versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.9 Rio de Janeiro set. 2019 Epub 09-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018249.24692017
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendava que a ingestão de açúcares de adição deveria ser limitada ao máximo de 10% do valor energético total (VET) da dieta. Contudo, em 2015, a OMS sugeriu uma redução adicional, estabelecendo que a ingestão de açúcares de adição não deve ultrapassar 5% do VET1. Esses açúcares compreendem aqueles que foram extraídos de alimentos e posteriormente incorporados em preparações culinárias ou em produtos alimentícios produzidos pela indústria, como biscoitos, refrigerantes e doces2. Os açúcares mais frequentemente adicionados aos alimentos e produtos alimentícios são a sacarose (açúcar de mesa) e o xarope de milho com alto teor em frutose, produzido pela isomerização enzimática da glicose em frutose e que revolucionou a indústria de adoçantes e refrigerantes3.
No Brasil, entre os anos de 1987 e 2009, observou-se tendência de queda na aquisição domiciliar de açúcar de mesa, entretanto houve aumento significativo na aquisição de produtos ultraprocessados, que são densos em energia e basicamente compostos por açúcar, sódio e por gorduras totais e saturadas4. Em 16 anos (1987 a 2003), a dieta do brasileiro passou a ter mais açúcares oriundos dos ultraprocessados (de 17,4% para 35,5%), destacando-se o incremento da contribuição dos refrigerantes (200%) e dos biscoitos (100%) para o total de açúcares livres5. Nos Estados Unidos, quase 90% dos açúcares de adição provem dos produtos ultraprocessados, constando entre as principais fontes refrigerantes (17,1%), refrescos (13,9%) e biscoitos, bolos e tortas (11,2%); o açúcar de mesa totalizou 8,7% dos açúcares adicionados à dieta do norte-americano6.
No organismo humano, os açúcares são convertidos em energia por meio de reações que podem levar à depleção de vitaminas como a tiamina, niacina e riboflavina, necessárias para a oxidação da glicose7. A ingestão elevada de açúcares de adição favorece o desenvolvimento de agravos à saúde, incluindo carências nutricionais7, cárie dentária1, ganho de peso1,8,9, hipertensão arterial8,10, diabetes tipo 28,9,11, doenças cardiovasculares8-11, síndrome metabólica8 e doença hepática gordurosa não alcoólica8,12. Pesquisadores constataram que independentemente da síndrome metabólica, o consumo de refrigerantes aumenta a ocorrência de doença hepática gordurosa não alcoólica por razões relacionadas ao próprio metabolismo da frutose, e ao uso de aspartame e corante caramelo que promovem a resistência à insulina e inflamação12.
Medidas de saúde pública direcionadas à redução da quantidade de açúcares na dieta são extremamente necessárias para conter a epidemia de doenças crônicas não transmissíveis, mas encontram resistência frente à influência política e econômica exercida pela indústria de alimentos e países produtores13,14. No Brasil, o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA) discutem a elaboração de metas voluntárias e gradativas para diminuir o teor de açúcar nos alimentos processados, semelhantes aos acordos estabelecidos para a redução do sódio15. Sem dúvida, uma medida de grande relevância para a promoção da alimentação saudável e proteção da cultura alimentar do Brasil foi a publicação, em 2014, do novo Guia Alimentar para a População Brasileira. O Guia organiza os alimentos de acordo com a extensão e o propósito do seu processamento industrial, recomendando o uso moderado de açúcar como ingrediente culinário para o preparo de alimentos como doces caseiros de frutas, e alertando a população a evitar ao máximo os açúcares provenientes dos produtos ultraprocessados16.
Levando em conta o crescimento da ingestão de alimentos ricos em açúcares e sua relação com o desenvolvimento de doenças crônicas e a importância de avaliar a dieta dos adolescentes visando à prevenção de danos à saúde atual e futura, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de consumo de açúcares de adição e sua associação com variáveis demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à saúde e índice de massa corporal, em adolescentes de 10 a 19 anos, residentes no município de Campinas, São Paulo, Brasil.
Trata-se de estudo transversal de base populacional que utilizou dados do Inquérito de Saúde realizado entre 2008 e 2009 no município de Campinas (ISACamp), com pessoas não institucionalizadas e residentes na área urbana do município.
A amostra do inquérito foi selecionada por procedimentos de amostragem probabilística, por conglomerado e em dois estágios: setor censitário e domicílio. No primeiro estágio, foram sorteados 50 setores censitários com probabilidade proporcional ao tamanho, dado pelo número de domicílios do setor. No segundo estágio, procedeu-se o sorteio sistemático dos domicílios com base na lista atualizada em campo dos endereços dos setores sorteados.
O cálculo do número de pessoas para compor a amostra levou em conta uma estimativa de prevalência de 50% (corresponde à máxima variabilidade para a frequência dos eventos estudados), nível de confiança de 95%, erro de amostragem entre 4 e 5 pontos percentuais e um efeito de delineamento de 2, totalizando 1.000 pessoas em cada domínio de idade: adolescentes (10 a 19 anos), adultos (20 a 59 anos) e idosos (60 anos ou mais). Esperando uma taxa de resposta de 80%, o tamanho da amostra foi ampliado para 1.250. Para obter o tamanho desejado de amostra em cada domínio, foram sorteados de forma independente 2.150, 700 e 3.900 domicílios para entrevistas com adolescentes, adultos e idosos, respectivamente. Maiores detalhes sobre o processo amostral encontram-se publicados em Alves17.
Nesta pesquisa foram analisados os dados de adolescentes de ambos os sexos, que responderam o recordatório alimentar de 24 horas (R24h).
Entrevistadores treinados e supervisionados coletaram as informações por meio de um questionário organizado em blocos temáticos, testado em estudo piloto. O bloco temático sobre hábito alimentar incluiu o R24h, que foi aplicado no decorrer de um ano, em diferentes dias da semana e com o apoio de um álbum fotográfico para inquéritos dietéticos. O treinamento dos entrevistadores para o uso do R24h foi feito por uma nutricionista que monitorava a qualidade dos dados coletados, orientando a equipe no caso de possíveis falhas no preenchimento. As entrevistas domiciliares eram realizadas com todos os moradores do grupo etário selecionado para aquele domicílio.
A variável dependente foi o consumo de açúcares de adição em quantidade equivalente ao máximo de 5% do valor energético total da dieta. O teor de açúcares foi estimado pelo R24h.
Foi realizada a quantificação dos R24h com o propósito de transformar em gramas ou mililitros as quantidades de alimentos e preparações referidas em medidas caseiras. Para isto, foram utilizadas informações disponíveis em tabelas de medidas caseiras18,19, rótulos de alimentos e serviços de atendimento ao consumidor. O cálculo dietético dos alimentos ingeridos foi feito no software Nutrition Data System for Research, versão 2007 (NCC Food and Nutrient Database, University of Minnesota).
Como variáveis independentes foram consideradas:
Demográficas e socioeconômicas: sexo, faixa etária (em anos), naturalidade, escolaridade do chefe de família (em anos de estudo), renda familiar mensal per capita (em salários mínimos), número de equipamentos domésticos no domicílio (geladeira, freezer, máquina de lavar roupa, ar condicionado, aspirador de pó, entre outros), filiação à plano de saúde, e se frequenta a escola.
Comportamentos relacionados à saúde: tabagismo, ingestão de bebida alcoólica, tempo de tela (televisão e computador, em horas/dia), prática de atividade física (AF) no lazer, sendo classificados como ativos os adolescentes de 10-17 anos que praticavam ao menos 60 minutos diários de atividade física, pelo menos cinco dias na semana e os de 18-19 anos que realizavam ao menos 150 minutos semanais, distribuídos, no mínimo, por três dias20; Escore global do Índice de Qualidade da Dieta Revisado (IQD-R)21, categorizado em tercis de distribuição. O IQD-R é um instrumento adaptado e validado para a população brasileira, composto por 12 componentes: nove relativos a grupos de alimentos (Frutas totais; Frutas integrais; Vegetais totais; Vegetais verdes-escuros/alaranjados e leguminosas; Cereais totais; Cereais integrais; Leite e derivados; Carnes, ovos e leguminosas; Óleos), dois referentes a nutrientes (Sódio e Gordura saturada) e um que avalia o percentual energético oriundo das gorduras, saturada e trans, álcool e açúcar de adição (Gord_AA). Os componentes recebem pontuações que variam de zero (mínima) a 5, a 10 ou a 20 (máxima) dependendo do componente e do nível de ingestão dos itens alimentares. O IQD-R total corresponde a soma dos 12 componentes, variando entre zero (pior) e 100 pontos (melhor qualidade da dieta)21.
Índice de Massa Corporal (IMC): calculado com medidas referidas de peso e altura. Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, utilizou-se os pontos de corte de IMC para idade preconizados pela Organização Mundial da Saúde22: baixo peso IMC < percentil 3, eutrofia IMC entre os percentis ≥ 3 e ≤ 85, sobrepeso IMC entre os percentis > 85 e ≤ 97, e obesidade IMC > percentil 97.
Foram estimadas as prevalências do consumo de açúcares de adição referentes ao limite máximo de 5% da energia total da dieta. As associações com as variáveis independentes foram verificadas pelo teste de Rao-Scott, com nível de significância de 5%. Também foram calculadas razões de prevalência brutas e ajustadas por sexo e idade, e os intervalos de confiança de 95% (IC95%).
As variáveis que tiveram valor de p < 0,20 no teste de associação foram inseridas no modelo de regressão múltipla de Poisson, desenvolvido em duas etapas. Na primeira, entraram as variáveis demográficas e socioeconômicas e permaneceram no modelo aquelas com valor de p < 0,05. Na segunda etapa, foram acrescidas ao modelo as variáveis de comportamentos relacionados à saúde e IMC e mantiveram-se as que apresentaram nível de 5% de significância. As duas etapas do modelo foram ajustadas pela energia total da dieta (kcal)23.
As entrevistas foram digitadas em banco de dados elaborado com o uso do Epidata 3.1 (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca) e as análises estatísticas foram realizadas no programa Stata 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), no módulo svy, que permite incorporar os pesos de amostragem complexa utilizados no inquérito.
O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (sistema CEP/CONEP). Para os adolescentes menores de 18 anos, o termo de consentimento foi assinado pelos pais ou responsável.
Dos 929 adolescentes identificados nos domicílios sorteados, cinco se recusaram a responder o recordatório de 24 horas. Dessa forma, foram analisadas as informações de 924 indivíduos de 10 a 19 anos. A idade média para o conjunto da população foi de 14,1 anos (IC95%: 13,9-14,4).
A amostra apresentou proporções semelhantes de meninos (51,0%) e meninas, sendo maior a participação de adolescentes de 10 a 14 anos (54,9%). Os naturais do município de Campinas (75,8%) e os segmentos de menor renda (63,3%) e escolaridade do chefe da família (75,3%) representaram a maioria dos indivíduos avaliados. Compreenderam 65,7% da amostra os adolescentes que estudavam em escola pública, 79,0% os que não eram fisicamente ativos no lazer, 78,2% os que tinham maior tempo de tela (> 3 horas/dia) e 73,6% os que apresentavam baixo peso ou eutrofia (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição da amostra segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à saúde e índice de massa corporal (IMC) em adolescentes de 10 a 19 anos. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp, 2008-2009).
Variáveis e categorias | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 466 | 51,0 | 47,6 - 54,2 |
Feminino | 458 | 49,0 | 45,7 - 52,4 |
Total | 924 | 100,0 | |
Faixa etária (em anos) | |||
10-14 | 508 | 55,0 | 51,2 - 58,7 |
15-19 | 416 | 45,0 | 41,3 - 48,8 |
Naturalidade | |||
Campinas | 701 | 75,8 | 67,7 - 83,8 |
Outro município do estado de São Paulo | 104 | 11,4 | 7,7 - 15,0 |
Outro estado | 119 | 12,8 | 7,6 - 18,0 |
Escolaridade do chefe da família (anos) | |||
0-7 | 387 | 41,5 | 31,7 - 51,3 |
8-11 | 313 | 33,8 | 27,3 - 40,3 |
12 ou + | 213 | 24,7 | 16,0 - 33,2 |
Renda per capita (em salários mínimos) | |||
< 0,5 | 292 | 31,3 | 24,2 - 38,4 |
≥ 0,5-1 | 300 | 32,0 | 25,6 - 38,3 |
> 1 | 332 | 36,7 | 28,6 - 44,7 |
Frequenta a escola | |||
Não | 144 | 15,4 | 12,0 - 18,8 |
Sim, pública | 617 | 65,7 | 57,4 - 74,0 |
Sim, particular | 162 | 18,9 | 10,1 - 27,6 |
Atividade física em contexto de lazer | |||
Inativo / insuficiente ativo | 733 | 79,0 | 74,0 - 84,1 |
Ativo | 191 | 21,0 | 15,9 - 26,0 |
Tempo de tela (horas/dia) | |||
≤ 3 | 198 | 21,8 | 16,3 - 27,3 |
> 3 | 707 | 78,2 | 72,7 - 83,7 |
IMC (kg/m2) | |||
Baixo peso / eutrofia | 603 | 73,6 | 70,7 - 76,5 |
Sobrepeso / obesidade | 216 | 26,4 | 23,5 - 29,3 |
IC95%: intervalo de confiança de 95%.
O percentual de açúcares de adição representou 12,4% (IC95%: 11,6-13,1) do valor energético total da dieta dos adolescentes, atingindo 12,0% (IC95%: 11,1-12,9) nos meninos e 12,7% (IC95%: 11,9-13,7) nas meninas. As principais fontes de açúcares livres na alimentação foram: refrigerantes/refrescos/bebidas lácteas (54,8%), biscoitos (12,8%), doces (12,4), bolos/pães (9,9%), açúcar de mesa/mel (7,9%) e outros alimentos como salgados, pizzas e massas (2,2%) (dados não apresentados em tabela).
A prevalência de ingestão de açúcares de adição dentro do limite de 5% do total energético da dieta ocorreu em 20,1% dos adolescentes, mostrando-se maior nos segmentos de 15-19 anos, nos não naturais do Estado de São Paulo, nos que não possuíam plano médico de saúde e nos que não frequentavam a escola ou que estavam matriculados no ensino público. Por outro lado, as prevalências foram menores nos subgrupos de adolescentes com renda mensal acima de um salário mínimo, com 16 ou mais equipamentos domésticos e cujos chefes de família apresentavam 12 anos ou mais de estudo (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência e razão de prevalência (RP) de consumo de açúcares de adição dentro do limite máximo de 5% do valor energético da dieta, segundo variáveis demográficas e socioeconômicas em adolescentes de 10 a 19 anos. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp, 2008-2009).
Variáveis e categorias | n | Prevalência (IC95%) | RP (IC95%) | RP ajustada* (IC95%) |
---|---|---|---|---|
Sexo | p = 0,179 | |||
Masculino | 466 | 22,0 (17,3-27,4) | 1 | 1 |
Feminino | 458 | 18,2 (14,5-22,5) | 0,83 (0,62-1,09) | 0,82 (0,62-1,08) |
Total | 924 | 20,1 (16,8-23,9) | ||
Faixa etária (em anos) | p = 0,003 | |||
10-14 | 508 | 16,6 (13,2-20,8) | 1 | 1 |
15-19 | 416 | 24,3 (19,7-29,5) | 1,46 (1,14-1,86) | 1,46 (1,14-1,87) |
Naturalidade | p = 0,010 | |||
Campinas | 701 | 18,2 (14,8-22,1) | 1 | 1 |
Outro município do estado de São Paulo | 104 | 21,2 (15,1-28,9) | 1,17 (0,79-1,71) | 1,15 (0,78-1,70) |
Outro estado | 119 | 30,4 (21,1-41,7) | 1,67 (1,20-2,34) | 1,58 (1,13-2,21) |
Escolaridade do chefe da família (anos) | p = 0,036 | |||
0-7 | 387 | 21,8 (16,3-28,4) | 1 | 1 |
8-11 | 313 | 23,2 (18,5-28,6) | 1,06 (0,75-1,51) | 1,07 (0,76-1,51) |
12 ou + | 213 | 13,2 (9,0-18,8) | 0,60 (0,38-0,95) | 0,59 (0,38-0,92) |
Renda per capita (em salários mínimos) | p = 0,046 | |||
< 0,5 | 292 | 25,5 (19,7-32,3) | 1 | 1 |
≥ 0,5-1 | 300 | 20,4 (15,0-27,0) | 0,80 (0,56-1,13) | 0,81 (0,57-1,14) |
> 1 | 332 | 15,2 (10,7-21,3) | 0,60 (0,39-0,91) | 0,57 (0,38-0,87) |
Número de equipamentos no domicílio | p < 0,001 | |||
0-7 | 190 | 29,5 (21,7-38,7) | 2,17 (1,40-3,38) | 2,24 (1,45-3,44) |
8-15 | 468 | 20,3 (16,8-24,2) | 1,49 (1,05-2,12) | 1,55 (1,10-2,19) |
16 ou + | 265 | 13,6 (9,7-18,7) | 1 | 1 |
Posse de plano de saúde | p = 0,008 | |||
Sim | 310 | 14,4 (10,1-19,9) | 1 | 1 |
Não | 609 | 23,2 (19,1-27,8) | 1,61 (1,12-2,31) | 1,67 (1,17-2,39) |
Frequenta a escola | p = 0,012 | |||
Não | 144 | 27,8 (20,5-36,4) | 2,12 (1,25-3,61) | 1,87 (1,08-3,23) |
Sim, pública | 617 | 20,3 (16,6-24,7) | 1,55 (0,96-2,52) | 1,64 (1,03-2,61) |
Sim, particular | 162 | 13,1 (8,2-20,3) | 1 | 1 |
IC95%: intervalo de confiança de 95%; RP: razão de prevalência.
*RP ajustada por sexo e/ou faixa etária; p: Valor de p do teste do Qui-quadrado.
Na Tabela 3, observa-se que os adolescentes que utilizavam computador ou televisão mais do que três horas diárias, tinham uma ingestão mais elevada de açúcares de adição. Com o aumento dos escores de qualidade da dieta, observaram-se maiores prevalências de adequação ao limite máximo de 5% de açúcares, sendo quase sete vezes maior entre os adolescentes com dietas de melhor qualidade (tercil 3) em relação aos de pior qualidade (tercil 1).
Tabela 3 Prevalência e razão de prevalência (RP) de consumo de açúcares de adição dentro do limite máximo de 5% do valor energético da dieta, segundo variáveis de comportamentos relacionados à saúde e índice de massa corporal (IMC) em adolescentes de 10 a 19 anos. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp, 2008-2009).
Variáveis e categorias | n | Prevalência (IC95%) | RP (IC95%) | RP ajustada* (IC95%) |
---|---|---|---|---|
Tabagismo | p = 0,109 | |||
Nunca fumou | 882 | 19,6 (16,3-23,3) | 1 | 1 |
Ex-fumante / Fumante | 42 | 31,0 (17,4-49,0) | 1,58 (0,93-2,70) | 1,35 (0,77-2,36) |
Uso de bebida alcoólica | p = 0,118 | |||
Não bebe | 773 | 19,1 (15,8-22,9) | 1 | 1 |
Bebe | 146 | 25,4 (17,8-34,8) | 1,33 (0,93-1,88) | 1,11 (0,75-1,63) |
Atividade física em contexto de lazer | p = 0,126 | |||
Inativo / insuficiente ativo | 733 | 18,8 (15,2-23,0) | 0,75 (0,52-1,08) | 0,76 (0,51-1,13) |
Ativo | 191 | 25,1 (18,0-33,8) | 1 | 1 |
Tempo de tela (horas/dia) | p = 0,009 | |||
≤ 3 | 198 | 27,5 (21,2-34,8) | 1 | 1 |
> 3 | 707 | 17,7 (14,1-22,0) | 0,64 (0,46-0,88) | 0,68 (0,49-0,94) |
Escore de qualidade da dieta (tercil**) | p < 0,001 | |||
Tercil 1 | 307 | 5,5 (3,3-9,3) | 1 | 1 |
Tercil 2 | 308 | 17,7 (13,0-23,6) | 3,20 (1,92-5,30) | 3,24 (1,95-5,38) |
Tercil 3 | 308 | 37,2 (31,0-43,9) | 6,72 (4,03-11,19) | 6,86 (4,12-11,43) |
IMC (kg/m2) | p = 0,633 | |||
Baixo peso / eutrofia | 603 | 19,5 (15,7-23,8) | 1 | 1 |
Sobrepeso / obesidade | 216 | 20,6 (16,0-26,2) | 1,06 (0,83-1,35) | 1,13 (0,85-1,49) |
IC95%: intervalo de confiança de 95%; RP: razão de prevalência.
*RP ajustada por sexo e/ou faixa etária; p: Valor de p do teste do Qui-quadrado;
**Escores do IQD-R: Tercil 1 (18,68 a ≤ 48,76), Tercil 2 (> 48,76 a ≤ 59,50) e Tercil 3 (> 59,50 a 83,92).
Os resultados da análise de regressão múltipla de Poisson (Tabela 4) indicam que o atendimento ao limite aceitável de açúcares de adição na dieta foi superior nos indivíduos de 15-19 anos, nos do sexo masculino, nos não naturais do Estado de São Paulo, nos que possuíam menor número de equipamentos na residência, nos que destinavam menos tempo ao uso de TV e computador, e nos que tinham pontuações mais elevadas de qualidade da dieta.
Tabela 4 Modelo de regressão múltipla de Poisson. Inquérito de Saúde de Campinas (ISACamp, 2008-2009).
Variáveis e categorias | Primeira etapa RP ajustada* (IC95%) |
Segunda etapa RP ajustada** (IC95%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 1 | 1 |
Feminino | 0,69 (0,52-0,92) | 0,73 (0,55-1,00) |
Faixa etária (em anos) | ||
10-14 | 1 | 1 |
15-19 | 1,51 (1,18-1,94) | 1,59 (1,24-2,03) |
Naturalidade | ||
Campinas | 1 | 1 |
Outro município do estado de São Paulo | 1,15 (0,77-1,72) | 1,14 (0,74-1,76) |
Outro estado | 1,41 (1,03-1,93) | 1,39 (1,03-1,88) |
Número de equipamentos no domicílio | ||
0-7 | 1,93 (1,28-2,91) | 1,39 (0,89-2,17) |
8-15 | 1,46 (1,03-2,07) | 1,31 (0,91-1,89) |
16 ou + | 1 | 1 |
Tempo de tela (horas/dia) | ||
≤ 3 | 1 | |
> 3 | 0,74 (0,54-1,00) | |
Escore de qualidade da dieta (em tercil) | ||
Tercil 1 | 1 | |
Tercil 2 | 3,05 (1,86-5,01) | |
Tercil 3 | 5,72 (3,41-9,58) |
*Razão de prevalência (RP) ajustada por energia (kcal) e variáveis demográficas e socioeconômicas.
**RP ajustada por energia (kcal) e por todas as variáveis da primeira etapa.
Este estudo permitiu identificar que somente 20,1% dos adolescentes se enquadraram na recomendação da OMS de não exceder 5% da energia total da dieta com açúcares de adição. Determinados segmentos de adolescentes mostraram-se mais vulneráveis ao elevado consumo de açúcares, como as meninas, os que apresentam maior tempo de tela, os de melhor nível socioeconômico, os adolescentes mais jovens e os que tinham escores muito baixos de qualidade da dieta.
Dentre as limitações da presente pesquisa destaca-se que a aplicação de somente um recordatório de 24 horas (R24h) não reflete a ingestão habitual dos adolescentes, em razão da variabilidade do consumo24. Entretanto, o R24h é considerado um instrumento adequado para avaliar a ingestão média de alimentos e nutrientes quando aplicado em base populacional e nos diferentes dias da semana e meses do ano24. Outras limitações relacionadas ao R24h referem-se à dificuldade de recordar detalhadamente todos os alimentos ingeridos e a possibilidade de ocorrer subestimação ou superestimação do tamanho das porções, determinantes centrais da qualidade da informação. Para minimizar essa limitação, os entrevistadores do ISACamp foram devidamente treinados para a aplicação do instrumento e fizeram uso de álbum fotográfico25. Ainda, o desenho transversal do estudo não permite interpretar os achados como de causa e efeito.
A contribuição energética dos açúcares de adição atingiu 12,4% das calorias diárias, ficando em 12,0% nos meninos e 12,7% nas meninas. Esses resultados mostram-se inferiores ao valor encontrado por estudo nacional, que variou em torno de 20,0% no sexo masculino e 25,0% no feminino26. Também foram mais baixos que os 19% observado em estudo europeu (18,9% nos meninos e 19,9% nas meninas)27 e os 17,5% para meninos e 16,6% para meninas norte-americanos de 12-19 anos28. A menor contribuição energética verificada neste estudo poderia ser explicada por alguns fatores. No ERICA 2013-201426 foi adicionado 10 g de açúcar para cada 100 ml de bebida quando relatado o consumo habitual de açúcar, enquanto que no ISACamp atribuiu-se 5 g/100 ml. Em países desenvolvidos, o consumo de produtos ultraprocessados é mais elevado do que no Brasil4,6.
As principais fontes de açúcares na dieta dos adolescentes foram as bebidas adoçadas (54,8%), seguidas de biscoitos (12,8%), doces (12,4%), bolos/pães (9,9%) e açúcar de mesa/mel (7,9%). No Brasil, os alimentos que mais forneceram açúcares de adição para adolescentes foram os doces e sobremesas (41,0%), bebidas, incluindo refrigerante, sucos e refrescos (37,0%), e leite e derivados (10,0%)29. Na Europa, foram as bebidas açucaradas, doces, açúcar/mel/geleia e o chocolate que mais contribuíram com açúcares livres na alimentação dos adolescentes27. O aumento da ingestão de refrigerantes e outras bebidas açucaradas configura-se uma preocupação mundial8,12. A mudança no padrão de consumo foi bastante intensa no Brasil, onde, de 1974 a 2003, a participação dos refrigerantes no total de calorias cresceu 400,0%30. Em adolescentes de escolas públicas de Niterói, Rio de Janeiro, entre 2003 e 2008, houve acréscimo na prevalência de consumo de bebidas adicionadas de açúcar (de 81,0% para 86,0%), incluindo leite achocolatado (37,0% para 44,0%), suco processado (22,0% para 25,0%) e bebidas à base de xarope de guaraná (25,0% para 33,0%); o refrigerante destacou-se como a maior fonte de energia da dieta nos dois momentos avaliados31. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem atuado para a redução do consumo de açúcares, limitando em duas porções por semana (110 kcal/porção) a oferta de doces/preparações doces no cardápio escolar32 e proibindo a comercialização destes produtos nas cantinas de escolas públicas e privadas33.
Verificou-se maior ingestão de açúcares de adição no sexo feminino. No Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA 2013-2014), realizado com adolescentes de 12-17 anos, a contribuição do açúcar livre sobre a energia total da dieta chegou a 25,0% nas meninas e 22,0% nos meninos, ultrapassando o dobro do limite máximo adotado pelo Ministério da Saúde (< 10%)26. Em adolescentes europeus, os açúcares de adição representaram 18,9% da energia total do sexo masculino e 19,9% do feminino (p < 0,001)27. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) indicam que as meninas apresentavam proporções superiores de consumo regular (≥ 5 dias na semana) de guloseimas (58,4% versus 42,6%) e biscoitos doces (35,8% versus 31,1%), e proporção similar no consumo de refrigerante (36,6% no sexo feminino e 37,9% no masculino)34. Em adolescentes de ambos os sexos, análises do Inquérito Nacional de Alimentação (INA 2008-2009) mostram que 54,0% da disponibilidade domiciliar de energia era oriunda de produtos alimentícios com alto teor de gorduras sólidas e açúcares29.
A ingestão de açúcares de adição mostrou-se menor nos adolescentes entre 15 e 19 anos, revelando uma prevalência 51,0% maior de atendimento à recente recomendação da OMS. Mudanças comportamentais, como a omissão de refeições e a preocupação com o peso corporal, podem explicar, em parte, a observada diminuição do consumo de açúcares. Entre os participantes do ERICA 2013-2014, a prevalência de não realizar o café da manhã passou de 20,1% (IC95%: 18,8-21,6) no segmento de 12-14 anos para 24,0% (IC95%: 22,5-25,7) no de 15-17 anos35. No Inquérito de Saúde de Campinas, entre os adolescentes eutróficos, a insatisfação com o peso foi de 43,7% (IC95%: 37,9-49,8), alcançando uma razão de prevalência de 1,4 (IC95%: 1,1-1,7) na faixa de 15-19 anos, comparada à de 10-14 anos36.
Menor consumo de açúcares foi verificado entre os não naturais do Estado de São Paulo. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), a participação dos açúcares de adição no total energético da dieta revelou-se maior na região Sudeste (18,1%) e menor nas regiões Norte (13,0%), Nordeste, Sul (16,3%) e Centro-Oeste (16,7%)5. Quanto ao consumo de itens alimentares por macrorregiões do Brasil, Souza et al.26 encontraram variações importantes nas prevalências de refrigerantes (em torno de 40% no Norte e Nordeste a 51,2% no Sul), sucos (46,4% no Sul a 59,7% no Nordeste), doces e sobremesas (23,2% no Norte, 33,4% no Nordeste a 45,9% no Sul) e biscoitos doces (16,6% no Norte, 25,1% no Sudeste a 32,2% no Nordeste). O consumo inferior de açúcares de adição entre os não naturais do estado em que residem poderia ser explicado pelo menor acesso aos produtos alimentícios processados e ultraprocessados, em decorrência de pior condição socioeconômica, ou pela possível conservação da cultura alimentar.
Este estudo demonstrou que o número de bens domésticos, que é um indicador de nível socioeconômico, esteve associado ao aumento da ingestão de açúcar livre. Os resultados da PeNSE 2009 apontam um crescimento significativo do consumo regular (≥ 5 dias/semana) de refrigerantes, guloseimas e biscoitos doces com o incremento do escore de bens e serviço, um indicador composto por bens de consumo, presença de banheiro interno e empregada doméstica na residência34. No Brasil, a contribuição calórica de açúcares adicionados em itens como refrigerantes, doces, biscoitos e bebidas lácteas, avançou de 17,4% no final da década de 1980 para 35,5% em 2002-20035. Apenas entre dois períodos de realização da POF (2002-03 e 2008-09), a participação dos alimentos ultraprocessados no total de energia domiciliar subiu quase cinco pontos percentuais (20,8% para 25,4%), aumentando significativamente com a melhora da renda4. Nos países emergentes, em quatro décadas (1963 a 2003), houve um acréscimo de 127% das calorias provenientes do açúcar, mudança relacionada a uma ampla gama de fatores como urbanização, crescimento econômico, marketing, abertura de mercado para a importação e expansão das corporações transnacionais de alimentos, e a globalização dos sistemas alimentares, que reflete a substituição de alimentos tradicionais e saudáveis por fast-foods14.
A prevalência de ingestão de açúcares de adição dentro do limite máximo de 5%, apresentou-se inferior entre os adolescentes com maior tempo de tela. Na edição da PeNSE 2012, o hábito de assistir televisão por duas ou mais horas diárias foi referido por 78,6% (IC95%: 77,9-79,3) dos participantes, e o de comer em frente à TV por 64,0% (IC95%: 60,7-67,2), ambos sem diferença entre os sexos37. Utilizando informações da PeNSE 2009, Camelo et al.38 constataram que assistir TV por mais de 2 horas/dia aumentava significativamente as chances (odds ratio-OR) de ingestão regular de alimentos não saudáveis, como guloseimas (OR = 1,50; IC95%: 1,40-1,61), refrigerantes (OR = 1,34; IC95%: 1,26-1,43), biscoitos doces (OR = 1,46; IC95%: 1,35-1,57) e embutidos (OR = 1,42; IC95%: 1,29-1,56), produtos amplamente veiculados pela propaganda de alimentos. Em estudo de coorte conduzido na Nova Zelândia, 61% das crianças e adolescentes (5 a 15 anos) ficavam mais de duas horas assistindo TV, comportamento ao qual foi atribuído 17% do sobrepeso, 15% de prejuízos na capacidade cardiorrespiratória, 15% do colesterol elevado e 17% do tabagismo, aos 26 anos de idade39.
Adolescentes com pontuações superiores de qualidade da dieta apresentaram maiores prevalências de atendimento à recomendação de limitar a ingestão de açúcares de adição em até 5% das calorias diárias. Utilizando dados da POF 2008-09, Louzada et al.40 verificaram que a fração da dieta referente ao grupo de alimentos in natura ou minimamente processados continha menos açúcar livre e gorduras saturada e trans, e mais fibras alimentares, proteína e potássio, em relação à fração correspondente aos ultraprocessados.
O presente estudo identificou os aspectos epidemiológicos da prevalência de consumo de açúcares de adição em adolescentes, estimada com base na recomendação da Organização Mundial da Saúde de reduzir a quantidade de açúcares livres para até 5% do total de calorias da dieta. Os segmentos mais vulneráveis à elevada ingestão de açúcares foram as meninas, os que despendiam maior tempo de tela e os que tinham pior qualidade global da dieta. Esses achados evidenciam uma simultaneidade de comportamentos inadequados, e podem subsidiar a elaboração de estratégias direcionadas à promoção da saúde e a adoção de mudanças positivas no estilo de vida, incluindo a alimentação saudável, a prática de exercícios físicos e as relações sociais e familiares. O Guia Alimentar para a População Brasileira16 e a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: recomendações para estados e municípios41 representam importantes instrumentos para direcionar comportamentos alimentares saudáveis e prevenir/controlar a obesidade e outras doenças crônicas.