versão impressa ISSN 1809-2950
Fisioter. Pesqui. vol.21 no.1 São Paulo jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/402210114
Todos almejam uma boa postura corporal, aquela em que as articulações que suportam o peso estão em alinhamento com o mínimo de sobrecarga para os músculos e ligamentos1 - 4. O mau alinhamento corporal pode acometer a distribuição de carga, promovendo uma pressão nas superfícies articulares e contribuindo assim para a degeneração articular e para tensões musculares inadequadas3 , 5. Tensões inadequadas na região cervical podem levar a alterações da posição da cabeça e pescoço, tais como anteriorização, posteriorização, lateralização e rotação cervical3.
Para verificar assimetrias posturais e prevenir a piora ou a progressão de algumas disfunções cervicais faz-se uso da avaliação postural, que é parte integrante da rotina fisioterapêutica e tem como objetivo determinar possíveis desalinhamentos e problemas tanto estruturais como funcionais, a fim de planejar a conduta e o tratamento para o realinhamento postural6 , 7. O principal instrumento para a avaliação postural é a análise visual8 , 9, que pode ser complementada com o uso de fotografias.
A fotografia como documentação de imagens auxilia tanto a prática clínica como os estudos científicos, pois torna os resultados passíveis de mensuração e consequentemente faz com que a análise ocorra de forma objetiva e precisa. Na área médica, Kvedar et al.10 afirmam que a imagem fotográfica digital pode substituir o exame físico dermatológico em até 83% dos casos. Para tanto, é necessário que haja uma padronização do ambiente e do posicionamento da câmera fotográfica, para o correto registro sem distorção de imagem, bem como boa nitidez da mesma11 , 12.
Um dos métodos fotográficos para a avaliação postural com imagens fotográficas é a fotogrametria computadorizada. Esse método fornece as mensurações dos ângulos corporais a partir de fotografias13, o que permite uma avaliação postural quantificada2 , 6 , 14 , 15. Essa quantificação pode ser realizada por meio de programas como Corel Draw, AutoCAD ou SAPo6 , 16. A utilização desses programas facilita o processo de arquivamento, com economia de espaço e também de tempo no acesso aos registros arquivados16, além de ser um método de fácil acesso e de baixo custo17 - 19.
Esta ferramenta tem se mostrado eficaz na análise das mais diversificadas pesquisas posturais, como pode ser observado nos estudos citados a seguir. Baraúna et al.20 investigaram o equilíbrio estático de indivíduos amputados transfemurais e transtibiais; Lima et al. 21 verificaram alterações posturais em crianças respiradoras bucais; Manfio et al.22 estudaram a postura de mulheres descalças, com salto baixo e salto alto; Caetano e Nicolau23 avaliaram a correção postural após conscientização corporal e autoalongamento.
Devido à grande difusão da fotogrametria, diversos estudos analisaram a confiabilidade e a validade dessa ferramenta para avaliação postural geral2 , 24 por meio da consistência ou concordância dos resultados. No entanto, a literatura sobre confiabilidade da fotogrametria para avaliação postural cervical é escassa. Não foram encontrados estudos sobre confiabilidade da fotogrametria em ângulos específicos para a avaliação da posição da cabeça em anteriorização e posteriorização, assim como em flexão e extensão cervical com vista lateral. Verifica-se a confiabilidade de um método ao comparar os resultados obtidos da avaliação de diferentes examinadores (interexaminador) para os mesmos sujeitos avaliados e ao comparar a avaliação dos resultados obtidos pelo mesmo avaliador (intraexaminador)2.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi verificar a confiabilidade intra e interexaminador da fotogrametria computadorizada para a avaliação postural da cabeça em vista lateral.
O desenvolvimento do estudo foi iniciado após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo. Todos os participantes foram informados dos objetivos e procedimentos do presente estudo, e após estarem de acordo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram da pesquisa 25 mulheres jovens, entre 20 e 30 anos, com idade média de 23,32±2,59 anos. Foram critérios de inclusão: não apresentar alterações posturais relevantes, como hipercifose torácica, hiperlordose cervical, escoliose, protusão de ombros e protusão de cabeças exacerbados; e não apresentar patologias musculoesqueléticas das regiões de tronco, cabeça e pescoço, como tensões, contraturas, fraquezas e/ou dores musculares nessas regiões. O levantamento dessas informações foi realizado por meio de avaliação postural clássica realizada pelo autor principal da pesquisa e via questionário respondido pelas participantes. Não houve perdas amostrais na presente pesquisa.
Para coleta de dados foi utilizada uma ficha de avaliação constando o nome do indivíduo, idade e tabela para anotação dos dados fotogramétricos. Após o preenchimento da ficha de avaliação, as participantes permaneceram sentadas na posição ereta e foram solicitados os seguintes posicionamentos: anteriorização e posteriorização da cabeça; flexão e extensão da coluna cervical. As avaliações foram realizadas na posição sentada por ser essa uma posição frequentemente lesiva para a coluna vertebral, em particular a coluna cervical, mais até do que a posição em pé, e por ser a posição de trabalho de muitos profissionais que trabalham em computadores e/ou mesa de trabalho13 , 25.
Pontos anatômicos foram demarcados na pele com marcadores adesivos circulares da marca Pimaco, com 9 mm de diâmetro. Os pontos demarcados foram: côndilo da mandíbula, acrômio da escápula e processo xifoide do esterno.
As participantes foram fotografadas em vista lateral esquerda com o uso de uma câmera fotográfica da marca Sony modelo cybershot DSC-P200 7.2 megapixels posicionada sobre um tripé de sustentação com altura de 1,0 m e distância de 1,5 m da cadeira do sujeito. As fotografias foram importadas para o programa Corel Draw X3. para realização da fotogrametria computadorizada.
A partir da fotogrametria foram demarcados e investigados três ângulos referentes ao posicionamento da cabeça e pescoço, observados em vista lateral, formados pelos pontos previamente demarcados. Os ângulos estudados foram18:
Ângulo côndilo-acrômio (ACA): ângulo formado pela intersecção da linha formada pela união dos pontos demarcados côndilo da mandíbula e acrômio da escápula com a linha perpendicular ao solo.
Ângulo mento-esternal (AME): ângulo formado pela intersecção da linha formada pela união do ponto mais anterior do mento, não demarcado pela fácil visualização em vista lateral, com o ponto previamente demarcado no processo xifoide com a linha perpendicular ao solo.
Ângulo de Frankfurt (AF): ângulo formado pela intersecção da linha do plano de Frankfurt com a linha perpendicular ao solo. O plano de Frankfurt é a linha formada pela união de dois pontos não demarcados devido à fácil visualização em vista lateral: meato acústico externo e limite inferior da órbita ocular26.
Estes ângulos foram adotados pois em vista lateral descrevem os posicionamentos da cabeça. O AF mostra as alterações em flexão e extensão da cabeça e os ângulos ACA e AME descrevem a anteriorização e a posteriorização da cabeça.
A fotogrametria foi realizada por dois examinadores: examinador A (EA) e examinador B (EB). Para a análise intraexaminadores o EA fez a avaliação das fotos das participantes duas vezes (A1 e A2) para os mesmos ângulos em um intervalo de três meses. Para a análise interexaminadores as fotos foram encaminhadas ao EB, que realizou a fotogrametria dos mesmos ângulos (B1) para posterior comparação com os dados do EA. Cada examinador realizou uma análise de cada ângulo para cada sujeito.
Em relação ao treinamento dos examinadores, no momento da realização do presente estudo o EA dispunha de dois anos de experiência na utilização da fotogrametria computadorizada para avaliação postural. O EB foi treinado para a aplicação do método da fotogrametria por sete dias com três horas de duração cada, em um período de três semanas.
Os dados obtidos foram analisados estatisticamente pelo Programa BioEstat 5.0 e foi utilizado o teste Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC 1,1 - interclass correlation coeficient)27, dados contínuos para amostras relacionadas, tanto para a análise inter quanto para a intraexaminador. Foi considerada correlação fraca quando ICC<0,4, satisfatória quando 0,4≤ICC<0,75 e excelente quando ICC≥0,7528.
Os resultados da fotogrametria para o ACA das participantes deste estudo, obtidos pelo avaliador A em suas primeira e segunda análises fotogramétricas (A1 e A2) e pelo avaliador B (B1), bem como o resultado das análises intra e interexaminadores pelo ICC podem ser visualizados na Tabela 1.
Tabela 1 Valores médios do ângulo côndilo-acrômio, seguidos do desvio padrão, em graus (°), encontrados nas análises fotogramétricas pelos avaliadores A (A1 e A2) e B (B1) para os participantes deste estudo e os resultados do teste estatístico Coeficiente de Correlação Intraclasse das comparações intra e interexaminador
Ângulo côndilo-acrômio (°) | Teste ICC* | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
A1 | A2 | B1 | Comparação | A1 x A2 | A1 x B1 | A2 x B1 | |
Valor médio | 25,84 | 26 | 22,56 | Resultado | 1,00 | 0,24 | 0,23 |
Desvio padrão | 7,60 | 7,65 | 4,51 | Correlação | excelente | fraca | fraca |
*Teste ICC: interclass correlation coeficiente (coeficiente de correlação intraclasse)
Os valores médios do AME da presente amostra, encontrados por meio das duas análises fotogramétricas do avaliador A (A1 e A2) e pela a análise do avaliador B (B1), assim como as comparações estatísticas pelo teste ICC para as análises intra e interavaliadores podem ser visualizados na Tabela 2.
Tabela 2 Valores médios do ângulo mento-esternal, seguidos do desvio padrão, em graus (°), encontrados nas análises fotogramétricas pelos avaliadores A (A1 e A2) e B (B1) para os participantes deste estudo e os resultados do teste estatístico Coeficiente de Correlação Intraclasse das comparações intra e interexaminador
Ângulo mento-esternal (°) | Teste ICC* | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
A1 | A2 | B1 | Comparação | A1 x A2 | A1 x B1 | A2 x B1 | |
Valor médio | -0,68 | -0,24 | -1,80 | Resultado | 1,00 | 0,26 | 0,27 |
Desvio padrão | 8,15 | 7,48 | 5,18 | Correlação | excelente | fraca | fraca |
*Teste ICC: interclass correlation coeficiente (coeficiente de correlação intraclasse)
Os resultados da fotogrametria para o AF das participantes desse estudo obtidos pelo avaliador A, na primeira e na segunda avaliação (A1 e A2) e pelo avaliador B (B1) e as análises estatística intra e interexamidores pelo teste ICC podem ser visualizados na Tabela 3.
Tabela 3 Valores médios do ângulo de Frankfurt, seguidos do desvio padrão, em graus (°), encontrados nas análises fotogramétricas pelos avaliadores A (A1 e A2) e B (B1) para os participantes deste estudo e os resultados do teste estatístico Coeficiente de Correlação Intraclasse das comparações intra e interexaminador
Ângulo de Frankfurt (°) | Teste ICC* | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
A1 | A2 | B1 | Comparação | A1 x A2 | A1 x B1 | A2 x B1 | |
Valor médio | 89,84 | 88,96 | 80,00 | Resultado | 0,78 | 0,00 | 0,00 |
Desvio padrão | 6,60 | 4,60 | 6,88 | Correlação | excelente | fraca | fraca |
*Teste ICC: interclass correlation coeficiente (coeficiente de correlação intraclasse)
No presente estudo, a investigação da confiabilidade intra e interexaminadores da fotogrametria na análise postural da cabeça e coluna cervical foi realizada pela avaliação de mulheres em posição sentada. McEvoy e Grimmer13 destacaram que há grande interesse no estudo da postura corporal na posição sentada, visto que tal posição é adotada por profissionais que utilizam monitores visuais e pode levar a patologias musculoesqueléticas com consequentes perdas na produção do trabalhador.
As análises utilizadas aqui se restringiram à visão lateral por permitir melhor percepção da anteriorização e posteriorização da cabeça. Análises da postura em vista lateral foram realizadas anteriormente no estudo de Carneiro e Teles18 para o estudo da anteriorização da cabeça. Em vista anterior, Pasinato et al.29 avaliaram o ângulo de inclinação lateral da cabeça de indivíduos com e sem disfunção temporomandibular e avaliaram um ângulo que denominaram de vertical, o qual descreve a anteriorização ou posteriorização da cabeça.
O programa utilizado na presente pesquisa para a fotogrametria foi o Corel Draw X3. A confiabilidade dos programas Corel Draw, AutoCAD e SAPo para análise da fotogrametria foi avaliada nos estudos de Sacco et al.16 e Guariglia et al.30, que concluíram que os três programas estudados são confiáveis. A repetibilidade da fotogrametria foi testada por Carneiro e Teles18 com o programa Corel Draw 10 para a análise de 9 ângulos corporais da coluna cervical e tronco superior em vista lateral de um mesmo indivíduo ao longo de 25 dias não consecutivos. Concluíram que o método foi confiável para oito dos nove ângulos estudados.
Quanto aos resultados da confiabilidade da fotogrametria computadorizada para as medidas dos ângulos da posição da cabeça em vista lateral do presente estudo, observou-se excelente confiabilidade na avaliação intraexaminadores e fraca confiabilidade na interavaliadores. Resultados semelhantes foram descritos por Fedorak et al. 31 ao avaliarem a confiabilidade da avaliação postural por meio de visualização de fotografias. No entanto, existem outras pesquisas que apontaram níveis aceitáveis para a confiabilidade tanto para as avaliações intra como interavaliadores. No estudo de Iunes et al.6, dos 22 ângulos avaliados por dois avaliadores, 17 apresentaram níveis altos de confiabilidade e 5 níveis não aceitáveis de confiabilidade. Esses autores concluíram que o método apresenta significativa confiabilidade. Outros estudos também encontraram excelentes resultados no estudo da confiabilidade da fotogrametria computadorizada intra e interexaminador32 , 33. Santos et al.24 descreveu 80% de concordância entre 3 avaliadores para as análises fotogramétricas em um estudo com 122 crianças submetidas a um único registro fotográfico para avaliação postural nos planos frontal anterior, posterior, sagital esquerda e direita. Os autores ressaltaram que os examinadores foram treinados durante um estudo preliminar, o que possibilitou a alta confiabilidade.
A fraca confiabilidade na avaliação interavaliadores relatada no presente estudo pode ser justificada pelo fato de que o examinador A tinha experiência de dois anos, enquanto que o examinador B teve seu primeiro contato com a fotogrametria computadorizada no treinamento de sete dias, divididos em um período de três semanas que antecederam o experimento. Embora a fotogrametria seja realizada a partir de pontos anatômicos previamente demarcados, a investigação dos ângulos corporais analisados depende da prática do examinador. Este fato alerta para a importância do treinamento do profissional que utilizará esse instrumento para a avaliação postural. Não foram encontrados na literatura estudos que orientem quanto ao tipo e tempo de treinamento para que um examinador esteja capacitado para realizar a avaliação postural por fotogrametria.
A fotogrametria computadorizada para a as medidas dos ângulos da posição da cabeça apresenta excelente confiabilidade intraexaminadores e fraca confiabilidade na avaliação interexaminadores. A fraca confiabilidade interexaminadores observada neste estudo pode alertar para a necessidade de treinamento do examinador, fato este fundamental tanto para a credibilidade da fisioterapia clínica quanto para a confiabilidade das pesquisas em reabilitação.