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Contagem automatizada de granulócitos imaturos em pacientes de uma unidade de terapia intensiva com suspeita de infecção

Contagem automatizada de granulócitos imaturos em pacientes de uma unidade de terapia intensiva com suspeita de infecção

Autores:

Letícia R. Lima,
Gustavo S. P. Cunha,
Keite S. Nogueira,
Samuel Ricardo Comar

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial

versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774

J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.3 Rio de Janeiro maio./jun. 2019 Epub 01-Ago-2019

http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190031

INTRODUÇÃO

Pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI) encontram-se em estado de saúde vulnerável, passando por diversos procedimentos invasivos que os expõem ao risco de contrair uma infecção. Isso pode estar relacionado com a gravidade da doença, as condições físicas, psíquicas e nutricionais, o tempo de internação e o tratamento empregado(1). Tais condições favorecem o desenvolvimento de infecções bacterianas e fúngicas, estando associadas ao aumento das taxas de morbidade e mortalidade nessa população(2,3).

Quando há suspeita de infecção, são realizados exames laboratoriais, como hemograma, exames bioquímicos e cultura de materiais biológicos para a correta identificação do patógeno e o melhor plano da antibioticoterapia. As culturas de amostras do sítio infeccioso, como urocultura, amostras respiratórias e secreção de abcessos, são realizadas com o objetivo de identificar o microrganismo causador de infecção(2). Na suspeita de infecção de corrente sanguínea, pelo menos dois conjuntos de frascos de hemocultura são coletados para a identificação de bactérias aeróbias e anaeróbias(4-6).

Evidenciar o sítio infeccioso, assim como identificar o agente patogênico e seu respectivo perfil de sensibilidade, é essencial para a correta terapia antimicrobiana. No entanto, a principal desvantagem da cultura é o tempo necessário para a liberação de resultados devido à prolongação do período de incubação, sendo necessários outros exames para auxiliar o profissional no direcionamento do tratamento. O hemograma é um teste de execução mais rápida do que a cultura e fornece parâmetros que auxiliam a avaliação. Pacientes com infecção podem apresentar as contagens de leucócitos alteradas, bem como a presença de células imaturas da linhagem dos granulócitos no sangue periférico em casos de infecções agudas, o que pode diferenciá-los de pacientes saudáveis(7).

Células imaturas, ou granulócitos imaturos (IG), que englobam a contagem de mielócitos, metamielócitos e promielócitos, podem ser quantificadas por analisadores automatizados de hemograma, como o equipamento Sysmex XN-3000 (Sysmex Corporation, Kobe, Japão). Nesses equipamentos, a contagem de IG é realizada por meio de citometria de fluxo no canal WDF, e a diferenciação é feita com base na granularidade da célula (dispersão lateral) e no teor de ácido nucleico (fluorescência lateral pelo reagente Lysercell WDF)(8).

O diagnóstico e o tratamento de infecções são importantes para a prevenção de complicações como a sepse, definida como a "presença de disfunção orgânica ameaçadora à vida secundária à resposta desregulada do organismo à infecção", que induz uma síndrome de anormalidades fisiológicas, patológicas e bioquímicas(9). A sepse está relacionada com alta taxa de mortalidade; essa tese pode ser comprovada em estudos realizados com pacientes internados em UTI no Brasil(10, 11), onde a incidência de sepse chega a 36,3% para cada 1000 pacientes/dia, com uma taxa de mortalidade de 55%, podendo chegar a 63%(10).

O objetivo deste estudo foi verificar se a contagem automatizada de IG, obtida no analisador hematológico Sysmex XN 3000, pode ser utilizada como um marcador de diagnóstico precoce útil para o controle de infecção em pacientes adultos internados na UTI do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), em comparação com culturas de materiais biológicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Local de estudo, amostras e pacientes

Trata-se de um estudo observacional, transversal e retrospectivo realizado em 200 pacientes adultos com suspeita de infecção, com idades médias de 59 ± 16,7 anos, com predominância do sexo feminino, internados na Unidade de Terapia Semi-intensiva, na UTI Adulto e na UTI Cardiovascular do CHC-UFPR, no período de abril a julho de 2017, com hemograma e hemocultura solicitados no mesmo dia.

As contagens automatizadas absolutas e relativas de IG (IG# e IG%, respectivamente), assim como as contagens de leucócitos totais (LEUC) e de neutrófilos (NEUT), foram obtidas a partir de amostras colhidas em EDTAK2 dos hemogramas automatizados realizados na mesma data da hemocultura. Os pacientes foram selecionados a partir da análise de 200 hemoculturas, realizadas de forma automatizada no equipamento BACTEC-FX (Becton Dickinson and Company, Nova Jersey, EUA), com amostras separadas em dois grupos: positivas e negativas. Nas hemoculturas negativas, por meio do Sistema de Informação Hospitalar do CHC-UFPR (SIH), foram coletados dados referentes a outras culturas de microrganismos solicitadas no mesmo dia da hemocultura, como: aspirado, biópsia, coprocultura, cultura de cateter, cultura de fungos, escara, escarro, cultura de líquidos e liquor, secreção de ferida e abscesso, secreção traqueal e urocultura. Após essa primeira análise, os pacientes foram divididos em indivíduos com culturas positivas e aqueles com culturas negativas. No SIH, dados sobre uso de antibióticos, idade, sexo e dados clínicos dos pacientes também foram coletados. O intervalo de referência (IR) para os parâmetros IG# e IG% foi obtido a partir da análise de 200 pacientes adultos ambulatoriais, seguindo as diretrizes recomendadas no documento C28-A3 do Clinical and Laboratory Standards Institute [(CLSI), 2008](12). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CHC-UFPR, sob o número CAAE: 89702818.6.0000.0096. Foram exluídos do estudo indivíduos com idade inferior a 17 anos, com diagnóstico de neoplasias malignas ou benignas e doenças hematológicas.

Princípios de medição do Sysmex XN-3000

Um analisador hematológico Sysmex XN-3000 (Kobe, Japão), número de série 25477, versão do software 00-19D foi utilizado neste estudo. O instrumento analisa 100 amostras por hora e fornece 31 parâmetros reportáveis em sangue total, além de realizar análise de líquidos biológicos. A contagem diferencial de leucócitos foi determinada pelo canal WDF; e a contagem global de leucócitos e eritroblastos, pelo canal WNR. O canal WDF (neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos e IG) utiliza dispersão de luz e fluorescência, separando os grupos de células por complexidade interna e conteúdo de ácido desoxirribonucleico (DNA)/ácido ribonucleico (RNA). O canal WNR (leucócitos, basófilos e eritroblastos) também utiliza dispersão de luz e fluorescência, porém separa as células por tamanho e conteúdo de DNA/RNA(13).

Análises estatísticas

Os dados coletados foram tabulados no software Microsoft Office Excel 2016 e analisados pelo software IBM SPSS Statistics (Versão 25, IBM Corporation, 2017, Armonk, NY, USA). Foram avaliadas as características de desempenho de teste diagnóstico para os parâmetros IG#, IG%, LEUC e NEUT. A curva receiver operating characteristic (ROC) foi analisada com intervalo de confiança (IC) de 95% para a estimativa da área sobre a curva (AUC), assim como valores de sensibilidade e especificidade dos valores de corte.

RESULTADOS

Características da população

Dos 200 pacientes analisados, 79 apresentaram culturas negativas (39,5%) e 121, culturas positivas (60,5%). Quanto ao uso de antimicrobianos no dia da coleta da cultura, 172 pacientes utilizavam medicação; destes, 63 eram pacientes com culturas negativas (79,9% desse grupo), e 109, com cultura positiva (90,1%). Apenas 28 pacientes não utilizavam antimicrobiano. As características da população estão resumidas na Tabela 1.

Tabela 1 Características da população 

Características Total Cultura negativa Cultura positiva
Pacientes 200 79 (39,5%) 121 (60,5%)
Idade 59,33 (17-90) 57,13 (17-90) 60,77 (21-90)
Homem/mulher 89/111 31/48 58/63
Uso de antimicrobiano
Sim 172 (86%) 63 (79,7%) 109 (90,1%)
Não 28 (14%) 16 (20,3%) 12 (9,9%)

Das 121 culturas positivas, 81 eram hemoculturas; 19, uroculturas; oito, culturas respiratórias; duas, culturas de liquor; e 11, culturas gerais (biópsia, cultura de cateter, coprocultura, escara, líquidos e secreções). Entre os agentes etiológicos encontrados, 49,6% (n = 60) das infecções avaliadas eram causadas por bactérias Gram positivas (Gram+); 27,3% (n = 33), por bactérias Gram negativas (Gram-); 9,1% (n = 11), por bactérias Gram+ e Gram-; 13,2% (n = 16), por fungos; e 0,8% (n = 1), por micobactérias (MB). A Tabela 2 apresenta a classificação dos pacientes pelo tipo de cultura e por grupos de microrganismos.

Tabela 2 Classificação dos pacientes pelo tipo de cultura e principal grupo de microrganismo causador da infecção 

Tipo de Cultura Culturas positivas Grupo de microrganismo
Gram+ Gram- Gram+ e Gram- Fungos MB
Hemoculturas 81 (66,9%) 52 15 7 6 1
Urocultura 19 (15,7%) 3 10 0 6 0
Respiratórias 8 (6,6%) 0 4 2 2 0
Liquor 2 (1,7%) 1 0 0 1 0
Culturas gerais 11 (9,1%) 4 4 2 1 0
Total 121 (100%) 60 33 11 16 1

MB: micobactérias.

O microrganismo mais isolado foi o Staphylococcus coagulase negativo (43 amostras), seguido por Candida ssp. (13), Klebsiella pneumoniae (12), Staphylococcus aureus (oito), Escherichia coli (sete), Enterococcus faecalis (seis) e Pseudomonas aeruginosa (cinco). Os principais microrganismos isolados nas amostras estão representados da Tabela 3.

Tabela 3 Microrganismos isolados nas culturas de amostras biológicas 

Microrganismos isolados Número de casos (n = 136)
n %
Staphylococcus coagulase negativo* 43 31,6
Candida ssp. ** 13 9,6
Klebsiella pneumoniae 12 8,8
Staphylococcus aureus 8 5,9
Escherichia coli 7 5,1
Enterococcus faecalis 6 4,4
Pseudomonas aeruginosa 5 3,7
Outros*** 42 30,9

*As culturas causadas por bactérias contaminantes de pele (Staphylococcus coagulase negativo, Streptococcus do grupo viridans, diftéricos, espécies de bacillus, Corynebacterium spp., Micrococcus spp.) foram consideradas agentes infecciosos quando sua positividade ocorreu em mais de um frasco de hemocultura;

**em três culturas isoladas Candida albicans, dois isolados de Candida glabrata e oito de Candida ssp.;

***outros: quatro Acinetobacter baumannii; quatro Enterobacter aerogenes; quatro Enterococcus faecium; quatro Serratia marcescens; três Cryptococcus neoformans; três Enterobacter cloacae; três Proteus mirabilis; três Staphylococcus epidermidis; dois Corynebacterium; dois Streptococcus pneumoniae; uma Burkholderia cepacia; uma Citrobacter freundii; uma Klebsiella ozaenae; uma Morganella morganii; uma Mycobacterium tuberculosis; uma Propionibacterium acnes; uma Pseudomonas putida; uma Salmonella typhimurium; uma Staphylococcus haemolyticus; uma Streptococcus viridans.

Análise das características do teste diagnóstico

O IR obtido para os parâmetros IG# e IG% foi de 0,06 × 103/µl e de 0,6%, respectivamente. Obteve-se sensibilidade para ambos de 74,4% quando os valores foram maiores que o IR, com especificidade de 25,3% para IG# e de 26,6% para IG%, quando os valores foram menores que o IR. Quando realizada a análise da curva ROC, o melhor valor de corte encontrado foi de 0,33 × 103/µl para o IG#, apresentando sensibilidade de 28% e especificidade de 82,3%, com AUC de 0,521. Para o IG%, o melhor valor de corte encontrado foi de 1,35%, com sensibilidade de 44,6% e especificidade de 64,6%, com AUC de 0,532. Para o IG%, quando utilizado um valor de corte de 3%, houve aumento da especificidade para 88%, quando IG < 3%, e da sensibilidade de 19%, quando IG ≥ 3%. A Figura 1 mostra as curvas ROC para o IG#, IG%, LEUC e NEUT, com os seus devidos valores de corte, encontrados na análise estatística.

FIGURA 1 Curva ROC e valores de corte para IG#, IG%, LEUC e NEUTROC: receiver operating characteristic; IG#: contagens automatizadas absolutas; IG%: contagens automatizadas relativas; LEUC: leucócitos; NEUT: neutrófilos. 

As características dos testes diagnósticos estão apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4 Características do teste diagnóstico quando comparados os valores de IG# e IG% em culturas positivas e negativas 

Valores de corte SENS ESP AUC 95% IC
IG# > 0,06 × 103/µl 74,4% 25,3% 0,521 0,44-0,602
IG% > 0,6% 74,4% 26,6% 0,532 0,45-0,613
IG# ≥ 0,33 × 103/µl 28% 82,3% 0,521 0,44-0,602
IG% ≥ 1,35% 44,6% 64,6% 0,532 0,45-0,613
IG% ≥ 3% 19% 88% 0,532 0,45-0,613
LEUC ≥ 14,58 × 103/µl 37,2% 73,4% 0,503 0,422-0,583
NEUT ≥ 75,9% 73,6% 40,5% 0,562 0,481-0,642

IG#: contagem automatizada absoluta de granulócitos imaturos; IG%: contagem automatizada relativa de granulócitos imaturos; LEUC: leucócitos totais; NEUT: neutrófilos; SENS: sensibilidade; ESP: especificidade; AUC: área sobre a curva; IC: intervalo de confiança.

A Figura 2 demonstra o percentual de captura dos IRs e dos VCs, por meio da curva ROC, para IG%, IG#, LEUC e NEUT (%) em relação aos grupos de microrganismos que foram identificados nas culturas. Em 87,5% dos casos de infecções causadas por fungos, o IG% estava acima do valor de referência de 0,6% e o IG# estava acima de 0,06 × 103/µl em 93,8% dos casos de infecções fúngicas. Para as infecções causadas somente por bactérias Gram-, somente Gram+ e por ambos os grupos de bactérias, os valores de IG# e IG% foram acima do IR em aproximadamente 70% das culturas. Valores de corte de IG# ≥ 0,33 × 103/µl e de IG% ≥ 1,35% capturaram 37,5% e 68,8% das culturas positivas para fungos, respectivamente. Já valores de corte de LEUC ≥ 14,585 × 103/µl e de NEUT ≥ 75,9% capturaram 37,5% e 81,3% das culturas positivas para fungos, respectivamente. As culturas causadas por ambas as bactérias Gram- e Gram+ apresentaram IG% ≥ 1,35% e NEUT ≥ 75,9% em 63,6%, respectivamente; e IG# ≥ 0,33 × 103/µl e LEUC ≥ 14,585 × 103/µl em 54,5%, respectivamente. Infecções causadas por Gram- e Gram+ foram detectadas em 66,7% e 76,7% das vezes em que NEUT foram ≥ 75,9%, respectivamente. A única cultura causada por micobactérias teve seu valor alterado para IG# e IG%.

FIGURE 2 Valores de corte das contagens de IG#, IG%, LEUC e NEUT e percentual de captura de acordo com os grupos de microrganismosIG#: contagens automatizadas absolutas; IG%: contagens automatizadas relativas; LEUC: leucócitos; NEUT: neutrófilos. 

DISCUSSÃO

Entre as culturas positivas observadas neste estudo, a hemocultura foi a mais prevalente, com 66,9% do total. O principal patógeno encontrado foi a bactéria Gram+ Staphylococcus coagulas negativo (31,6%). Esse achado difere de outros estudos epidemiológicos sobre infecções em pacientes internados em UTI, nos quais o principal patógeno encontrado foi o Staphylococcus aureus(14, 15). A bactéria Gram- Klebsiella pneumoniae (8,8%) e os fungos do gênero Candida ssp. (9,6%) foram os mais isolados nos seus grupos, conforme observado no trabalho da Secretaria do Estado da Saúde do Paraná (2018), no qual tais agentes também foram os principais causadores de infecções hospitalares no ano de 2017(16).

Os valores de referência obtidos por meio da análise de pacientes ambulatoriais apresentaram intervalos de normalidade entre 0-0,06 × 103/µl para o IG# e 0%-0,6% para IG%. Esses valores foram os mesmos obtidos por Monteiro (2016)(17) - que utilizou pacientes doadores de sangue como grupo-controle - e semelhantes ao encontrados em Bruegel et al. (2004)(18), que definiram IG# < 0,06 × 103/µl e IG% < 5% como valores normais para os parâmetros(17,18). Valores superiores foram encontrados por Senthilnayagam et al. (2012)(14): IG# variou de 0,01-0,09 × 103/µl e IG% de 0,2%-0,8%. O valor de corte obtido na curva ROC para melhor discriminar os casos foi superior ao encontrado para o IR, com IG# ≥ 0,33 × 103/µl e IG% ≥ 1,35%. Ansari-Lari et al. (2003)(7) e Senthilnayagam et al. demonstraram que valores de IG acima de 3% são considerados ótimos para a identificação de infecção/ sepse e podem ajudar o laboratório de microbiologia a acelerar a avaliação dos pacientes. Neste estudo, IG < 3% apresentou especificidade de 88%, sendo, portanto, útil para exclusão de diagnóstico de sepse nos pacientes internados na UTI.

Utilizando o IR como valor de corte, foi encontrada uma sensibilidade de 74,4% para ambos os parâmetros, IG# e IG%, valor que está de acordo com a literatura(14, 19,20). No entanto, a especificidade de 25,3% para IG# e de 26,6% para IG% ficou abaixo do observado em outros estudos(14, 19,21,22). Essa diferença entre os resultados estabelecidos pode ser atribuída a alguns vieses do estudo, como o uso de antibiótico até a coleta da amostra; investigação insuficiente ou incompleta; infecção causada por microrganismos de difícil crescimento ou incomum na prática laboratorial; e alterações clínicas relacionadas com processos inflamatórios e não infecciosos, como a síndrome de resposta inflamatória. Embora a cultura seja considerada padrão-ouro para o diagnóstico de sepse, resultados negativos são observados em 40%-60% das culturas realizadas em pacientes com essa condição clinicamente estabelecida(23,24).

Apesar das recomendações para realizar a coleta de cultura antes do uso de antibioticoterapia, 86% dos pacientes estavam em uso da medicação. O uso de antimicrobianos diminui a chance de positividade da cultura, pois eles possuem efeito bactericida ou ação bacteriostática, o que pode inibir o crescimento bacteriano(3, 6,25). Outra limitação do estudo é o fato de ele ser retrospectivo, pois a coleta de dados depende da solicitação correta de exames laboratoriais e do preenchimento adequado e preciso dos dados e das indicações dos exames no sistema, que podem interferir em uma análise mais completa e significativa dos resultados obtidos.

Ao utilizar o IR como valor de corte nas infecções, que apresentaram maior sensibilidade no estudo, observou-se que nas infecções causadas por fungos, os valores de IG# e IG% estavam alterados em 93,8% e 87,5% dos casos, respectivamente; nos outros grupos, apenas em 70% das culturas. Resultado semelhante foi encontrado para os NEUT (valor de corte > 75,9%): 81,3% das infecções fúngicas; 76,7% de Gram+; e, para os demais grupos, aproximadamente 65%. Com o valor de corte do IG% encontrado na curva ROC, que aumentou a especificidade e diminuiu a sensibilidade, houve diminuição da captura das infecções, sendo fungos (68,8%) e Gram- (36,4%).

Vários estudos demonstraram a relevância da contagem automatizada de IG, que apresentou maior especificidade, sensibilidade e precisão quando comparada com a contagem manual, que se difere em relação à quantidade de células contadas e em sua aplicação na prática clínica, pois apresenta aumento significativo em pacientes com sepse neonatal e em adultos, estando também relacionada com a maior gravidade da infecção quando o IG está elevado(14,26-30).

Com perspectivas de continuar este trabalho, observou-se a necessidade de realizar uma análise mais completa sobre a clínica dos pacientes, baseando-se, como recomendado por Singer (2016)(9), nos sinais e sintomas de cada um, comparando-os com os parâmetros estabelecidos pelo escore de avaliação sequencial de falhas em órgãos Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). Essa combinação clinicolaboratorial permitirá maior probabilidade nos dados obtidos, além de melhorar a utilização de IG% e IG#.

CONCLUSÃO

Com os valores do IR de IG% e IG#, a sensibilidade apresentou-se elevada, servindo de auxílio na triagem de infecção nos pacientes internados na UTI. Os valores de corte demonstrados pelas curvas ROC apresentaram alta especificidade, o que possibilitou a exclusão de diagnóstico de sepse nos pacientes da UTI. Por meio desses resultados, valores de IG mostraram-se úteis para triagem, confirmação e exclusão de infecção em pacientes de UTI.

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