versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.5 São Paulo maio 2019 Epub 21-Fev-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190018
O uso de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) como o cardiodesfibrilador (CDI) e terapia de ressincronização cardíaca (TRC) - é cada vez maior. O número de eletrodos de estimulação e desfibrilação varia de acordo com o dispositivo. A colocação do eletrodo no ventrículo esquerdo aumenta o tempo cirúrgico podendo associar-se a maior morbidade no acompanhamento após alta hospitalar, evento muitas vezes confundível com a gravidade da patologia base.
Avaliar a taxa de internação não programada na emergência e óbito após cirurgia de dispositivos implantáveis estratificados pelo tipo de aparelho.
Estudo de coorte prospectivo analisando 199 pacientes submetidos à implante de dispositivos cardíacos. Os grupos foram divididos de acordo com o tipo de dispositivo: CDI (n = 124) e TRC (n = 75). Estimativas de probabilidades foram analisadas pelo método de Kaplan-Meier de acordo com o desfecho. Valor de p < 0,05 foi considerado significativo nas análises estatísticas.
A maioria da amostra era do sexo masculino (71,9%) - idade média de 61,1 ± 14,2. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi similar entre os grupos (TRC 37,4 ± 18,1 vs. CDI 39,1 ± 17,0; p = 0,532). A taxa de visita não programada na emergência relacionada ao dispositivo foi de 4,8% no grupo CDI e de 10,6% no grupo TRC (p = 0,20). A probabilidade de sobrevida relacionada ao dispositivo da variável “óbito” mostrou-se diferente entre os grupos (p = 0,008).
Paciente após o implante de TRC apresenta maior probabilidade de mortalidade após o procedimento cirúrgico no seguimento menor que 1 ano. A taxa de visita hospitalar não programada, relacionadas ou não ao implante, não difere entre os grupos.
Palavras-chave: Desfibriladores Implantáveis; Técnicas de Imagem de Sincronização Cardíaca; Dispositivos de Terapia de Ressincronização Cardíaca; Readmissão do Paciente; Mortalidade
The use of Cardiovascular Implantable Electronic Devices (CIED), such as the Implantable Cardioverter Defibrillator (ICD) and Cardiac Resynchronization Therapy (CRT), is increasing. The number of leads may vary according to the device. Lead placement in the left ventricle increases surgical time and may be associated with greater morbidity after hospital discharge, an event that is often confused with the underlying disease severity.
To evaluate the rate of unscheduled emergency hospitalizations and death after implantable device surgery stratified by the type of device.
Prospective cohort study of 199 patients submitted to cardiac device implantation. The groups were stratified according to the type of device: ICD group (n = 124) and CRT group (n = 75). Probability estimates were analyzed by the Kaplan-Meier method according to the outcome. A value of p < 0.05 was considered significant in the statistical analyses.
Most of the sample comprised male patients (71.9%), with a mean age of 61.1 ± 14.2. Left ventricular ejection fraction was similar between the groups (CRT 37.4 ± 18.1 vs. ICD 39.1 ± 17.0, p = 0.532). The rate of unscheduled visits to the emergency unit related to the device was 4.8% in the ICD group and 10.6% in the CRT group (p = 0.20). The probability of device-related survival of the variable “death” was different between the groups (p = 0.008).
Patients after CRT implantation show a higher probability of mortality after surgery at a follow-up of less than 1 year. The rate of unscheduled hospital visits, related or not to the implant, does not differ between the groups.
Keywords: Defibrillators, Implantable; Cardiac-Gated Imaging Techniques; Cardiac Resynchronization Therapy Devices; Patient Readmission; Mortality
No cenário da doença cardiovascular, pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida após infarto agudo do miocárdio apresentam maior risco de morte súbita relacionada a arritmia cardíaca. O uso de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) como o cardiodesfibrilador (CDI) tem se mostrado favorável na melhora das taxas de sobrevida neste perfil de paciente.1 A terapia de ressincronização cardíaca (TRC), também demonstra benefício na redução das taxas de hospitalização, na melhora da função ventricular bem como diminuição de mortalidade no contexto da insuficiência cardíaca (IC).2,3
Durante o implante dos DCEIs, de acordo com a indicação clínica, faz-se necessário o uso de um, dois ou até três eletrodos intracardíacos. Na TRC, a dificuldade de canulação do seio coronariano, ou a inexistência de ramo venoso adequado para tal fim, tende a aumentar a complexidade do ato cirúrgico, o que pode associar-se a maior morbidade no acompanhamento após alta hospitalar - situação muitas vezes atribuída ou confundida com a gravidade da doença base. Independente da via de implante utilizada para a estimação ventricular esquerda, sabemos que existe uma taxa de deslocamento e disfunção dos eletrodos de aproximadamente 5%4 após a cirurgia e a presença de um maior número de eletrodos faz com que a probabilidade de ocorrência desse tipo de evento torne-se mais elevada. Por outro lado, visitas não programadas a emergência relacionadas ao DCEI ocorrem, não necessariamente por causa dos eletrodos, em até 12% dos pacientes submetidos a essa forma de terapia.4,5 Dados locais que avaliam a taxa de visita hospitalar não programada relacionada ao implante de DCEI limitam-se a região sudeste, sem literatura recente englobando dados da região sul do país. O presente estudo visa contribuir com essa questão.
Estudo de coorte prospectivo unicêntrico desenvolvido em hospital cardiológico de alta complexidade do sul do Brasil.
Foram incluídos, de maneira consecutiva, pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, submetidos a implante de CDI ou TRC no período de fevereiro de 2014 a julho de 2015. Foram excluídas as trocas de geradores sem implante de eletrodos.
A coleta de dados foi realizada a partir do momento imediatamente anterior ao implante do dispositivo e, posteriormente, na ocasião dos atendimentos médicos na emergência. Os dados obtidos, registrados no prontuário eletrônico, foram exportados para banco de dados em formato Excel. As variáveis analisadas foram clínicas e relacionadas ao implante. As variáveis clínicas foram: (1) FEVE por ecocardiograma bidimensional (método de Teicholtz ou Simpson quando indicado); (2) etiologia da IC, definida como valvar, isquêmica ou não isquêmica. Em caso de mais de uma etiologia, foi selecionada aquela considerada como predominantemente responsável pelo quadro; (3) classe funcional do paciente, graduada de acordo com a classificação da New York Heart Association. As variáveis relacionadas ao implante do DCEI foram: (1) infecção da ferida operatória; (2) dor em ferida operatória; (3) necessidade de reposição dos eletrodos; (4) trombose venosa de membro superior; e (5) hematoma de loja do dispositivo.
O desfecho primário foi a ocorrência de visita hospitalar não programada relacionada ao implante do DCEI. Visitas decorrentes de piora ou progressão da IC também foram consideradas para esta análise. O desfecho secundário foi mortalidade por qualquer causa.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul, sob o número 4983/14.
A partir do armazenamento dos dados em planilhas Microsoft Excel, o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0 foi utilizado para as análises. Um valor de p bicaudal menor que 0,05 foi considerado significativo nas análises estatísticas. As variáveis contínuas com distribuição paramétrica foram expressas como média ± desvio padrão, enquanto as não paramétricas apresentadas como mediana e intervalo interquartílico. As comparações foram feitas com teste t de Student para amostras independentes nas variáveis com distribuição de tendência central e com teste de Mann-Whitney naquelas consideradas assimétricas. As variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas (n) e relativas (%) e comparadas com teste qui-quadrado. As estimativas de probabilidades foram calculadas pelo método de Kaplan-Meier com uso de long-rank. Não foi possível realizar uma análise multivariada por meio da Regressão de Cox devido à ausência de eventos ocorridos no grupo CDI, o que impossibilitou o cálculo do hazard ratio (HR).
No período do estudo foram realizadas 1.174 cirurgias para implante de dispositivos. Destas, 224 foram para CDI/TRC, sendo 25 exclusivamente para troca de gerador, excluídas da avaliação. A figura 1 demonstra o fluxograma de inclusão dos pacientes. A análise final foi realizada com 199 pacientes. A Tabela 1 demonstra as características da população avaliada. Houve maior prevalência do sexo masculino em ambos os grupos. A idade média foi similar, assim como a fração de ejeção. A miocardiopatia não isquêmica foi a etiologia mais prevalente em ambos os grupos. A maioria dos implantes foram realizados pelo Sistema Único de Saúde. Houve diferença estatisticamente significativa entre as classes funcionais, com maior percentual de pacientes em classe III em ambos os grupos. De todos os procedimentos, 57% foram para prevenção primária de morte súbita.
Figura 1 Fluxograma de inclusão dos pacientes no Estudo. DCEI: dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis. CDI: cardioversor desfibrilador implantável. TRC: terapia de ressincronização cardíaca.
Tabela 1 Características da amostra. Porto Alegre, RS
Variável | Total n = 199 | CDI n = 124 | TRC-P/D n = 75 | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Idade, anos* | 61,1 ± 14,2 | 61,1 ± 14,3 | 61,0 ± 14,2 | 0,963 |
Sexo, masculino† | 143(71,9) | 94(75,8) | 49(65,3) | 0,153 |
FEVE (%)* | 38,4 ± 17,4 | 39,1 ± 17,0 | 37,4 ± 18,1 | 0,532 |
Etiologia† | 0,043 | |||
Miocardiopatia não isquêmica | 116(58,3) | 66(53,2) | 50(66,7) | |
Miocardiopatia isquêmica | 79(39,7) | 56(45,2) | 23(30,7) | |
Etiologia valvar | 4(2) | 2(1,6) | 2(2,7) | |
Tipo de atendimento† | 0,349 | |||
SUS | 134(67,3) | 87(70,2) | 47(62,7) | |
Saúde suplementar | 65(32,7) | 37(29,8) | 28(37,3) | |
Classe Funcional | ||||
I | 39(19,5) | 32(25,8) | 7(9,3) | 0,007 |
II | 24(12) | 13(10,4) | 11(14,6) | |
III | 72(36,1) | 36(29) | 36(48) | |
IV | 31(15,5) | 21(16,9) | 10(13,3) |
*Dados apresentados em média ± desvio padrão;
†Frequência absoluta e relativa; CDI: cardiodesfibrilador implantável; TRC-P/D: ressincronizador cardíaco; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; SUS: sistema único de saúde.
Em relação aos desfechos, a taxa de visita não programada na emergência relacionada ao dispositivo foi de 4,8% no grupo CDI e 10,6% no grupo TRC (p = 0,20). A dor na ferida operatória mostrou-se a mais prevalente dentre as complicações relacionadas ao dispositivo (Tabela 2).
Tabela 2 Desfechos da população estudada. Visita não programada à emergência, relacionada ao dispositivo
Variável | Total n = 199 | CDI n = 124 | TRC-P/D n = 75 | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Visita não programada na emergência relacionada ao dispositivo* | 14(7%) | 6(4,8%) | 8(10,6) | 0,20 |
Complicações relacionadas ao dispositivo* | 0,45 | |||
Infecção da ferida operatória | 5(2,5%) | 2(1,6%) | 3(4%) | |
Dor na ferida operatória | 6(3%) | 2(1,6%) | 4(5,3%) | |
Reposição eletrodos | 1(0,5%) | 0 | 1(1,3%) | |
Trombose venosa membro superior | 1(0,5%) | 1(0,8) | 0 | |
Hematoma de loja | 1(0,5%) | 1(0,8) | 0 | |
Choque inapropriado | 2(1%) | 2(1,6%) | 0 | |
Mortalidade | 0,008 | |||
Relacionada ao implante do dispositivo | 0 | |||
Outras causas | 4(2%) | 0 | 4(5,3%) |
*Dados apresentados em frequência absoluta e relativa; CDI: cardiodesfibrilador implantável; TRC-P/D: ressincronizador cardíaco.
A Figura 2 demonstra a incidência do desfecho primário de sobrevida livre de visitas à emergência durante um período mediano de acompanhamento de 285 dias (p = 0,214). A incidência de visitas não programadas relacionadas a patologias clínicas (não relacionadas ao implante do dispositivo) também não diferiu entre os grupos sendo de 28,2% no grupo CDI e de 18,6% no grupo TRC (p = 0,17), incluindo-se as readmissões por IC, como mostra a tabela 3.
Nota: p = 0,214.
Figura 2 Estimativa de Kaplan-Meier da probabilidade de sobrevida de acordo com as visitas não programadas na emergência relacionadas ao dispositivo.
Tabela 3 Desfecho da população estudada. Visita não programada à emergência, não relacionada ao dispositivo
Total n = 199 | CDI n = 124 | TRC-P/D n = 75 | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Visita não programada na emergência, não relacionada ao dispositivo | 49(24,6%) | 35(28,2%) | 14(18,6%) | 0.17 |
AVE | 1(0,5%) | - | 1(1,3%) | 0,79 |
Cansaço | 1(0,5%) | 1(0,8%) | - | 0,43 |
Cefaléia/vertigem | 3(1,5%) | 3(2,4%) | - | 0,44 |
Distúrbios glicêmicos | 1(0,5%) | - | 1(1,3%) | 0,79 |
Dor MSE - não anginosa | 2(1%) | 2(1,6%) | - | 0,70 |
Dor torácica | 13(6,5%) | 9(7,2%) | 4(5,3%) | 0,81 |
Dor abdominal | 1(0,5%) | 1(0,8%) | - | 0,43 |
Insuficiência cardíaca | 18(9%) | 13(10,4%) | 5(6,6%) | 0,51 |
Isquemia aguda de membro inferior | 2(1%) | 2(1,6%) | - | 0,70 |
Mialgia - membros inferiores | 1(0,5%) | - | 1(1,3%) | 0,79 |
Náuseas/vômitos | 1(0,5%) | 1(0,8%) | - | 0,43 |
Pneumonia | 2(1%) | 1(0,8%) | 1(1,3%) | 0,71 |
Trombose venosa profunda | 1(0,5%) | 1(0,8%) | - | 0,43 |
Tromboembolismo pulmonar | 1(0,5%) | - | 1(1,3%) | 0,79 |
Herpes zoster | 1(0,5%) | 1(0,8%) | - | 0,43 |
* Dados apresentados em frequência absoluta e relativa; CDI: cardiodesfibrilador implantável; TRC-P/D: ressincronizador cardíaco; MSE: membro superior esquerdo; AVE acidente vascular encefálico.
A Figura 3 demonstra a curva de sobrevida de ambos os grupos. Ocorreram 4 óbitos no grupo TRC e nenhum no grupo CDI. Nenhum dos óbitos foi relacionado com o procedimento em si. As causas do óbito foram: 1 acidente vascular encefálico hemorrágico, 1 morte súbita domiciliar, 1 óbito por falência orgânica múltipla como complicação de endocardite infecciosa (esta, secundária a abscesso dentário, com diagnóstico 194 dias após o implante do dispositivo) e 1 por IC refratária.
A estimulação cardíaca artificial tem benefícios solidificados desde o seu implante inicial, em 1958, atravessando gerações em contínua evolução técnica e ampliando sua abrangência desde os distúrbios de condução atrioventricular até a redução de dissincronia. No entanto, ainda apresenta complicações em percentuais significativos a despeito de quase sessenta anos de existência. Atualmente, o volume de procedimentos para implante de DCEI apresenta taxas anuais crescentes, dadas a evolução tecnológica do método, a ampliação das indicações e maior número de pacientes elegíveis.6 Paralelamente, a maior longevidade das populações de abrangência constitui-se fator de risco não modificável para complicações a longo prazo. Tamanha mudança de cenário limita a comparação de dados atuais com a primeira era de estimulação, não só pela curva de evolução dos dispositivos, da técnica de implante e das alterações no fator populacional, mas também pela base de registros prévios - muitos apenas de complicações demandantes de intervenção cirúrgica. Ao longo dos anos, a variabilidade nas definições de complicações tornou-se mais homogênea - com o acréscimo da descrição de efeitos adversos de manejo conservador - e já estão superadas as imprecisões na definição temporal dos eventos, hoje dicotomizados como precoces ou tardios com o marco temporal de 2 meses.6-8 As séries atuais, muitas limitadas à revisão dos últimos 20 anos, apontam os primeiros sessenta dias como o período de maior incidência de complicações em taxas que oscilam em torno de 10%, em sua maioria.9,10
Este trabalho traz dados nacionais contemporâneos acerca da morbimortalidade após implante de CDI/CRT. Nosso hospital é um centro cardiológico terciário que realiza cerca de 1.000 implantes de dispositivos por ano. A incidência total de complicações relacionadas aos dispositivos foi de 7% no período estudado, semelhante à de outros estudos sobre o tema.11 Nossa amostra apresentou incidências de deslocamento de cabos, infecções e mortalidade de 0,5%, 2,5% e 2%, respectivamente.
Van Rees et al.,6 em uma revisão sistemática de 18 ensaios clínicos envolvendo implante de CDI/TRC, verificaram uma incidência de mortalidade de 2,7% após implante de CDI (0,6% se considerado somente aqueles sem toracotomia) e de 0,7% após TRC. A incidência de deslocamento de eletrodos foi de 1,8% no grupo CDI (sem toracotomia) e de 5,9% nos estudos com TRC. Hematomas de loja do dispositivo ocorreram em 2,4% daqueles com CDI e 2,2% com TRC, entretanto estes percentuais representaram somente casos que demandaram intervenção cirúrgica. Em nosso estudo não houve diferença entre os dispositivos na incidência de deslocamento de cabos, o que provavelmente deve-se à baixa incidência de ocorrência desta complicação em nossa amostra. A incidência de hematoma de loja do DCEI encontrada em nosso centro foi de 0,8% no grupo CDI e 0% no grupo TRC.
Quando comparado a outras coortes, também encontramos incidências semelhantes de complicações relacionadas aos DCEI. Em uma coorte de 1.929 pacientes as incidências de reintervenção cirúrgica por deslocamento de cabos de estimulação, de infecções e de mortalidade foram, respectivamente, 4,4%, 1,5% e 3,2%.9 Nossa coorte apresentou menor mortalidade e deslocamento de cabos, porém 1% a mais de incidência de sangramentos. Dentre os pacientes com TRC, a incidência de deslocamento de cabo foi de 5%, comparado a 1,3% em nossa coorte.
Um registro retrospectivo com 30.984 usuários do Medicare submetidos a implante de dispositivos constatou uma incidência de complicações maiores (deslocamento de cabo, tamponamento cardíaco, hemotórax e pneumotórax) de 4,26%, sem diferença entre TRC e CDI.12 Na mesma análise, o implante de CDI apresentou maior incidência de complicações mecânicas e infecções, ao passo que o implante de TRC apresentou maior incidência de hematoma e hemorragia - achados inversos aos identificados no nosso trabalho.
Em coorte prospectiva holandesa com 1.517 pacientes,4 as complicações precoces foram 9,2% e tenderam a redução após os primeiros 6 meses do implante; as principais, em ordem de frequência, foram relacionadas ao cabo 5,54% (sendo 3,34% de deslocamento), loja do dispositivo (4,75%, excluindo-se infecção), hematoma 2,9%, trauma local (2,77% - sendo pneumotórax 2,24%) e infecção de loja (0,64%). No período tardio, complicações de cabo mantiveram mesma proporção e complicações relacionados à loja reduziram, sobretudo nos subcomponentes de infecção e hematoma local. Não houve avaliação de implante de TRC e CDI, restringindo-se a amostra ao implante de marcapasso convencional. Ainda assim, as taxas de infecção e deslocamento de cabo foram superiores ao registrado no presente trabalho.
Uma análise do estudo PEOPLE13 (coorte prospectiva) avaliou 6.314 implantes de DCEI em 44 centros. Após 1 ano, ocorreram 633 mortes (10,1%), 548 (8,9%) complicações não-infecciosas e 42 infecções (0,56% em pacientes com primeiro implante de DCEI). Na análise multivariada, os fatores relacionados a maior risco de infecção foram a ocorrência de febre nas 24h anteriores ao implante, uso de marcapasso temporário e necessidade de reintervenção precoce. Nossa amostra verificou uma incidência de infecção de loja de marcapasso em 2,5% dos casos. A maior incidência, ainda que em conformidade com a literatura, pode dever-se ao fato de não termos avaliado quais eram os implantes de novo e de não termos coletado dados com relação ao uso de marcapasso temporário antes do procedimento.
Um registro polonês com 1.105 pacientes apontou taxas de infecção substancialmente menor comparado aos demais trabalhos recentes: 0,1% em 2 meses e 0,4% no seguimento tardio de 2,4 anos.14 Embora a profilaxia antimicrobiana seja fator bem estabelecido de proteção ao desfecho,15,16 o registro diferiu dos demais pelo uso estendido de profilaxia por período de 5 dias de tempo cirúrgico >1h ou condição de imunossupressão como diabetes, doença renal crônica, neoplasia ou idade acima de 75 anos. Por outro lado, percentuais de hematoma em loja do dispositivo foram maiores (6,1%), muito associadas à antiagregação plaquetária, terapia tripla ou, sobretudo, anticoagulação (presente em 56% dos pacientes). Se, por um lado, existe evidência de que a ocorrência de hematoma aumenta em 15 vezes o risco de infecção local,13 estudos prospectivos acerca da vigência de anticoagulação não mostram piores desfechos com sua manutenção no período peri-implante: ao contrário, apresentando redução de eventos.17,18 Em comparação direta entre as formas de estimulação, CDI e TRC não diferiram significativamente, embora taxas absolutas foram maiores no grupo CDI.
No presente trabalho, a diferença entre os grupos existiu nas proporções de etiologia isquêmica, maior no grupo CDI, e quanto à classe funcional, caracterizada por maiores proporções de classe I no grupo CDI e de classe III no grupo TRC. Dentre as internações não relacionadas ao dispositivo, a diferença na classe funcional não se traduziu por discrepância estatística nos percentuais de consulta não programada, seja em números absolutos ou na etiologia causal específica (Tabela 3). Embora sem óbitos registrados, o grupo CDI apresentou maior proporção de eventos importantes como dor torácica em cenário isquêmico, descompensação de IC e isquemia aguda de extremidades. Comparativamente a modelos preditores de mortalidade cardíaca na terapia de ressincronização,19,20 apenas 25% dos óbitos registrados apresentavam fração de ejeção inferior a 25% (especificamente 28, 20, 58 e 29%) e 75% utilizavam diuréticos de alça em doses de 80mg/dia ou mais. Disfunção contrátil ventricular direita, um importante fator associado à mortalidade, não foi algo de análise específica no presente estudo. Choques inapropriados, importante fonte e consultas em emergência, foram registrados em apenas 2 pacientes (14,28% das visitas relacionadas ao dispositivo) - ambos portadores de cardiodesfibrilador.
Em comparação com dados nacionais recentes,21 o presente trabalho mostrou grande diferença nas taxas de hematoma de loja, aparecendo em percentual bastante inferior na nossa coorte, porém maiores percentuais de readmissão não programada relacionada ao dispositivo (7% vs 3,6%). É importante ressaltar que o trabalho atual não contabilizou o implante de marcapassos sem função CDI ou TRC, situações que representaram a maioria dos pacientes candidatos inicialmente para seguimento (Figura 1) e que, de fato, foram incluídas em trabalho semelhante,21 desfavorecendo a comparação direta entre os achados. Cabe lembrar, adicionalmente, o fato das duas populações estudadas apresentarem percentuais muito distintos de pacientes em classe funcional I e II (84,8% contra 31,5% neste trabalho).
Dentre as principais limitações do trabalho, destaca-se o número amostral pequeno quando comparado às maiores séries, e o período de acompanhamento, que pode ter sido pequeno para alguns desfechos e impossibilita a comparação direta com as maiores coortes da literatura; análise de subgrupo do estudo MIRACLE-ICD,19 por exemplo, sugere que deslocamentos de cabo do ventrículo esquerdo tornam-se mais frequentes a longo prazo, portanto nosso tempo de seguimento pode ter subestimado a ocorrência desta complicação no grupo TRC.
Ainda, ressalta-se o fato de que os dados representam as práticas e os resultados de um único centro cardiológico do sul do Brasil, com as próprias limitações dos estudos unicêntricos quanto à extrapolação dos resultados. Em comparação com a literatura local recente,21 há diferenças metodológicas quanto à elegibilidade dos pacientes (sobretudo em função do tipo de dispositivo elegível para avaliação) e, consequentemente, diferenças consideráveis de classe funcional basal e função contrátil que limitam a comparação direta entre os trabalhos quanto aos preditores de readmissão.
A diferença entre etiologia e classe funcional entre os grupos também é fator a ser lembrado. Embora sem significância estatística nos percentuais de visita à emergência não programada, independente desta estar associada ou não ao procedimento, em seguimento de longo prazo as características populacionais poderiam levar a resultados diferentes, dada a cronicidade das doenças base e suas variadas formas de evolução temporal.
Os resultados evidenciaram que pacientes após implante de TRC, quando comparados à colocação de CDI, apresentam maior probabilidade de mortalidade no seguimento menor que 1 ano. Em contrapartida a taxa de visita hospitalar não programada relacionada ao implante não difere entre os grupos.