versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.3 Rio de Janeiro maio/jun. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180019
A doença arterial coronária (DAC) permanece mundialmente como a principal causa de morbimortalidade.1,2 No Brasil, esse cenário não é diferente, visto que as doenças cardiovasculares constituem mais de um terço das mortes anualmente.3 Dessa forma, um dos mais frequentes desafios da prática cardiológica cotidiana é a avaliação precoce da DAC. Essa investigação implica ônus substancial e crescente aos sistemas de saúde, especialmente considerando a peculiaridade da população brasileira, da qual aproximadamente dois terços são usuários do Sistema Único de Saúde. Portanto, torna-se imperativa a identificação de grupos de alto risco que se beneficiariam com investigações adicionais e daqueles com baixo risco, nos quais procedimentos adicionais podem ser dispensados.4,5
Os efeitos do consumo de álcool são numerosos e, na maioria, prejudiciais à saúde.6,7 Enquanto sua influência em óbitos por causas externas e na morbimortalidade de neoplasias é constantemente descrita,8 o impacto do consumo leve a moderado de álcool no prognóstico da DAC ainda se mantém incerto.6,8 Estudos recentes descreveram o consumo moderado de álcool como cardioprotetor,7-11 embora tal associação tenha sido contestada.12-15
A definição de consumo moderado possui ampla variação (de 5 a 60 gramas de etanol por dia), porém é comumente atribuída a não mais que uma dose de bebida alcoólica por dia para mulheres e até duas doses diárias de bebida alcoólica para homens.10,11 Mais especificamente, uma dose de bebida alcoólica pode ser definida como cerca de 330 mL de cerveja comum, 100 mL de vinho ou 30 mL de destilado.16
A ecocardiografia sob estresse é um método não invasivo estabelecido para a avaliação da isquemia miocárdica em pacientes com DAC suspeita ou conhecida, para determinação do diagnóstico e prognóstico, e para auxílio às decisões terapêuticas.17 A ecocardiografia sob estresse físico (EEF), por sua vez, é a prática de primeira escolha em pacientes com capacidade física preservada, apresentando-se mais seguro e versátil que sob estresse farmacológico.18
O objetivo do presente trabalho, portanto, é estudar a relação do consumo leve a moderado de álcool com a presença de isquemia miocárdica à EEF.
Trata-se de um estudo transversal analítico e descritivo realizado entre janeiro de 2000 e dezembro de 2015.
A amostra, por conveniência, consistiu inicialmente em 10.827 pacientes com DAC suspeita e/ou estabelecida, submetidos à EEF no Laboratório de Ecocardiografia (ECOLAB) da Clínica e Hospital São Lucas, Aracaju-SE, possuidor de acreditação nível três (Instituto Qualisa de Gestão - IQG). Foram incluídos todos os pacientes acima de 25 anos referendados e encaminhados ao serviço segundo a indicação dos médicos assistentes, à exceção daqueles que se recusaram a participar do estudo. Foram excluídos, ainda, 27 pacientes por consumo médio de mais de uma dose de bebida alcoólica por dia entre as mulheres e mais de duas doses entre homens. Do total, 4.168 indivíduos não informaram a frequência de consumo, resultando em uma amostra de 6.632 pacientes. As indicações isoladas ou combinadas para a EEF foram: avaliação de precordialgia; avaliação pré-operatória para cirurgia não cardíaca; presença de teste ergométrico (TE) positivo para isquemia miocárdica em pacientes com baixo risco para DAC; TE negativo para isquemia miocárdica em pacientes com risco intermediário para DAC; surgimento de arritmia durante o TE; estratificação de DAC previamente estabelecida e estratificação de risco pós-síndrome coronária aguda.
Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a frequência de consumo de bebidas alcoólicas: grupo G1 - composto por 2.130 (32,1%) pacientes cujo relato consistiu em número igual ou inferior a uma média de uma dose de bebida alcoólica por dia para mulheres ou de duas doses diárias de bebida alcoólica para homens; e grupo G2 - formado por 4.502 (67,9%) indivíduos que referiram ausência de qualquer consumo de álcool.
Os dados clínicos foram colhidos e registrados por meio de entrevistas realizadas antes do exame. Foi utilizado um questionário padronizado que investigava peso, altura, sintomas como dispneia e dor torácica, medicações, fatores de risco para DAC e histórico de cardiopatia familiar ou pessoal, além de dados referentes à DAC prévia, como infarto agudo do miocárdio, revascularização percutânea e cirúrgica. Ademais, os resultados de exames laboratoriais e exames do aparelho cardiovascular prévios foram registrados.
O etilismo foi quantificado mediante autorrelato, sendo considerado consumo leve a moderado de álcool quando igual ou inferior a duas doses de bebida alcoólica por dia, em média, para os pacientes do sexo masculino, e igual ou inferior a uma dose diária de bebida alcoólica para as do sexo feminino. Uma dose de bebida alcoólica pode ser definida como 330 mL de cerveja comum, 100 mL de vinho ou 30 mL de bebidas destiladas.10,16 Com base nesses parâmetros e nos relatos colhidos na entrevista, foram realizadas as estimativas do consumo médio diário de cada paciente.
Caracterizou-se obesidade como um índice de massa corpórea maior que 30 kg/m2. Definiu-se hipercolesterolemia como nível sérico de colesterol total superior a 200 mg/dL (após jejum de 12 horas) e hipertrigliceridemia como nível sérico de triglicérides superior a 150 mg/dL (após jejum de 12 horas) ou uso de agente antilipidêmico (estatinas e/ou fibratos).
Considerou-se hipertensão arterial sistêmica quando os níveis pressóricos aferidos no membro superior, em repouso e condições ideais, eram pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou diastólica ≥ 90 mmHg, repetidos e confirmados, ou quando havia uso de medicação anti-hipertensiva.
O diabete melito foi definido pela presença de glicemia em jejum ≥ 126 mg/dL ou glicemia 2h após sobrecarga com 75g de glicose ≥ 200 mg/dL ou glicemia ao acaso ≥ 200 mg/dL associada a sintomas clássicos de hiperglicemia ou pelo uso de insulina ou agentes hipoglicemiantes orais.
Primeiramente, o protocolo consistiu na realização de eletrocardiograma (ECG) de doze derivações e ecocardiograma de repouso após a investigação clínica. Em seguida, realizou-se o esforço físico em esteira rolante e, logo após, procedeu-se novamente à aquisição das imagens ecocardiográficas.
Todos os pacientes foram submetidos aos protocolos padrão de Bruce ou Ellestad durante o TE. Foi realizada monitoração contínua da frequência cardíaca, sendo os pacientes encorajados a alcançar o seu pico máximo de esforço físico. Para cálculos metabólicos, o volume de oxigênio inspirado no pico do exercício (VO2max) foi obtido indiretamente através da seguinte fórmula: VO2max = 14,76 - 1,379t + 0,451t2 - 0,012t³, em que t é a duração em minutos do teste.19 A carga foi expressa em equivalentes metabólicos, em que 1 MET corresponde a 3,5 mL/kg·min de VO2 inspirado, referente ao repouso.20 Durante o teste, os indivíduos foram continuamente monitorados com ECG de três derivações.
Foram denominadas alterações eletrocardiográficas isquêmicas ao exercício a ocorrência de infradesnivelamento do segmento ST horizontal ou descendente ≥ 1 mm para homens e ≥ 1,5 mm para mulheres a 0,08 segundo do ponto J.21
O ambiente para a realização do exame é ergonomicamente projetado com equipe constantemente treinada, por se tratar de hospital considerado referência em cardiologia e possuidor de acreditação nível 3 por avaliação específica. Como rotina, é recomendada a suspensão de betabloqueadores três dias antes do exame, mantendo-se as demais drogas usuais do paciente.
Os exames foram realizados com equipamento Hewlett Packard/ Phillips SONOS 5500 até o ano de 2012 e, em seguida, com o Phillips IE-33, observando-se os aspectos técnicos classicamente descritos por Schiller et al.22 As imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas nas janelas acústicas paraesternais e apicais, durante o repouso e imediatamente após o esforço, com o paciente em decúbito lateral esquerdo e registro eletrocardiográfico simultâneo.
A motilidade segmentar da parede do ventrículo esquerdo (VE) foi avaliada por ecocardiografista experiente, com nível III, conforme preconizado pela Sociedade Americana de Ecocardiografia.23 O espessamento parietal segmentar do VE foi avaliado quantitativamente no repouso e, após o esforço, por meio da utilização do modelo de 16 segmentos, graduado em: 1, normal; 2, hipocinético; 3, acinético; 4, discinético. O índice de escore da motilidade do VE (IEMVE) foi calculado no repouso e durante o exercício como a soma dos escores conferidos a cada um dos 16 segmentos dividida pelo número de segmentos avaliados no dado momento. O IEMVE igual a 1 corresponde à normalidade, de 1,1 a 1,6 representa disfunção leve, de 1,61 a 2, disfunção moderada. Valores maiores que 2 representam disfunção importante.22 A diferença entre o IEMVE de esforço e de repouso é chamada de ΔIEMVE. O desenvolvimento de nova alteração na motilidade parietal ou piora de dissinergia existente (ΔIEMVE ≠ 0) foi considerado indicativo de isquemia miocárdica.
As variáveis quantitativas foram descritas como média e desvio-padrão. Conforme o pressuposto de normalidade amostral, avaliado pelo teste Kolmogorov-Smirnov, as variáveis quantitativas foram avaliadas por meio do teste t de Student para grupos independentes. Quanto às variáveis categóricas, utilizaram-se frequência absoluta e porcentagem. Para comparar características das variáveis categóricas entre os dois grupos, foram utilizados o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher quando mais adequado.
A fim de se avaliar associação entre a variável desfecho (isquemia miocárdica ao EEF) e os fatores associados, foi realizada regressão logística pelo método backward-Wald. Para entrar no modelo inicial, admitiram-se todas aquelas com p < 0,25, enquanto que, para permanecer no modelo, adotou-se p < 0,05. As variáveis foram adicionadas e retiradas do modelo de forma manual, conforme atendessem o pressuposto. As análises estatísticas foram processadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0 (Chicago, IL).
Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos, e todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 1818.0.000.107-06).
Foram estudados 6.632 pacientes, sendo 3.257 (49,1%) do sexo masculino, com média de idade de 57,6 ± 11,1 anos e idades mínima e máxima de 25 e 98 anos, respectivamente. O consumo leve a moderado de álcool (G1) foi referido por 2.130 indivíduos (32,1%), enquanto 4.502 (67,9%) pacientes (G2) referiam ausência de qualquer consumo de álcool.
No G1, 21,8% dos pacientes exibiram resultados positivos para isquemia miocárdica à EEF, apresentando uma relação estatisticamente significativa entre o consumo leve a moderado de álcool e isquemia miocárdica, quando comparado com o G2.
O G1 apresentou maior frequência relativa (p < 0,001) de indivíduos do sexo masculino, menor idade média e maior porcentagem de tabagistas. Com relação às demais características sociodemográficas, constatou-se, também, que o grupo de etilistas apresentou, significativamente (p < 0,001) maior nível de escolaridade, maiores valores de circunferência abdominal e menor frequência de sedentarismo, comparativamente ao grupo de não etilistas, conforme pode ser apreciado na Tabela 1.
Variáveis | G1 (n = 2.130) |
G2 (n = 4.502) |
p* |
---|---|---|---|
Sexo Masculino | 1.643 (77,1%) | 1.614 (35,9%) | < 0,001 |
Idade | 54,8 ± 10,3 | 59,0 ± 11,3 | < 0,001 |
Sintomas prévios | |||
Assintomático | 1.088 (52,3%) | 1.808 (41,2%) | |
Precordialgia típica |
135 (6,5%) | 290 (6,6%) | < 0,001 |
Precordialgia atípica |
762 (36,6%) | 2.034 (46,4%) | |
Dispneia | 103 (4,9%) | 269 (6,1%) | |
Obesidade | 509 (24%) | 991 (22,1%) | 0,088 |
Peso | 78,3 ± 14,2 | 70,7 ± 14,0 | < 0,001 |
Altura | 1,68 ± 0,09 | 1,61 ± 0,09 | < 0,001 |
Circunferência abdominal | 96,6 ± 11,9 | 93,3 ± 12,4 | 0,001 |
Hipertensão arterial sistêmica | 1.269 (59,8%) | 2.786 (62%) | 0,078 |
Diabete melito | 274 (12,9%) | 542 (12,1%) | 0,339 |
Dislipidemia | 1.185 (55,8%) | 2.457 (54,7%) | 0,414 |
Tabagismo | 157 (7,4%) | 140 (3,1%) | < 0,001 |
Antecedentes familiares | 1.252 (58,9%) | 2.671 (59,5%) | 0,690 |
Atividade física | |||
Sedentário | 997 (49,9%) | 2.408 (56,9%) | |
Ativo | 985 (49,3%) | 1.789 (42,3%) | < 0,001 |
Atleta | 18 (0,9%) | 34 (0,8%) | |
Infarto antigo | 113 (5,5%) | 191 (4,4%) | 0,049 |
Infarto recente | 8 (0,4%) | 10 (0,2%) | 0,258 |
Revascularização | 122 (5,9%) | 215 (4,9%) | 0,092 |
Angioplastia | 174 (8,5%) | 312 (7,2%) | 0,064 |
Stent | 122 (5,9%) | 214 (4,9%) | 0,084 |
(*)As variáveis qualitativas foram calculadas por meio do método de qui-quadrado de Pearson, e as variáveis quantitativas, por meio do teste t de Student para amostras independentes, conforme o pressuposto de normalidade da amostra.
As principais variáveis clínicas que se apresentaram associadas à EEF positiva para isquemia miocárdica são apresentadas na Tabela 2. Dos principais achados clínicos, apenas o histórico de sedentarismo e o diagnóstico de obesidade não foram significativos à análise univariada para a presença de isquemia miocárdica.
Variáveis | Odds Ratio | IC 95% | p* |
---|---|---|---|
Etilismo | 1,15 | 1,01-1,30 | 0,035 |
Sexo masculino | 1,69 | 1,50 - 2,90 | < 0,001 |
Idade | 1,03 | 1,02-1,03 | < 0,001 |
Obesidade | 1,02 | 0,88-1,18 | 0,76 |
Diabete melito | 1,99 | 1,70-2,35 | < 0,001 |
Hipertensão arterial sistêmica | 2,16 | 1,88-2,47 | < 0,001 |
Dislipidemia | 2,25 | 1,98-2,56 | < 0,001 |
Tabagismo | 1,79 | 1,39-2,31 | < 0,001 |
Antecedentes familiares | 1,82 | 1,59-2,07 | < 0,001 |
Sedentarismo | 1,07 | 0,94-1,21 | 0,285 |
IC: intervalo de confiança.
(*)As variáveis qualitativas foram calculadas por meio do método de qui-quadrado de Pearson, e as variáveis quantitativas, por meio do teste t de Student para amostras independentes, conforme o pressuposto de normalidade da amostra.
Foi encontrado um maior número de pacientes sem evidências de isquemia miocárdica à EEF no G2. A isquemia miocárdica do tipo fixa foi a mais frequentemente encontrada em G1. Por sua vez, maiores valores de aorta e átrio esquerdo foram verificados em G1, enquanto G2 apresentou maior frequência de disfunção diastólica. Entre as variáveis ergométricas, infradesnivelamento de segmento ST e insuficiência cronotrópica foram mais frequentes em G1 e em G2, respectivamente (Tabela 3).
Variáveis | G1 (n = 2.130) |
G2 (n = 4.502) |
p* |
---|---|---|---|
Isquemia | |||
Ausência de isquemia |
1.666 (78,2%) | 3.621 (80,4%) | |
Induzida | 195 (9,2%) | 430 (9,6%) | 0,014 |
Fixa | 211 (9,9%) | 359 (8%) | |
Fixa e induzida |
58 (2,7%) | 91 (2%) | |
Aorta | 3,3 ± 0,4 | 3,1 ± 0,4 | < 0,001 |
Átrio esquerdo | 3,9 ± 0,4 | 3,8 ± 0,4 | < 0,001 |
Velocidade da onda E | 68,4 ±15,1 | 70,9 ± 17,1 | 0,778 |
Velocidade da onda E' | 8,0 ± 4,1 | 7,6 ± 2,3 | 0,140 |
Relação E/E' | 9,3 ± 2,8 | 10,0 ± 3,6 | 0,347 |
Fração de ejeção | 67% ± 6,4 | 67% ± 6,5 | 0,133 |
IEMVE repouso | 1,02 ± 0,09 | 1,01 ± 0,08 | 0,246 |
IEMVE esforço | 1,03 ± 0,09 | 1,02 ± 0,09 | 0,459 |
Função diastólica | |||
Normal | 294 (17,4%) | 473 (13,6%) | |
Déficit do relaxamento |
851 (50,3%) | 1.918 (55,1%) | 0,001 |
Pseudonormal | 540 (31,9%) | 1.075 (30,9%) | |
Restritivo | 8 (0,5%) | 17 (0,5%) | |
Infradesnivelamento de ST | 1.355 (64,1%) | 2.793 (62,5%) | < 0,001 |
Bloqueio de ramo esquerdo | 66 (3,1%) | 183 (4,1%) | 0,054 |
Arritmias simples | 539 (25,3%) | 1.309 (29,1%) | 0,001 |
Arritmias severas** | 4 (0,2%) | 16 (0,4%) | 0,245 |
TVNS | - | 2 (< 0,1%) | 0,330 |
Fibrilação atrial | 1 (0,1%) | 2 (0,1%) | 0,999 |
Extrassístole ventricular | 63 (3,8%) | 105 (3,2%) | 0,242 |
Extrassístole supraventricular | 19 (1,1%) | 43 (1,3%) | 0,654 |
Taquicardia supraventricular | 4 (0,2%) | 8 (0,2%) | 0,999 |
Insuficiência cronotrópica | 160 (7,5%) | 440 (9,8%) | 0,003 |
IEMVE: Índice de escore da motilidade ventricular esquerda; TVNS: Taquicardia ventricular não sustentada;
(**)Taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular.
(*)As variáveis qualitativas foram calculadas por meio do método de qui-quadrado de Pearson, e as variáveis quantitativas, por meio do teste t de Student para amostras independentes, conforme o pressuposto de normalidade da amostra.
À análise multivariada por meio de regressão logística dos dados clínicos disponíveis, observou-se que idade, sexo masculino, diabete melito, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, tabagismo e antecedentes familiares apresentaram-se independentemente associados à isquemia miocárdica (Tabela 4). Quando contemplados esses fatores de confusão do modelo, não houve associação entre consumo leve a moderado de álcool e isquemia miocárdica à EEF.
Variáveis | Odds Ratio | IC 95% | p |
---|---|---|---|
Etilismo | 0,94 | 0,81-1,01 | 0,463 |
Sexo masculino | 1,83 | 1,62-2,09 | < 0,001 |
Idade | 1,02 | 1,02-1,03 | < 0,001 |
Diabete melito | 1,52 | 1,28-1,80 | < 0,001 |
Hipertensão arterial sistêmica | 1,55 | 1,34-1,79 | < 0,001 |
Dislipidemia | 1,84 | 1,61-2,1 | < 0,001 |
Tabagismo | 2,03 | 1,55-2,64 | < 0,001 |
Antecedentes Familiares | 1,69 | 1,47-1,93 | < 0,001 |
IC: intervalo de confiança.
Observou-se, ainda, associação entre idade, sexo masculino, tabagismo e dislipidemia com consumo de álcool leve a moderado (Tabela 5).
Variáveis | Odds Ratio | IC 95% | p |
---|---|---|---|
Isquemia miocárdica à EEF | 0,96 | 0,83-1,11 | 0,603 |
Sexo masculino | 5,88 | 5,21-6,63 | < 0,001 |
Idade | 0,97 | 0,96-0,97 | < 0,001 |
Tabagismo | 2,73 | 2,11-3,54 | < 0,001 |
Dislipidemia | 1,51 | 1,02-1,29 | 0,017 |
EEF: ecocardiografia sob estresse físico; IC: intervalo de confiança.
O consumo leve a moderado de álcool apresentou relação com a isquemia miocárdica à EEF, mas não se mostrou preditor independente de positividade nesse teste. A literatura apresenta divergências quanto à associação entre etilismo e doenças isquêmicas cardíacas. O efeito do álcool em pacientes com isquemia miocárdica é descrito como fator protetor em até uma dose de bebida alcoólica por dia6,7 ou até duas doses por dia.9,10 Outros estudos apontaram o etilismo como fator de risco para isquemia miocárdica quando o consumo médio foi de uma ou mais doses por dia13 ou em qualquer dose diária.12,14 Divergências e falta de correlação entre isquemia miocárdica e álcool evidenciadas em certos estudos podem ser explicadas pelas diferenças individuais inerentes às características genéticas.11
Roerecke e Rehm,6 em revisão sistemática, avaliaram 44 estudos observacionais que relacionavam doenças isquêmicas cardíacas ao consumo leve a moderado de álcool, entre 1980 e 2010, apresentando um total de 957.684 participantes. A partir dela, demonstrou-se que, embora exista alguma forma de associação cardioprotetora confirmada, heterogeneidades substanciais permaneceram inexplicadas e intervalos de confiança foram relativamente amplos, particularmente entre uma e duas doses diárias de bebida alcoólica. A cardioproteção relacionada ao etilismo foi descrita, portanto, como uma associação que não pode ser presumida, mesmo ao se avaliar consumo leve de álcool.
As variáveis sexo masculino, dislipidemia e tabagismo - ditas preditoras independentes do etilismo leve a moderado no presente estudo - também apresentaram relação íntima com a isquemia miocárdica. Observa-se, em congruência com a literatura, maior frequência de consumo de álcool entre homens7,13 e com hábito de tabagismo,13,14 amplamente apontados como fatores de risco para isquemia miocárdica.17 Por sua vez, Perissinotto et al.24 evidenciaram maiores valores séricos de colesterol LDL e colesterol total entre idosos cujo consumo de álcool era moderado, assim como no presente estudo, embora haja descrição na literatura desse consumo como inversamente associado à dislipidemia.11,14
A literatura carece de dados ergométricos e ecocardiográficos relacionados ao consumo leve a moderado de álcool, visto que foram evidenciadas diferenças significativas no presente estudo. Observou-se significância estatística na relação entre o etilismo e maior tamanho de aorta e átrio esquerdo, assim como na associação com maior frequência de infradesnivelamento de segmento ST e menor frequência de disfunção diastólica e insuficiência cronotrópica.
Em relação às limitações do estudo, destacam-se as inerentes a qualquer estudo observacional, em que variáveis não mensuradas podem contribuir para diferenças estatísticas entre os grupos. Ademais, não foi possível quantificar com precisão intervalos distintos de consumo de álcool, assim como não foi possível avaliar o tempo de etilismo, o tipo de bebida alcoólica e história prévia do hábito.
Etilismo leve a moderado não se apresentou como preditor independente da presença de isquemia miocárdica à EEF. Observou-se, no grupo dos etilistas, um predomínio de homens, dislipidêmicos e tabagistas, importantes variáveis preditoras de isquemia miocárdica.