versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.12 Rio de Janeiro dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152012.01432015
A cross-sectional, population-based study was conducted on a random sample of 427 elderly individuals living in Porto Alegre, Brazil, to establish the nutrient consumption profile and verify its association with sociodemographic and health variables. Dietary intake was assessed using the 24-hour Food Recall Survey and the Dietetic Research Investigation technique. Seventy percent of the elderly respondents were women: 48.5% were between 60 and 69 years old; 68.8% had less than 8 years of schooling; 39% had a family income of between 2 and 5 minimum wages and 58.4% took no physical exercise. Hypertension was the most prevalent disease among the elderly and 54.9% were underweight. Men consumed more calories, protein, fiber, minerals and vitamins than women. Carbohydrate and calcium intake increases with advancing age, while zinc intake decreases. Physical exercise increased the intake of calories, magnesium, potassium and phosphorus. The higher the schooling the greater the intake of vitamins B6 and B12; the higher the family income, the greater the consumption of vitamin B6 and folic acid. The results show that there are nutritional deficiencies in the daily diet of the Brazilian elderly population, especially among women and individuals over 80 years of age.
Key words: Nutrition of the elderly; Aging; Nutrients; Nutritional deficiencies
O último censo realizado em 2010 aponta que o Brasil teve a menor taxa de crescimento populacional observada e que, em relação ao ano de 2000, houve uma diminuição na proporção de jovens de até 25 anos e um aumento de 1,5% na proporção de idosos. O Sul e o Sudeste são consideradas as regiões mais envelhecidas do país, contendo 8,1% da sua população formada por idosos e, aproximadamente, 6,5% de crianças menores de 5 anos1. Como observado, esse crescimento da população idosa mostra a necessidade de conhecer mais sobre o envelhecimento e o seu impacto sobre a saúde. Dentre as principais áreas da saúde, a nutrição é um dos fatores relacionados ao envelhecimento sadio, quando realizada adequadamente durante boa parte da vida. Em contrapartida, uma nutrição deficitária pode levar os indivíduos a um risco aumentado de danos a saúde.
A nutrição desempenha importante papel na saúde e habilidade funcional do idoso, motivo pelo qual, o estado nutricional exerce grande impacto sobre o bem-estar físico e psicológico em idades mais avançadas. O déficit de nutrientes é mais facilmente encontrado em idosos do que em adultos jovens, expondo o idoso a um maior risco de desenvolver doenças carenciais2. Estudos mostram que a deficiência de nutrientes é comum na população geriátrica3,4, porém é subestimada nos diagnósticos e procedimentos terapêuticos5. A baixa ingestão de nutrientes na alimentação diária é consequência de desordens somáticas, psíquicas e sociais, sendo que as principais causas decorrem de problemas de mastigação e deglutição, insuficiência cardíaca, depressão, isolamento social e solidão6.
Embora a prevalência de sobrepeso e obesidade no sul do Brasil seja considerada a mais alta do país7, estudos mostram que a ingestão de nutrientes na população brasileira está aquém das recomendações estabelecidas pela Food and Nutrition Board8. Os resultados apresentados pelo estudo BRAZOS (The Brazilian Osteoporosis Study) mostram que 76% da população brasileira acima de 40 anos apresenta inadequação no consumo em pelo menos sete micronutrientes essenciais9. Assim, a prevenção das deficiências de vitaminas e minerais se torna fundamental à medida que, cada vez mais, os métodos de armazenamento e preparo dos alimentos acentuam as perdas nutricionais. Além disso, a falta de tempo para realização de refeições saudáveis e nutritivas pode estar contribuindo como determinante nos quadros de deficiências10,11.
Má nutrição é considerada qualquer alteração no estado nutricional normal, podendo ocorrer devido à subnutrição, em que há deficiência de macronutrientes, vitaminas e minerais, ou devido à supernutrição, levando à obesidade12. A má nutrição em idosos está associada a um pior prognóstico, representando um fator de risco independente para morbidade e mortalidade13. Por outro lado, pacientes idosos que possuem problemas de saúde graves possuem maior risco de desenvolver desnutrição proteico-calórica, cuja provável causa está associada à deficiência de micronutrientes12.
Nas últimas décadas, estudos têm associado o hábito alimentar a diversos fatores relacionados ao ambiente, tais como: longevidade, estilo de vida, doenças crônicas e estado nutricional14,15. Estes mostram também associação entre parâmetros socioeconômicos e a qualidade nutricional da alimentação diária16. No entanto, a literatura carece de estudos com a população de idosos brasileira, que descrevam o perfil de consumo de nutrientes na alimentação diária, considerando importantes doenças crônicas que podem estar relacionadas à alimentação, além de fatores como sexo, faixa etária, sedentarismo, escolaridade e renda.
Devemos salientar a importância de conduzir estudos populacionais em regiões metropolitanas, principalmente no Brasil, um país de grandes dimensões territoriais, com mais de 204 milhões de habitantes, dotado de grande diversidade cultural, étnica e social, com importante crescimento da população idosa. Portanto, o presente estudo analisou o perfil de consumo de nutrientes dos idosos residentes em Porto Alegre, Brasil, e sua associação com as variáveis sociodemográficas e de saúde.
Esse estudo faz parte de um grande projeto de pesquisa desenvolvido pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em parceria com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Brasil, no período de dezembro de 2005 a julho de 2006, denominado “Estudo Multidimensional dos Idosos de Porto Alegre” (EMIPOA). Trata-se de um estudo transversal, de base populacional em uma amostra de indivíduos residentes de Porto Alegre, com idade igual ou superior a 60 anos.
O cálculo do tamanho amostral foi realizado para observar uma diferença entre as médias dos diversos nutrientes entre duas categorias das diferentes variáveis dicotômicas. Foi considerada uma diferença de média aceitável superior a 1/3 do desvio padrão. Foram calculados valores de tamanho amostral para proporções entre os grupos de 1:1 a 1:4 (proporções de 25 a 50%). Utilizando-se o site “Sampsize”, obtivemos como maior valor de tamanho amostral 455 idosos.
A seleção foi realizada de forma aleatória por residência, estratificada pelas regiões censitárias segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)17. Foram realizadas aproximadamente 1000 entrevistas domiciliares prevendo uma participação posterior de metade dos entrevistados. O presente estudo foi composto inicialmente por 512 idosos, destes foram excluídos os indivíduos cujas informações estavam incorretas e/ou incompletas, totalizando 427 idosos.
O EMIPOA foi realizado em duas fases. Na primeira fase, foi realizado um inquérito domiciliar que envolveu vários indicadores epidemiológicos relacionados à moradia, composição familiar, relações sociais, ocupação, renda, aspectos socioculturais, sexualidade, envelhecimento, saúde e atividades de vida diária. Todos os entrevistados foram convidados a participar da segunda fase do estudo, na qual foi realizada uma avaliação multidisciplinar por profissionais das faculdades de medicina, fisioterapia, farmácia, enfermagem, psicologia, educação física e nutrição da PUCRS.
Foram analisadas variáveis sociodemográficas, econômicas e de saúde tais como: sexo, faixa etária, escolaridade, renda familiar, prática de exercício físico e presença de doenças crônicas relacionadas à alimentação. Tais doenças incluem: hipertensão, cardiopatia, diabetes e nefropatia. Essas variáveis foram associadas ao consumo de macronutrientes (carboidrato, proteína, lipídio), minerais (cálcio, magnésio, ferro, sódio, potássio, zinco e fósforo) e vitaminas (A, C, E, B1, B2, B3, B6, B9, B12).
O conteúdo de nutrientes da dieta habitual dos idosos foi obtido através dos seguintes instrumentos: Inquérito Recordatório de 24 Horas, que define a quantidade de alimentos ingeridos nas 24 horas do dia anterior à entrevista; Investigação da História Dietética, que avalia o consumo alimentar nos últimos três meses, mostrando o hábito alimentar do indivíduo18. Ambos os instrumentos foram aplicados na segunda fase do EMIPOA. As porções consumidas, obtidas em medidas caseiras, foram convertidas em gramas de alimentos para o cálculo da concentração de nutrientes da dieta. A composição nutricional da dieta foi calculada com o auxílio do software NutWin versão 2.5.
Para viabilizar a análise dos dados, considerando um possível viés de subnotificação na coleta de dados, foi considerado o maior valor entre o consumo habitual e o consumo diário de nutrientes. A prevalência de inadequação de consumo de nutrientes foi obtida a partir dos valores de referência (Dietary Reference Intakes) estabelecidos pelo The Institute of Medicine8. Foi estimado o valor energético total (VET) e então comparado com o consumo energético da dieta habitual. Em se tratando de uma estimativa de energia para grupos populacionais, foi considerado adequado o consumo de até 200 quilocalorias (Kcal) abaixo do VET para indivíduos com baixo peso e até 200 Kcal acima do VET para indivíduos sobrepeso e obeso, conforme oDietary Guidelines for Americans19. O consumo diário de calorias fora do intervalo de 200 Kcal acima ou abaixo do VET foi considerado inadequado.
O estado nutricional dos idosos foi estimado pelo cálculo do índice de massa corporal (IMC). Para a classificação do estado nutricional, foram utilizados os pontos de corte sugeridos por Lipschitz20, considerado mais adequado para idosos: < 22 Kg/m2, baixo peso; 22-27 Kg/m2, eutrófico; > 27 Kg/m2, sobrepeso.
Para análise e tabulação dos dados, foi utilizado o softwareestatístico SPSS versão 17.0 (Statistical Package for Social Sciences). As variáveis quantitativas foram expressas em frequência, média e desvio-padrão. Foi determinado o intervalo de confiança de 95% para mostrar diferença estatisticamente significativa entre os grupos de indivíduos analisados, e foi considerado significativo o valor de P < 0,05. Para determinar a média de ingestão de nutrientes da dieta habitual, foi utilizado o teste t-Student para as variáveis dicotômicas (sexo, escolaridade, prática de exercício físico e presença de doença crônica) e análise de variância (ANOVA) para as variáveis categóricas (faixa etária, renda familiar e estado nutricional). Foi empregado o pós-teste de Bonferroni para verificar a significância entre os grupos. Para determinar a prevalência de idosos com inadequação no consumo de nutrientes, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram do estudo 427 indivíduos, sendo 70,0% mulheres, 48,5% idosos na faixa etária dos 60-69 anos, 68,8% com menos de 8 anos de escolaridade, 39,0% com renda familiar entre 2-5 salários mínimos e 58,4% destes não praticavam exercício físico. Das doenças crônicas analisadas, a hipertensão foi a doença mais frequente nessa população, acometendo 51,7% dos idosos. Mais da metade dos entrevistados (54,9%) estavam com baixo peso, segundo o índice de massa corporal (IMC).
Os resultados revelam um percentual de inadequação de ingestão calórica significativamente maior no sexo feminino (P < 0,001), mostrando que 58,3% das mulheres possui um consumo de calorias abaixo do VET para o sexo e a faixa etária. A Tabela 1 mostra que a dieta dos homens é mais calórica do que a dieta das mulheres, sendo esse resultado representado pelo VET em Kcal (P < 0,001). As mulheres consomem mais carboidrato (P = 0,046), enquanto que os homens consomem mais proteína na dieta habitual (P < 0,001). O consumo de lipídios foi semelhante entre os sexos. Com o avanço da idade, houve um aumento no consumo de carboidrato (P = 0,028).
Tabela 1 Média de consumo de macronutrientes por idosos do município de Porto Alegre.
(M ± DP): media ± desvio-padrão; VET (Kcal): valor energético total (quilocalorias). * Valores de P baseados no teste t-Student; ** Valores de P baseados na Análise de Variância (ANOVA).
Indivíduos que possuem menos de 8 anos de escolaridade tendem a consumir mais carboidrato na alimentação diária em relação aos com escolaridade de 8 anos ou mais (P = 0,059). No entanto, em relação à prática de exercício físico, os indivíduos que praticavam exercício obtiveram a média do VET maior do que aqueles que não praticavam (P = 0,013), mostrando um maior consumo de calorias na dieta habitual.
Em relação à presença de doenças crônicas, idosos hipertensos e cardiopatas parecem consumir uma dieta menos calórica, comparada aos que não possuem tais patologias. Indivíduos cardiopatas mostraram um percentual de consumo de proteína significativamente maior na alimentação diária do que os indivíduos normais (P = 0,024). De forma semelhante, a dieta de idosos diabéticos mostrou um maior percentual de proteína (P = 0,033) e uma tendência a um menor percentual de carboidrato (P = 0,087). Em relação às doenças renais, a média do VET de idosos nefropatas foi significativamente maior do que média do VET de idosos normais (P = 0,038) (Tabela 1). O estado nutricional dos idosos foi avaliado e comparado com o consumo de macronutrientes, porém não houve diferença estatisticamente significativa entre as variáveis analisadas.
O consumo diário de fibras e álcool também foi avaliado, mostrando que o consumo de fibras foi significativamente maior no sexo masculino, nos indivíduos que praticam atividade física e entre os portadores de doenças renais (P < 0,05). O consumo de álcool foi maior para o sexo masculino, nos indivíduos com renda familiar acima de 5 salários mínimos, os que praticam exercício físico e os que se enquadram na categoria de sobrepeso para o estado nutricional (P < 0,05). No entanto, o consumo de álcool foi significativamente menor no grupo de idosos hipertensos e cardiopatas.
O padrão de consumo de minerais da dieta habitual dos idosos está resumido naTabela 2. As mulheres mostraram consumir menos magnésio, ferro, potássio, zinco e fósforo do que os homens na alimentação diária (P < 0,05). Acima de 80 anos, os idosos consomem mais cálcio do que as demais faixas etárias, ao passo que, entre 60 e 69 anos, há um maior consumo ferro e zinco (P < 0,05).
Tabela 2 Consumo de minerais por idosos do município de Porto Alegre.
(M ± DP): media ± desvio-padrão; Ca: cálcio; Mg: magnésio; Fe: ferro; Na: sódio; K: potássio; Zn: zinco; P: fósforo. *Valores de P baseados no teste t-Student; **Valores de P baseados na Análise de Variância (ANOVA).
Em relação à escolaridade, idosos que estudaram 8 anos ou mais mostraram fazer uma dieta mais rica em potássio (P = 0,009), e uma tendência a um maior consumo de zinco (P = 0,010) e fósforo (P = 0,060), do que aqueles com menos de 8 anos de escolaridade. A renda familiar e a prática de exercício físico também foram determinantes para o consumo de minerais na dieta habitual de idosos. O consumo de potássio aumenta conforme a renda, sendo maior no grupo com renda familiar superior a 5 salários mínimos (P = 0,046). Quanto à prática de exercício físico, os indivíduos que praticam exercício consomem mais magnésio, potássio e fósforo do que os sedentários (P < 0,05). A prática de exercício físico parece influenciar também o consumo de cálcio, ferro e zinco, mostrando uma tendência maior no consumo desses minerais no grupo dos idosos que praticam exercício.
A presença de doenças crônicas parece influenciar o consumo de ferro e magnésio na alimentação diária dos idosos. A média de ingestão de ferro foi significativamente menor em indivíduos hipertensos e a média de ingestão de ferro e magnésio foi maior na dieta de idosos com nefropatia (Tabela 2).
A avaliação do perfil de consumo de vitaminas na dieta habitual de idosos está descrita na Tabela 3. Os resultados mostram diferença significativa entre homens e mulheres quanto à média de ingestão da maioria das vitaminas do complexo B. Homens consomem mais tiamina (B1), niacina (B3), piridoxina (B6) e ácido fólico (B9) do que as mulheres (P < 0,05) e o consumo de tiamina diminui com o avanço da idade, sendo significativamente menor acima dos 80 anos.
Tabela 3 Consumo de vitaminas por idosos do município de Porto Alegre.
(M ± DP): media ± desvio-padrão; A: vitamina A; C: ácido ascórbico; E: tocoferol; B1: tiamina; B2: riboflavina; B3: niacina; B6: piridoxina; B9: ácido fólico; B12: cobalamina.* Valores de P baseados no teste t-Student;** Valores de P baseados na Análise de Variância (ANOVA).
A escolaridade, a renda familiar e a prática de exercícios físicos influenciam o cosumo diário de vitaminas. Indivíduos com 8 anos ou mais de escolaridade apresentam maior média de ingestão de vitaminas B6 e B12. Da mesma forma, a renda familiar acima de 5 salários mínimos eleva a média de consumo de vitaminas B6 e ácido fólico. Houve uma tendência a um maior consumo de tiamina (P = 0,066) e niacina (P = 0,058) entre os idosos que praticam exercícios físicos. Nesse grupo, a média de consumo de ácido fólico também é maior, quando comparada à média de consumo dos indivíduos que não praticam exercícios (P = 0,012).
Em relação à presença de doenças, a Tabela 3 mostra que os idosos hipertensos consomem menos niacina, ao passo que os nefropatas consomem mais tiamina (P = 0,001) e tendem a consumir mais niacina do que os indivíduos normais (P = 0,073).
A população de idosos estudada relatou uma distribuição adequada no consumo diário de macronutrientes para todas as variáveis analisadas. De acordo com The Institute of Medicine, o intervalo de distribuição aceitável de macronutrientes deve estar entre 45 e 65% para carboidrato; entre 10 e 35% para proteína; entre 20 e 35% para lipídio8. No entanto, a média de calorias totais consumidas pelos idosos ficou entre 1320 e 1564 Kcal, sendo que a média da necessidade energética diária desses indivíduos é de aproximadamente 1700 Kcal. Isso significa que os idosos consomem menos calorias do que a necessidade diária, mostrando uma importante inadequação no consumo de macronutrientes.
Um estudo multicêntrico, realizado em cinco diferentes regiões no Brasil, mostrou resultados semelhantes, confirmando que o consumo calórico da nossa população, principalmente idosa, está aquém da recomendação diária9. Nesse sentido, nossos resultados apontam maior prevalência de inadequação de consumo de calorias, minerais e vitaminas do complexo B entre as mulheres. Diversos fatores podem explicar tais achados. As mulheres são mais preocupadas com a estética, reduzindo, muitas vezes de forma errônea, o consumo de alimentos. São grandes consumidoras de dietas para emagrecimento, muitas das quais restringem fontes importantes de micronutrientes, visando exclusivamente à redução das calorias totais21. As mulheres também demonstram maior preocupação com a saúde, levando a um maior consumo de medicamentos, o que pode agravar a perda de nutrientes22. Diversos fármacos produzem efeitos adversos que resultam na redução da ingestão de alimentos. Tais efeitos incluem perda de apetite, alterações no paladar, xerostomia, náusea e disfunção mental12.
As mulheres também consomem menos fibras do que homens. Como as fibras são encontradas em maior quantidade em frutas e vegetais, o baixo consumo de fibras também acarreta baixa ingestão de vitaminas e minerais, dentre os quais, destaca-se o magnésio, potássio e fósforo, consumidos em menor quantidade pelas mulheres neste estudo. Além dos minerais, as vitaminas do complexo B, como tiamina (B1), niacina (B3), piridoxina (B6) e ácido fólico (B9) são também menos consumidas pelas mulheres. Vale ressaltar que os cereais integrais são as maiores fontes de várias vitaminas do complexo B (B1, B2, B3, B6), motivo pelo qual, o baixo consumo de fibras provenientes dos cereais pode ser responsável pela deficiência desses nutrientes23. Estudo realizado com adultos e idosos brasileiros também refere um maior consumo de algumas vitaminas do complexo B e dos minerais, cálcio e ferro, na população masculina, sendo que os valores diminuem de forma significativa na população idosa24.
Dos macronutrientes, o carboidrato parece ser a preferência dos idosos, cujo consumo aumenta em proporção direta com o avanço da idade, e em proporção inversa com a escolaridade e à renda familiar. Segundo um estudo de revisão realizado por Brownie6, os idosos tendem à monotonia alimentar, conforme aumentam as dificuldades para o preparo e ingestão de alimentos. Outro estudo recente revela que o hábito alimentar depende da idade e que o consumo de petiscos e café aumenta com o passar dos anos25.
Com o avanço da idade, diversos problemas dentários acometem os idosos. Perda de dentes, próteses mal ajustadas e problemas gengivais, associados a dificuldade de mastigação e deglutição, perda de apetite, dificuldade de locomoção, depressão e isolamento levam o idoso à busca por alimentos de fácil aquisição e preparo26, induzindo-os a optar por uma alimentação à base de laticínios e farináceos, o que pode elevar o consumo de cálcio e reduzir a ingestão de ferro e zinco, conforme os resultados obtidos neste estudo. A deficiência de ferro e zinco resultante do baixo consumo de carne tem sido frequente em pacientes geriátricos27. Além disso, vegetais crus geralmente são suprimidos da alimentação ou submetidos à cocção prolongada, o que reduz consideravelmente o valor nutricional6. Paralelamente, mais alimentos à base de carboidratos são introduzidos na alimentação diária, o que pode explicar o aumento no consumo de carboidratos principalmente acima dos 80 anos.
A renda familiar e o grau de escolaridade são determinantes para a um hábito alimentar saudável. Nossos resultados mostraram que maior escolaridade e renda familiar favorecem uma alimentação mais rica em potássio, zinco, fósforo, vitaminas B6, B12 e ácido fólico. Resultados semelhantes foram obtidos por Middaugh et al.28 em um grande estudo entre 1999 e 2006, mostrando que a ingestão de frutas e verduras é diretamente relacionada à renda e à escolaridade. Micronutrientes estão presentes em maior concentração em carnes, peixes, ovos, laticínios, cereais integrais, frutas, verduras, sementes e oleaginosas, muitos dos quais são alimentos considerados de alto custo e pouco acessíveis a uma significativa parcela da população29. Dados publicados com essa mesma amostra de idosos revelam que mais da metade deles é usuária de politerapia medicamentosa22, o que eleva o orçamento familiar, dificultando ainda mais a aquisição de uma satisfatória variedade de alimentos. Dessa forma, alimentos de baixo custo, pouco nutritivos e de alto índice glicêmico, tais como pães, massas, biscoitos e refrigerantes, terminam sendo largamente consumidos principalmente pela população de baixa renda e escolaridade29.
No entanto, o exercício físico parece ser um fator de proteção contra o baixo consumo de nutrientes por idosos. Embora, na população estudada, a maioria dos idosos não praticava exercício físico, o grupo que praticava possuía uma alimentação mais calórica e também mais rica em micronutrientes como magnésio, potássio, fósforo e ácido fólico, e também, tendem a consumir mais cálcio, ferro, zinco, vitaminas B1 e B3 do que os idosos sedentários. Estudos recentes mostram que praticantes de exercícios físicos regulares são mais adeptos de um estilo de vida saudável e buscam consumir maior quantidade de alimentos fontes de vitaminas, minerais, fibras, gorduras mono e poli-insaturadas30,31.
O consumo de álcool foi maior entre os idosos que praticavam exercício físico, eram do sexo masculino, apresentavam sobrepeso e renda familiar mais elevada. Resultados semelhantes foram obtidos por Lisha et al.32, sugerindo que os homens costumam ser mais engajados em esportes de competição, onde o consumo de bebidas alcoólicas é estimulado. Já as mulheres se relacionam com o exercício como forma de lazer. Os idosos costumam praticar exercícios físicos em grupos, sob forma de lazer e também como estímulo ao convívio social, motivo pelo qual é fortemente recomendado, mas também, muitas vezes envolve o consumo de álcool33,34.
Todavia, o consumo de álcool é contraindicado em idosos, especialmente indivíduos em risco nutricional. O uso crônico de álcool provoca deficiência de vitaminas do complexo B e minerais (magnésio, ferro, zinco e cobre) pelos seguintes mecanismos: confere sensação de saciedade por possuir alta densidade calórica, levando à redução da ingestão de alimentos; aumenta o metabolismo hepático, levando a um “gasto” exacerbado de nutrientes detoxificadores; redução da taxa de absorção de nutrientes pelo trato digestório devido à lesão da mucosa gástrica e duodenal35.
Em relação à presença de doenças crônicas, nossos resultados mostram que os indivíduos hipertensos consomem menos ferro e vitamina B3, ao passo que os idosos portadores de doenças renais consomem mais ferro, magnésio, vitamina B1 e tendem a consumir mais vitamina B3 que os indivíduos normais. Esses dados sugerem que a presença de doenças pode influenciar na escolha dos alimentos devido às recomendações de profissionais da saúde. É conhecida a alta prevalência de hipertensão, obesidade, dislipidemia e câncer no Rio Grande do Sul, cuja causa está associada ao consumo excessivo de carne nessa região36,37. Isso confirma que o consumo de alguns nutrientes pode ser alterado na presença de determinadas doenças.
Algumas limitações do estudo devem ser pontuadas, especialmente em relação ao método utilizado para avaliar a ingestão alimentar (Inquérito Recordatório de 24 Horas). Não se pode assegurar que o consumo alimentar de um único dia reflita com precisão o hábito alimentar do indivíduo, motivo pelo qual foi associado à história dietética. Para confirmar a inadequação do consumo de nutrientes, mais dias de inquéritos alimentares são necessários. Além disso, viés de subnotificação é comumente encontrado em estudos populacionais que envolvem coleta de informações sobre consumo de alimentos38. Resultados controversos foram obtidos, principalmente quanto à ingestão calórica total e à prevalência de inadequação de consumo de nutrientes. A subnotificação de dados nos inquéritos alimentares ocorre, principalmente, com indivíduos com sobrepeso e obesos, para os registros de lanches e sobremesas, alimentos de alta densidade calórica, frequência de consumo e tamanho das porções, podendo alcançar entre 30 e 50% de subnotificações39.
Observamos que existem importantes deficiências nutricionais na população de idosos estudada, com maior consumo de carboidrato em detrimento dos demais micronutrientes. Acreditamos que esta deva ser a realidade de outras populações com características semelhantes de renda e escolaridade, embora estudos semelhantes devam ser realizados, cujos resultados são imprescindíveis para que ações em saúde pública possam ser planejadas objetivando uma alimentação mais adequada para o envelhecimento saudável.