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Controle motor oral e funções orofaciais em indivíduos com deformidade dentofacial

Controle motor oral e funções orofaciais em indivíduos com deformidade dentofacial

Autores:

Daniela Galvão de Almeida Prado,
Silmara Regina Pavani Sovinski,
Hugo Nary Filho,
Alcione Ghedini Brasolotto,
Giédre Berretin-Felix

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.20 no.1 São Paulo jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000100001427

INTRODUÇÃO

As funções orofaciais são desempenhadas a partir da interação dos tecidos moles e duros, do sistema vascular e também do controle neural, sendo que, neste processo, a função e a morfologia estão intimamente ligadas, pois não só a condição harmônica das estruturas interfere diretamente no equilíbrio do comportamento muscular, como as funções também interferem diretamente no crescimento e desenvolvimento craniofacial(1).

Esse equilíbrio pode ser quebrado na presença de deformidades dentofaciais (DDFs), definidas como más oclusões associadas a alterações esqueléticas, que se caracterizam pela desarmonia entre a maxila e a mandíbula(2). Uma vez que a maxila e a mandíbula são ossos da face que atuam como base para os arcos dentários, as alterações no crescimento em tais estruturas podem modificar as relações e as funções oclusais, podendo acarretar, uma má oclusão e/ou má função(3).

Os indivíduos com desproporções maxilomandibulares apresentam características miofuncionais orofaciais relacionadas ao tipo de deformidade dentofacial (DDF) apresentada(2).

Nos casos de má oclusão esquelética classe III, existe uma desproporção facial: o terço inferior mostra-se maior que o terço médio em altura; há deficiência nas regiões zigomática e paranasal; há alterações da relação anteroposterior do lábio superior e lábio inferior hipotônico. Além disso, o vedamento labial é insatisfatório, com a língua repousando no assoalho da boca, adaptando-se ao espaço amplo, já que o terço inferior é maior(4). No que se refere aos músculos mastigatórios, esses indivíduos apresentam menor espessura dos masseteres, comparativamente ao grupo controle(5,6).

Em contrapartida, em indivíduos com má oclusão classe II, as características orofaciais podem ser resultados da deficiência no desenvolvimento mandibular. Os lábios encontram-se entreabertos, com hipofunção do lábio superior, eversão do lábio inferior e adaptação do fechamento com hiperfunção do músculo mentual(7). A redução do espaço causada pela retrusão mandibular acomoda a língua, adaptando-a com dorso alto e ponta baixa(8).

Nos indivíduos com deformidades dentofaciais, a mastigação está evidentemente alterada(9). Na deformidade dentofacial classe III, é comum a prevalência de movimentos verticalizados, com utilização do dorso da língua para esmagar o alimento contra o palato e, ainda, pouca ou nenhuma ação dos músculos bucinadores. Casos com má oclusão classe II e III foram comparados a um grupo controle e estes apresentaram alteração na eficiência mastigatória, embora os autores do estudo não tenham encontrado diferenças entre os indivíduos com deformidade(10).

Especificamente nas deformidades dentofaciais classe II, a mastigação apresenta-se rápida, com redução de ciclos mastigatórios e, nos casos onde associa-se o tipo facial longo, observa-se, também, a falta de vedamento labial durante essa função, com pouca utilização dos músculos orbiculares da boca e bucinadores, havendo redução de movimento de lateralização da língua(11). A função mastigatória de pacientes com retrognatia foi comparada à mesma função de um grupo controle, sendo que o grupo experimental apresentou valores menores em relação à eficiência mastigatória, força de mordida máxima, EMG durante o apertamento máximo e EMG durante a mastigação(12). Da mesma forma, foi encontrada menor atividade elétrica e distribuição mais assimétrica dessa atividade durante prova de contração voluntária isométrica máxima, nos músculos temporal anterior e masseter no grupo com DDF, comparativamente ao grupo controle(13).

No que se refere à associação entre a má oclusão classe II e as alterações relacionadas à fala, mastigação, deglutição e fonação, autores concluíram que alterações estruturais da face se relacionam com as alterações miofuncionais orofaciais, enfatizando que a presença de desarmonias do complexo craniofacial resulta em ajustes fisiopatológicos para a execução das funções realizadas por esse sistema(14).

Assim, um trabalho realizado com pacientes com má oclusão classe III observou alterações nas funções de mastigação, como dificuldade na trituração de alimentos e intensa participação do dorso da língua durante o esmagamento do alimento. Já na respiração, observou, nos indivíduos dolicocefálicos, o modo respiratório alterado (oral ou oronasal), a deglutição com interposição de língua e a participação exagerada da musculatura perioral, enquanto a fala encontrou-se com desvio mandibular(15).

A função de deglutição também foi avaliada considerando aspectos da postura de lábios e língua, contenção de alimento, contração dos músculos orbicular da boca e mentual. Avaliou-se a fala quanto aos aspectos de abertura e desvio mandibular, movimento labial, e precisão articulatória. O estudo verificou diferença estatisticamente significativa na comparação entre indivíduos com deformidade dentofacial padrão II e III e o grupo controle, demonstrando maior alteração da função de deglutição na presença de DDF. Quanto à fala, os indivíduos com DDF padrão II apresentaram piores resultados, comparativamente ao grupo controle e aos indivíduos padrão III(16). Em um caso clínico com DDF padrão III, encontraram a língua posicionada no assoalho da cavidade oral; mastigação com movimento compensatório de língua; deglutição com projeção anterior de língua; diminuição da elevação de dorso; diminuição de ejeção oral para líquido e depuração faríngea completa para líquidos e sólidos(17).

Em relação à fala, também foram encontradas pesquisas em que esta função estava comprometida em casos com DDF, quando realizadas avaliações clínicas. Os autores observaram alterações articulatórias em indivíduos com má oclusão, distorção nos sons /s/, /z/, /t/, /d/, /l/, /n/ em indivíduos classe III, distorção do /r/ em classe II(18) e distorções nas fricativas em classe III(19). Erros na precisão articulatória também foram descritos em indivíduos com má oclusão classe II e III(20). Outros estudos também encontraram erros articulatórios caracterizados por substituição e distorção, apesar do tipo de má oclusão não ter influenciado o desempenho na fala(21).

Para avaliar a fonoarticulação de forma instrumental, um dos testes utilizados consiste na diadococinesia (DDC), que representa a habilidade para realizar repetições rápidas de padrões relativamente simples, compostos por contrações oposicionais, e reflete a adequação da maturação e a integração neuromotora do indivíduo, oferecendo informações sobre a velocidade, o ritmo e a precisão dos movimentos articulatórios, bem como a posição dos articuladores(22).

Diferenças entre indivíduos com DDF e indivíduos com equilíbrio dentofacial quanto à velocidade e diversos parâmetros de estabilidade da diadococinesia DDC oral, demonstram que as alterações nas estruturas responsáveis pela fonoarticulação podem afetar o resultado da DDC e não apenas o controle neurológico do movimento(23).

Tendo em vista que as desproporções dentárias e esqueléticas presentes nos indivíduos com DDF podem contribuir para alterações no desempenho motor oral, com impacto nas funções orofaciais, o estudo desses aspectos poderá contribuir para a compreensão das manifestações da DDF, possibilitando melhor direcionar o processo de reabilitação fonoaudiológica na área de motricidade orofacial após a intervenção ortodôntico-cirúrgica.

Sendo assim, o objetivo desta pesquisa foi verificar se há relação entre o controle motor oral e as funções de mastigação, deglutição e fala em indivíduos com deformidade dentofacial.

MÉTODOS

Estudo observacional transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (USP), sob processo número 049/2009. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram avaliados 16 indivíduos com DDF, com idade entre 18 e 40 anos, média 28,37, desvio padrão de 6,91, sendo sete indivíduos padrão II (três mulheres e quatro homens) e nove, padrão III (cinco mulheres e quatro homens), em preparo ortodôntico para a realização da cirurgia ortognática. Os critérios de inclusão foram: ter idade entre 18 e 40 anos, apresentar DDF (má oclusão esquelética) e estar em fase de finalização do tratamento ortodôntico preparatório para a cirurgia ortognática.

Os indivíduos foram previamente diagnosticados por um cirurgião dentista bucomaxilofacial, que utilizou análise facial e oclusal, cefalometria e exames por imagem para definir o tipo de má oclusão. Todos os procedimentos foram realizados como parte do protocolo prévio à realização da cirurgia ortognática.

Foram considerados critérios de exclusão: apresentar histórico de deficit intelectuais, problemas neurológicos e psiquiátricos, doença pulmonar crônica, tabagismo, alterações vocais, cirurgia laríngea pregressa e tratamento fonoaudiológico prévio. Tais informações foram obtidas por meio de um questionário respondido pelos participantes.

As gravações das emissões da DDC foram realizadas em estúdio tratado acusticamente, diretamente em computador, por meio do microfone de cabeça marca AKG®, modelo C444PP, conectado à placa de som modelo Audigy II, marca Creative®, posicionado lateralmente entre 60 graus a 10 cm da comissura labial, como demonstra a Figura 1.

Figura 1 Avaliação da diadococinesia oral 

Para a avaliação da DDC foram registradas as repetições das sílabas “pa”, “ta”, “ka” e da sequência trissilábica “pataka”, no programa Sound Forge 9.0 (Sony®), em taxa de amostragem de 44.100 Hz, canal Mono, em 16 Bit (Figura 2). Cada emissão foi gravada durante oito segundos, sendo excluídos os dois primeiros e os dois últimos segundos da amostra.

Figura 2 Registro das amostras de fala no programa Sound Forge 9.0 (Sony®) 

Os indivíduos foram instruídos a “manter a produção tão rápida quanto possível”, durante o tempo determinado pelo avaliador, sendo que poderiam treinar por quanto tempo desejassem, antes de realizar a gravação de cada sequência. O treino era realizado até que o indivíduo compreendesse a forma de execução da prova, ou seja, que as emissões deveriam ser realizadas com sucessão rápida, mantendo a articulação clara e precisa, com altura e intensidade de voz confortáveis, sem que houvessem pausas respiratórias.

Foi realizada a edição dos oito segundos de gravação utilizando quatro segundos para análise. Com base em estudo prévio(24), a edição foi realizada da seguinte forma: inicialmente, quatro segundos da amostra foram definidos movendo o cursor em dois segundos, a partir do começo da gravação; se o cursor inicial interrompesse uma sílaba, era movido para a esquerda até que o início da sílaba fosse alcançado; o intervalo de quatro segundos foi definido a partir desse ponto. Após esses procedimentos, uma amostra final era delimitada e analisada pelo programa, que gerava os valores referentes aos parâmetros que foram estudados.

A análise das monossílabas “pa’, ‘ta’ e ‘ka’ foi realizada utilizando o software Motor Speech Profile Advanced (MSP), 5141, (Kay-Pentax™). No ajuste de captura, foram utilizadas taxas de amostragem de 11.025 HZ. No programa MSP, as emissões são representadas por um gráfico em que o tempo (segundos) é demonstrado pelo eixo horizontal e a energia (dB) em um eixo vertical. O programa determina uma linha no ponto central de energia em dB do eixo vertical, que representa a intensidade média da amostra (DDKava), porém, algumas emissões produziam instabilidades nos gráficos, considerando-se, então, que a linha de análise seria elevada ou abaixada, a fim de que os subpicos não fossem inclusos (Figura 3).

Figura 3 Análise das amostras de fala pelo programa Motor Speech Profile Advanced, da Kay-PentaxTM 

A análise da DDC das sílabas e vogais foi realizada quanto aos parâmetros gerados pelo programa: média do período (ms), média da taxa (s), desvio padrão do período (ms), coeficiente de variação do período (%), perturbações do período (%), coeficiente de variação do pico da intensidade da DDC (%).

As DDCs da trissílaba /pataka/ foram analisadas quantitativamente, por meio do programa computadorizado Multi-Speech Main Program, Modelo 3700, da Kay- Pentax™, utilizando-se taxa de amostragem em 11.025 HZ na análise espectrográfica. A contagem do número de sequências de fricativas e de trissílabas por segundo foi realizada pela avaliadora de forma manual, com o apoio da pista visual e auditiva, depois de demarcado o tempo a ser analisado.

Para avaliação das funções orofaciais, foram registradas as imagens das provas de mastigação, deglutição e de fala, conforme proposto no exame miofuncional, por meio do protocolo MBGR(25).

Na avaliação da mastigação, foi utilizado o biscoito tipo waffer em três porções iguais, e, dos critérios sugeridos pelo protocolo MBGR para análise da mastigação, foram verificados o padrão mastigatório (unilateral crônico, bilateral simultâneo ou alternado), bem como a presença de contrações musculares atípicas. Para a avaliação da deglutição dirigida de líquido (água), analisou-se: o selamento labial, se adequado, parcial ou ausente; a posição da língua, se atrás, contra os dentes, entre os dentes ou não observável; a postura do lábio inferior, se em contato com o dente superior ou atrás dos dentes superiores; a contenção do alimento, se adequada, parcial ou inadequada; a presença de contração dos músculos orbicular e mentual, bem como o movimento de cabeça ao deglutir, além da coordenação da deglutição. Quanto à fala, amostras de nomeação de figuras, contagem de números de 0 a 20 e de fala espontânea foram obtidas, sendo observada a presença ou não de alterações como articulação exagerada ou travada, movimento labial reduzido ou exagerado, desvio mandibular e precisão articulatória.

A análise das filmagens foi realizada por três fonoaudiólogos especialistas em Motricidade Orofacial, que atribuíram escores a cada item investigado. A partir da classificação dos três examinadores, para cada indivíduo avaliado foi considerada a opinião da maioria deles, ou seja, de, no mínimo, dois examinadores. Na situação em que não houve concordância entre os mesmos, foram solicitados a avaliar conjuntamente tais aspectos, obtendo assim, um consenso.

Na análise das filmagens, foi considerada a soma dos escores individuais para a obtenção do escore total de cada função. Quando adequado, foi atribuído valor zero e, quando alterados, valores superiores, sendo que quanto maior o escore, maior a alteração. Dessa forma, os dados considerados a partir da avaliação de três juízes foram tabulados em banco de dados específicos para aplicação de testes estatísticos pertinentes.

Para a análise estatística, foi considerada a DDF incluindo padrão II e III. Não foi possível fazer a análise separadamente, devido ao número pequeno da amostra que limitava a realização da estatística.

A relação entre os achados da DDC com os achados na avaliação das funções de mastigação deglutição e fala foi obtida por meio do teste de Correlação de Spearman, sendo considerados significantes os valores de p<0,05.

RESULTADOS

As médias e os desvios padrão dos parâmetros da DDC nas diversas emissões dos indivíduos com DDF (má oclusão padrão II e III) estão descritos na Tabela 1. Os valores da média, desvio padrão, mediana, valor mínimo e máximo dos escores dos indivíduos com DDF atribuídos a cada função por meio da aplicação do Protocolo MBGR constam da Tabela 2.

Tabela 1 Valores da diadococinesia oral dos indivíduos com deformidade dentofacial, durante as emissões de “pa”, “ta”, “ka”, e “pataka” 

Parâmetros - emissão Média (±DP)
mP “pa” (ms) 164,550 (±15,49)
mP “ta”(ms) 158,952 (±13,11)
mP “ka” (ms) 165,671 (±42,36)
mT “pa”(/s) 6,125 (±0,55)
mT “ta”(/s) 6,331 (±0,52)
mT “ka”(/s) 5,749 (±0,49)
mT “pataka”(/s) 2,224 (± 0,23)
dpP “pa”(ms) 11,605 (±4,85)
dpP “ta”(ms) 12,969 (±6,71)
dpP “ka”(ms) 16,648 (±6,91)
cvP “pa”(%) 6,968 (±2,41)
cvP “ta”(%) 8,171 (±4,29)
cvP “ka”(%) 9,622 (±4,12)
jitP “pa”(%) 1,396 (±0,56)
jitP “ta”(%) 1.500 (±0,80)
jitP “ka”(%) 1,949 (±0,70)
cvI “pa”(%) 2,102 (±0,92)
cvI “ta”(%) 2,164 (±0,87)
cvI “ka”(%) 2,642 (±1,01)

Legenda: DP = desvio padrão; DDC = diadococinesia; mP = média do período da DDC; mT = média da taxa da DDC; dpP = desvio-padrão do período da DDC; cvP = coeficiente de variação do período da DDC; jitP = perturbações do período da DDC; cvI = coeficiente de variação do pico da intensidade

Tabela 2 Medidas descritivas dos escores dos indivíduos com deformidade dentofacial atribuídos a cada função orofacial, de acordo com o protocolo MBGR 

Funções orofaciais Média ± DP Mediana Máximo Mínimo
Mastigação 1,81±1,11 1 3 0
Deglutição 5,56±2,13 5 10 2
Fala 4,12±3,91 3 12 0

Legenda: DP = desvio padrão

Ao aplicar o teste de Correlação de Spearman, foram observadas correlações significativas para alguns dos parâmetros da DDC e os escores das funções de mastigação e deglutição, como apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 Valores de correlação entre mastigação, deglutição, fala e diadococinesia oral 

  Parâmetros - emissão Valor de R Valor de p
Mastigação dpP-“pa” (ms) 0,53 0,02*
cvP- “pa” (%) 0,66 0,00*
jitP – “pa” (%) 0,60 0,01*
jitP – “ka” (%) 0,46 0,03*
cvI – “pa” (%) 0,60 0,02*
Deglutição mP “pa” (ms) 0,56 0,02
dpP-“pa” (ms) 0,70 0,00*
cvP – “pa” (%) 0,65 0,00*
jitP –“pa” (%) 0,68 0,00*
mT-“pa (/s) -0,56 0,04*
Fala cvI - “pa” (%) - 0,29 0,04*

* Valores significativos (p<0,05) – Teste de Correlação de Spearman Legenda: DDC = diadococinesia; dpP = desvio-padrão do período da DDC; cvP = coeficiente de variação do período da DDC; jitP = perturbações do período da DDC; cvI = coeficiente de variação do pico da intensidade

Correlação positiva moderada (0,50<r<0,75) e significativa (p<0,05) foi verificada entre a função mastigatória e a DDC da sílaba “pa”, nos parâmetros dpP, cvP, jitP e cvI e da silaba “ka”, no parâmetro jitP, indicando que quanto maior a instabilidade da emissão da sílaba “pa” e “ka”, mais alterada a função mastigatória.

Foi verificada correlação positiva moderada (0,50<r<0,75) e significativa (p<0,05) entre a função de deglutição e a DDC da sílaba “pa”, nos parâmetros dpP, cvP e jitP, evidenciando que quanto maior a instabilidade da emissão, mais alterada a deglutição. Quanto aos parâmetros de velocidade, houve correlação positiva moderada (0,50<r<0,75) e significativa (p<0,05) entre a deglutição e a DDC da sílaba “pa”, no parâmetro mP, e correlação negativa moderada e significativa (p<0,05) entre a deglutição e a DDC da sílaba “pa”, no parâmetro mT.

Na correlação entre a função da fala e a presença de DDF, foi encontrada correlação negativa fraca e significativa para o parâmetro cvI, na emissão da silaba “pa”, indicando que quanto maior a instabilidade da emissão, menor a alteração da fala. Este dado não está de acordo com o esperado, porém, pode estar relacionado à presença de correlação regular (0,25<r<0,50).

DISCUSSÃO

As DDF podem provocar desequilíbrios no sistema estomatognático, ocasionando alterações que podem desencadear prejuízos às funções orofaciais. Por essa razão, este estudo investigou a relação entre o controle fonoarticulatório e as funções de mastigação, deglutição e fala em indivíduos com má oclusão esquelética, em período anterior à realização da cirurgia ortognática.

No que se refere às funções orofaciais estudadas, foram encontradas alterações relacionadas à mastigação, deglutição e fala, em todos os indivíduos com DDF investigados. Diversos autores descrevem alteração nas funções orofaciais em indivíduos com má oclusão classe II e III(10,15,17,26), de modo semelhante ao verificado na presente pesquisa.

Serão discutidos os resultados que apresentaram correlação moderada positiva e negativa em relação à DDC e às funções. Este critério foi adotado porque as correlações regular e fraca não apresentariam resultados confiáveis. Quanto à função mastigatória, os resultados evidenciaram que quanto maior a instabilidade da emissão da sílaba “pa” e “ka”, mais alterada esta função. A correlação positiva entre DDC e alteração da função mastigatória pode estar relacionada ao desequilíbrio muscular, pois o reduzido número de contatos oclusais resulta no prejuízo da força de mordida e no desempenho mastigatório com compensações e adaptações(24,25). Além disso, a retrognatia pode levar a deslize mandibular anterior para aumentar o espaço intraoral durante a mastigação, desencadeando ciclos mastigatórios mais rápidos e reduzidos(26), e na prognatismo. Os movimentos laterais e rotatórios da mandíbula ficam prejudicados em decorrência da posição da maxila em relação à mandíbula(15).

Apesar de não terem sido encontrados estudos que relacionassem DDC e função mastigatória em indivíduos com DDF, a DDC mostrou relação com a mastigação em indivíduos idosos que utilizam reabilitação protética, tendo sido encontrada relação com a movimentação da língua, demonstrando que a língua pode compensar a ausência de dentes na performance mastigatória(26). Outro estudo, observou a relação entre o controle motor da língua e a função mastigatória, constatando que as habilidades motoras da língua e performance mastigatória de idosos dentados e portadores de próteses totais foram menores, em comparação com as de adultos dentados(27).

Os resultados evidenciaram correlação entre a DDC e a deglutição, sendo que quanto maior a instabilidade da emissão da sílaba “pa”, mais alterada essa função. Este fato pode ser explicado, pois indivíduos com prognatismo apresentam deglutição com interposição lingual anterior e participação da musculatura perioral e indivíduos com retrognatismo apresentam deslize mandibular anterior, movimento posteroanterior de língua, participação da musculatura perioral e interposição lingual(26). Outros autores observaram que pacientes com má oclusão classe III apresentaram deglutição com projeção anterior de língua, diminuição da elevação de dorso de língua e diminuição da força de ejeção oral para líquido(16). Tais características podem ter interferido no desempenho motor oral dos indivíduos com DDF estudados.

Quanto aos parâmetros de velocidade da DDC, houve correlação com a função de deglutição, sendo positiva em relação à média do período e negativa em relação à média da taxa da emissão “pa”. Portanto, quanto maior a alteração na deglutição, maior a duração do período, indicando que os indivíduos com comprometimento na deglutição repetiram a emissão de forma mais lenta.

Assim, da mesma forma que os achados relacionados à instabilidade da emissão, a alteração na função adaptada à má oclusão esquelética pode ter prejudicado, também, a velocidade da produção motora oral. Porém, observando os resultados, pode-se considerar que a DDF, tanto padrão II, como padrão III, prejudica a ação da musculatura orofacial e as funções adjacentes, as quais têm ação uma sobre a outra e, da mesma forma, a musculatura sobre a parte óssea, constatando o binômio forma e função.

No que diz respeito à fala, a análise desta função em indivíduos com má oclusão Classe III esquelética constatou ausência de desvio mandibular, porém, observou que outros aspectos da fala foram influenciados pelo padrão facial, sendo que os dólicocefálicos apresentaram maior ocorrência de alterações articulatórias, em relação aqueles com face média(15). Da mesma forma, outro estudo também encontrou alterações de fala em indivíduos com má oclusão classe II, tais como anteriorização da mandíbula e deslize mandibular anterior ou lateral, além da projeção de língua nos indivíduos padrão II, alterações estas que diferenciaram daqueles com padrão I(14).

No presente estudo, a correlação entre os dados da DDC e avaliação clínica da fala foi negativa, ou seja, quanto maior a instabilidade da DDC, menor a alteração na função da fala, o que vai contra o esperado e descrito na literatura, porém, o valor de “r” indica uma correlação regular, o que pode justificar tal controvérsia.

A DDC é um exame instrumental que avalia a fonoarticulação, promovendo um índice acústico da velocidade do movimento articulatório. Sendo assim, seria esperado que a alteração na fala encontrada na DDC fosse observada durante a análise das filmagens da fala. Todavia, deve ser considerado que a avaliação clínica da fala pode não ter sido sensível para diagnosticar alterações, sendo que uma avaliação instrumental como, por exemplo, a análise acústica da fala, poderia fornecer parâmetros mais específicos. Portanto, deve-se consider que seriam importantes novos estudos abordando distintas propostas metodológicas de investigação da fala.

Em vista disso, pode-se observar a possibilidade da DDF ocasionar prejuízos às funções orofaciais e, consequentemente, à articulação, pois a DDC que avalia a função das estruturas fonoarticulatórias mostrou-se alterada em alguns casos. Sendo assim, este estudo alerta para o fato de que a DDC pode ser um instrumento útil na clínica fonoaudiológica, que permitirá auxiliar na avaliação, assim como possibilitar um acompanhamento adequado dos casos de DDF.

Estudos com um número maior de sujeitos, que abordem o controle motor oral e as funções orofaciais no pós-cirúrgico, contribuirão para aprimorar as pesquisas nessa área, colaborando com a avaliação e tratamento de indivíduos com DDF.

CONCLUSÃO

Foi encontrada relação entre o controle motor oral e as funções de mastigação e deglutição para parâmetros de instabilidade e velocidade da diadococinesia.

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