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Comunicação no handoff na terapia intensiva: nexos com a segurança do paciente

Comunicação no handoff na terapia intensiva: nexos com a segurança do paciente

Autores:

Grazielle Rezende da Silva dos Santos,
Juliana Faria Campos,
Rafael Celestino da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.22 no.2 Rio de Janeiro 2018 Epub 01-Mar-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0268

INTRODUÇÃO

Unidades de Terapia Intensiva (UTI) destinam-se ao atendimento de pacientes críticos que exigem cuidados complexos e especializados, realizados por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar. São marcadas pelo fluxo dinâmico e constante de profissionais da saúde, pela instabilidade dos pacientes e pela necessidade de manejo com terapias, sistemas de informação e equipamentos de alta complexidade.1 Assim, constituem-se num local onde a segurança do paciente merece uma atenção diferenciada, já que os pacientes estão mais vulneráveis aos eventos adversos devido à gravidade de suas doenças e a maior necessidade de cuidados específicos.

O conceito de segurança do paciente se refere à diminuição até um mínimo aceitável do risco de danos desnecessários relacionados ao cuidado em saúde. Esse dano ocorre quando há prejuízo na estrutura ou função do corpo ou qualquer efeito daí resultante, como doença, incapacidade, lesão, sofrimento ou morte. Nesse caso, são denominados de eventos adversos.2

Na UTI, diversos fatores podem influenciar na segurança desse cuidado ao paciente, com riscos de gerar danos a ele, tais como fatores individuais, da equipe, do ambiente de trabalho, organizacionais e administrativos, e do contexto institucional.2 Na pesquisa em tela, destaca-se a influência da comunicação entre os profissionais. Em termos de definição, a comunicação é um processo contínuo de compartilhamento de informações composto por elementos que se inter-relacionam, dando sentido aos objetivos das mensagens.3

No ambiente hospitalar, especificamente, tal compartilhamento de informações e experiências entre os profissionais tem o papel de garantir a continuidade da assistência. Para que esse objetivo seja alcançado, os dados sobre o paciente devem ser claros, objetivos e completos, com informações que possibilitem o monitoramento, avaliação e planejamento do cuidado.4

A comunicação efetiva entre a equipe da UTI é considerada um elemento que contribui para promover uma cultura de segurança.5 Por outro lado, falhas nessa comunicação podem comprometer a continuidade da assistência intensiva e colocar em risco a segurança do paciente.4 Essas falhas estão sendo indicadas, cada vez mais, como contribuintes para a ocorrência dos eventos adversos,6 o que tem gerado um interesse dos estudiosos na temática da segurança na comunicação.

Em uma coorte realizada durante 18 meses na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital particular, constatou-se que a falha na comunicação entre os profissionais de saúde acarretou em eventos adversos com potencial para aumentar a taxa de mortalidade nesse setor hospitalar, seja devido ao atraso do início da antibioticoterapia ou para iniciar algum procedimento importante.7

Já num ensaio reflexivo sobre a comunicação efetiva na perspectiva do trabalho interdisciplinar para a qualidade dos cuidados em saúde e da segurança do paciente, os autores consideram que há dificuldades dos profissionais em manter uma comunicação efetiva no trabalho em equipe, principalmente por conta: da formação diversificada dos profissionais; da hierarquização; e das diferenças na frequência da comunicação entre as categorias.6

Um momento importante na assistência intensiva em que a comunicação se faz intensamente presente é durante o handoff,7 o qual envolve três características: a transferência da informação, da responsabilidade e da autoridade. É uma atividade clínica que abarca desde a transferência de informações sobre o paciente entre os profissionais de diferentes turnos, até a transferência de um paciente entre setores diferentes do hospital e para outro hospital.7

Handoff consiste, pois, na transmissão de informações relevantes para a continuidade do tratamento do paciente, devendo conter o seu estado de saúde atual, as recentes mudanças ocorridas, o tratamento em curso. É uma forma de transferir a responsabilidade pelo paciente à outra equipe profissional no decorrer da assistência, durante a admissão e alta hospitalar.7

Sobre isso, observações empíricas indicam situações em que há brincadeiras, sons de campainhas, conversas paralelas, falta de clareza na comunicação, ausência de estrutura, dificuldade de interpretação dos profissionais, relatórios superficiais, incompletos, fatores estes que prejudicam a assistência. Tais observações se alinham com estudos preliminares que apontam o handoff como um desafio para a área da saúde em relação à qualidade e segurança.6,8

Esses indicativos da problemática das falhas de comunicação durante o handoff levaram a Organização Mundial da Saúde a colocar os handoff clínicos como prioridade na diminuição de eventos adversos ao paciente.9 No Brasil, a comunicação efetiva entre os profissionais nos serviços de saúde também é um ponto crítico, constituindo-se numa das metas do Programa Nacional de Segurança do Paciente, principalmente em relação às prescrições verbais, informações de resultados de exames, interlocução entre equipes de farmácia, enfermagem e médica. Tais aspectos geram suspensão de procedimentos, atrasos na dietoterapia, reações adversas a medicamentos.2

Diante disso, levantou-se a seguinte questão de pesquisa: Quais evidências científicas existem sobre a comunicação dos profissionais da UTI durante o handoff e de suas repercussões na segurança do paciente? Objetiva-se levantar as evidências científicas sobre a prática do handoff na UTI quanto à segurança da comunicação dos membros da equipe sobre o paciente hospitalizado.

MÉTODO

Estudo de revisão integrativa, de cunho exploratório. A revisão integrativa é considerada um método amplo de revisão, permitindo a inclusão de estudos experimentais e não experimentais para compreensão completa do fenômeno analisado.10 No caso dessa proposição, tal revisão justifica-se pela falta de clareza em torno do fenômeno delineado, de modo que subsidie conhecer como a comunicação ocorre no âmbito do handoff, para que numa segunda fase se possa melhor orientar a produção dos dados de uma pesquisa de campo e as intervenções dela decorrentes.

As etapas desenvolvidas no presente estudo foram: formulação da questão norteadora e objetivo da pesquisa; estabelecimento dos critérios para a busca dos artigos; organização dos dados; análise e discussão dos resultados e apresentação da revisão.11 A questão estabelecida para direcionar a revisão foi: Quais evidências científicas existem sobre a comunicação dos profissionais da terapia intensiva durante o handoff e de suas repercussões na segurança do paciente?

Critérios foram estruturados a fim de efetuar a inclusão de artigos no corpus de avaliação levando-se em conta os objetivos do estudo, quais sejam: artigos disponíveis em texto completo; na língua portuguesa ou inglesa; no recorte temporal de 10 anos: 2007-2016; respondessem à questão norteadora, ou seja, tratassem da comunicação no handoff entre os diferentes profissionais de saúde, na especificidade da UTI, na perspectiva de segurança; e tivessem forte nível de evidência, conforme padronização adotada pela Agency for Health care Research and Quality dos Estados Unidos da América. Incluiu-se na pesquisa estudos classificados entre o nível de evidência de 1 até 4, que abrangem: nível 1: metanálise de múltiplos estudos controlados; nível 2: estudo individual com desenho experimental; nível 3: estudo quase-experimental como estudo sem randomização com grupo único pré e pós-teste, séries temporais ou caso-controle; nível 4: estudo com desenho não experimental como pesquisa descritiva correlacional e qualitativa ou estudos de caso.12

Para a obtenção dos dados foi feito o levantamento de bibliografias no formato de artigos a partir do acesso direto às bases de dados: Medline, Cinahl e Scopus. Na tentativa de ampliar o corpus da investigação optou-se num segundo momento pela busca por meio do acesso direto ao portal PubMed. Nessas buscas foram aplicados os seguintes descritores: patient handoff; communication; patient safety; critical care; intensive care units; health communication. Tais descritores foram cruzados entre si através do operador bolleano AND, conforme Quadro 1.

Quadro 1 Artigos incluídos pelo cruzamento dos descritores por base de dados.  

Cruzamentos/Bases de dados PubMed Medline Cinahl Scopus
Handoff AND critical care 2 4 0 0
Handoff AND UTI 2 0 1 0
Handoff AND Health communication 1 1 0 1
Handoff AND patient safety 0 0 0 0
Handoff AND communication AND patient safety 3 0 0 0
Total 8 5 1 1

Fonte: Elaborado pelo primeiro autor.

Os dados foram coletados de janeiro a março de 2016.Com base nos cruzamentos dos descritores aplicados, obteve-se o número inicial de 1.200 artigos. Realizou-se leitura exploratória do título e resumo para a verificação do atendimento aos critérios estabelecidos. Isto gerou a exclusão de 1.147 artigos que não respondiam à questão da pesquisa ou não atendiam aos demais critérios, e de nove artigos que estavam duplicados, obtendo-se um quantitativo preliminar de 44 artigos.

Esses artigos passaram por leitura seletiva, que consistiu na leitura integral do conteúdo do artigo para se ter uma visão geral do estudo e verificar se possibilitava compreender o fenômeno em tela. Esse processo gerou a exclusão de 29 artigos, pois a partir da síntese e hierarquização das suas principais informações, concluiu-se que a relevância do seu conteúdo não era suficiente para responder ao problema desta pesquisa e seu rigor metodológico e nível de evidência comprometiam a validade das afirmações. Quando houve dúvidas sobre a inclusão dos artigos, dois pesquisadores experientes analisaram o seu conteúdo de maneira independente e chegaram a um consenso.

Logo, o corpus foi de 15 artigos, conforme ilustra a Figura 1. Nesses artigos, empregou-se leitura analítica a partir de um instrumento de coleta de informações acerca do artigo, tais como: características gerais do estudo, objetivo, delineamento metodológico, resultados e nível de evidência. Os dados coletados das bibliografias captadas foram organizados num quadro sinóptico (Quadro 2), que contempla o título, ano/país; delineamento metodológico; intervenção; desfecho.

Fonte: Elaborado pelo primeiro autor.

Figura 1 Fluxograma de seleção dos artigos. 

Quadro 2 Sinopse dos artigos incluídos na revisão 

Título Delineamento Intervenções Desfechos
E1-Improving handoff communications in critical care: utilizing simulation-based training toward process improvement in managing patient risk13
2008/Israel Evidência: III
Fase 1: retrospectivo, de análise das causas de um incidente
Fase 2: prospectivo, de intervenção, quantitativo
N=390 handoff (224 antes e 166 após intervenção)
Apontar deficiências comuns no processo de handoff a partir da análise retrospectiva de um incidente, com a criação de um protocolo de handoff e treinamento da equipe de enfermagem baseado em simulação Após a intervenção houve aumento na incidência de enfermeiros comunicando informações relevantes no handoff, incluindo: nome do paciente, os eventos ocorridos durante o turno anterior e os objetivos de tratamento para o próximo turno. Não houve alteração na incidência de checagem dos alarmes do monitor e do ventilador mecânico.
E2-A prospective observational study of physician handoff for intensive-care-unit-to-ward patient transfers14
2011/Canadá Evidência: IV
Observacional; Prospectivo; Quantitativo
N=112 transferências de pacientes da UTI para enfermaria
Entender os métodos e a qualidade da comunicação no handoff entre médicos em uma UTI. A má comunicação resultou em 13 erros médicos e na insatisfação de acompanhantes e usuários devido à falta de conhecimento sobre sua condição clínica.
E3-Falling through the cracks: information breakdowns in critical care handoff communication15
2011/EUA Evidência: IV
Qualitativo; Multimétodos; Áudio de 80 handoff; acompanhamento fluxo de trabalho de 30-40 profissionais; Investigar os problemas na comunicação durante o handoff Dois fatores contribuíram para a degradação da informação: a falta de padronização da comunicação durante o handoff; preparação inadequada do handoff na fase pré-handoff
E4-Standardized multidisciplinary protocol improves handover of cardiac surgery patients to the intensive care unit16
2011/EUA Evidência: III
Prospectivo; Intervencionista; Quantitativo
N=69 handoff
Avaliar o handoff antes da intervenção, com observação direta guiada por um instrumento padronizado, e observação após intervenção com aplicação do mesmo instrumento. Erros técnicos durante o handoff foram reduzidos de 6,24 para 1,52; omissão de informações críticas durante o handoff reduziu de 6,33 para 2,38. Houve melhoria no trabalho em equipe e no conteúdo do handoff.
E5-Bridging gaps in handoff: A continuity of care based approach17
EUA/2012 Evidência: IV
Qualitativo
Multimétodos
N=80 handoff 30-40 profissionais da UTI
Identificar a natureza, características intrínsecas das fases do processo de handoff e desenvolver um quadro da comunicação durante o handoff em cuidados críticos. Há três fases interdependentes no processo de handoff: antes, durante e após, que podem resultar no aceite, rejeição ou necessidade de mais informações pelo receptor da informação. 52% das informações foram aceitas sem discussão, 4% foi rejeitada. Dos 44% restantes que exigiam informações adicionais, 33% foram resolvidas quando um dos membros da equipe complementava a informação, enquanto 11% não foram imediatamente resolvidos, entrando num ciclo de discussão entre a equipe a fim de ser solucionado.
E6-In search of common ground in handoff documentation in an Intensive Care Unit18
2012/EUA Evidência: IV
Observacional; Documental
Qualitativo
N=22 instrumentos usados por enfermeiros e médicos
Entender a estrutura, funcionalidade e conteúdo das ferramentas de handoff utilizados por enfermeiros e médicos em um ambiente de cuidados intensivos. Há sobreposição entre ferramentas usadas por enfermeiros e médicos. Uma ferramenta semiestruturada centrada no usuário pode ajudar na comunicação entre os profissionais e melhorar a segurança do usuário.
E7-Handover patterns: an observational study of critical care physicians19
2012/Canadá Evidência: IV
Observacional; Prospectivo; Quantitativo
N=21 handoff
Descrever o padrão de comunicação durante o handoff utilizado pelos médicos de uma UTI, e compará-los com esquemas de handoff atualmente padronizados. Os médicos intensivistas não seguiram os padrões de comunicação comumente recomendados, ou seja, nem todos utilizaram a mesma ferramenta e alguns elementos foram dispersos e outros ausentes no handoff.
E8-Pilot implementation of a perioperative protocol to guide operating room-to-intensive care unit patient handoffs20
2012/EUA Evidência: III
Prospectivo; Intervencionista; Quantitativo
N=238 profissionais de saúde durante 60 transferências de cuidado.
Avaliar o impacto da implementação de um protocolo padronizado de handoff no cuidado do paciente e satisfação da equipe. Após intervenção, a presença de todos os membros do grupo na beira do leito aumentou de 0% para 68%. A porcentagem de informação perdida no relatório de cirurgia diminuiu de 26% para 16%. O protocolo diminui o risco de perda de informação e promove a satisfação entre a equipe perioperatória
E9-Understanding current intensive care unit nursing handover practices9
2013/Austrália Evidência: IV
Observacional, prospectivo
Quantitativo
N=20 handoff envolvendo 40 enfermeiros (20 transferindo e 20 recebendo)
Avaliar o conteúdo e a integralidade do processo de handoff dos usuários entre os turnos de enfermagem em uma unidade de terapia intensiva. Falhas na comunicação foram: ausência no handoff das situações clínicas atuais; os planos de alta e de longo prazo estavam presentes em 40% dos handoff; a releitura com o profissional que está recebendo o handoff aconteceu em 35% dos casos; e o cruzamento de dados apareceu em 40% dos handoff analisados.
E10-Failures in transition: learning from incidents relating to clinical handover in acute care21
2013/Austrália Evidência: IV
Observacional; transversal; Quantitativo; Descritivo
N=459 incidentes ocorridos em entre 2004-2008 em unidades de cuidados agudos
Analisar as características, fatores contribuintes e mecanismos de detecção de falha associadas ao handoff em ambientes de cuidados agudos Falhas mais encontradas: handoff inadequado (28%); omissões de informações críticas sobre o estado do usuário (19%); e omissões de informações críticas sobre o plano de cuidados do usuário (14 %).
E11-Differences in the handover process and perception between nurses and residents in a critical care setting22
2014/Singapura Evidência: IV
Quantitativo; Descritivo
N=580 (290 médicos residentes e 290 enfermeiros)
Identificar as diferenças nas práticas e nas percepções acerca do handoff entre enfermeiros e médicos em unidades de terapia intensiva Entre os emissores os enfermeiros estavam mais preocupados com a complexidade do estado de saúde do paciente em relação aos médicos, mais interessados no plano geral de cuidado. Entre os receptores, os enfermeiros (12%) achavam que a informação mais útil era o histórico médico, enquanto para os médicos o plano de gerenciamento para as 48 horas era mais útil.
E12-Are attendings different? intensivists explain their handoff ideals, perceptions, and practices23
EUA/2014 Evidência: IV
Qualitativo; Descritivo
N=30 médicos de cuidados intensivos
Caracterizar as práticas de handoff e determinar os aspectos ideais de handoff na perspectiva de médicos assistentes. A prática padronizada foi rara. Meios utilizados para o handoff: conversas telefônicas, comunicações pessoais, e-mail ou mensagem de texto. O "handoff perfeito": sucinto e organizado, face a face, incluindo comunicação verbal e escrita sobre o histórico do paciente.
E13-Comparative evaluation of the content and structure of communication using two handoffs tool: Implications for patient safety24
2014/EUA Evidência: III
Intervencionista; Prospectivo; Quanti-qualitativo
N=82 handoff (41 com cada ferramenta)
Comparar duas ferramentas de handoff: SOAP e HAND-IT. Cada grupo de 5 profissionais trabalhou com uma ferramenta durante 1 mês e depois houve uma troca. A avaliação comparativa entre duas ferramentas de handoff: SOAP e HANDIT, mostrou que a HAND-IT gerou menos erros de comunicação.
E14-Transferring patient care: patterns of synchronous bidisciplinary communication between physicians and nurses during handoffs in a critical care unit25
Canadá/2015 Evidência: IV
Qualitativo
Descritivo
Observacional
N=40 handoff
Caracterizar o fluxo de informações durante o handoff e identificar padrões de comunicação entre médicos anestesiologistas e enfermeiros numa unidade de cuidados intensivos pós-operatória. A presença da história do paciente (42%) e dos eventos intraoperatórios (39%) foi mais frequente, em contraste com o estado do paciente (8%) e o plano de assistência (9%). A busca de informações através de perguntas foi maior sobre o estado do paciente (46%) e do plano de assistência (29%).
E15-Face-to-face handoff: improving transfer to the pediatric intensive care unit after cardiac surgery26
EUA/2015 Evidência: III
Prospectivo, Intervencionista
Quantitativo
N=79 handoff
Desenvolver e implementar um processo de handoff, melhorando as formas de comunicação, que começa na sala de operação e conclui à beira do leito na UTI Antes do instrumento de handoff 58% dos profissionais acreditavam que o processo era eficiente; 53% se sentiam à vontade para realizar perguntas; 19% achavam que o processo melhorava o cuidado. Após a intervenção esses números foram, respectivamente, para: 69%, 75% e 94%.

Fonte: Elaborado pelo primeiro autor.

Os resultados dos estudos passaram por análise do seu conteúdo e a confluência dos temas que se organizou a partir desta permitiu apreender as unidades de evidência, a partir das quais elaborou-se a discussão, utilizando o conceito de segurança2 e de comunicação3 que sustentam a pesquisa. Os estudos são identificados pelo código numérico E1, E2 (...).

RESULTADOS

Acerca da caracterização do corpus, os 15 estudos selecionados são em língua inglesa; publicados no período de 2008 a 2015; e produzidos principalmente nos EUA, que publicou sete artigos, seguido pelo Canadá com três e Austrália com dois artigos. Do total de estudos analisados, dez foram produzidos por profissionais que estavam sediados em universidades e, o restante, nos hospitais. Já quanto aos delineamentos metodológicos mais frequentes na amostra estudada, a maioria foi de abordagem quantitativa, contemplando nove artigos, cinco artigos de desenho qualitativo e um com abordagem quantitativa e qualitativa.

Os resultados da análise do conteúdo veiculado pelos artigos foram organizados em duas unidades de evidência, a primeira se intitula: "Falhas de comunicação: causa, natureza e consequências"; e a segunda: "Prática do handoff: modelos e efeitos do uso de instrumentos", nas quais os estudos que as integram são apresentados de maneira descritiva.

Unidade de evidência 1: Falhas de comunicação: causa, natureza e consequências

Esta unidade inclui os estudos que evidenciam que na prática do handoff dos profissionais da UTI existem falhas de comunicação que podem acarretar em prejuízos para o paciente: E2,14 E3,15 E5,17 E9,9 E10,21 E1122 e E14.25 Tais falhas de comunicação são caracterizadas em relação: a sua causa (E315 e E517); natureza (E9,9 E10,21 E11,22 E1425); e suas consequências (E214).

Sobre a causa, E315 apontou que dois fatores estiveram relacionados com a falha de comunicação durante a transferência: a falta de utilização de um formato padronizado de apresentação das informações ao longo da transferência, mostrando que há uma ligação potencial entre padronização e quebra da informação; a conclusão inadequada de atividades de preparação do handoff, que se relacionam ao levantamento de dados sobre o paciente e atualização do seu plano de cuidados, tais como: examinar o paciente; revisão das suas informações e do seu plano de cuidados e elaboração do registro antes da troca de plantão. A não realização dessas atividades resultou em quebra de informação, ao contrário de quando ambos os fatores foram realizados adequadamente.15

E517 caracterizou as três fases do handoff, no intento de demonstrar a interdependência dessas fases e sua importância na análise das falhas de comunicação no handoff. A fase pré-handoff é a de conhecimento sobre o paciente; no handoff em si ocorre a comunicação dos eventos relacionados aos casos dos pacientes, estando relacionada a preparação na fase de pré-handoff; e o pós-handoff inclui realizar atividades de cuidado planejadas e de reavaliação das informações do paciente.17

Na fase de handoff, a informação apresentada pode ser rejeitada (informação ignorada e ciclo de tomada de decisão iniciado), aceita (incorporada na avaliação final e plano do paciente) ou com necessidade de informações adicionais pelo receptor da mensagem (nova informação avaliada quanto à suficiência e completude). Na pesquisa 52% das informações foram aceitas sem discussão, 4% foi rejeitada. Das 44% que exigiam mais informações, 33% resolveram-se quando um membro da equipe complementou a informação, enquanto 11% não foram imediatamente resolvidos, entrando num ciclo de debate entre a equipe para ser solucionado.17

Quanto à natureza, as falhas se caracterizam por informações incompletas e/ou equivocadas e handoff que ocorrem sem a troca de informações sobre o paciente. Essas informações ausentes, incompletas ou erradas referem-se ao plano de cuidado, a condição/estado atual do paciente, bem como a sua história clínica, presentes nos estudos E9,9 E10,21 E11,22 E14.25

No E1021 as falhas de comunicação mais frequentes foram nas categorias: transferência e alta (29%), quando não houve handoff durante a transferência do paciente entre unidades; omissões no handoff, em que ocorreu comunicação incompleta sobre a condição do paciente (19%) e sobre o plano de cuidados (14%); na categoria erros no handoff, comunicação errada sobre o plano de cuidado estava presente em 5% e sobre as condições clínicas em 3%.21

E1425 que observou 40 processos de handoff entre médicos anestesiologistas de uma unidade cirúrgica e enfermeiros numa UTI pós-operatória, identificou que a comunicação entre esses profissionais se referiu: a história clínica (21%), a eventos intraoperatórios (20%), ao estado do paciente (19%), ao plano de assistência futura (13%) e a outros (27%). O envio de informações sobre a história do paciente (42%) e os eventos intraoperatórios (39%) foi o comportamento verbal mais frequente adotado pelo anestesista, em contraste com a discussão sobre o estado do paciente (8%) e o plano de assistência (9%). Esses tópicos resultaram em alta interação, pois exigiram um comportamento verbal de busca de informações dos enfermeiros, respectivamente 46 % e 29%, em comparação ao histórico (19%) e eventos intraoperatórios (5%).25

Isto indica que o tipo de informação que é deixada de ser dita no handoff é diferente entre médicos e enfermeiros, conforme se verifica em E1122 que dividiu 290 enfermeiros e 290 médicos que participavam do processo de handoff nas admissões e transferências da UTI em emissores e receptores, de acordo com a sua categoria profissional. Entre os enfermeiros e médicos responsáveis por realizar a transferência, verifica-se que os enfermeiros estavam mais preocupados com a complexidade do estado de saúde do paciente (40%) em relação aos médicos (25%), mais interessados no plano geral de cuidados, comunicado por 73% dos médicos e 54% dos enfermeiros. Entre os que recebiam as informações, os enfermeiros (12%) achavam que a informação mais útil era o histórico médico, ao passo que somente 1% dos médicos, para os quais (29%) o plano de gerenciamento para as 48 horas era mais útil em relação aos enfermeiros (19%).22

O estudo E99 verificou que, em geral, os enfermeiros de UTI realizam os handoff com detalhamento clínico, aderindo aos princípios fundamentais, todavia há princípios menos abordados ou até mesmo ausentes: ausência no handoff das situações clínicas atuais, os planos de alta e de cuidado de longo prazo, que estavam presentes em 40% dos handoff; a releitura, a fim de assegurar a compreensão do profissional que está recebendo o handoff aconteceu em 35% dos casos; e o cruzamento de dados, que envolve a verificação das prescrições medicamentosas, revisão dos medicamentos que estão sendo infundidos e acompanhamento do gráfico de medicações pelos enfermeiros que estão participando do handoff, estava presente em 40% dos handoff analisados.9

O E214 sinalizou as consequências das falhas de comunicação ao analisar o método e a qualidade da comunicação no handoff que ocorre entre médicos durante a transferência da UTI para a enfermaria. Destaca-se que: 75% dos médicos da UTI foram capazes de contatar o médico que receberia o paciente após a consulta sobre a transferência; 15% discutiram recomendações e opiniões sobre a transferência do paciente após o contato com o médico que iria receber o paciente. Dos médicos que recepcionaram o paciente, 65% não receberam o handoff verbal quando o paciente foi transferido; 61% tinham o sumário de alta disponível para a avaliação inicial do paciente na enfermaria; 16% foram notificados sobre a chegada do paciente na enfermaria; dois pacientes foram transferidos sem o seu conhecimento e ficaram sem avaliação médica por mais de 48 horas.14

Essa má comunicação resultou em 13 erros médicos: medicamentos ou doses inapropriadas; suspensão de medicamentos importantes; desconhecimento de graves condições clínicas após a transferência; investigações ou tratamentos específicos da UTI pendentes após a transferência; monitorização do paciente ou cuidados de enfermagem não foram realizados devido à comunicação ineficaz e nutrição parenteral atrasada após a transferência devido a falha em reativar a ordem.14

A partir do exposto, o quadro 3 apresenta a síntese das evidências obtidas na unidade 1 e os estudos nas quais estas foram identificadas:

Quadro 3 Síntese da unidade de evidência 1 

Unidade de evidência 1: Falhas de comunicação: causa, natureza e consequências Estudos identificados
Causas das falhas de comunicação: falta de padronização, preparação inadequada do handoff na fase pré-handoff; E3 e E5
Natureza das falhas de comunicação: informações incompletas, equivocadas e ausentes sobre o plano de cuidado, estado atual do paciente e história clínica; E9, E10, E14, E11
Consequências das falhas de comunicação: procedimentos errados, procedimentos e avaliações não realizadas; atrasos na realização do cuidado. E2

Fonte: Elaborado pelo primeiro autor.

Unidade de evidência 2: Prática do handoff: modelos e efeitos do uso de instrumentos

Esta unidade de evidência reúne estudos que tratam da prática do handoff, analisando-a quanto ao modelo de comunicação (E6,18 E7,19 E1223) e recomendando a padronização no processo de handoff; bem como apresentando o efeito do uso de instrumentos de handoff na melhoria da segurança desse processo (E1,13 E4,16 E8,20 E1324 e E1526).

Entre os que abordam os modelos, E719 comparou o padrão de comunicação usado por médicos no handoff com o SBAR (Situação, História (Background), Avaliação e Recomendação), SOAP (Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano) e MAN (Nota de Admissão Médica).19

Para o SBAR, a maior parte do conteúdo da transferência, 56%, incluiu elementos do Background. O elemento de Recomendação estava completamente ausente de 55% das transferências do paciente. Para o SOAP, os elementos Subjetivos compreendiam 40%, a Avaliação 26% do conteúdo da transferência e o elemento Plano estava ausente de 7% das transferências. Para MAN, as expressões de Avaliação e História da Doença Atual corresponderam, respectivamente, a 42% e 29% do conteúdo da transferência. Com exceção da Avaliação, todos os demais elementos do MAN estiveram ausentes algumas vezes das transferências.19

Sobre a ordem das informações, ao utilizar o SBAR 77% das transferências foram iniciadas com antecedentes e apenas 13% com informações de situação. Apenas 13% das transferências foram concluídas com uma recomendação. Para o SOAP, 66% das transferências foram iniciadas com informações subjetivas e apenas 26% terminaram com um Plano. Para a MAN, 62% das transferências foram iniciadas com informações de identificação e 80% das transferências foram finalizadas com Avaliação e Plano.19

Os médicos não seguiram os padrões de comunicação recomendados durante as transferências. Os vários elementos mnemônicos foram espalhados ao longo das transferências, sem seguimento de estrutura ou ordem e, às vezes, estavam completamente ausentes.19

E618 ao analisar dois tipos de instrumentos de handoff usados por enfermeiros (um de admissão e um de transferência) e um tipo usado entre médicos residentes e assistentes (baseado em computador e não integrado com o sistema de registro eletrônico), concluiu que essas ferramentas são altamente estruturadas quanto ao seu conteúdo e funcionalidade, com possibilidade de tomada de notas e com padrões de dados consistentes. Todavia, mostrou sobreposição entre essas ferramentas no handoff, pois 92% dos elementos eram interdisciplinares quanto ao conteúdo.18

Em E1223 a prática padronizada era rara e os meios principais utilizados para o handoff foram: conversas telefônicas (25), e-mail (9), comunicações na beira do leito (11), ou mensagem de texto (2). O handoff variou de 10 a 120 minutos para 5 a 42 pacientes. Os médicos consideraram que o "handoff perfeito", de acordo com sua posição de líder da equipe, deveria fornecer uma imagem geral do paciente, evitando informações irrelevantes, como a história anterior, que pode ser obtida do registro médico, sendo algo sucinto, organizado, estruturado e que incluísse comunicação verbal face a face e escrita. A principal barreira para esse handoff ideal foi a limitação do tempo.23

Os efeitos positivos do uso de instrumentos na segurança são uma característica do E1,13 E4,16 E8,20 E15,26 os quais se relacionam a: quantidade e tipo de informação omitida (E113); número de erros, quantidade de informação omitida (E416); presença e satisfação da equipe, índice de conversas paralelas, quantidade de informação perdida (E820); percepção dos profissionais (E1526).

E416 evidenciou que com a aplicação de uma lista de verificação padronizada no processo de handoff houve significante queda nos erros técnicos, indo de 6,24 antes da intervenção para 1,52 após a aplicação da lista de verificação. O número de informações omitidas apresentou decréscimo de 6,33 antes da intervenção para 2,38 após intervenção.16

Os resultados de E8,20 que também usou instrumento padronizado em 60 handoff, mostraram que o tempo de duração aumentou em média1 minuto. A presença de todos os membros da equipe à beira do leito aumentou de 0% pré-intervenção para 68% pós-intervenção, e o número de conversas paralelas caiu de uma média de 11% por handoff pré-intervenção para 3% pós-intervenção. A porcentagem de informação perdida no relatório de cirurgia diminuiu de 26% para 16%. A satisfação dos profissionais também apresentou melhora com o protocolo padronizado.20

Quanto ao efeito nas percepções dos profissionais, antes da implementação do instrumento de handoff na UTI pediátrica: 58% dos profissionais acreditavam que o processo era eficiente, 53% se sentiam à vontade para realizar perguntas, 19% achavam que o processo melhorava o cuidado do paciente. Após a intervenção: 69% compreendiam o processo como eficiente; 75% estavam à vontade para realizar perguntas; e 94% acreditavam que o handoff melhorou o cuidado.26

Na comparação feita por E1324 entre as ferramentas: SOAP, baseada no problema do paciente, e o instrumento de intervenção do Handoff (HAND-IT) baseado em sistemas corporais, houve um maior número de eventos de comunicação, maior índice de comunicação ideal, quando a informação foi considerada precisa e acurada, e menos falha da comunicação com o HAND-IT; ao contrário do SOAP, em que houve maior necessidade de participação da equipe para envio da informação adicional apresentada pelo emissor e maior índice de quebra da comunicação, quando o envio desta pelo emissor e equipe envolvida foi considerada incompleta e imprecisa.24

Com base nos estudos que integram esta unidade 2, elaborou-se o quadro 4 que sintetiza suas principais evidências:

Quadro 4 Síntese da unidade de evidência 2 

Unidade de evidência 2: Prática do handoff: modelos e efeitos do uso de instrumentos Estudos identificados
Modelos de handoff usados na prática: sem seguir ordem ou estrutura em relação aos padrões recomendados; com sobreposição de ferramentas entre profissionais de diferentes áreas; uso de diferentes formas de handoff (beira-leito, telefone, mensagem de texto, email); E6, E12, E7
Prática do handoff por meio do uso de instrumentos: efeitos positivos na quantidade e tipo de informação omitida; redução do número de erros; presença e satisfação da equipe, redução de conversas paralelas; percepção dos profissionais sobre o handoff. E13, E1, E8, E4, E15

Fonte: produção do pesquisador.

DISCUSSÃO

Através da análise dos resultados apresentados, uma das evidências obtida refere-se à falha de comunicação da equipe devido a informações incorretas ou incompletas acerca da assistência ou até mesmo pela falta de comunicação sobre alguma situação. Essas falhas caracterizam-se pela ausência de comunicação sobre o plano de cuidados, handoff sem comunicação sobre o estado do paciente, comunicação sobre o paciente errado, paciente omitido do handoff.

Tal resultado circunscrito ao cenário da UTI pode ser contrastado com o handoff que acontece em outros setores, a exemplo do ambiente de emergência. Em estudo que objetivou identificar e descrever os erros de comunicação entre médicos durante o processo de handoff na emergência, dos 992 handoff observados, em 13% deles ocorreram erros relacionados ao exame físico dos pacientes e em 45% omissões. Esses erros aumentaram os esforços dos profissionais para prestar o cuidado e reduziram a compreensão sobre o estado clínico do paciente.27

Uma segunda pesquisa também no setor de emergência sobre os erros de comunicação dos sinais vitais durante o handoff vai ao encontro dessa conclusão. Analisou-se uma amostra de conveniência de rounds de turno, tendo como desfecho primário os erros de comunicação dos sinais vitais, compreendido como incapacidade para comunicar hipotensão ou de documentar hipóxia. Foram observados 1.163 handoff de pacientes durante 130 rounds, dos quais de 117 pacientes com episódios de hipotensão e 156 com hipóxia, 66 (42%) e 126 (74%), respectivamente, não foram comunicados. Em 166 handoff ocorreram erro de omissão na comunicação dos sinais vitais.28

No Brasil, o handoff tem sido discutido com foco em um dos momentos que o integra que é a transferência de turnos ou passagem de plantão. Tal interesse foi o que conduziu a pesquisa sobre os fatores relacionados à segurança do paciente quanto à passagem de plantão das equipes de enfermagem, realizada com 70 profissionais de unidades de cuidados neonatais. Nos dados obtidos, 38% indicaram os atrasos e saídas antecipadas como fatores que têm interferência negativa na passagem de plantão. Além disso, as conversas paralelas e ruídos foram os principais tipos de interferências para os enfermeiros. A condição clínica do paciente e as intercorrências do turno foram consideradas as informações mais relevantes da passagem de plantão.29

À luz do conceito de comunicação da pesquisa, quando a fonte tem um objetivo a ser comunicado ela busca os melhores codificadores para que sua mensagem chegue ao receptor o mais fiel possível. Um codificador de elevada fidelidade expressa exatamente o que a fonte quer dizer. Do mesmo modo, um decodificador de alta fidelidade consegue traduzir perfeitamente a mensagem produzida pela fonte, alcançando assim o objetivo da comunicação. Logo, a análise da comunicação requer atenção para os elementos que aumentam e diminuem a fidelidade da informação.3

As evidências identificadas, corroboradas pelas referências de suporte, indicam que um destes elementos é a mensagem. A mensagem abarca três elementos: um código, grupo de símbolos que, quando estruturados, apresentam significado; o conteúdo, que é o material da mensagem; e o tratamento, referindo-se a escolha do código e do conteúdo que será emitido ao receptor.3

A ausência de dados sobre o paciente ou dados incompletos, seja pela falta de atenção à fase pré-handoff, seja pelo tipo de informação priorizada no momento do handoff, configuram-se como ruídos no processo de comunicação, fazendo com que a equipe que passa a responder pelo paciente não consiga obter, com êxito, todos os dados importantes a serem compartilhados. Quanto mais ruídos um processo de comunicação apresenta, menor será a efetividade da fonte em expressar seus objetivos e obter o comportamento esperado do receptor, diminuindo a fidelidade da comunicação.3

Portanto, na assistência intensiva tal ruído repercute no monitoramento, na identificação das necessidades do indivíduo e no planejamento contínuo do cuidado. Por fim, gera cuidados duplicados, inadequados e erros técnicos, como aponta evidência das consequências das falhas de comunicação.

Esses erros técnicos a partir da não comunicação do plano de cuidados no handoff também são vistos em estudo acerca dos erros de medicação na transição de cuidados. Por meio da busca realizada no Medline de artigos publicados de 1946 a 2014, os autores afirmam que a maioria dos erros de medicação tem origem na falta de comunicação eficaz entre os prestadores de cuidado durante a transição de cuidados, particularmente no que se refere à conciliação medicamentosa.30

Isto se repetiu quando foram observados os impactos de 200 handoff, nos quais em 23 deles havia discrepância entre as doses dos medicamentos, sendo somente metade da dose administrada. Ordens de cuidados atrasadas ou não executadas ocorreram em 52% dos casos, como um antibiótico que deveria ser administrado após a refeição e foi dado antes. Além disso, em 33% dos handoff estavam ausentes ordens de realização de exames laboratoriais, mudança na dieta ou fisioterapia.31

A segunda evidência identificada é a de ausência de um padrão nas práticas de handoff e a do efeito de ferramentas para melhorar o compartilhamento de informações sobre os pacientes entre os profissionais na UTI. Tais instrumentos funcionam como auxiliares da memória, com objetivo de que nenhum item seja esquecido ou informado de maneira incorreta.

Essa evidência é congruente com as discussões que estão sendo feitas sobre o futuro do cuidado intensivo, no sentido de pensar que intervenções podem contribuir para impulsionar a melhoria da qualidade do cuidado na UTI em face do avanço da tecnologia da informação. Em artigo que faz uma prospecção da UTI de 2020 os autores apresentam como intervenção o uso do checklist, considerado um recurso que atua como um auxiliar de memória, reduzindo os erros.32

Foi seguindo essa concepção que outro grupo de pesquisadores propôs o checklist para situações de transporte intra-hospitalar do paciente crítico, pois ao procederem a avaliação de situações de transporte de pacientes internados na UTI detectaram incidentes e eventos adversos relacionados aos equipamentos e dispositivos. Assim, reiteram o emprego do checklist como estratégia de organização do transporte e garantia de práticas seguras.33

No campo perioperatório também há essa defesa de que o emprego de ferramentas padronizadas, testadas e aplicadas uniformemente configura-se como uma boa prática para promover a comunicação durante a transferência do cuidado.34 Em revisão sobre essas melhores práticas, viu-se que dentre as ferramentas inclui-se o uso do checklist, no qual membros da equipe de enfermagem, cirurgião e anestesista têm a possibilidade de fazer perguntas sobre o paciente.34

Acerca dos efeitos evidenciados pelo emprego destas ferramentas, particularmente a diminuição da frequência de erros técnicos e da omissão de informações, a literatura científica mostra que isto ocorre não somente em ambientes de UTI, mas também em diferentes ambientes hospitalares.8,35 É o que indica o estudo para medir as taxas de erros médicos, eventos adversos evitáveis, falhas de comunicação, bem como o fluxo de trabalho dos médicos.

A intervenção incluiu padronização dos handoff orais e escritos, treinamentos relacionados à comunicação e ao handoff, desenvolvimento do corpo docente e de um programa de observação, e uma campanha de sustentabilidade. Em 10.740 admissões de pacientes, a taxa de erros médicos diminuiu 23% do período de pré-intervenção em relação ao período pós-intervenção, e a taxa de eventos adversos evitáveis diminuiu 30%. Houve aumento significativo na inclusão de todos os elementos-chave pré-determinados nos documentos de comunicação escrita e oral do handoff.8

Na perspectiva teórica da segurança, a abordagem individual das falhas é obsoleta, devendo-se compreender o caráter multifatorial subjacente a essas falhas. Nessa ótica sistêmica, substitui-se a culpa e punição por estimular as pessoas a conversarem sobre as falhas ocorridas, analisar as situações que as precederam, identificando pontos frágeis do sistema que podem ser reparados.2

Logo, a partir das evidências há de se pensar sobre as melhores práticas para promover a comunicação efetiva no handoff da UTI, de modo que o objetivo da comunicação de afetar com intenção seja alcançado. Isto inclui a análise sistêmica de cada realidade local, entendendo o tipo de informação que está sendo perdida, a análise das causas subjacentes e a proposição de barreiras de segurança para impedir a ocorrência do erro e dos eventos adversos.2

Nesse entendimento, elaborar uma barreira de segurança que padronize a comunicação no handoff, como um instrumento de handoff na UTI, requer análise dos fatores que influenciam nessa comunicação em cada cenário, a exemplo: da valorização conferida pela equipe a essa comunicação e do seu impacto na assistência; hierarquia da comunicação; do comportamento da equipe em relação ao handoff em termos de chegadas atrasadas, saídas antecipadas, conversas paralelas e desatenção; da estrutura de funcionamento da unidade quanto à ocorrência de interrupções; além das características da UTI no que tange ao número de pacientes e a sua complexidade.

Assim, o êxito no uso de instrumentos tem nexos com o envolvimento da equipe e o seu conhecimento acerca da natureza da informação que deve ser valorizada em face do perfil de paciente assistido. Então, é preciso que os profissionais estejam sensíveis ao trabalho em equipe e à comunicação, o que demanda a implementação de estratégias de educação e treinamento destas habilidades não técnicas, envolvendo todos os que lidam direta e indiretamente com o cuidado dos pacientes, para que se corresponsabilizem pela segurança da comunicação sobre o paciente.6

O emprego do treinamento baseado em simulação pode ser efetivo no desenvolvimento dessas habilidades de comunicação e de trabalho em equipe, bem como no treinamento do instrumento a ser implementado, permitindo a prática em um ambiente controlado mais próximo à realidade, de modo que se possa identificar as fragilidades dos profissionais e aperfeiçoá-las.6

Ao envolver tais profissionais numa atitude comprometida com a segurança da comunicação no contexto institucional, criando neles uma cultura em prol da segurança, o comportamento da equipe em relação à utilização de um instrumento de handoff pode trazer efeitos positivos na efetividade da comunicação. Com isto, reduz-se a ausência e insuficiência de informações sobre os pacientes, os ruídos e interrupções que impedem que a mensagem chegue com clareza ao receptor, fatores estes que podem colocar o paciente em risco quando é submetido a um procedimento desnecessário ou quando um procedimento não é realizado pela falta ou incompletude de informações. Portanto, pode contribuir para um clima de segurança no hospital, reduzindo os danos associados ao cuidado em saúde, particularmente os relacionados às falhas na comunicação.36

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há falhas durante o processo de comunicação na UTI por incompletude, ausência ou erros nas informações que são transmitidas acerca do cuidado prestado. Isto afeta a qualidade da assistência, resultando em intervenções atrasadas, duplicadas ou feitas de maneira equivocada. A organização desse processo de comunicação através de instrumentos padronizados pode otimizar o tempo de trabalho da equipe e garantir que informações primordiais para a continuidade da assistência não sejam omitidas.

Há limitações pelo número de estudos que atenderam à questão de pesquisa e seus níveis de evidência, revelando a necessidade de pesquisas de campo nessa temática, especialmente nacionais.

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