalho como fixo ou cobertura de folga ou férias, envolvidos em cada prontuário
Categoria profissional | Cobertura | Fixo | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Enfermeiro | 55 | 27,6 | 144 | 72,4 | 199 | 100 |
Fisioterapeuta | 18 | 22,5 | 62 | 77,5 | 80 | 100 |
Fonoaudiólogo | 4 | 50 | 4 | 50 | 8 | 100 |
Psicólogo | 3 | 33,3 | 6 | 66,7 | 9 | 100 |
Terapia ocupacional | 0 | 0 | 1 | 100 | 1 | 100 |
Farmacêutico | 1 | 8,3 | 11 | 91,7 | 12 | 100 |
Assistente social | 0 | 0 | 3 | 100 | 3 | 100 |
Total | 81 | 26 | 231 | 74 | 312 | 100 |
Estabeleceu-se o nível do índice em 85% para considerar que o profissional tivesse qualidade no conhecimento das informações sobre o caso e na comunicação entre a equipe. Para a análise, as pontuações para conhecimento e comunicação foram categorizadas em:
–. modelo de desempenho esperado: alto grau de conhecimento (comunicação), correspondendo a valores do índice iguais ou maiores que 85% na pontuação geral.
–. modelo de desempenho abaixo do esperado: baixo grau de conhecimento (comunicação) correspondendo a valores do índice abaixo de 85% na pontuação geral;
Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos modelo de desempenho esperado e modelo de desempenho abaixo do esperado para as variáveis: sexo, situação e cargo dos profissionais (Tabela 4).
Tabela 4 Análise do conhecimento do caso do paciente
Características do profissional e conhecimento do caso | Conhecimento geral | Valor p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
<85% | ≥85% | |||||
n | % | n | % | |||
Sexo | F | 15 | 62,5 | 106 | 60,6 | 0,856 |
M | 9 | 37,5 | 69 | 39,4 | ||
Enfermagem - situação do profissional | Cobertura | 8 | 33,3 | 47 | 26,9 | 0,506 |
Fixo | 16 | 66,7 | 128 | 73,1 | ||
Enfermagem - cargo do profissional | Júnior | 1 | 4,2 | 11 | 6,3 | 0,919 |
Pleno | 19 | 79,2 | 135 | 77,1 | ||
Sênior | 4 | 16,7 | 29 | 16,6 | ||
Recebeu informações sobre o conhecimento do caso do plantão anterior (enf) | Não/parciais | 1 | 4,2 | 3 | 1,7 | 0,422 |
Sim | 23 | 95,8 | 172 | 98,3 | ||
Tem as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar (enf) | Não/parciais | 2 | 15,4 | 6 | 6,7 | 0,265 (F) |
Sim | 11 | 84,6 | 84 | 93,3 | ||
O impresso Plano Assistencial do paciente está aberto (enf) | Não/parciais | 2 | 8,7 | 5 | 3 | 0,205 (F) |
Sim | 21 | 91,3 | 160 | 97 | ||
O impresso Plano Assistencial do paciente está atualizado (enf) | Não/parciais | 5 | 21,7 | 15 | 9,1 | 0,077 (F) |
Sim | 18 | 78,3 | 150 | 90,9 | ||
Há registro de discussão com o médico (enf) | Não/parciais | 9 | 39,1 | 37 | 22,3 | 0,078 |
Sim | 14 | 60,9 | 129 | 77,7 | ||
Número de funcionários envolvidos | Até 2 funcionários | 20 | 83,3 | 167 | 95,4 | 0,02 |
Mais de 2 funcionários | 4 | 16,7 | 8 | 4,6 | ||
Comunicação gera | <85% | 17 | 70,8 | 106 | 60,6 | 0,332 |
>85% | 7 | 29,2 | 69 | 39,4 |
F: Teste exato de Fisher.
enf = enfermeiro(a)
Na análise sobre o conhecimento do caso do paciente, encontrou-se a seguinte evidência:
–. maior percentual de pacientes com mais de dois profissionais envolvidos no grupo modelo de desempenho abaixo do esperado (com grau de conhecimento menor que 85%), indicando que quanto maior o número de profissionais envolvidos, menor o grau de conhecimento (Tabela 4).
Na análise da comunicação entre a equipe-multiprofissional, as seguintes evidências foram encontradas:
–. a comunicação foi melhor quando o enfermeiro tinha as informações relevantes sobre a assistência interdisciplinar, utilizava de forma adequada (abertura e atualização) o impresso denominado plano assistencial e formalizava a discussão com o médico. O impresso do plano assistencial foi composto com os dados sobre o conhecimento do caso e sobre a comunicação entre a equipe (Tabela 5);
–. houve maior percentual de pacientes com um número de profissionais envolvidos >2 no grupo do modelo de desempenho esperado (com grau conhecimento maior do que 85%), indicando que quanto maior o número de profissionais envolvidos, maior o grau de comunicação.
Tabela 5 Análise da comunicação entre a equipe multiprofissional
Características do profissional e conhecimento do caso | Comunicação geral | Valor p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
<85% | ≥85% | |||||
n | % | n | % | |||
Sexo | F | 75 | 61 | 46 | 60,5 | 0,95 |
M | 48 | 39 | 30 | 39,5 | ||
Enfermagem - Situação do profissiona | Cobertura | 39 | 31,7 | 16 | 21,1 | 0,102 |
Fixo | 84 | 68,3 | 60 | 78,9 | ||
Enfermagem - Cargo do profissional | Júnior | 6 | 4,9 | 6 | 7,9 | 0,397 |
Pleno | 99 | 80,5 | 55 | 72,4 | ||
Sênior | 18 | 14,6 | 15 | 19,7 | ||
Recebeu informações sobre o conhecimento do caso do plantão anterior (enf) | Não/parciais | 3 | 2,4 | 1 | 1,3 | >0,999 |
Sim | 120 | 97,6 | 75 | 98,7 | ||
Tem as informações relevantes sobre a Assistência Interdisciplinar (enf) | Não/parciais | 6 | 22,2 | 2 | 2,6 | 0,004 (F) |
Sim | 21 | 77,8 | 74 | 97,4 | ||
O impresso Plano Assistencial do paciente está aberto (enf) | Não/parciais | 7 | 6,3 | 0 | 0 | 0,043 (F) |
Sim | 105 | 93,8 | 76 | 100 | ||
O impresso Plano Assistencial do paciente está atualizado (enf) | Não/parciais | 17 | 15,2 | 3 | 3,9 | 0,014 |
Sim | 95 | 84,8 | 73 | 96,1 | ||
Há registro de discussão com o médico (enf) | Não/parciais | 37 | 32,7 | 9 | 11,8 | 0,001 |
Sim | 76 | 67,3 | 67 | 88,2 | ||
Número de funcionários envolvidos | Até 2 funcionários | 121 | 98,4 | 66 | 86,8 | 0,001 (F) |
Mais de 2 funcionários | 2 | 1,6 | 10 | 13,2 | ||
Conhecimento geral | <85% | 17 | 13,8 | 7 | 9,2 | 0,332 |
≥85% | 106 | 86,2 | 69 | 90,8 |
enf = enfermeiro(a)
De acordo com Leonard et al, é importante mensurar a comunicação entre os diversos profissionais das diferentes áreas e também a continuidade da informação passada entre os plantões dentro de cada disciplina(6). Os resultados deste trabalho também evidenciam que a comunicação entre os profissionais delimita a qualidade das informações e, consequentemente, a qualidade da assistência.
As instituições de saúde caminham para organizar e conhecer a qualidade de sua assistência, como no sistema de saúde da Austrália, que discute junto ao The Australian Council for Safety and Quality in Health Care alguns aspectos a respeito da qualidade no desempenho da assistência. Não há exatamente uma abordagem tão específica em relação a indicadores sobre essa qualidade de comunicação, mas o direcionamento é para a melhoria dos processos assistenciais(7).
Todos os profissionais que fazem a assistência do paciente devem direcionar sua atenção a essas informações, podendo, consequentemente, definir e decidir o tratamento mais adequado ao paciente. O que se discute é que, para o benefício e melhor planejamento do tratamento, é importante que cada profissional conheça as informações sobre o paciente e possa compartilhá-las com os envolvidos no caso.
Para tanto, é importante que se possa mensurar a comunicação entre os diversos profissionais das diferentes áreas e também a continuidade da informação passada entre os plantões dentro de cada disciplina.
A assistência ao paciente também permeia a interação do tratamento dos profissionais envolvidos no caso. Quanto melhor a comunicação, entendimento e objetivos em comum determinando o tratamento, melhor o resultado clínico(8).
O modelo de assistência adotado por cada instituição de saúde envolve um processo de comunicação, de eficiência e efetividade técnica dos profissionais envolvidos em um caso, proporcionando um entendimento harmonioso e um melhor atendimento ao paciente. O relacionamento interpessoal influi diretamente nesse processo(9).
Em consonância com os desfechos apresentados, outros autores estudaram a qualidade da assistência e discutiram que os três fatores que nela influem diretamente são: a dificuldade nos registros do prontuário, a continuidade da assistência e a comunicação entre a equipe(1). Da mesma forma, o presente estudo propõe que os pilares para assistência com qualidade seguem por conhecimento do caso, continuidade da assistência e efetiva comunicação entre a equipe que está envolvida em cada caso.
Muitas equipes adotam metodologias de informações do caso e comunicação da equipe, assim como foi feito neste estudo, a fim de avaliar a qualidade da assistência(6).
Por outro lado, uma reavaliação periódica é necessária para que se possa avaliar o desempenho da equipe. É um ponto importante no processo para o acompanhamento de ações ou metas para a equipe assistencial.
A qualidade da assistência pode ser avaliada utilizandose um modelo baseado em um índice de desempenho relacionado ao conhecimento e comunicação do caso com a equipe multiprofissional.