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Conceitos epidemiológicos e as pandemias recentes: novos desafios

Conceitos epidemiológicos e as pandemias recentes: novos desafios

Autores:

Suellen Silva Araújo Magalhães,
Carla Jorge Machado

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400010016

A obra de Stefan Chunha Ujvari faz uma análise histórica com base na perspectiva das infecções e como estas moldaram a vida dos seres humanos e vice-versa. Os microrganismos fadados à sobrevivência têm facilidade de adaptação em um tempo curto e essa habilidade garante sua supervivência até os dias de hoje. Além desses sobreviventes, Ujvari coloca que também todos os outros organismos apresentam essa habilidade de adaptação, embora não de forma tão brilhante como os primeiros. Assim, com o tempo, os humanos modificam o ambiente onde vivem aumentando as chances de sobrevivência. Os microrganismos também se modificam para aumentar as suas chances. Assim, outros seres evoluem e se estabelece um ciclo.

No contexto dos desafios colocados a todos os governos pela pandemia da gripe H1N1 no ano de 2009 (as estratégias para limitar a transmissão em comunidades e o desenvolvimento de antivirais se mostraram ineficazes [mc caw]), dado a doença ter apresentação branda e características clínicas pouco específicas - o que torna a definição do caso incompleta e medidas de isolamento inviáveis -, este livro traduz, ao leitor menos familiarizado, por meio do exemplo da epidemiologia das doenças transmissíveis, esta questão de saúde pública.

Já não mais é possível compreender as epidemias sem abranger a velocidade dos deslocamentos populacionais, os quais devem ser levados em consideração na rapidez das medidas de controle implementadas, ou seja, na vigilância dos agravos transmissíveis. Os capítulos, que precedem os itens "Nota" e "O Autor", deixam essa realidade patente ao enfatizarem o alastramento e a mobilidade geográfica das epidemias por meio de indivíduos infectados: as epidemias, locais, tornam-se pandemias, generalizadas geograficamente.

O capítulo 1, "A repetição da pneumonia asiática de 2003", traz a velocidade do alastramento da Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS) e ressalta conceitos centrais como disseminação e letalidade. O capítulo 2, "As futuras gripes suínas", adiciona ao capítulo anterior ao indicar que a mobilidade das pessoas e de animais favorece a disseminação dos vírus e potencializa suas mutações, dando origem a novos vírus. De fato, o avanço tecnológico permitiu o transporte de animais usados para consumo humano por grandes distâncias; além disso, a migração - hábito comum entre algumas aves - também pode ser considerada uma alavanca na disseminação desses vírus. O H5N2 é fruto dessa dinâmica: grandes aglomerações tanto de pessoas quanto de aves favorecem a sua disseminação e a proximidade aumenta a chance de recombinações entre tipos diferentes de vírus. A grande variabilidade do vírus Influenza se deve a essa dinâmica em constante movimentação. Já o terceiro capítulo, "Uma gripe muito mais letal que a suína", aprofunda a questão da transmissão e indica que, até o momento, todos os casos de transmissão para humanos ocorreram da ave para o homem, mas que o temor reside na possibilidade - segundo o autor e outras evidências científicas cada vez mais próximas - de uma mutação possibilitar a transmissão de homem para homem, causando uma pandemia.

"Um vírus vindo do Oriente" é o quarto capítulo, cujo tema é a dengue no Brasil, após o preâmbulo acerca da viagem do mosquito Culex pelo Havaí carregando consigo o parasita que causa a malária nas aves. O autor ressalta que, no Brasil, o mosquito Aedes aegypti tornou-se um problema de saúde pública devido a sua perfeita adaptação ao nosso clima e às grandes áreas urbanizadas. Associado ao Aedes aegypti também temos uma nova espécie capaz de transmitir a dengue conhecida por Aedes albopictus, embora essa espécie tenha hábitos menos urbanos. A coabitação das duas espécies possibilita o surgimento de um novo vírus, causando uma nova epidemia, talvez ainda mais letal que a dengue que conhecemos. As espécies de Aedes ainda podem transmitir o CHIKV, conhecido por doença do andar curvado, de baixa letalidade, mas muito limitante. O quinto capítulo, Um vírus se alastra do Norte, aborda o vírus da encefalite no Nilo Ocidental, jamais encontrada na América antes de 1999 e que já se encontra na América do Sul. Uvjari discorre sobre as possibilidades de o vírus estar em território brasileiro, que não são pequenas, e ressalta: temos aves e mosquitos em abundância para sustentar a permanência viral em nosso território.

"O retorno da tuberculose incurável" é o quinto capítulo e traça um panorama da história da tuberculose, destacando o tratamento descoberto em 1943 com base nas estreptomicinas e os fatores que tornariam a bactéria resistente. A interação da aids com a tuberculose também é destacada, uma vez que os soropositivos são os hospedeiros ideais da tuberculose, pois sua baixa defesa favorece intensa multiplicação dessa bactéria, com uma eliminação em grandes quantidades. O sexto capítulo, "Pandemias pelas superbactérias", discorre com detalhes sobre os antibióticos que podem combater as doenças e sobre um ciclo perverso, no qual a velocidade da resistência é maior que a de produção de antibióticos, o que remete a capítulos anteriores que abordaram a versatilidade dos microrganismos e sua capacidade de adaptação a novos medicamentos. O autor levanta um problema: o fato de o pequeno número de antibióticos disponíveis no mercado aumentar o seu uso em diversas infecções, o que acelera a aquisição de resistência pelas bactérias. Avançando na questão das superbactérias e de sua capacidade de adaptação, "Uma pandemia pelas mãos", o sétimo capítulo, indica serem essas bactérias resistentes até mesmo à radiação. Há um item específico sobre o estafilococo, cuja mobilidade urbana contribuiu para que a bactéria atravessasse fronteiras, espalhando-se por diferentes continentes. Os capítulos "A próxima peste vinda da África e Ásia" e "Uma dor de cabeça nasce na Ásia", o oitavo e o nono, tratam da febre do vale do Rift e do vírus da encefalite japonesa e de suas perspectivas de avanços em outros continentes e da chegada ao Brasil. O autor relembra que a navegação foi a principal responsável por sua dispersão: embarcações levaram e trouxeram infecções ao longo da história. O capítulo 10, "Os parentes do Ebola", elabora conceito central nas epidemias, que é o tempo de incubação e conclui que os meios de transportes cada vez mais velozes possibilitaram a transmissão dos microrganismos de forma cada vez mais rápida, reduzindo distâncias entre continentes a apenas um dia ou menos. Aliado a essa transmissão rápida, há o transporte de pessoas em números cada vez maiores, facilitando aglomerações e contágios. Finalmente, "A próxima AIDS" é o décimo primeiro e último capítulo, no qual Ujvari relata a conquista decorrente da vacina Salk e a descoberta posterior do vírus SV40, inofensivo aos humanos. Contudo, outro vírus, o HIV (vírus da imunodeficiência humana) também se originou do vírus presente nos chimpanzés, SIV (vírus da imunodeficiência do Símio) e mostrou-se nada inofensivo. Estudos indicam 12 tipos de SIV que se aderiram às membranas das células humanas em placas do laboratório e conseguiram invadi-las, o que é preocupante.

Ujvari narra vitórias, perdas e inseguranças no confronto dos seres humanos com os microrganismos, revelando a existência frágil dos primeiros. Trata-se de uma narrativa simples, mas instigante, que suscita o interesse dos pesquisadores sobre as doenças transmissíveis pelas quais passa a humanidade. Ao desvendar claramente a atuação conjunta dos homens e dos microrganismos, a obra atua como instrumento que fomenta a pesquisa e amplifica a compreensão dos fenômenos, o que se revela fundamental no controle e na vigilância de surtos, epidemias e pandemias.