versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1702
O raciocínio científico é um elemento necessário na educação profissional. Além disso, as publicações de pesquisa têm efeito direto na mudança das práticas clínicas. Portanto, a exposição ao trabalho científico de alta qualidade pode ser uma maneira eficaz para melhorar a Saúde Pública, particularmente nos países em desenvolvimento(1). A experiência em pesquisa pode desenvolver as habilidades dos alunos no aprendizado independente, avaliação crítica da literatura médica e na redação de trabalhos científicos(2). Se essa experiência não for oferecida, o resultado pode ser a falta de conhecimentos básicos de pesquisa, dessa maneira, impedindo o aprendizado científico e levando à produção de profissionais menos inclinados a pensar enquanto realizam atividades práticas(3) – um fator que, entre outras condições sociais e econômicas, poderia estar associado à baixa qualidade na assistência médica. Considerando tudo isso, torna-se óbvio que mudanças significativas no sistema de Saúde Pública só serão alcançadas por meio de reformas substanciais nos processos educacionais dos quais os profissionais que compõem esse sistema participam(4).
A extensão do engajamento na pesquisa na atividade profissional diária provavelmente varia entre as carreiras profissionais. A exposição à ciência durante a graduação depende do curso ao qual o aluno pertence. Historicamente, os programas de graduação médica ensinam abordagens críticas aos métodos científicos, uma vez que esses programas são responsáveis pela maior parte da produção científica das universidades(5). Apesar dos grandes esforços para estimular a prática da Medicina baseada em evidências científicas, os currículos médicos têm sido recentemente criticados como sendo cada vez mais técnicos, e isso levou a uma desvalorização das carreiras científicas. Como resultado, seguindo um tendência mundial(6,7), foram propostas e implantadas mudanças inovadoras nas faculdades de Medicina no Brasil. O estudo do Direito – como uma área social – aborda a ciência de maneira diferente. Essa outra abordagem estimula e enriquece a comparação entre os cursos de Direito e Medicina. No primeiro, espera-se que a exposição à pesquisa e métodos científicos tenha um impacto menos direto na educação do aluno, uma vez que o raciocínio usado nesse curso está sujeito às influências da sociedade, além daquelas baseadas na pesquisa médica e científica. Entretanto, certas áreas do currículo de Direito, como a Medicina Forense, recebem um impacto forte e direto do progresso científico.
O programa de iniciação científica, um projeto nacional, estimula os alunos de graduação a participarem de atividades de pesquisa em todas as áreas de estudo. Mais de 19 mil bolsas de estudo são oferecidas anualmente aos alunos de graduação, capacitando-os a passar parte do tempo durante o curso trabalhando em projetos de pesquisa sob a supervisão da faculdade. Esse programa oferece oportunidades para os alunos participarem em atividades de pesquisa sob vários currículos(8). Aproveitamos a oportunidade oferecida por esse programa para comparar as respostas dos alunos do primeiro e quarto anos de Direito e Medicina às perguntas científicas para avaliar se o desenvolvimento científico é específico do currículo da faculdade de Medicina ou se esse desenvolvimento constitui uma tendência geral da universidade.
Foi conduzido um estudo transversal entre alunos do primeiro e quarto ano das faculdades de Medicina e Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), uma universidade pública em Salvador (BA), Brasil. Podem ser citadas pelo menos duas razões para justificar a escolha desses cursos. Em primeiro lugar, as diferentes bases lógicas envolvidas em cada graduação tornam o curso de Direito uma referência adequada para medir o impacto do ensino da ciência médica. A segunda razão são as altas habilidades acadêmicas que um aluno regular de Medicina ou Direito deve possuir para se matricular em uma universidade pública no Brasil. Um questionário adaptado de Khan et al.(9) foi distribuído por um aluno treinado da graduação a todos os alunos do primeiro ano (n = 80) e todos os alunos do quarto ano (n = 80) da faculdade de Medicina. O questionário também foi distribuído a 40 dos 80 alunos do primeiro ano (n = 40) e a todos os alunos do quarto ano (n = 80) da Faculdade de Direito. Após o consentimento por escrito, solicitou-se aos alunos para que respondessem ao questionário de maneira anônima, e suas respostas não foram identificadas. “Alunos do primeiro ano” refere-se aos alunos da graduação na primeira semana de faculdade. O questionário foi distribuído aos alunos durante as aulas regulares; após a obtenção do consentimento, solicitou-se para que devolvessem as cópias respondidas após 30 minutos. Os percentuais de respostas aos questionários foram 72,5 e 65% entre os alunos do primeiro e quarto anos de Medicina (M1 e M4), respectivamente, e 92,5 e 86,2% entre os alunos do primeiro e quarto anos de Direito (D1 e D4), respectivamente. Após ser aprovado pelo chefe do Departamento de Patologia da UFBA, o protocolo de pesquisa recebeu a rápida aprovação do chefe do IRB do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz, Salvador (BA).
O questionário foi organizado em seções, cada uma abordando um tópico específico. Uma seção foi composta por questões de múltipla escolha sobre conceitos científicos básicos, conhecimento de estatística e identificação de partes de um trabalho científico. Outra seção foi composta de perguntas de pesquisa sobre a interpretação e redação de trabalhos científicos, assim como o planejamento e a condução de projetos de pesquisa. O questionário também cobriu as características demográficas, incluindo a idade e sexo dos alunos, e informações sobre a participação nos programas de iniciação científica. O questionário utilizado está reproduzido no material suplementar (Anexo 1).
Todos os dados foram analisados de maneira anônima. Três contrastes relativos foram de interesse especial: M1 x D1, uma comparação entre os alunos de Medicina e Direito quanto às suas características na admissão (características basais); M1 x M4 e D1 x D4, para avaliar a aquisição de conhecimento científico em cada curso de graduação (avaliados por meio de questões de múltipla escolha); e M4 x D4, para analisar os perfis dos alunos ao final de cada curso de graduação (de acordo com as perguntas da pesquisa). Nas questões de múltipla escolha, os resultados foram representados como porcentagem de respostas corretas e as diferenças foram analisadas pelo teste exato de Fisher. A mesma metodologia foi usada para comparar as características basais entre os grupos. A pontuação total de cada grupo foi calculada como a porcentagem média ± desvio padrão (DP) das respostas corretas às questões de múltipla escolha e foi avaliada com o uso do teste de Kruskal-Wallis com comparações múltiplas de Dunn. Nas perguntas da pesquisa, os resultados foram mostrados como frequências da ocorrência de cada resposta possível e as diferenças foram analisadas com o uso do teste do χ2. O software GraphPad Prism® 5.0 foi usado para a análise dos dados. O valor p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
A maioria dos alunos avaliados era do sexo masculino; isso foi semelhante nos quatro grupos (Tabela 1). Os alunos do quarto ano de ambos os cursos também foram semelhantes quanto à idade (82,7% M4 versus 84,1% D4 tinham mais de 21 anos; p = 1). Em geral, os alunos de Medicina são mais novos do que os alunos de Direito ao ingressarem na graduação, sendo 96,6% dos alunos de M1 com menos de 21 anos de idade versus 75,7% dos alunos de D1 (p < 0,005). Os alunos de Medicina foram significativamente mais ativos nos programas de iniciação científica do que os alunos de Direito, e essa participação científica aumentou com o tempo que passavam na faculdade (30,8% M4 versus 2,9% D4 ou 6,9% M1, p < 0,0001 e p < 0,005, respectivamente). Esse aumento dependente do tempo não ocorreu entre os alunos da faculdade de Direito (Tabela 1).
Tabela 1 Características iniciais dos estudantes participantes da pesquisa
Características iniciais | M1 n = 58 |
D1 n = 37 |
M4 n = 52 |
D4 n = 69 |
|
---|---|---|---|---|---|
n (%) | |||||
Gênero | Masculino | 34 (58,6) | 20 (54,1) | 29 (55,8) | 35 (50,7) |
Idade (anos) | ≤ 21 | 56 (96,6)* | 28 (75,7)* | 9 (17,3) | 11 (15,9) |
> 21 | 2 (3,4) | 9 (24,3) | 43 (82,7) | 58 (84,1) | |
Participou do programa de iniciação científica | 4 (6,9)† | - | 16 (30,8)†,‡ | 2 (2,9)‡ |
Gênero, idade e participação em programas de iniciação científica de todos os estudantes estão mostrados como n (%). M1: estudantes do primeiro ano de Medicina; M4: estudantes do quarto ano de Medicina; L1: estudantes do primeiro ano de Direito; L4: estudantes do quarto ano de Direito. As frequências entre estudantes de quarto e quinto anos dos dois cursos e entre grupos pareados (M1 x D1 e M4 x D4) foram comparadas pelo teste exato de Fisher. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.
*p < 0,005;
†p < 0,005;
‡p < 0,0001.
Uma seção do questionário era composta de questões de múltipla escolha. A pontuação total de cada grupo foi calculada como a porcentagem média de respostas corretas dadas as essas questões. Como visto na Figura 1A, a pontuação média proporcional de respostas corretas obtidas dos alunos do quarto ano foi maior do que a dos alunos do primeiro ano (média do grupo ± DP, M4 57 ± 15,7 versus M1 37,5 ± 16,2; p < 0,005 e D4 48,3 ± 19,6 versus D1 33,6 ± 13,7; p < 0,005). Não houve diferenças entre os alunos pareados (M1 versus D1 ou M4 versus D4).
Quatro questões de múltipla escolha tiveram como objetivo avaliar a compreensão dos alunos quanto aos conceitos básicos na ciência geral. Na maior parte, os alunos do quarto ano definiram a “hipótese científica” corretamente com maior frequência do que os alunos do primeiro ano, embora essa diferença fosse estatisticamente significante apenas entre os dois grupos de alunos de Direito (Figura 1B, M4 44,2% versus M1 29,3%; D4 50,7% versus D1 29,7%; p = 0,04). Entretanto, apesar da maior porcentagem de respostas corretas sobre a definição de “teoria científica” entre os alunos do quarto ano, a diferença observada não alcançou significância estatística em qualquer dos cursos em análise (Figura 1C, M4 55,8% versus M1 46,6%; D4 50,7% versus D1 32,4%; p = 0,34 e p = 0,1, respectivamente). Surpreendentemente, os alunos do quarto ano de Medicina tiveram pior desempenho médio na definição de “verdade científica” em comparação com os alunos do primeiro ano, embora, mais uma vez, essa disparidade não fosse significante (Figura 1D, M4 17,3% versus M1 29,3%; p = 0,18). Além disso, não houve diferença estatística entre o desempenho dos alunos do primeiro e quarto anos de Direito (Figura 1D, D4 40,6% versus D1 37,8%; p = 0,84). A última questão da seção de conceitos básicos avaliou o conhecimento da pesquisa, que considera a representatividade como uma característica essencial. Mais uma vez, os alunos do quarto ano tiveram melhor desempenho do que os alunos do primeiro ano; nesse caso, a diferença entre os alunos do primeiro e quarto anos em ambos os cursos foi significante (Figura 1E, M4 96,2% versus M1 46,6%; p < 0,0001; D4 84,1% versus D1 45,9%; p < 0,0001). Portanto, os alunos do quarto ano dos cursos de graduação de Medicina e Direito demonstraram melhor compreensão dos conceitos de ciência básica do que os alunos do primeiro ano.
Quando interrogados sobre a característica essencial da ciência, os alunos de ambos os cursos de graduação mostraram um resultado insatisfatório; a máxima porcentagem de respostas corretas não ultrapassou 35% em quaisquer dos grupos estudados (Figura 2A). Entretanto, melhora significante e notável foi observada com o tempo em ambos os cursos do estudo (Figura 2A, M4 34,6% versus M1 15,5%; p = 0,03; D4 29% versus D1 10,8%; p = 0,05). Além disso, foi solicitado que os alunos indicassem o que constitui a estrutura básica de um trabalho científico. De maneira interessante, apenas os alunos de Medicina apresentaram melhora com o tempo em suas respostas a essa questão (Figura 2B, M4 46,2% versus M1 22,4%; p = 0,01; D4 15,9% versus D1 16,2%; p = 1). De acordo com esses dados, os cursos de graduação contribuíram para a aquisição de conceitos práticos mais sólidos em ciências e esse efeito foi mais marcante nos alunos de Medicina.
A última parte do questionário teve como objetivo analisar a facilidade dos alunos em lidar com projetos e artigos científicos. As possíveis respostas foram apresentadas como uma escala representando graus de confiança: “não”, se o aluno não se sentia confiante; “sim, com ajuda”, se não se sentia totalmente confiante; e “sim”, caso se sentisse completamente confiante. Como visto na Figura 2, os alunos do quarto ano sentiram-se mais confiantes para interpretar artigos científicos do que os alunos do primeiro ano (“sim”: M4 78,8% versus M1 17,2%; D4 62,3% versus D1 10,8%; p < 0,0001). Além disso, os alunos de Medicina apresentaram maior confiança na interpretação de artigos científicos do que os alunos de Direito (“sim”: 78,8% versus D4 62,3%; p < 0,0001). Quanto à redação de um artigo científico, embora os alunos do quarto ano se sentissem mais confiantes do que os alunos do primeiro ano (“sim, com ajuda”: M4 84,6% versus M1 46,6%; D4 63,7% versus D1 54,1%; p < 0,0001), os alunos de Direito sentiram-se mais confiantes na redação de artigo científico sozinhos do que os alunos de Medicina (“sim”: D4 23,2% versus M4 7,7%; p < 0,0001). Além disso, os alunos de Direito expressaram maior confiança do que os alunos de Medicina quanto à redação de um artigo científico sem ajuda, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significante (“sim”: D4 17,4% versus M4 5,8%). Além disso, embora os alunos de Medicina se sentissem menos confiantes em planejar e conduzir um projeto de pesquisa do que os alunos de Direito (“sim”: M4 5,8% versus D4 13% e “sim”: M4 3,8% versus D4 11,6%, respectivamente), eles estavam mais envolvidos em projetos de pesquisa (Figura 3, M4 78,8% versus D4 20,3%).
Os profissionais em qualquer campo de conhecimento necessitam dominar os conceitos da pesquisa científica. Os alunos que conhecem os conceitos e objetivos da ciência são mais seguros e confiantes na interpretação da literatura profissional, mesmo se não desejam se tornar produtores de conhecimento científico. Assim, uma base profissional sólida se beneficia da participação em atividades de pesquisa e da exposição ao método científico, em vez da profissionalização precoce.
Nos últimos anos, as universidades deram atenção especial ao treinamento científico de seus alunos. As disciplinas de pesquisa foram instituídas com muitos (frequentemente não especificados) objetivos em mente, incluindo o crescimento do conhecimento da avaliação crítica e do processo de pesquisa, estimulando a curiosidade intelectual, aumentando a disposição de estar envolvido em pesquisas e a capacidade em conduzi-las, desenvolvendo um maior grau de proficiência clínica e pensamento crítico, e descobrindo precocemente os interesses na carreira acadêmica(10).
Os alunos de Medicina começam a faculdade, em média, com menor idade que os alunos de Direito (Tabela 1) e isso pode estar associado à menor maturidade científica, levando ao desenvolvimento menos satisfatório das habilidades de avaliação crítica e à produção de menor número de ideias científicas inovadoras. Entretanto, durante o primeiro ano na faculdade, os alunos de Medicina já estavam mais ativos na procura de programas de iniciação científica e também estavam mais envolvidos em projetos de pesquisa (Figura 3). Esse achado sugere que os alunos do primeiro ano de Medicina e Direito exibem diferentes perfis de interesses científicos. Os traços de personalidade que contribuem para essas diferenças em interesses podem influenciar a escolha da carreira dos alunos. Os currículos médicos podem reforçar os interesses científicos previamente existentes dos alunos, uma vez que um aumento notável das atividades relacionadas à ciência ocorreu apenas durante a graduação. Consistente com esse achado, a Faculdade de Medicina da UFBA está associada a níveis mais altos de produção científica do que qualquer outra escola de graduação, incluindo a Faculdade de Direito(5) dessa universidade.
Apesar dessas diferenças, os alunos de Direito alcançaram resultados semelhantes aos dos alunos de Medicina quanto ao número médio de respostas corretas dadas às questões de múltipla escolha (Figura 1A). Portanto, como houve uma melhora estatisticamente significante entre os alunos do primeiro e quarto anos de ambos os cursos do estudo, aparentemente o progresso na graduação de Medicina ou Direito pode estimular a maturidade científica. Juntos, esses dados revelam a influência dos cursos de graduação no desenvolvimento científico.
Os alunos com experiência em pesquisa publicaram mais trabalhos após a graduação do que aqueles que não tinham essa experiência(11). Ainda mais importante, as experiências de pesquisa podem afetar o desempenho profissional, capacitando um indivíduo a mudar e se adaptar, melhorando os resultados práticos(12).
Em geral, os desempenhos dos alunos do quarto ano foram melhores do que os dos alunos do primeiro ano quanto aos conceitos teóricos e práticos da ciência (Figuras 1 e 2, respectivamente). Entretanto, os alunos de Medicina e Direito divergiram quanto às habilidades, provavelmente em razão de tendências específicas em cada currículo. Enquanto os alunos de Direito demonstraram melhor desempenho nas questões sobre conhecimentos científicos teóricos, os alunos de Medicina demonstraram maior conhecimento dos conceitos científicos práticos. Duas comparações específicas ilustram essa disparidade: na questão “Como você definiria a hipótese científica”, apenas as respostas dos alunos do primeiro e quarto anos de Direito mostraram diferenças estatisticamente significantes (Figura 1B). Inversamente, apenas os alunos de Medicina demonstraram melhora no reconhecimento de uma parte de um trabalho científico (Figura 2B). Portanto, os perfis distintos das faculdades de Medicina e Direito podem contribuir para o desenvolvimento de características específicas. Particularmente interessante foi o desempenho ruim e inesperado dos alunos do quarto ano de Medicina para definirem o termo “verdade científica”. A maioria o definiu como uma verdade que será alcançada por meio de pesquisa científica, enquanto um consenso de especialistas competentes era a resposta apropriada. De acordo com a graduação, a definição de verdade científica como um consenso entre especialistas parece ser mais óbvia aos alunos de Direito. Eles aparentemente perceberam que essas verdades são resumidas das proposições dos especialistas de uma determinada área e que a prova empírica dessas verdades é frequentemente impossível de ser obtida. Por outro lado, os alunos de Medicina parecem mais acostumados à experiência prática da pesquisa científica devido a necessidades específicas de seu curso. Talvez a experiência prática obtida durante os trabalhos do curso médico faça com que os alunos superestimem a significância da metodologia científica e não envolva o aluno em todos os estágios da produção científica. Corroborando essa ideia está o resultado de que os alunos de Medicina demonstraram mais confiança na interpretação de trabalhos científicos do que os alunos de Direito. Entretanto, os alunos de Medicina estavam menos confiantes para escreverem um trabalho científico em comparação com os alunos de Direito (Tabela 2). Portanto, embora os alunos de Medicina ganhem experiência e confiança em suas capacidades de interpretarem a literatura científica, a falta de experiência de redação é evidente ao final da graduação. Os alunos de Medicina que participaram deste trabalho estudaram com base no currículo Lecture Based Learning (LBL), e tem sido mostrado que o Problem Based Learning (PBL) leva a maior confiança para conduzir pesquisas e escrever artigos científicos, uma vez que esse método estimula o aprendizado independente(13).
Tabela 2 Facilidade dos estudantes de graduação para lidar com artigos e projetos científicos
Confiança dos estudantes | M1 n = 58 |
D1 n = 37 |
M4 n = 52 |
D4 n = 69 |
Teste do χ2 – valor p | |
---|---|---|---|---|---|---|
n (%) | ||||||
Sente seguro para interpretar um trabalho de pesquisa? | Não | 10 (17,2) | 5 (13,5) | 1 (1,9) | 4 (5,8) | p < 0,0001 |
Sim, com ajuda | 38 (65,5) | 28 (75,7) | 10 (19,2) | 22 (31,9) | ||
Sim | 10 (17,2) | 4 (10,8) | 41 (78,8) | 43 (62,3) | ||
Sente seguro para redigir um trabalho de pesquisa? | Não | 30 (51,7) | 17 (45,9) | 4 (7,7) | 9 (13) | p < 0,0001 |
Sim, com ajuda | 27 (46,6) | 20 (54,1) | 44 (84,6) | 44 (63,7) | ||
Sim | 1 (1,7) | - | 4 (7,7) | 16 (23,2) | ||
Pensa que alunos de graduação podem redigir um trabalho científico? | Não | 1 (1,7) | 1 (2,7) | 1 (1,9) | 3 (4,3) | ns |
Sim, com ajuda | 50 (86,2) | 31 (83,8) | 48 (92,3) | 54 (78,2) | ||
Sim | 7 (12,1) | 5 (13,5) | 3 (5,8) | 12 (17,4) | ||
Pensa que alunos de graduação podem elaborar um projeto de pesquisa? | Não | - | - | 2 (3,8) | 5 (7,2) | ns |
Sim, com ajuda | 52 (89,7) | 33 (89,2) | 47 (90,3) | 55 (79,7) | ||
Sim | 6 (10,3) | 4 (10,8) | 3 (5,8) | 9 (13) | ||
Pensa que alunos de graduação podem realizar um projeto de pesquisa? | Não | 4 (6,9) | - | 3 (5,8) | 10 (14,5) | ns |
Sim, com ajuda | 50 (86,2) | 33 (89,2) | 47 (90,4) | 51 (73,9) | ||
Sim | 4 (6,9) | 4 (10,8) | 2 (3,8) | 8 (11,6) |
As opiniões dos estudantes de graduação sobre interpretação, leitura e redação de artigos científicos, além de elaboração e realização de projetos de pesquisa estão mostradas como n (%). As respostas possíveis foram preparadas em uma escala, que representa nível de segurança: “não”, se não se sentem seguros; “sim, com ajuda”, se não se sentem completamente seguros e “sim”, caso se sintam completamente seguros. M1: estudantes de Medicina de primeiro ano; M4: estudantes de Medicina de quarto ano; D1: estudantes de Direito de primeiro ano; D4: estudantes de Direito de quarto ano. As frequências foram comparadas pelo teste do χ2. Um valor p < 0,05 foi considerado significativo.
ns: não-significativo.
Entretanto, os alunos do quarto ano de ambos os cursos sentiram-se mais capazes de interpretar e redigir trabalhos científicos sozinhos do que aqueles que acabaram de entrar na faculdade, demonstrando que o curso de graduação pode estimular a autoconfiança dos alunos, embora em grau limitado. Contudo, essa melhora não foi observada quanto à ideia de planejar e conduzir um projeto de pesquisa, demonstrando novamente que os alunos compreendiam apenas parcialmente o processo científico. Deve ser destacado nesse contexto que a pesquisa para os alunos é frequentemente compreendida como principalmente técnica, sem a necessidade de participação no seu desenho do estudo ou reflexão crítica dos seus métodos de processamento(4). De certa forma, isso pode refletir tempo insuficiente dedicado às atividades de pesquisa, uma vez que os currículos médicos demandam muito tempo, ou esse alcance científico parcial pode refletir o monitoramento inadequado. Além disso, as expectativas de remuneração com baixos salários no campo da pesquisa poderiam desestimular os alunos de Medicina a prosseguirem nas suas carreiras científicas; portanto, na graduação, eles não estão dedicando muito tempo à pesquisa e podem tender a mudar o enfoque aos interesses clínicos(2). Todos esses aspectos combinados podem limitar o recrutamento de possíveis cientistas que, de outra maneira, poderiam ser identificados por meio de suas experiências científicas positivas durante os seus cursos de graduação(11).
É essencial estimular o pensamento crítico e as capacidades de raciocínio, desenvolvendo uma atitude positiva entre os alunos para a pesquisa científica desde o início da carreira médica(11). Encorajar e motivar a pesquisa pelos alunos pode compensar a falta de cientistas médicos e ajudar os países em desenvolvimento a alcançarem a autoconfiança nos serviços de Saúde e pesquisa(14). Uma das limitações deste estudo é também um dos seus aspectos mais enriquecedores: as diferenças acentuadas envolvendo as áreas de estudo na Medicina e no Direito. A Medicina, nesse contexto, tem uma base científica mais sólida, fundamentada no paradigma tradicional das ciências naturais e, portanto, é mais guiada pelo rigor científico e precisão dos dados. Ao contrário, o Direito tem uma variedade mais ampla de possíveis interpretações; o parâmetro da objetividade não é o único a orientar a pesquisa.
Entretanto, apesar das diferenças epistemológicas, em ambas as áreas observou-se a importância da experiência científica na transição do conhecimento passivo e da prática desatenciosa para a sabedoria ativa e exercício crítico da profissão. Afinal, um bom domínio dos elementos gerais da pesquisa científica – incluindo o conhecimento de expressões –, a capacidade de escrever ou interpretar um artigo científico e conduzir a pesquisa científica podem ser vistos como ferramentas, se bem usadas, para a produção de excelentes resultados.
Os alunos de Medicina e Direito demonstraram um alto grau de desenvolvimento na compreensão de conceitos científicos teóricos e práticos ao longo do tempo, o que mostra a influência do treinamento universitário nesse processo. Esse efeito observado foi mais forte entre os alunos de Medicina e pode ser explicado pela maior exposição a atividades científicas relacionadas a este objetivo. A orientação de políticas específicas para a ciência é a base da ênfase observada no estudo da Medicina.
A graduação médica parece favorecer o desenvolvimento de maturidade científica crítica em comparação com a graduação em Direito. A existência de políticas específicas nas faculdades de Medicina é uma explicação razoável para a maior participação dos alunos em atividades científicas.