versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.1 São Paulo 2019 Epub 14-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4396
Em países em desenvolvimento, a determinação da dosagem dos antimicrobianos em crianças se apoia em protocolos empíricos, sendo baseados em conhecimento da etiologia das infecções, consenso de especialistas, e na redução linear de doses indicadas para adultos.(1)
Pacientes mais graves, incluindo os pediátricos, apresentam alterações fisiológicas relacionadas à idade, com consequente instabilidade farmacocinética (PK) em relação aos antimicrobianos, podendo ter alterações no volume aparente de distribuição (Vd), clearance plasmático e redução na meia-vida biológica.(2,3)
Além disso, a monitorização terapêutica dos antimicrobianos é relevante e necessária para otimizar a farmacoterapia e a seleção de bactérias resistentes, e minimizar a ocorrência de concentrações subterapêuticas ou tóxicas.(2-6) Desta forma, tanto a segurança quanto a eficácia dos antimicrobianos relacionadas às doses administradas em crianças são questionáveis, já que há poucos estudos realizados com crianças sobre estes aspectos terapêuticos.(2,4,5,7)
Analisar a efetividade microbiológica por meio da correlação farmacocinética/farmacodinâmica da vancomicina em crianças e propor uma estimativa de ajuste de dose.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos, protocolos CAAE: 44803815.7.0000.5545, SIGED 3388/22712016, em 17 de março de 2016. O estudo foi realizado de acordo com a resolução 466/2012. Foi obtido consentimento informado de todos os participantes incluídos no estudo. Os tutores legais e as crianças incluídas foram convidados a participar do estudo e a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento.
Estudo observacional, transversal, conduzido em um hospital pediátrico, na região centro-oeste do Estado de Minas Gerais. Dez crianças em uso de vancomicina, no período de março de 2016 a março de 2017, de ambos os sexos, com idades de 2 a 12 anos, foram incluídas no estudo. Foram excluídas crianças queimadas ou em terapia renal substitutiva.
A dose empírica de vancomicina usada na instituição é de 10 a 20mg/kg, conforme as diretrizes recomendam para manter concentrações plasmáticas adequadas.(6)
As variáveis de interesse foram obtidas dos prontuários das crianças, tendo sido incluídos: idade, sexo, peso, altura e índice de massa corporal (IMC), presença de feridas, data da hospitalização, unidade de internação, data de início do tratamento, tempo de infusão do antimicrobiano, cirurgias, cateter venoso central, punção arterial, ventilação mecânica, creatinina sérica, resultados de culturas microbiológicas e concentração inibitória mínima (CIM). Os resultados das culturas foram obtidos de material biológico (sangue, urina, secreções de ponta de cateter, pulmão, pele, olho e ouvido). A altura da criança, assim como o IMC, quando não disponíveis no prontuário, foram estimados por dados antropométricos disponíveis no National Center for Health Statistics do Centers for Disease Control and Prevention.(8)
As outras variáveis de interesse foram obtidas por equações que incluíram clearance de creatinina (CLcr), concentração mínima (Cmin), perfil farmacocinético, Vd, constante de eliminação (Kel), meia-vida biológica do antimicrobiano (T1/2) e clearance da vancomicina (CL).(9)
O clearance renal foi estimado usando a fórmula de Schwartz et al.,(10) de acordo com a equação 1:
Onde: H é altura (cm); Scr é creatinina sérica (mg/dL); K é a constante relacionada a faixa etária e sexo (K: 0,45 criança <1 ano; K: 0,55 criança (1-12 anos) e adolescentes do sexo feminino; K: 0,70 adolescentes masculinos).
A Cmin e a Kel da vancomicina foram determinadas a partir da equação 2:
Onde: C1 é o logaritmo natural da concentração plasmática da primeira coleta; C2 logaritmo natural da concentração plasmática da segunda coleta; T1 é o tempo da primeira coleta; T2 é o tempo da segunda coleta em relação à Cmin.
A determinação da meia-vida do antimicrobiano T1/2 foi dada pela equação 3:
O Vd foi dado pela equação 4:
O clearance do antimicrobiano foi calculado pela equação 5:
A área sob a curva (ASC) da vancomicina foi obtida do programa BestDose™, uma ferramenta clínica que utiliza controle adaptativo bayesiano não paramétrico, com múltiplos modelos, para atingir objetivos desejados, como concentração sérica do fármaco.(11)
O parâmetro preditor da eficácia de vancomicina considerado neste estudo foi a proporção da ASC em 24 horas e a CIM acima de 400 (ASCSS0-4/CIM >400),(6) e os valores mínimos entre 10 e 15μg/mL.(12,13)
Respeitando o intervalo de cinco meias-vidas biológicas de vancomicina, no terceiro dia de tratamento foram coletadas duas amostras de sangue em momentos diferentes, com intervalo mínimo de 2 horas entre as coletas (2mL/coleta tubo Vacutainer® com sódio e EDTA) e devidamente identificados. As amostras foram enviadas ao Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, onde foram centrifugadas por 15 minutos, a 3.500rpm. O total de 500μL de plasma foi removido e mantido em tubos cônicos tipo Eppendorf. As amostras foram congeladas a -80°C em freezer (FORMA TM 88000 Series °C -80ºC, freezer vertical de temperatura ultrabaixa), até a realização da análise, não ultrapassando 6 meses.
A quantificação de vancomicina em matriz biológica (plasma) foi realizada utilizando cromatografia líquida de alto desempenho (Agilent Technologies, modelo 1206), programa ChemStation para sistemas LC 3D (Agilent Technologies®, EUA), e coluna de fase reversa de 250mm por 4mm LiChroCART® Purospher® (MERCK® C18). A fase móvel foi preparada diariamente, a partir de uma mistura de água ultrapura (UP) e acetonitrila (9:1, v/v) acrescentada a 27g de fosfato monobásico de potássio USP KH2PO4. O potencial de hidrogênio (pH) da solução foi ajustado para 3,0 com ácido clorídrico.
Para a fase analítica, o volume injetado foi de 40μL, e o efluente foi monitorado por detector ultravioleta a 240nm. Foram necessários 7 minutos para detecção do analito e seu padrão interno (ceftriaxona), usando os seguintes gradientes de concentração: no momento 0, 100% fase móvel; de 2 a 5 minutos, 5% acetonitrila e 10% metanol foram acrescentados à fase móvel; e de 5 a 7 minutos, houve retorno a 100% da fase móvel para estabilização.
As análises foram conduzidas em temperatura ambiente (20±1ºC). A curva de calibração diária foi composta por 8 pontos, variando de 2 a 100μg/mL. Os controles internos foram preparados em concentrações de controle de qualidade alto (CQA; 80,0μg/mL), médio (CQM; 25,0μg/mL) e baixo (CQB; 3,0μg/mL). Foi feita quantificação do analito no plasma dos pacientes com base na curva diária de calibração aceita por CQA, CQM e CQB.
Foi realizada precipitação proteica com acetonitrila para purificação da vancomicina em matriz biológica, acrescentando 200μL de plasma e 600μL de acetonitrila em um tubo Eppendorf de 1,5mL.
As amostras foram agitadas em um vórtex por 15 segundos, submetidas a centrifugação refrigerada a 4°C a 8.000rpm, por 30 minutos. Após a precipitação proteica, as amostras foram concentradas por evaporação em fluxo de nitrogênio em um concentrador de amostra a 40ºC. O resíduo do extrato seco foi dissolvido em uma solução com 100μL de água UP e acetonitrila em proporção de (9:1, v/v) e o volume foi transferido para microfrascos. O método analítico apresentou boa linearidade (r2=0,99), precisão de 0,10 a 3,90, acurácia de 90,69 a 120,53, limite inferior de quantificação de 2μg/mL e limite de detecção de 1,0μg/mL.
Para estimar a dose antimicrobiana ideal de vancomicina, utilizou-se o programa BestDose™ e a equação sugerida por Winter(9) (equação 6):
Onde: Css é a concentração no estado estável.
Para estimar o ajuste de dose da vancomicina usando o programa BestDoseTM, o intervalo entre as doses definido foi de 6 horas, com tempo de infusão de 60 minutos, terapia antimicrobiana com duração de 7 dias e CIM de 1μg/mL. A concentração no pico na segunda hora foi 30μg/mL e no vale na sexta hora, 10μg/mL.
Foi feita análise estatística descritiva por meio das medianas, e da dispersão, pelo Excel.
Foram incluídos dez pacientes pediátricos em uso de 10 a 20mg/kg/dose de vancomicina, com mediana de idade de 5,5 anos e variação interquartil (IQ) de 3,2 a 9,0 anos; peso de 21kg (mediana), com IQ de 15,5kg a 24,0kg; altura de 112,5cm (mediana), com IQ de 95cm a 133cm. Seis (60%) participantes encontravam-se alocados na unidade de terapia intensiva e 4 (40%) em enfermarias. As morbidades associadas à hospitalização foram pneumonia adquirida na comunidade (30%), fibrose cística (20%), pneumonia bacteriana (10%), sepse pulmonar (10%), meningite bacteriana (10%), craniectomia (10%) e choque séptico (10%). A associação vancomicina e meropenem foi observada em quatro casos (40%). As características individuais das crianças são apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 Dados antropométricos e características individuais das crianças
Crianças (10) | Sexo (M/F) | Idade (anos) | Peso (kg) | Altura (cm) | IMC (kg/m2) | Cr (mg/dL) | CrCl (mL/min) | Feridas (sim/não) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | F | 12 | 31 | 149 | 13,96 | 0,67 | 122,31 | Não |
2 | F | 2 | 12,6 | 85 | 16,63 | 0,42 | 111,3 | Sim |
3 | M | 11 | 60 | 144 | 28,93 | 0,45 | 176 | Sim |
4 | M | 12 | 25,1 | 149 | 11,3 | 0,48 | 170,72 | Não |
5 | M | 10 | 24,1 | 139 | 12,47 | 0,41 | 186,46 | Não |
6 | M | 5 | 18 | 110 | 14,87 | 0,22 | 275 | Não |
7 | M | 3 | 15 | 95 | 16,62 | 0,20 | 261,25 | Sim |
8 | M | 3 | 17 | 95 | 18,88 | 0,11 | 475 | Sim |
9 | F | 6 | 24 | 115 | 18,14 | 0,37 | 170,94 | Não |
10 | M | 3 | 17 | 95 | 15,51 | 0,22 | 237,50 | Sim |
Pacientes | 3/7 | N/A | N/A | N/A | N/A | N/A | N/A | 6 (60%)/4 (40%) |
Mediana | - | 5,5 | 21 | 112,5 | 16,06 | 0,41 | 181,23 | - |
Interquartil 25%-75% | - | 3,9-9,0 | 15,5-24,0 | 95-133 | 14,1-17,7 | 0,22-0,42 | 170,7-255,3 | - |
Vmin-Vmax | - | 2-12,1 | 12,6/60 | 85/149 | 11,3/28,9 | 0,11/0,67 | 111,3/475 | - |
M: masculino; F: feminino; IMC: índice de massa corporal; Cr: creatinina; CrCl: clearance de creatinina; N/A: não se aplica; Vmin: valor mínimo; Vmax: valor máximo.
A meia-vida biológica da vancomicina da criança 3 encontrou-se consideravelmente aumentada (T(1/2)ß 37,7 horas) quando comparada às demais, e clearance, Kel e Vd encontravam-se reduzidos. Era uma criança obesa, e a dose utilizada foi baseada nas recomendações de doses para adultos, de acordo com a tabela 2.
Tabela 2 Parâmetros farmacocinéticos de vancomicina em crianças
Crianças (n=10) | Vale | Parâmetros farmacocinéticos | |||
---|---|---|---|---|---|
|
|||||
Cmin (μg/mL) | T(1/2)β (h) | CLT (mL/min) | Kel (h-1) | Vd (L/kg) | |
1 | 2,76 | 4,17 | 2,61 | 0,23 | 0,67 |
2 | 14,3 | 9,48 | 0,29 | 0,10 | 0,17 |
3 | 22,6 | 37,7 | 0,01 | 0,02 | 0,04 |
4 | 3,85 | 4,31 | 2,79 | 0,22 | 0,76 |
5 | 4,82 | 4,37 | 2,23 | 0,22 | 0,60 |
6 | 2,69 | 4,37 | 4,06 | 0,22 | 1,10 |
7 | 5 | 4,37 | 1,43 | 0,22 | 0,39 |
8 | 2,68 | 2,98 | 3,64 | 0,32 | 0,67 |
9 | 3,66 | 1,93 | 2,17 | 0,49 | 0,26 |
10 | 4,4 | 7,78 | 1,24 | 0,12 | 0,60 |
Mediana | 4,12 | 4,37 | 2,20 | 0,22 | 0,60 |
Interquartil 25-75% | 2,98-4,95 | 4,20-6,93 | 1,29-2,65 | 0,14-0,27 | 0,29-0,66 |
Vmin/Vmax | 2,68/22,6 | 1,93/37,7 | 0,019/4,06 | 0,02/0,49 | 0,04/1,10 |
Cmin: concentração mínima; t(1/2)ß: meia-vida biológica; CLT: clearance total; Kel: constante de eliminação; Vd: volume de distribuição.
Para a correlação da PK e da farmacodinâmica (PD) da vancomicina, os valores individuais são mostrados na tabela 3. A CIM para vancomicina encontrada nos resultados de culturas de materiais biológicos emitidos pelo laboratório do hospital pediátrico variou de 0,5 a 2μg/mL. Quando utilizada a CIM de 0,5μg/mL, 100% dos pacientes tiveram concentrações efetivas de vancomicina, ao passo que, para a CIM de 1μg/mL, somente uma criança alcançou o alvo terapêutico, e, para CIM de 2μg/mL, nenhuma criança (0%) em uso de vancomicina alcançou o alvo terapêutico. O tratamento empírico foi iniciado antes dos resultados das culturas, mas três (30%) crianças apresentaram bacilos Gram-negativo e estavam em uso concomitante de outro antimicrobiano para o tratamento da infecção por Gram-negativo. Os bacilos Gram-negativo isolados foram Pseudomonas sp na criança 2, bacilos Gram-negativo na criança 3 e Acinetobacter sp na criança 8. Staphylococcus aureus foi isolado em quatro crianças (40%), recuperado de hemoculturas e secreção pulmonar. Na criança 9, foi isolado Staphylococcus xylosus. Das dez crianças participantes do estudo, em duas (20%) não foram isoladas bactérias em culturas. A CIM do Staphylococcus aureus variou de 0,5 a 2,0μg/mL.
Tabela 3 Perfil farmacodinâmico da população do estudo para vancomicina
Crianças (n=10) | ASCSS0-24/CIM>400 | |||
---|---|---|---|---|
| ||||
ASC | 0,5μg/mL | 1μg/mL | 2μg/mL | |
1 | 232 | 464 | 232 | 116 |
2 | 523 | 1046 | 523 | 261,5 |
3 | 308 | 616 | 308 | 154 |
4 | 322 | 644 | 322 | 161 |
5 | 385 | 770 | 385 | 192,5 |
6 | 362 | 724 | 362 | 181 |
7 | 250 | 500 | 250 | 125 |
8 | 200 | 400 | 200 | 100 |
9 | 382 | 764 | 382 | 191 |
10 | 295 | 590 | 295 | 147,5 |
Mediana | 315 | 630 | 315 | 157,5 |
Interquartil 25-75% | 261,2-377 | 522,5-754 | 261,2-377 | 130,6-188,5 |
Vmin/Vmax | 200/523 | 400/1046 | 200/523 | 100/261,5 |
A variação de CIM encontrada nos resultados de culturas de material biológico foi considerada. ASC: área sob a curva; CIM: concentração mínima; Vmin: valor mínimo; Vmax: valor máximo.
Para cada esquema empírico da dose de vancomicina utilizado nas crianças incluídas neste estudo, o ajuste de dose foi proposto utilizando BestDose™ e as diretrizes sugeridas por Winter para o esquema de dose, como mostrado na tabela 4. Foram sugeridas doses de 600mg e 841mg (mediana) para alcançar o alvo terapêutico.
Tabela 4 Esquema empírico de dose diária de vancomicina versus dose ajustada sugerida por BestDose™ e Winter
Crianças (n=10) | Dose empírica | Frequência entre as doses (horas) | Tempo de infusão | Dose por hora (mg) | BestDose™* Dose por hora (mg) | Winter** Dose por hora (mg) |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 10mg/kg | 6/6 | 1 hora | 310 | 600 | 1.122 |
2 | 10mg/kg | 6/6 | 1 hora | 126 | 100 | 87,7 |
3 | 8,4mg/kg | 6/6 | 1 hora | 500 | 950 | 381 |
4 | 15mg/kg | 6/6 | 1 hora | 376 | 800 | 977 |
5 | 15mg/kg | 6/6 | 1 hora | 362 | 600 | 749 |
6 | 15,3mg/kg | 6/6 | 1 hora | 275 | 470 | 1.020 |
7 | 10mg/kg | 6/6 | 1 hora | 150 | 300 | 300 |
8 | 15mg/kg | 6/6 | 1 hora | 250 | 800 | 932 |
9 | 20mg/kg | 6/6 | 1 hora | 480 | 730 | 1.309 |
10 | 10mg/kg | 6/6 | 1 hora | 150 | 250 | 339 |
Mediana | 12,5 | - | 1 hora | 292,50 | 600 | 841 |
Interquartil 25-75% | 10-15 | - | 1 hora | 175-372,8 | 342-782,50 | 349-966 |
Vmin/Vmax | 8,4/20 | - | 1/1 | 126/500 | 100/950 | 87/1.309 |
* Considerando BestDose™: frequência de 6 horas, concentração mínima de 2mg/L, tempo de tratamento 7 dias, pico de concentração de 30μg/mL na segunda hora, e vale de 10μg/mL, na sexta hora. ** Considerando a fórmula de Winter et al.:(9) concentração desejada (10μg/mL) = (dose desejada) x (Css atual)/dose atual.
A incerteza quanto à utilização de parâmetros de eficácia e níveis terapêuticos em crianças ainda é uma realidade. As crianças não participaram ou não receberam todos os benefícios do progresso clínico no tratamento e na compreensão da toxidade dos medicamentos.(14,15) As recomendações de utilização da vancomicina passaram por grandes mudanças ao longo dos anos e, ainda assim, são necessários estudos que corroborem evidência científica sobre a eficácia do monitoramento terapêutico de antimicrobianos em crianças.(14,16) O presente estudo evidencia que as doses empíricas de vancomicina administradas em crianças foram incapazes de garantir a eficácia microbiológica tanto para o parâmetro Cmin (Vale) quanto para ASC/CIM para CIM de 1 e 2mg/L. Embora as doses empíricas utilizadas tenham seguido as recomendações de diretrizes, de acordo com Ye et al.,(17) a monitorização terapêutica de vancomicina está associada a taxas mais altas de eficácia clínica em pacientes com infecções por Gram-positivos. Recente revisão de Alves et al.,(18) descreve que é necessária, além da individualização de doses, a utilização de doses iniciais de vancomicina >60mg/kg/dia, para se obterem concentrações efetivas de vancomicina.(2)
Esses achados reforçam a dificuldade de estabelecimento de uma dose empírica única para crianças, sendo necessário o desenvolvimento de modelos que levem em conta as diversas características desta população. Adicionalmente, estes achados também indicam a necessidade de monitorização terapêutica de vancomicina, devendo ser objeto de preocupação quanto ao uso de antimicrobianos em unidades pediátricas, pois as doses devem ser ajustadas conforme o perfil de cada criança, para se obter resposta terapêutica adequada.(2)
Em relação ao perfil de eficácia microbiológica, para a vancomicina, existem dois parâmetros disponíveis e utilizados: as faixas terapêuticas para vale e a correlação PK/PD. De acordo com Rybak et al.,(6) concentrações de vale entre 10 e 20μg/mL são determinadas para refletir ASC/CIM >400 em adultos. Desta forma, é preferível, quando possível, medir o parâmetro PK/PD. No presente estudo, este conhecimento foi de extrema importância para a conduta clínica e apresenta implicação muito relevante, pois, para pacientes que apresentaram concentrações de vale dentro e acima da faixa terapêutica estabelecida, ao se utilizar a fórmula sugerida por Winter et al.,(9) a qual leva em consideração a concentração desejada do vale, os dados individuais deles sugerem a necessidade de redução da dose. Por outro lado, quando analisamos a correlação PK/PD para os mesmos indivíduos, verifica-se que o alvo terapêutico não é alcançado a para CIM de 1 e 2μg/mL, sendo necessário aumento na dose administrada, conforme a estimativa de ajuste de dose fornecida pelo programa BestDose™.
Outro achado importante em nosso estudo, quando consideramos a concentração sérica de vancomicina no vale, foi que uma criança obesa (número 3) obteve níveis séricos de Vale acima de 20μg/mL, utilizando dose de 8,4mg/kg; por outro lado, não foram obtidos níveis séricos para manter ASCSS0-24/CIM>400. Zhao et al.,(19) afirmam que o peso e a função renal têm o impacto importante sobre a PK da vancomicina em crianças, pois a depuração da vancomicina e da creatinina encontra-se aumentada de forma diretamente proporcional ao peso corporal. Desta forma, modelos populacionais que levem em conta idade, peso e condições clínicas da população infantil devem ser desenvolvidos e disponibilizados para a prática clínica.
Embora o software BestDose™ tenha como referência a população pediátrica americana, ele foi desenvolvido especificamente para população pediátrica, e a estimava de dose é sugerida conforme o perfil individual, assim como a fórmula sugerida por Winter et al.(9) Por meio do software BestDose™, ainda se consegue adaptar a melhor dose para que as concentrações de vancomicina mantenham-se dentro dos parâmetros vale e ASC. Portanto, em razão da falta de um instrumento de ajuste de dose para a população brasileira, ou mesmo por conta da falta de serviços de monitorização terapêutica de fármacos nas instituições de saúde no Brasil, o BestDose™ apresenta-se como ferramenta confiável para ajuste de dose em crianças. Ainda não existem modelos populacionais de vancomicina em população pediátrica no Brasil.(2,20,21)
Muito se tem questionado em relação à toxicidade, principalmente com a utilização de vancomicina. No presente estudo, não foram avaliados desfechos como a nefrotoxidade. Em estudo realizado por Cole et al.,(16) verificou-se que a evidência científica sobre a nefrotoxidade de vancomicina está associada ao uso concomitante de outros fármacos nefrotóxicos, principalmente em crianças críticas, nas quais a polifarmácia está presente. Para Ye et al.,(17) a monitorização terapêutica de vancomicina está associada a menor incidência de nefrotoxicidade.
Este estudo tem a limitação do pequeno número de crianças que preencheram o critério de inclusão no período avaliado. Além disso, não foram registrados dados de eventos adversos relacionados ao uso de vancomicina no período.
O uso empírico de vancomicina na população estudada não alcançou o alvo terapêutico da farmacocinética/farmacodinâmica para concentração inibitória mínima na maioria dos casos, sendo necessário o ajuste de dose. Estes achados enfatizam a importância de implementar monitorização terapêutica de vancomicina nas crianças com quadro clínico muito grave, com potenciais alterações na farmacocinética, para alcançar o alvo terapêutico e melhorar a resposta clínica. Este estudo evidencia a necessidade urgente de elaborar um instrumento de ajuste de dose para o perfil da população pediátrica no Brasil.