On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.3 São Paulo May/Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700043
A partir do entendimento que gestão e gerência são sinônimos, e o seu significado compreendem a ação, o pensar e a decisão, leva-nos a compreendê-las como a arte de fazer acontecer e obter resultados que podem ser definidos, previstos, analisados e avaliados. Assim, a gestão ou gerência podem ser tratadas como algo científico e racional, do qual se procedem análises e relações de causa e efeito. Ainda que, compreendida como algo passível de imprevisibilidades e de interações humanas, o que lhes confere uma dimensão do intuitivo, do emocional e do espontâneo.1
Assim entende-se a gestão do cuidado em saúde, como o provimento ou disponibilização das tecnologias de saúde, considerando as necessidades singulares de pessoas, nos distintos momentos de sua vida com vistas ao bem estar, segurança e autonomia, sendo realizada em seis dimensões: individual, familiar, profissional, organizacional, sistêmica e societária.2
Na enfermagem, a gestão ou gerenciamento do cuidado é aplicada à articulação entre as dimensões gerencial e assistencial no processo de trabalho do enfermeiro. Quando o enfermeiro atua na dimensão gerencial, ele desenvolve ações voltadas para organização do trabalho e de recursos humanos cujo propósito, é de viabilizar as condições adequadas tanto para a oferta do cuidado ao paciente como para a atuação da equipe de enfermagem. Já a dimensão assistencial, define como foco de intervenção do enfermeiro, as necessidades do cuidado de saúde com a finalidade de atendê-las de forma integral.3
Dessa forma, identifica-se no processo de trabalho do enfermeiro duas dimensões complementares entre si: a dimensão gerencial, cujo objeto é a organização do trabalho e os recursos humanos de enfermagem, e a dimensão assistencial, com seu objeto de intervenção voltado para as necessidades de cuidado do paciente.4 Nesse sentido confere-se à função gerencial, uma ação peculiar ao trabalho do enfermeiro diretamente vinculada ao processo de cuidar da enfermagem, mobilizando ações nas relações, associações e interações entre as pessoas,3 de modo que a liderança se apresenta como uma competência essencial para a sua efetivação, visto que facilita as interações pessoais e grupais para o alcance de objetivos comuns.1,5
Entretanto, quando o enfermeiro se encontra em exercício da dimensão gerencial, muitas vezes, é permeado por dilemas, dúvidas, conflitos, incompreensões e contradições, devido ao fato, dele ainda desenvolver atividades administrativas pouco articuladas com as ações assistenciais.
Tal fato gera conflitos, frustração e insatisfação em torno da identidade profissional, sobretudo, se relacionado ao saber-fazer no cuidar, visto que as ações gerenciais são frequentemente focalizadas nas atividades administrativas e burocráticas a fim de atender às demandas institucionais.6Por essa razão, ora o enfermeiro identifica o seu trabalho como burocrático assistencial ou, somente classifica como assistencial, mantendo a dicotomia entre a gestão e o cuidado.5
Em consonância, estudo voltado para a construção teórica sobre a gerência do cuidado de enfermagem em cenários hospitalares, traz à tona a percepção que o enfermeiro apresenta uma dificuldade conceitual acerca das ações de gerência do cuidado de enfermagem, além de evidenciar uma relação dialética entre o saber-fazer gerenciar e cuidar. Essa dialética constitui-se numa teia de relações entre os saberes da gerência e do cuidado, mediante a existência de uma interface entre esses dois objetos na prática profissional do enfermeiro de modo que o saber-fazer envolve uma dimensão técnica e da tecnologia, conhecimento científico e pessoal, habilidade técnica, competências gerencial e assistencial.7
Diante disso, constata-se que essa problemática não é preocupação exclusiva do contexto atual da prática de enfermagem. Outras iniciativas voltadas para a elucidação da dicotomia conceitual e prática do gerenciamento do cuidado em enfermagem, antecedem o presente estudo e apresentam contribuições importantes acerca da reflexão ante a gerência do cuidado em enfermagem à medida que possibilita novas investigações.
Todavia, persiste uma incoerência entre a idealização da gestão do cuidado e sua aplicação prática por parte dos enfermeiros. Assim, considera-se relevante analisar o conceito de gestão do cuidado em enfermagem no âmbito hospitalar a fim de ampliar a discussão, fortalecer os fundamentos para a ciência da enfermagem e potencializar a aplicabilidade do conceito.
Para tanto, propõe-se analisar o conceito de gestão do cuidado em enfermagem no âmbito hospitalar, com a finalidade de torná-lo mais claro e contribuir acerca dessa temática.
A análise de conceito é um método que requer um cuidadoso processo de exame dos seus elementos básicos, auxiliando na distinção de semelhanças e diferenças, mediante a divisão desse conceito em elementos mais simples a fim de facilitar a determinação de sua estrutura interna.8
Walker e Awant8 simplificou o procedimento de análise de conceito de Wilson que constava de 11 etapas para 8, contemplando, assim, os seguintes passos: 1. Seleção do conceito. 2. Objetivo da análise. 3. Identificação dos usos do conceito. 4. Determinação dos atributos. 5. Identificação do caso-modelo. 6. Identificação dos casos contrários 7. Identificação dos antecedentes e consequências e 8. Definição das referências empíricas.
Seguindo o método, optou-se pela utilização do referencial de análise de conceito de Walker e Avant,8 através das etapas: Seleção do conceito; Determinação da finalidade de análise; Identificação do uso do conceito; Definição de atributos; Identificação de caso-modelo; antecedentes e consequentes e definição das referências empíricas. Para a construção do conceito de gestão do cuidado em enfermagem no âmbito hospitalar, foi necessário elucidar-se o fenômeno em questão, e fez-se opção pela não identificação do caso contrário, utilizado quando se deseja reforçar a decisão sobre a definição dos atributos.8Entretanto, a sua ausência não implica em prejuízos para a análise conceitual.
A seguir realizou-se uma revisão integrativa acerca da gestão do cuidado em enfermagem no cenário hospitalar. Para compor o corpus do estudo, os textos selecionados foram refinados a partir dos seguintes critérios de inclusão: artigos completos que tivessem no seu título o termo gerenciamento, gestão, gerência ou administração voltados para o cuidado de enfermagem na área hospitalar, disponíveis gratuitamente nas bases de dados pesquisadas, nos idiomas Inglês, Português e Espanhol, com um recorte temporal para publicação de estudos referentes aos últimos cinco anos. O refinamento dos artigos com base no título teve como finalidade facilitar a seleção dos estudos relacionados a temática e ao contexto hospitalar.
Os artigos foram selecionados nas bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) por constituírem as mais importantes fontes de informação da literatura científica Nacional, da América do Sul e do Caribe relacionadas a estudos na área de Saúde e de Enfermagem. A coleta de dados foi realizada por uma única pesquisadora, no período de 27 de dezembro de 2015 a 15 de janeiro de 2016.
As pesquisas nas bases foram realizadas utilizando-se, respectivamente, palavra chave e descritores: 1: Gestão do Cuidado 2: Enfermagem; e 3: Hospital. As buscas ocorreram mediante cruzamentos utilizando o operador booleano and. Na base de dados LILACS, selecionaram-se 1.312 artigos com o cruzamento 1 and 2, 621 artigos com o cruzamento 1 and 3 e 360 artigos com o cruzamento 1, 2 and 3. Em seguida aplicaram-se os critérios de inclusão, excluíram-se as duplicatas e fez-se a leitura dos resumos, obtendo-se, respectivamente, 13 artigos, 04 artigos e 03 artigos. Assim, 20 artigos compuseram sua amostragem final.
Na BDENF, foram selecionados 82 estudos com o cruzamento 1 and 2; com o cruzamento 1 and 3. Obtiveram-se 265 artigos. Com o cruzamento 1, 2 and 3 foram encontrados 63 artigos. Dos quais, após aplicação de critérios de inclusão e eliminação das duplicatas foram selecionados 06 para análise. Desses, após leitura criteriosa dos textos completos apenas 04 artigos foram elencados para compor a amostra final do estudo.
Na base de dados SciELO, evidenciou-se os seguintes achados: com o cruzamento 1 and 2 foram encontrados 212 estudos. Com o cruzamento 1 and 3 obteve-se 153 publicações. No cruzamento 1 and 2 and 3 encontraram-se 66 artigos. Após exclusão das duplicatas, avaliação dos critérios de inclusão e leitura criteriosa das publicações, foram selecionados 03 artigos. A figura 1 apresenta o processo de seleção dos artigos.
Após o levantamento das produções científicas, conforme apresentado no quadro 1, fez-se as leituras dos textos completos, a fim de determinar os atributos definidores, a identificação dos antecedentes e das consequências e as referências empíricas do conceito de gestão do cuidado em enfermagem. Para proceder a busca pela identificação do conceito, atributos, antecedentes e consequências nos estudos, utilizaram-se as seguintes questões: Como está definido o conceito de gestão ou gerenciamento do cuidado em enfermagem no cenário hospitalar? Quais as especificidades que o conceito em análise apresenta? Que acontecimentos contribuem para a existência do conceito em análise? Quais os resultados da aplicação do conceito em análise?
Quadro 1 Caracterização dos estudos sobre a gestão do cuidado em enfermagem no âmbito hospitalar, de acordo com Título, Autores, Objetivo e Tipo de estudo
Título/ Autores | Objetivo | Tipo de estudo |
---|---|---|
Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente(1) | Reconciliar a teoria com a prática gerencial, resultando em uma visão nova e mais consistente do mundo gerencial. | Estudo teórico. |
Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado à saúde. Cecílio LC(2) | Apresentar uma reflexão sobre avaliação em saúde que considere as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde (individual, familiar, profissional, organizacional, sistêmica e societária). | Estudo reflexivo. |
Meanings of care management built throughout nurses’ professional education. Senna MH et al(3) | Compreender os significados da gerência do cuidado para acadêmicos, enfermeiros e docentes, construídos ao longo da formação profissional. | Qualitativo, guiado pela Teoria Fundamentada nos Dados. |
Percepção dos enfermeiros frente às atividades gerenciais na assistência ao usuário. Giordani JN, Bisogno SB, Silva LA(4) | Identificar a percepção de enfermeiros de um hospital geral sobre as atividades gerenciais na assistência aos usuários. | Qualitativo, exploratório e descritivo. |
Nursing and leadership: perceptions of nurse managers from a hospital in Southern. Pereira LA et al(5) | Identificar como enfermeiros gestores definem e exercem a liderança em um Hospital filantrópico do Sul do Brasil; e identificar as formas de preparação destes enfermeiros para a atuação de liderança. | Quantitativo. |
Os afetos no processo de trabalho gerencial no hospital: as vivências do enfermeiro. Lima RS, Lourenço EB(6) | Compreender os sentimentos vivenciados pelos enfermeiros em função do exercício do gerenciamento no contexto hospitalar. | Qualitativo, exploratório e descritivo com corte transversal. |
Nursing care management in hospital settings: the bulding of a construct. Christovam BP, Porto IS, Oliveira DC(7) | Construir e apresentar a definição teórica do conceito de gerência do cuidado de enfermagem em cenários hospitalares. | Adoção de uma abordagem multirreferencial para construção de conceitos. |
Strategies for theory construction in nursing. Walker LO, Avant KC (8) | Descrever estratégias para construção de teorias em enfermagem e o método de análise conceitual. | Estudo teórico |
Demandas institucionais e demandas do cuidado no gerenciamento de enfermeiros em um pronto socorro. Montezel JH, Peres AM, Bernadino E (9) | Caracterizar as atividades gerenciais do enfermeiro em um pronto-socorro. | Qualitativo. |
Gerenciamento de enfermagem em unidade de emergência: dificuldades e desafios. Zambiazi BR, Costa MC(10) | Identificar as dificuldades e desafios em relação ao gerenciamento de enfermagem em uma Unidade de Emergência; relatar as atividades gerenciais desenvolvidas pelo enfermeiro. | Estudo qualitativo descritivo. |
Contexto organizacional e gerência do cuidado pelos enfermeiros em unidades de pronto atendimento. Santos JL et al(11) | Compreender os significados atribuídos às configurações do contexto organizacional e à atuação dos enfermeiros na gerência do cuidado em uma Unidade de Pronto Atendimento. | Estudo qualitativo guiado pela Teoria Fundamentada nos Dados. |
Percepção da equipe de enfermagem de um serviço de atendimento pré-hospitalar móvel sobre o gerenciamento de enfermagem. Bueno AB, Bernandes A(12) | Caracterizar o gerenciamento/supervisão do enfermeiro no APHM, segundo a visão da equipe de enfermagem, em um município do interior de Minas Gerais. | Qualitativo, exploratório-descritivo. |
Nurses care and management actions in emergency trauma cases. Invest. Azevedo AL, Scarparo AF, Chaves LD(13) | Analisar as ações assistenciais e de gestão do enfermeiro numa unidade hospitalar de urgências traumáticas. | Qualitativo, exploratório-descritivo, do tipo de estudo de casos múltiplos. |
Percepções da enfermagem sobre gestão e cuidado no abortamento: estudo qualitativo. Strefling IS et al(14) | Descrever a gestão e realização do cuidado às mulheres hospitalizadas por abortamento sob a perspectiva dos profissionais de enfermagem. | Qualitativo, exploratório-descritivo. |
Gestão do cuidado de enfermagem ao adolescente que vive com HIV/AIDS. Koerich C et al(15) | Caracterizar a gestão do cuidado de enfermagem ao adolescente que vive com HIV/AIDS por transmissão vertical, frente ao processo de transição do atendimento em Serviços de Referência no Tratamento de HIV/AIDS (infantil e adulto) em um estado do Sul do Brasil, propondo estratégias para a transição deste atendimento. | Qualitativo, exploratório-descritivo. |
Competências desenvolvidas em um curso de especialização em gestão em enfermagem à distância. Okagawa FS, Bohomol E, Cunha IC(16) | Identificar competências gerenciais desenvolvidas no curso de especialização em gestão em enfermagem modalidade educação à distância, com base nas respostas dos alunos que concluíram o curso. | Exploratório com abordagem triangular qualitativa - quantitativa. |
Relevance y level of application of management competencies in nursing. Ángel-Jiménez GM, Lopera-Arrubla CP(17) | Identificar a relevância e o nível de aplicação das principais competências de gestão em enfermagem. | Estudo descritivo com abordagem qualitativa e quantitativa. |
Competências gerenciais na formação do enfermeiro. Lourencao DC, Benito GA(18) | Identificar a inserção das competências gerenciais na formação do enfermeiro. | Estudo qualitativo, que utilizou a análise de conteúdo dos documentos pedagógicos do curso de enfermagem de uma instituição de ensino superior. |
Gerência do cuidado de enfermagem ao homem com câncer. Mesquita MG(19) | Discutir as interações entre perspectiva de gênero e integralidade na gerência do cuidado de enfermagem a homens com câncer. | Estudo qualitativo orientado pela Teoria Fundamentada nos Dados. |
Teorias administrativas na saúde. Paiva SM et al(20) | Revisar a influência das teorias administrativas na organização dos serviços de saúde, enfocando a qualidade da assistência, como subsídio para uma reflexão do processo de trabalho em enfermagem. | Revisão de literatura |
Gerenciamento: contrapontos percebidos por enfermeiros entre a formação e o mundo do trabalho. Montezelli JH, Peres AM(21) | Identificar a perepção de enfermeiros acerca de contrapontos entre a formação e as demandas do mundo do trabalho para a prática gerencial. | Estudo qualitativo, descritivo. |
Informatização da sistematização da assistência de enfermagem: avanços na gestão do cuidado. Ribeiro JC, Ruoff AB, Baptista CL(22) | Discutir os aspectos facilitadores e dificultadores da informatização da SAE para o gerenciamento do cuidado de enfermagem. | Estudo de caso múltiplo. |
La vinculación ético-jurídica entre la gestión del cuidado y la gestión de riesgos en el contexto de la seguridad del paciente. Milos P, Larraín AI(23) | Desvelar a existência de uma relação ético-jurídica entre a gestão do cuidado e a gestão de riscos, no contexto da segurança do paciente. | Estudo reflexivo sobre o atendimento de enfermagem e a segurança do paciente a partir de um critério ético-jurídico. |
Competencias para la enfermera/o en el ámbito de gestión y administración: desafíos actuales de la profesión. Soto-Fuentes P et al(24) | Responder a duas questões: Quais são os requerimentos atuais para a/o enfermeira/o no âmbito da gestão e da administração? Quais são as competências de gestão de enfermagem mais importantes e sua relação com a gestão do cuidado? | Revisão de literatura. |
Enfermeira en el rol de gestora de los cuidados. Estefo Aguero S, Paravicklijn T(25) | Destacar a importância de alguns aspectos necessários para exercer o papel de gestora dos cuidados em enfermagem. | Estudo reflexivo. |
O processo de construção do perfil de competências gerenciais para enfermeiros coordenadores de área hospitalar. Manenti AS et al(26) | Construir o perfil de competências gerenciais, consensuado por enfermeiros coordenadores de área. | Pesquisa ação. |
Entrevista com gestores como método pedagógico para o gerenciamento na enfermagem: conhecer para ser. Ferreira Junior AR, Souza Vieira LJ, Barros NF(27) | Discutir metodologias ativas de ensino-aprendizagem do gerenciamento em Enfermagem. | Relato de experiência. |
Gestão do cuidado à tuberculose: da formação à prática do enfermeiro. Barrêto AJ(28) | Analisar a relação entre a formação do enfermeiro e as ações direcionadas à gestão do cuidado à tuberculose. | Estudo qualitativo descritivo. |
Analysis of the UCSF Symptom Management Theory: Implications for Pediatric Oncology Nursing. Linder L(29) | Analisar a Teoria de Gestão de Sintoma UCSF (SMT) com atenção a aplicação de pesquisa, envolvendo criança com câncer. | Análise de Teoria, usando o processo descrito por Walker e Avant. |
Para identificar o caso-modelo e as referências empíricas partiu-se dos seguintes questionamentos: Qual o caso-modelo da gestão do cuidado em enfermagem demonstra todos os atributos da definição do conceito? Como esse conceito poderá ser medido?
Mediante a leitura minuciosa de cada artigo, identificaram-se as palavras que se relacionavam a Antecedentes, Atributos, Consequentes e Referencias empíricas de gestão do cuidado em enfermagem.
As palavras que se referiam a antecedentes foram identificadas pela cor amarela, os atributos na cor azul e as referências empíricas na cor vermelha. Ao final foram selecionados os termos que mais se repetiram nos artigos. Os dados foram distribuídos em um quadro e analisados com base na literatura.
As pesquisas originais direcionadas a investigações sobre a gestão do cuidado em enfermagem no âmbito hospitalar, majoritariamente, direcionaram-se para a forma como o enfermeiro realiza as ações da gestão e do cuidado em sua prática. Identificou-se que a gestão ou gerenciamento do cuidado é compreendido como um sub processo complementar que constitui o processo de trabalho do enfermeiro, mas que ainda necessita reconhecer o cuidado como foco a ser gerenciado dentro dos serviços de saúde.9Em relação aos locais com apropriação do vocábulo pelos profissionais da saúde, constataram-se, especialmente, as áreas de urgência e emergência, unidade de pronto atendimento, serviço de atendimento pré-hospitalar móvel, unidades de internação, unidade obstétrica e serviço ambulatorial.9-13
Identificou-se que nesses locais citados, as práticas gerenciais do enfermeiro estão voltadas, preponderantemente, para o provimento de recursos materiais e dimensionamento da equipe de trabalho, de forma desarticulada da assistência e das necessidades do usuário.
Apesar dos estudos evidenciarem uma prática gerencial do enfermeiro voltada para as atividades administrativas burocráticas, pouco articulada ao cuidar, os artigos apresentaram a articulação e integração como características essenciais da gestão desse cuidado, bem como, a liderança, o trabalho em equipe, a comunicação, a articulação e a cooperação exercida pelo enfermeiro com os integrantes da equipe de enfermagem, demais profissionais de saúde e usuário.3,6,12,14-18
A articulação entre as ações de gerenciamento e o processo assistencial propicia ao enfermeiro, as possibilidades de reencontro com o cuidado, podendo contribuir para a produção do prazer, melhoria dos níveis de satisfação e redução do stress em seu processo de trabalho.6
Por sua vez, a análise da literatura permitiu identificar a articulação e integração entre a gestão e o cuidar, o exercício da liderança, interação, comunicação, tomada de decisão e cooperação como atributos essenciais da gestão do cuidado em enfermagem. E, a relação interativa entre o enfermeiro e o usuário se destaca como um importante elemento da dinâmica de gestão do cuidado, pois permite a troca de informação e o estabelecimento da confiança e vínculo, contribuindo para a concretude das ações de promoção e recuperação da saúde do usuário.19
Com base nos atributos identificados foi possível construir a seguinte definição para a gestão do cuidado em enfermagem: “trata-se da articulação e integração entre as ações cuidativas e gerenciais, mediante o exercício de liderança, relações interativas, comunicativas e cooperativas assumidas pelo enfermeiro para com a equipe de enfermagem, profissionais de saúde e usuário”.
O caso modelo é o exemplo de utilização do conceito e apresenta todos os seus atributos, podendo ser um exemplo da vida real encontrado na literatura ou construído pelo analista do conceito.8 Na presente análise, optou-se pela construção de um caso-modelo com base na vivência da autora em uma unidade pediátrica, conforme descrito abaixo:
O profissional enfermeiro, integrante da equipe multiprofissional de uma unidade pediátrica, depara-se com o caso de uma adolescente com diagnóstico de insuficiência renal crônica (IRC), submetida a transplante renal há seis meses, tendo como doador o próprio pai. Sua história de vida é marcada por conflitos familiares, mediante a separação dos pais e mudança da mãe para o exterior. Fato que gerou intensos conflitos entre a avó materna e o pai.
Após o transplante renal, a adolescente teve várias reinternações hospitalares decorrentes de repetidas infecções urinárias, sempre permeada pelos conflitos familiares e precárias condições socioeconômicas da família, estando a adolescente sobre a guarda do pai que desde o transplante encontra-se desempregado, ambos vivendo do salário benefício.
Nesse contexto, o enfermeiro assume a posição de líder da equipe de enfermagem e exerce a gestão do cuidado em enfermagem, com foco na assistência integral e humanizada, centrada nas necessidades do usuário. Utiliza-se das tecnologias relacionais e por meio do acolhimento interage com o paciente e sua família, constituindo vínculo, mediante a concepção de que essa vinculação lhe possibilitará o estabelecimento de afetividade e confiança, essenciais para gerir o cuidado. E através da utilização do processo de enfermagem sistematiza essa assistência, que identifica as necessidades do paciente, delineia os diagnósticos de enfermagem, planeja e realiza a prescrição de enfermagem, implementa as intervenções voltadas para o cuidado integral e avalia os cuidados prestados.
Nessa perspectiva, articula e se comunica com os integrantes da equipe de enfermagem e demais profissionais de saúde (nefrologista, assistente social, nutricionista, psicólogo e farmacêutico) por meio da discussão interprofissional do caso, e estabelece relações interativas e cooperativas, compartilhando e negociando as responsabilidades e tomadas de decisão, na busca de alternativas para melhoria da qualidade de vida da adolescente.
Mediante a interação interprofissional, o enfermeiro participa da construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) da adolescente cujas metas são: melhoria de sua condição clínica, reinserção ao convívio familiar e alta hospitalar. Com vista, a integralidade da assistência, o enfermeiro, em conjunto com a equipe interprofissional do hospital e familiares, viabiliza a continuidade do cuidado no domicílio por meio de articulação e interação com a Estratégia de Saúde da Família (ESF) ou Serviço de Atenção Domiciliar (SAD).
Para essa etapa, buscou-se na literatura, os fatos históricos que antecederam o fenômeno em análise.8 Identificou-se que a dicotomia entre a gestão e o cuidado permeia o gerenciamento em enfermagem até os dias atuais. Essa forma de organização, tem como antecedente a influência da Teoria Científica que surgiu no início do século XX, durante o período industrial, com o objetivo de aplicar métodos científicos aos problemas da administração que conformou o modelo taylorista ou da racionalidade gerencial, centrado na tarefa, produtividade, divisão do trabalho, especialização e padronização das atividades. Na sequência a esse fato, surgiu a indústria e com ela, emergiram-se novas necessidades voltadas para a organização da empresa com maior eficiência. Assim, para atender a essas demandas desenvolveu-se a Teoria Burocrática que rapidamente se propagou por todas as organizações, incluindo os serviços de saúde, constituindo-se, com isso, o modelo taylorista e burocrático.20
Esse modelo pauta-se na centralização, hierarquia e controle do trabalho por meio de regulamentos, normas e padrões de comportamento. Dessa forma, a função gerencial exercida no cotidiano hospitalar, norteada por essa concepção, privilegiam mais as normas, rotinas e procedimentos do que as necessidades do usuário.20
O gerenciamento influenciado por esse modelo caracteriza-se, principalmente, pela fragmentação do trabalho com a separação entre as etapas de concepção e execução, controle gerencial do processo de produção associada a rígida hierarquia e racionalização da estrutura administrativa. Assim, como decorrência desse processo histórico obteve-se um gerenciamento em enfermagem voltado para os recursos humanos e materiais, dissonante do cuidado e direcionado para as necessidades institucionais cujas principais características são a fragmentação e divisão do trabalho, o controle gerencial do processo de produção, a impessoalidade nas relações interpessoais e a ênfase em procedimentos e rotinas.3
Porém, trata-se de um modelo gerencial que não atende a complexidade da atenção à saúde, evidenciando a necessidade de se incorporar novos conhecimentos para compor um perfil profissional do enfermeiro pautado nas evidências científicas, na competência relacional, ética, política e humanista, capaz de assumir a gestão do cuidado com criatividade, autonomia e distante do empirismo.3,21
Em contraposição ao modelo taylorista, surgiu a Teoria das Relações Humanas que valorizou os aspectos subjetivos na administração e evidenciou que o trabalhador pode ter outro desempenho à medida que desenvolve seu trabalho em grupo. Essa Teoria inspirou o modelo de trabalho em equipe multiprofissional e refletiu positivamente nos serviços de saúde.20Como consequentes às mudanças nas concepções e práticas de gestão, vislumbram-se formas inovadoras e interativas de gerenciar em enfermagem, com vista a tomada de decisão compartilhada, favorecimento das relações interpessoais da equipe, desenvolvimento da SAE e qualificação do cuidado ofertado ao usuário.22
Os referentes empíricos é a etapa final de análise e tem como propósito determinar a existência ou demonstrar a ocorrência do fenômeno no mundo real.8 Nessa etapa, observou-se que a gestão do cuidado em enfermagem qualifica a assistência na medida que envolve o planejamento, a organização e o controle da prestação de cuidado, que deve ser oportuno, seguro, integral, contínuo e personalizado, no contexto da atenção à saúde.17,23
Ao assumir a posição de líder na gestão do cuidado em enfermagem por meio de relações interativas e colaborativas com os profissionais de saúde e com o paciente, o enfermeiro propicia a prestação de cuidado oportuno, contínuo, seguro e individualizado. Além disso, possibilita a profissão uma maior visibilidade no âmbito social e o alcance de um maior desenvolvimento.17,23Gestão de processos de cuidar em enfermagem implica em minimizar riscos e maximizar benefícios tanto para o usuário, quanto para equipe de saúde, instituição e comunidade.24
Entende-se, portanto, que os referentes empíricos da existência desse fenômeno poderão ser representados pelos indicadores de segurança do paciente que demonstram, a qualidade da interação interprofissional, da comunicação efetiva, da integração e da articulação visto que a gestão do cuidado envolve, essencialmente, o fomento de um ambiente seguro.23 Para tal, deve-se primar pelo monitoramento de indicadores de segurança e de controle de infecção hospitalar, tais como, infecções relacionadas à Assistência à Saúde, as lesões de pressão, aos erros no preparo e administração de medicamentos, dentre outros, que representam a qualidade da assistência e serve de referências empíricas para a gestão do cuidado em enfermagem.
O quadro 2 apresenta de forma sucinta os antecedentes, atributos, consequências e referencias empíricas da gestão do cuidado em enfermagem.
Quadro 2 Antecedentes, Atributos, Consequentes e Referencias empíricas de gestão do cuidado em enfermagem, no âmbito hospitalar
Antecedentes | Atributos | Consequentes | Referencias empíricas |
---|---|---|---|
Teoria Científica e Teoria Burocrática que se constituíram no modelo taylorista e burocrático. | Articulação e integração entre a gestão e o cuidado. Liderança, tomada de decisão, Relações interativa, comunicativa e cooperativa entre o enfermeiro, equipe de enfermagem, profissionais de saúde e os usuários. | Qualificação da assistência aos usuários. Desenvolvimento da SAE. Favorecimento das relações interpessoais na equipe. Tomada de decisão compartilhada. | Indicadores de segurança do cuidado prestado ao paciente. Qualidade do conhecimento da equipe. Processo de comunicação entre a equipe de enfermagem, profissionais de saúde e o usuário. |
A gestão do cuidado em enfermagem é entendida como exercício profissional do enfermeiro, sustentado em sua disciplina, ciência do cuidar, mediante ações de planejamento, organização e controle da prestação de cuidados, oportuno, seguro e abrangente, de modo a garantir a sua continuidade e dar sustentabilidade as políticas e orientações estratégicas da instituição. Nessa perspectiva, o enfermeiro deve propiciar uma cultura de organização que favoreça a prática do cuidado, selecionando pessoas, desenvolendo capacitações e implementando um modelo de cuidado que possa guiar a prática de enfermagem e apoiar as ações dos profissionais.25
Assim, a atuação do enfermeiro na gestão do cuidado pode ser apreendida em dimensões, sendo uma delas, a técnica, entendida como um conjunto de instrumentos, conhecimento e habilidades necessários para atingir os objetivos de um determinado projeto, já a dimensão política se caracteriza pela articulação entre o trabalho gerencial e o projeto assistencial a que se propõe; a dimensão comunicativa, por sua vez, é evidenciada pelas relações de trabalho estabelecidas pela equipe de saúde, que, idealmente, deve se dá de forma interativa e cooperativa, direcionada a um projeto assistencial comum, construído coletivamente e, no desenvolvimento da cidadania, prima-se pelo diálogo que constitui a mediação entre a teoria e a prática.26
Percebe-se que é aí que a liderança surge inevitavelmente como um componente essencial da gestão, para o qual o enfermeiro deve preparar-se em uma das habilidades primordiais ao seu êxito, que é a comunicação, compreendida como a base da liderança, elemento imprescindível para esse processo. Outra capacidade primordial para o exercício da função de líder se refere à tomada de decisão que requer do profissional a capacidade de identificar problemas, buscar soluções e selecionar a alternativa que melhor permita alcançar os objetivos propostos.25
Considerando a relevância da função gerencial para o enfermeiro, destaca-se a importância de se investir no componente de gestão durante o seu processo de formação com vistas a instrumentaliza-lo para o desenvolvimento da liderança, trabalho em equipe, comunicação, relacionamento interpessoal, tomada de decisão, planejamento e organização, dentre outras competências necessárias ao seu perfil profissional.17
Nesse sentido, os atributos essenciais à gestão do cuidado em enfermagem devem ser trabalhados e desenvolvidos durante o processo de formação do enfermeiro através da aproximação entre o conhecimento teórico e a prática.27
Porém, a formação de enfermeiros com base nos atributos de gestão do cuidado passa pelo necessário rompimento com os modelos tradicionais de ensino fundamentados na fragmentação de saberes e práticas, e na necessidade do reconhecimento da transdisciplinaridade, da ampliação da rede de relações como elementos fundamentais para conformação desse novo perfil profissional. Dessa forma, a utilização de métodos pedagógicos que possibilitem o reconhecimento do usuário como sujeito singular, a vivência e a construção de habilidades de liderança nos espaços do ensino possibilitarão fundamentar o enfermeiro para desenvolver habilidades e atitudes voltados para interdisciplinaridade.18,28
A complexidade do cuidado à saúde remete a necessidade do trabalho interdisciplinar por meio do compartilhamento de saberes, responsabilidades e decisões de forma a superar fronteiras disciplinares e se alcançar a integralidade do cuidado.18Entretanto, estudos revelaram que no curso de graduação os espaços de aprendizagem ainda estão, predominantemente, voltados para a prática clínica, especialmente, para o campo curativo, prevalecendo uma abordagem estritamente biologicista, com forte dissociação entre a teoria e a prática.28Nesse sentido, é preciso repensar a formação do enfermeiro e investir na educação permanente por meio da oferta de experiências diversificadas que os possibilite desenvolver competências gerenciais capazes de superar a dicotomia entre gestão e cuidado, habilitando-o para o trabalho coletivo, interdependente e cooperativo.3
A partir desse entendimento, é possível pensar outros modelos de gestão do cuidado em enfermagem fundamentados nas relações interativas e colaborativas com os profissionais de saúde e com o paciente de forma a propiciar a prestação de cuidado oportuno, contínuo, seguro e individualizado.17,23
Além disso, torna-se também necessária a aplicação de teorias e modelos conceituais tanto para orientar a prática clínica do enfermeiro quanto para conduzir pesquisas na área. Entretanto, a utilização de teorias prescinde de uma análise prévia com o propósito de avaliar a sua aplicabilidade, identificar inconsistências e pontos fortes. Nessa perspectiva, um estudo americano analisou uma teoria de médio alcance denominada Gestão do Sintoma UCSF (SMT), relacionando suas implicações para a prática clínica da enfermagem na oncologia pediátrica. Tal estudo, demonstrou o seu potencial de influência para orientação das intervenções de enfermagem e desenvolvimento de estratégias voltadas para a gestão do sintoma em crianças com câncer, bem como, a sua aplicabilidade em pesquisas.29
Com base nos resultados dessa pesquisa, destaca-se a importância de se investir no desenvolvimento de modelos teóricos que sirvam para conduzir a prática clínica e as investigações da enfermagem, na perspectiva de romper com a dissociação entre o ensino, a pesquisa e a assistência e propiciar, continuamente, a articulação e integração entre essas dimensões.
A limitação desse estudo consiste no fato da análise de conceito utilizar dados secundários cuja análise pode apresentar certa subjetividade, além da busca nas bases de dados realizada apenas por uma pesquisadora e a partir de um recorte temporal dos últimos 5 anos, fato que restringe o estudo ao conjunto de produções científicas mais recente sobre o tema. Por outro lado, destaca-se a relevância da análise do conceito como fundamento para a prática de enfermagem e a potencialidade da revisão integrativa enquanto ferramenta para o campo da saúde pois proporciona a síntese de pesquisas disponíveis e significativas sobre determinada temática para incorporação dos seus resultados na prática.
O resultado desse estudo permitiu identificar como atributos essenciais do fenômeno analisado, a articulação e integração entre gerir e o cuidar, bem como, a interação, articulação, comunicação, tomada de decisão e cooperação que devem pautar as relações interpessoais estabelecidas pelo enfermeiro com os integrantes da equipe de enfermagem, profissionais de saúde e paciente. A aplicação desse conceito na prática gerencial do enfermeiro apresenta-se, na atualidade, como uma necessidade emergente do desenvolvimento de um modelo de gestão vinculado ao cuidar, com o compartilhamento de tarefas entre os membros da equipe, qualificação e integralidade do cuidado ao usuário. E, a sua aplicabilidade poderá ser determinada através de indicadores de qualidade da assistência, especialmente, os relacionados à segurança do paciente que mensuram a qualidade do cuidado prestado.