On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.4 São Paulo Aug. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400060
Na era do conhecimento, o saber profissional e as novas abordagens acerca de competências no mundo do trabalho, marcado pela crescente demanda de profissionais que competem por uma vaga no mercado, têm modificado as políticas e as práticas de gestão dos recursos humanos nas organizações, além de ampliar as exigências para o perfil profissional no processo de seleção e contratação.
Essa visão direciona para a necessidade de um perfil de profissionais capazes de assumir responsabilidades e tomar decisões, buscando resolutividades em situações complexas, e construindo e reconstruindo saberes.
Torna-se importante compreender que “saber” e “conhecer” são termos distintos. O saber é um produto objetivo e comunicável, sendo transmissível e compartilhável, ao passo que o conhecimento é subjetivo, pessoal e intransmissível, resultante das experiências vividas no âmbito da cognição. Para o saber profissional, deve haver uma relação do indivíduo com o outro, com profissionais, equipe e com o conhecimento, pois o aprender envolve a história pessoal, as referências, as concepções de vida, suas imagens, fantasias, ilusões, objetivos e significações.(1)
Teoricamente, há dois fatores significativos na aquisição e no desenvolvimento de conhecimentos para o exercício profissional do enfermeiro. O primeiro fator se refere à aprendizagem experiencial e o segundo representa a aprendizagem formal, com implicações para a prática e a política organizacional.(2) Nessa política, o profissional capaz de resolver problemas, partilhar ideias e visões torna-se essencial na organização.(3)
Dessa forma, ele precisa adquirir competências essenciais no âmbito do contexto de trabalho, que envolvem conhecimentos específicos, habilidades e atitudes compatíveis com as situações que surgem para a tomada de decisão, no âmbito individual e coletivo.
Para atender essa realidade, cursos de especialização em enfermagem sob a modalidade residência, estimulam a continuidade de estudos para recém-graduados; oferecem oportunidade para aprofundar o conhecimento técnico-científico; possibilitam o treinamento aos cargos de chefia e liderança; ampliam as oportunidades no mundo do trabalho; e acompanham as inovações tecnológicas.(4,5) Com o intuito de viabilizar a modalidade do curso, foram constituídos convênios e parcerias com organizações hospitalares, públicas e privadas, que assumiram as bolsas para os residentes e o campo de estágio com preceptoria. Esses convênios produzem vantagens diretas e bilaterais ao possibilitar o amadurecimento profissional sistematizado alem de facilitar a inserção de recém-graduados no mercado reduzindo o turnover das organizações.(6,7)
O curso enriquece a passagem do enfermeiro recém-graduado para especialista.(6) Além de proporcionar qualificação técnica, gerencial e de ensino em áreas específicas,(4,8) o curso estimula o aluno, dedicado integralmente, a ser sujeito de seu aprendizado, realizando a integração teoria e prática, promovendo a participação em seminários e eventos científicos, e desenvolvendo atividades grupais, de pesquisas, estudos de casos sob a orientação de docentes e/ou preceptores. O estágio é desenvolvido sob a forma de rodízio em instituição pública e privada, sob a supervisão de uma enfermeira para cada três residentes.(8,9) Dessa forma, a capacitação nesse curso é considerada ideal ao recém-graduado, por proporcionar treinamento em cenário real de trabalho, ampliando as oportunidades de empregabilidade.Vale ressaltar que, nessa modalidade de curso, o aprendizado é coletivo, baseado em processos de vivências, relações interpessoais e compartilhamento do conhecimento individual enriquecendo. Estas ideias permitem inferir que os saberes da experiência supõem continuidade entre a cultura adquirida e os novos saberes.(10)
O conhecimento produzido e apreendido durante o curso possibilita ao enfermeiro egresso a aplicação de seu saber, que pode resultar em mudanças essenciais no desenvolvimento organizacional, ao assegurar, na prestação de serviço, competências em uma determinada área do saber. Consequentemente, sabe-se que os serviços de Enfermagem com pessoal qualificado proporcionam elevado padrão de qualidade no atendimento ao cliente.(11)
Este estudo teve como objetivo analisar a contribuição do curso de especialização em enfermagem, modalidade residência para o saber profissional dos egressos.
Pesquisa qualitativa, desenvolvida em uma Universidade Pública da cidade de Salvador, estado da Bahia, região nordeste do Brasil.
A população do estudo foi composta por 40 enfermeiros egressos do curso de especialização sob a modalidade residência no período de 1996 a dezembro de 2009. Dentre os enfermeiros da amostra, 38 eram mulheres e todos eles estavam inseridos no mercado de trabalho na área da Enfermagem.
Foram adotados como critérios de inclusão a conclusão do curso no período de 1996 a 2009 e residir na cidade de Salvador. O número de participantes foi determinado pelo critério da exaustividade de novas informações.
O instrumento para a coleta das informações foi um roteiro para entrevista semiestruturada constituído por dois blocos: um com a caracterização dos participantes e outro com as questões norteadoras.
As entrevistas foram realizadas em locais privativos, definidos pelos participantes e duraram cerca de 40 minutos. As entrevistas foram transcritas na íntegra, para realização da análise de conteúdo temática.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
As informações foram agrupadas por similaridade em duas categorias: (1) desenvolvimento do saber profissional e (2) formação dedutiva/indutiva.
A categoria “desenvolvimento do saber profissional” permitiu identificar as seguintes contribuições proporcionadas pelo curso: embasamento teórico na realização das práticas, segurança no desenvolvimento do trabalho e identidade profissional.
Em relação à segunda categoria, foi possível extrair contribuições proporcionadas pelo curso, como visão ampliada da assistência para além do biológico e formação de profissional capacitado.
As limitações dos resultados obtidos foram inerentes ao método, considerando que o material empírico demandou de relatos dos participantes de um curso específico e pertencentes ao contexto hospitalar.
A aplicabilidade deste estudo ocorreu no âmbito do próprio curso, estendendo-se para outras Instituições de ensino superior de Enfermagem, estimulando novos projetos e dando visibilidade de sua qualidade por meio dos relatos dos egressos sobre as contribuições do curso para sua vida profissional.
Nos relatos apresentados, a categoria “desenvolvimento do saber profissional” emergiu quando os participantes relataram as contribuições do curso.
Os conhecimentos profissionais são essencialmente pragmáticos porque são modelados e voltados para solucionar problemas que requerem, do profissional, reflexão, discernimento e compreensão para organizar a tomada de decisão.(12) Nesse sentido, para realizar procedimentos e agir com segurança em situações de intercorrências, o enfermeiro precisa ter conhecimentos, habilidades e atitudes coerentes com as necessidades da situação, momento em que se evidencia sua competência. No âmbito da Enfermagem, as questões gerenciais e assistenciais ao cliente e à família nas organizações de saúde.
Nesse sentido, o enfermeiro egresso do curso teve a oportunidade de desenvolver os saberes teórico e prático − esse último definido como aquele adquirido no trabalho e que permite ao profissional resolver problemas respaldados no saber teórico e nas suas experiências. Tal saber profissional envolve a compreensão do que fazer e a articulação dos saberes para planejar e executar um trabalho, com base em princípios técnico-científicos socialmente compartilhados.
Ao desenvolver o saber específico na área, o profissional aplica seu conhecimento nas suas ações, de forma racional, reflexiva e crítica, e transforma os cenários de sua prática profissional, elevando sua autoestima, sua satisfação e sua segurança ao desenvolver seu trabalho.(12,13)
Os egressos afirmaram ter reconstruído sua identidade profissional, ao oportunizar o trabalho como uma das formas de aquisição de conhecimentos. Essa identidade é importante para o bom desempenho no trabalho e para a ascensão da imagem profissional.(14)
O curso melhorou a socialização e aumentou o sentimento de valorização e de reconstrução identitária do profissional, razões importantes para o bom desempenho no trabalho, e consequentemente, para um perfil profissional diferenciado.
Na categoria “formação dedutiva/indutiva”, os enfermeiros referiram que o curso proporcionou visão ampliada da assistência para além do biológico, refletida pela ampla visão contextual na qual é possível direcionar o olhar para além da questão física e da doença que acomete o cliente, contribuindo para o desenvolvimento do saber prático que lhe permitiu resolver problemas, refletir sobre atitudes, ideias e sentimentos, e redefinir relações a partir dos cenários de sua prática. Assim, é nítido que esse “saber ser profissional” desenvolvido durante o curso, com a mobilização dos repertórios individuais em diferentes contextos, tornou-se efetiva em sua ação.
Nesse contexto, utilizar argumentos lógicos, dedutivos e indutivos, na compreensão e aplicação do conhecimento permitiu que o enfermeiro desenvolvesse seu saber profissional. Esses saberes, mobilizados e construídos na prática, copertencem, coevoluem e se transformam.(13)
O enfermeiro, ao utilizar métodos de pensar lógico, construir, projetar, testar, descrever e explicar seu processo de trabalho, que precedem à análise, ao julgamento e à decisão, após observações sistemáticas e/ou assistemáticas, amplia seu conhecimento e desenvolve seu saber profissional.
Na atuação profissional a atividade produtiva depende do conhecimento e da capacidade de pensar de forma crítica, reflexiva,(15,16) criativa e do agir e adaptar-se às mudanças rápidas da sociedade, nas quais a empregabilidade está associada às competências técnicas, à capacidade de decisão, à comunicação oral e escrita, e ao trabalho em equipe. Há ainda a valorização, principalmente, quando existe habilidade para estabelecer relações e assumir lideranças.(14)
Durante o curso de especialização em Enfermagem sob a forma de residência, o enfermeiro egresso teve a oportunidade de ampliar seu conhecimento para o desenvolvimento de saberes essenciais e atuar com competência em sua profissão, transformando o seu modo de pensar e fazer no ambiente de trabalho.
O curso de especialização em Enfermagem sob a forma de residência contribuiu para o desenvolvimento do saber profissional dos egressos, tendo como base a formação dedutiva/indutiva, ao proporcionar embasamento teórico na realização das práticas, na segurança no desenvolvimento do trabalho, na identidade profissional e na visão ampliada da assistência para além do biológico, qualificando o desenvolvimento de sua atuação nos cenários de prática.