versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.2 Rio de Janeiro 2019 Epub 25-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0228
Os medicamentos representam instrumentos de saúde relevantes, que visam reduzir o sofrimento e interromper o processo de adoecimento, além de, contribuírem com melhoria na qualidade de vida dos indivíduos em condições crônicas.1 Os avanços científicos e tecnológicos, obtidos nas últimas décadas no campo da saúde, tornaram essencial o uso de medicamentos para o tratamento e prevenção das doenças2. Ao mesmo tempo, é possível considerar o consumo adequado dos medicamentos como uma tecnologia altamente custo-efetiva, pois pode contribuir, de modo significativo, no cuidado e assistência à saúde da população.3
Nos últimos anos, tem se observado um interesse crescente sobre a utilização de medicamentos pela população, bem como, os fatores associados a essa prática. Esse interesse pode ser justificado pelo uso crescente de medicamentos nos diferentes extratos sociais, pela ampliação de políticas públicas voltadas para o acesso aos medicamentos e pela complexidade do mercado farmacêutico.4 Inquéritos epidemiológicos indicam que o consumo de medicamentos pode ser influenciado por sexo, idade, renda, autopercepção de saúde, diagnóstico de doença crônica, filiação a plano de saúde, número de consultas médicas.5,6
Os estudos de utilização de medicamentos atendem a importantes fins como: descrição de padrões de uso de medicamentos, avaliação dos efeitos de medidas educativas, detecção de uso inadequado, estimativa das necessidades de medicamentos de uma sociedade, entre outros.7 Os dados gerados por essas pesquisas podem nortear a integralidade do cuidado e as ações de promoção à saúde, sobretudo à nível de atenção primária à sáude.8 O conjunto de elementos que caracterizam o consumo de fármacos possibilita, também, avaliar e aprimorar as políticas e programas voltados à promoção do uso racional de medicamentos.9
Esse uso racional envolve um conjunto de atores que influencia de forma direta e indireta a promoção do uso adequado de medicamentos. Os atores envolvidos nesse contexto são o Estado, o mercado farmacêutico, os profissionais de saúde e o usuário do serviço de saúde.10 Nesse contexto, o consumo de medicamentos também deve ser repensado na atenção à saúde. Os campos de atenção básica são cenários do atendimento à saúde, incluindo as unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF), e devem realizar a promoção de saúde e prevenção de doenças. As equipes multi e interdisciplinares na ESF devem contribuir com a promoção do uso racional de medicamentos.11 Dessa forma, o presente estudo buscou avaliar a prevalência e os fatores associados ao consumo de medicamentos por usuários de uma ESF.
Trata-se de um estudo seccional de base ambulatorial realizado na área de abrangência de uma Unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) da cidade de Rondonópolis, Mato Grosso, localizada a 215 Km da capital Cuiabá, ao Sul do estado. Rondonópolis conta, atualmente, com a população estimada de 222.316 habitantes.12
A população deste estudo foi constituída por todos os moradores adultos, com idade igual ou superior a 18 anos da área de abrangência da ESF Vila Cardoso. Essa unidade foi escolhida por ser o local de atuação dos pesquisadores do projeto que são vinculados ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis.
Os dados foram coletados no período compreendido entre julho de 2015 a abril de 2016, por meio de visitas domiciliárias, sendo incluídas todas as residências da área de abrangência da unidade. Foram consideradas perdas os moradores não encontrados em até três tentativas de contato feitas em horários e dias da semana diferentes. Os pesquisadores responsáveis pela coleta de dados receberam treinamento para realizar as entrevistas domiciliárias. Foi realizado um estudo piloto com a finalidade de testar a adequação do questionário e os procedimentos propostos. Foi utilizado um instrumento do tipo formulário semiestruturado composto por 21 questões referentes aos aspectos sociodemográficos, condições de saúde e consumo de medicamentos. O nível econômico foi classificado segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP).13
No momento da coleta de dados, os participantes informaram quais foram os medicamentos em uso, sendo considerado um período recordatório de sete dias.5 Com o objetivo de se evitar esquecimento, omissão ou confundimento e, consequentemente, assegurar a veracidade dos produtos farmacêuticos informados foi solicitado aos pesquisados que apresentassem a embalagem, receita, bula ou blister dos medicamentos consumidos.14 Foi considerado polifarmácia o uso concomitante de cinco ou mais medicamentos nos últimos sete dias.15
Os princípios ativos presentes em cada especialidade foram listados e organizados de acordo com a classificação Anatomical Therapeutical Chemical (ATC)16, elaborada pelo Nordic Councilon Medicines e recomendada pela Drug Utilization Research Group (DURG) da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os estudos de utilização de medicamentos. Os medicamentos que apresentavam mais de um princípio ativo foram listados na classe terapêutica do principal componente; medicamentos com diferentes ações farmacológicas foram classificados de acordo com sua indicação terapêutica.5
Todos os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido sendo informados dos objetivos, riscos, benefícios e da confidencialidade dos dados coletados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Júlio Muller sob o protocolo de número de Parecer: 1.113.303.
A variável dependente deste estudo foi o consumo de medicamentos. As variáveis independentes foram sexo, idade, escolaridade, situação de trabalho, nível socioeconômico autopercepção de saúde, acamado no último mês, consulta com médico nos últimos três meses, internação hospitalar nos últimos 12 meses e doença diagnosticada. As informações foram duplamente digitadas nos bancos de dados, que após validação, gerou o banco de dados definitivo. Para o estudo das associações empregou-se razões de prevalência bruta e ajustada, utilizando-se a regressão de Poisson simples e múltipla com variância robusta, respectivamente. Todas as variáveis que apresentaram p < 0,20 foram incluídas no modelo de regressão múltipla, ajustadas pelas variáveis de confundimento faixa etária e sexo. A significância estatística das razões de prevalências obtidas nos modelos de regressão de Poisson foi avaliada pelo teste de Wald. Para análise dos dados utilizou-se o programa Stata 12.0 (StataCorp LP, CollegeStation, Estados Unidos).
Participaram da pesquisa 553 indivíduos, sendo 72,7% do gênero feminino e a faixa etária variou de 18 a 92 anos, com idade média de 48 anos. No que diz respeito ao nível de escolaridade, 55,9% estudaram até o primeiro grau completo. Os usuários que disseram não trabalhar, aposentados e pensionistas formaram um grupo correspondente a 60,2% dos entrevistados. A maioria (70%) dos participantes do estudo foi classificada no estrato B e C da classificação da ABEP. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas, de saúde e de uso de serviços de saúde da população em estudo.
Tabela 1 Características sociodemográficas, de saúde e de uso de serviços de saúde dos usuários cadastrados em uma ESF. Rondonópolis, MT. (2016)
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Homens | 151 | 27,3 |
Mulheres | 402 | 72,7 |
Idade em anos | ||
18-59 | 403 | 72,9 |
≥60 | 150 | 27,1 |
Escolaridade | ||
Analfabeto/1° grau incompleto ou completo | 309 | 55,9 |
2° grau incompleto ou completo /superior | 244 | 44,1 |
Situação de trabalho | ||
Aposentado/pensionista/não trabalha | 333 | 60,2 |
Trabalha | 220 | 39,8 |
Nível Econômico* | ||
>Classes A e B | 166 | 30,0 |
Classes C e D | 387 | 70,0 |
Autopercepção de saúde | ||
>Muito bom/bom | 319 | 57,7 |
>Regular/ruim | 234 | 42,3 |
Acamado no último mês | ||
Sim | 56 | 10,1 |
Não | 497 | 89,9 |
Consulta nos últimos 3 meses | ||
Sim | 337 | 60,9 |
Não | 216 | 39,1 |
Internação hospitalar no último ano | ||
Sim | 76 | 18,7 |
Não | 477 | 86,3 |
Morbidade diagnosticada | ||
Sim | 284 | 51,4 |
Não | 269 | 48,6 |
*Classificação segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)
Como pode ser evidenciado na Tabela 1, 57,7% dos moradores da área de abrangência da ESF consideraram seu estado geral de saúde bom ou muito bom; 89,9% não estiveram acamados nos 30 dias anteriores à pesquisa; 86,3% negaram internação hospitalar no último ano; 60,9% informaram consulta médica nos últimos 3 meses e 51,4% afirmaram ter alguma doença diagnosticada.
A prevalência de consumo de medicamentos foi de 74,9 %, sendo identificados 940 fármacos. Polifarmácia foi verificada em 59 (10,7%) usuários.
Na análise bivariada encontrou-se associação de alguns fatores sociodemográficos e condição de saúde com o uso de medicamentos (Tabela 2). De acordo com os resultados, apresentaram maiores prevalências de consumo os indivíduos do sexo feminino, idosos (≥ 60 anos), indivíduos com menor nível de escolaridade (analfabeto/1° grau incompleto ou completo), economicamente inativos (aposentado/pensionista/não trabalha), que autorreferiram apresentar diagnóstico de morbidade, ter uma saúde regular/ruim, que estiveram recentemente acamados e em consulta médica (p<0,05).
Tabela 2 Razão de prevalênciabruta do consumo de medicamentos, segundo aspectos sociodemográficos, indicadores de condições de saúde e de acesso aos serviços de saúde de usuários cadastrados em uma ESF. Rondonópolis, MT. (2016)
Variáveis | RP Bruta | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 1,00 | 1,10 - 1,46 | 0,001 |
Feminino | 1,27 | ||
Idade em anos | |||
18-59 anos | 1.00 | 1,19 - 1,43 | <0,001 |
≥60 anos | 1,30 | ||
Escolaridade | |||
Analfabeto/1°grau completo ou incompleto | 1,00 | 0,76 - 0,95 | 0,004 |
2° grau completo ou incompleto/superior | 0,85 | ||
Situação de Trabalho | |||
Aposentado/pensionista/não trabalha | 1,26 | 1,12 - 1,41 | <0,001 |
Trabalha | 1,00 | ||
Nível Econômico | |||
Classes A e B | 1,00 | 0,94 - 1,17 | 0,409 |
Classes C e D | 1,05; | ||
Autopercepção de saúde | |||
Muito bom/bom | 1,00 | ||
Regular/ruim | 1,21 | 1,09 - 1,34 | <0,001 |
Acamado no último mês | |||
Sim | 1,25 | 1,11 - 1,40 | <0,001 |
Não | 1,00 | ||
Consulta nos últimos 3 meses | |||
Sim | 1,09 | 0,96 - 1,25 | 0,195 |
Não | 1,00 | ||
Internação hospitalar no último ano | |||
Sim | 1,26 | 1,12 - 1,42 | <0,001 |
Não | 1,00 | ||
Morbidade diagnosticada | |||
Sim | 1,88 | 1,67 - 2,14 | <0,001 |
Não | 1,00 |
IC95%: Intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência
Após controle dos fatores de confusão por regressão logística, as variáveis que permaneceram associadas significativamente foram sexo, doença diagnosticada e acamado no último mês (Tabela 3). Mulheres (RP: 1,21, IC 95%: 1,07 - 1,38), indivíduos com diagnóstico de morbidade (RP: 1,83, IC 95%: 1,61 - 2,08) e participantes que estiveram acamados no último mês (RP: 1,14, IC 95%: 1,02 - 1,26) apresentaram maiores prevalências de uso de medicamentos.
Tabela 3 Modelo de regressão múltipla de Poisson para consumo de medicamentos de usuários cadastrados em uma ESF. Rondonópolis, MT. (2016)
Variáveis | RP ajustada* | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 1,00 | ||
Feminino | 1,21 | 1,07 - 1,38 | 0,002 |
Faixa etária | |||
18-59 anos | 1,00 | ||
≥ 60 anos | 1,04 | 0,96 - 1,12 | 0,372 |
Morbidade diagnosticada | |||
Sim | 1,83 | 1,61 - 2,08 | <0,001 |
Não | 1,00 | <0,001 | |
Acamado no último mês | |||
Sim | 1,14 | 1,02 - 1,26 | 0,015 |
Não | 1,00 |
IC95%: Intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência *Todos os valores ajustados pelas variáveis do modelo, inclusive faixa etária e sexo.
Os medicamentos que atuam no sistema cardiovascular (42,2%), sistema nervoso (19,9%) e sistema músculo esquelético (13%) foram os mais consumidos. As subclasses terapêuticas mais utilizadas foram dos fármacos que agem sobre o sistema renina-angiotensina, diuréticos e anti-inflamatórios e antirreumáticos (Tabela 4).
Tabela 4 Distribuição dos medicamentos usados nos últimos sete dias, segundo classificação ATC, de usuários de uma Estratégia de Saúde de Família. Rondonópolis, MT. (2016)
Classe terapêutica | n | Total | % |
---|---|---|---|
A – Aparelho digestivo e metabolismo | 115 | 12,2 | |
A10 – Medicamentos usados na diabetes | 56 | ||
A02 – Antiácidos, medicamentos para tratamento da úlcera péptica e da flatulência | 23 | ||
A11 – Vitaminas Outros | 16 | ||
Outros | 20 | ||
B – Sangue e órgãos hematopoiéticos | 20 | 2,1 | |
B03 – Preparados antianêmicos | 10 | ||
B01 – Medicamentos antitrombóticos | 6 | ||
Outros | 4 | ||
C – Aparelho cardiovascular | 397 | 42,2 | |
C09 – Agentes que atuam sobre o sistema renina-angiotensina | 130 | ||
C03 – Diurético | 105 | ||
C02 – Anti-hipertensores | 55 | ||
C10 – Hipolipemiantes | 25 | ||
Outros | 82 | ||
G –Aparelho genito-urinário e hormônios sexuais | 24 | 2,5 | |
G03 – Hormônios sexuais e moduladores do sistema genital | 24 | ||
H –Preparados hormonais sistêmicos, excluindo hormônios sexuais | 20 | 2,1 | |
H03 – Terapêutica tiroidea | 17 | ||
Outros | 3 | ||
J – Anti-infecciosos gerais para uso sistêmico | 21 | 2,2 | |
J03 – Antibacterianos para uso sistêmico | 17 | ||
Outros | 4 | ||
M – Sistema músculo esquelético | 122 | 13,0 | |
M01 – anti-inflamatórios e antirreumáticos | 109 | ||
Outros | 13 | ||
N – Sistema nervoso | 187 | 19,9 | |
N02 – Analgésicos | 82 | ||
N05 – Psicolépticos | 43 | ||
N06 – Psicoanalépticos | 24 | ||
Outros | 38 | ||
Outros | 34 | 3,6 | |
D – Medicamentos dermatológicos | 11 | ||
L – Agentes neoplásicos e imunomoduladores | 4 | ||
R – Sistema respiratório | 14 | ||
S – Órgãos sensitivos | 5 | ||
TOTAL | 940 | 100 |
Os participantes foram questionados sobre quais eram os profissionais que procuravam no caso de dúvidas em relação ao uso de medicamentos, a maioria informou o médico (44,3%) e o farmacêutico (36,5%). Sobre a compra ou obtenção dos fármacos, 72,7% informaram utilizar as farmácias públicas.
Estudos epidemiológicos de base populacional podem fornecer um retrato real do perfil de uso de medicamentos, sendo úteis para nortear ações locais, políticas públicas e também novas pesquisas na área.2A frequência de consumo de medicamentos na população estudada foi de 74,9 %, resultado semelhante ao observado em Florianópolis, SC (76,5%)10, todavia, esses valores são superiores aos dados nacionais que apontam para uma prevalência de 50,7% na população brasileira e de 51,8% na Região Centro-Oeste .17 A utilização de medicamentos observada neste estudo, também foi superior a pesquisas desenvolvidas em Fortaleza, CE (49,7%2)6, Pelotas, RS (65,9%)18 e em Ponta Grossa, PR (67,1%).5
É importante destacar algumas limitações desta pesquisa, como o fato de incluir os usuários da área de abrangência de uma única ESF, assim, um estudo futuro de base populacional deverá ser realizado. Analisou-se o consumo de medicamentos nos últimos sete dias, todavia, apesar desse procedimento ser bastante frequente em estudos epidemiológicos, as comparações com outras pesquisas devem sempre levar em consideração que os dados podem diferir segundo o período recordatório de uso.2 Somado a esses fatores, deve-se levar em consideração que nos estudos seccionais, a captação da informação sobre todas as variáveis é simultânea, e sua maior limitação é a ausência de garantias sobre a relação temporal entre as exposições e os desfechos. Tal limitação é, em parte, compensada pela replicação das estimativas nos sucessivos estudos, o que fortalece a validade dos resultados.19
Nessa investigação, observou-se associação entre consumo de medicamentos e sexo feminino, corroborando com outros inquéritos epidemiológicos nacionais.17,20-22 Vários fatores tornam as mulheres mais propensas ao uso de fármacos, dentre eles, o uso exclusivo de contraceptivos, sua maior preocupação com a saúde, os cuidados de saúde com os membros da sua família e a maior procura por serviços de saúde.20 Os programas específicos voltados à saúde da mulher como o pré-natal, prevenção de câncer do colo uterino e mama contribuem para que os serviços de saúde prestem mais assistência a essa parcela da população.4
Os idosos da ESF em estudo apresentaram maiores prevalências de uso de medicamentos. Estudos populacionais desenvolvidos no Brasil mostram que a idade avançada é um dos principais fatores associados à utilização de medicamentos.6,17,21,22 Com o crescente envelhecimento populacional e o êxito na política de acesso a medicamentos, a tendência é aumentar a utilização de medicamentos por idosos, indicando que esse tema deva ser prioridade na agenda de planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS)23. O uso de medicamentos entre os idosos constitui importante estratégia terapêutica, a fim de compensar as alterações decorrentes do processo de envelhecimento ou controlar as doenças crônicas frequentes na terceira idade, assim, o acompanhamento farmacoterapêutico do idoso é fundamental para a promoção do uso racional de medicamentos.24
Nesta pesquisa identificou-se que os indivíduos com menor nível de escolaridade e economicamente inativos (aposentado/pensionista/não trabalha) consumiam mais medicamentos. Costa et al., observaram maior utilização de medicamentos entre indivíduos menos escolarizados, quando comparados aos de maior escolaridade.22 De modo geral, um maior nível de escolaridade está associado a um maior conhecimento e discernimento sobre o processo saúde-doença.6 Galvão et al., relataram que o consumo de medicamentos foi significativamente maior em desempregados e aposentados de Brasília, DF.21 Francisco et al. descreveram maior prevalência de uso de fármacos entre os homens que não tinham emprego, no entanto, essa associação não foi encontrada para as mulheres.20
O consumo de medicamentos na população estudada também foi associado à presença de morbidade e estar acamado no último mês, resultado esperado, uma vez que os medicamentos constituem-se em importantes instrumentos de saúde, que visam minorar o sofrimento, interromper o processo de adoecimento e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos com condições crônicas.1 Resultado semelhante foi descrito em um estudo de base populacional realizado na cidade de Campinas, SP, em que na análise estatística final, após o ajuste por idade e sexo, as varáveis morbidade nos últimos 15 dias e número de doenças crônicas permaneceram associadas ao uso de medicamentos. Segundo os autores, as pessoas nessas condições de saúde buscam mais os serviços e o medicamento é uma das intervenções terapêuticas utilizadas.4
Os fármacos que atuam no sistema cardiovascular e sistema nervoso foram os mais consumidos pelos usuários pesquisados. Resultados semelhantes são descritos na literatura.4,5,17 Bertoldi et al., avaliaram o consumo de medicamentos genéricos no Brasil, por meio dos dados da Pesquisa Nacional de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) e identificaram que os medicamentos para o sistema cardiovascular (35,9%), para o sistema nervoso (18,6%) e para o trato alimentar e metabolismo (16,0%) foram os mais utilizados.25 Em relação aos subgrupos terapêuticos, as maiores prevalências de genéricos ocorreram para os agentes que atuam no sistema renina-angiotensina, corroborando com nossa pesquisa.25
A população estudada indicou o médico (44,31%) e o farmacêutico (36,46%) como os principais profissionais responsáveis por fornecerem orientações quanto ao uso de medicamentos. Em Ponta Grossa, PR, o principal orientador quanto ao uso de fármacos foi o médico (76,2%).5 Na cidade de Santa Rosa, RS, o médico (55,94%), o enfermeiro (16,40%) e os técnicos de enfermagem (14,14%) foram os profissionais que mais contribuíram com as orientações farmacológicas.26 Em Medelin, Colômbia, as fontes de informação sobre os medicamentos mais utilizados foram o médico (73%), a internet (44 %) e o farmacêutico (43 %).27 É necessário que a população esteja orientada sobre como proceder em relação ao uso de medicamentos, a fim de garantir uma ação segura e com menores riscos à saúde.27 É imprescindível que a equipe da ESF esteja capacitada para orientar os usuários quanto ao uso racional de medicamentos, visando à adesão a terapia medicamentosa, redução de efeitos adversos, automedicação e interações medicamentosas. Cabe ressaltar que não só a orientação quanto ao uso de medicamentos deve ser realizada pelo profissional enfermeiro, mas também a prescrição. Nesse sentido, é necessário que sejam construídos protocolos terapêuticos, a fim de auxiliar a categoria na realização das ações prescricionais no cotidiano dos serviços de atenção primária.28
A obtenção de medicamentos em farmácias públicas foi verificada em 72,7% da população estudada. Na pesquisa de Vosgerau et al., com adultos da área de abrangência de uma ESF, o principal local de acesso aos medicamentos foi a farmácia comercial (63,6%).5 Bertoldi et al. avaliaram a utilização e acesso de medicamentos em uma população abrangida pela ESF e identificaram que 51% dos medicamentos foram disponibilizados pelo SUS.29 No estudo de Costa et al. 30% dos entrevistados obtiveram todos os medicamentos que precisavam por meio de farmácias públicas, indicando que a maior parte da população teve de arcar com os custos dos medicamentos.22 No Brasil, as classes de maior poder de consumo (A/B) adquirem os medicamentos genéricos, prioritariamente, nas farmácias privadas (46,3%), enquanto nas classes C e D/E (menor poder de consumo), cerca de 50,0% dos genéricos são obtidos em farmácias da rede pública (SUS).25 Em conjunto, esses dados apontam para uma necessidade de ampliação das ações de assistência farmacêutica, garantindo maior acesso da população às farmácias e programas de medicamentos do SUS.
Mulheres, indivíduos com diagnóstico de morbidade e participantes que estiveram acamados no último mês apresentaram maiores prevalências de consumo de medicamentos. As informações geradas nesta pesquisa constituem indicadores que podem subsidiar as ações de políticas públicas de saúde e de assistência farmacêutica no Município de Rondonópolis, MT. O elevado consumo de medicamentos observado na população estudada sugere a necessidade da realização de uma abordagem interdisciplinar com foco na promoção do uso racional de medicamentos. Os profissionais de enfermagem, como parte essencial da ESF devem prestar um cuidado integral aos usuários, o que inclui a promoção do uso racional de medicamentos, contribuindo, assim, para um tratamento farmacológico mais efetivo e seguro.