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Conversa de Boteco: participação, educação e promoção da saúde do homem

Conversa de Boteco: participação, educação e promoção da saúde do homem

Autores:

Francisco Nilson Paiva dos Santos,
Vanessa Denardi Antoniassi Baldissera,
Renata Ferraz de Toledo

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 18-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0006

INTRODUÇÃO

A partir da reorganização da Política Pública de Saúde no Brasil, instaurada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foram propostos diversos programas e políticas para assegurar os princípios e diretrizes fundamentais. Ao público masculino, apenas em agosto de 2009 passou a vigorar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), com o objetivo de qualificar a atenção à saúde dessa população na ótica de linhas de cuidado que preservem a integralidade da atenção1.

Nessa Política, são citadas algumas estratégias para aproximação com esse público nos locais considerados, comumente, de concentração dessa população, como campos de futebol, quartéis e até bares1, sendo este último o locus da presente pesquisa.

Apesar de avanços nas questões de gênero e relações sociais, o homem ainda é considerado provedor financeiro, sexual e afetivo2. Como resultado, ele ainda está presente nos serviços de saúde de maneira muito tímida e, na maioria das vezes, na função de acompanhante ou em casos de emergência e urgência, ou ainda em nível especializado, quando a cronicidade já é um fato. Evidentemente, há inúmeras razões para isso, dentre elas, o fato de que em muitos serviços de saúde predominam ações de atenção à saúde materno-infantil e, ainda, pelo próprio despreparo de profissionais da saúde para atender esse público3-4.

No cenário das vulnerabilidades relacionadas à saúde e bem-estar do homem, pode-se destacar: maior porcentagem de óbitos ligados a causas externas, entre grupos que compreendem a faixa etária de 15 e 29 anos; doenças do aparelho circulatório, seguidas de tumores, doenças do aparelho digestório e, por fim, as doenças do aparelho respiratório1.

Frente a estas e outras vulnerabilidades, a população masculina necessita, assim como outros grupos, de estratégias específicas de atenção à sua saúde e promoção ao autocuidado. Novos mecanismos para o fortalecimento e a qualificação da atenção primária voltada à saúde do homem devem ser buscados para que essa seja, de fato, a porta de entrada dessa população, incluindo-o no processo de promoção, prevenção e recuperação1,5.

Pode-se destacar ainda a dificuldade dos homens em verbalizar suas necessidades em saúde, evidenciando a noção de invulnerabilidade e, ao mesmo tempo, o pouco reconhecimento da importância da PNAISH para este público5-6. Assim, a configuração da PNAISH necessita de maior representação não apenas à saúde do homem, como também ao próprio homem. A culpabilização ainda é o foco quando se trata de cuidados em saúde para esse grupo, sendo necessárias várias ações estratégicas a fim de identificar meios para que possam se expressar. O reconhecimento de tal política como sua, converge para melhor compreensão do processo saúde doença, bem como ao entendimento de suas reais necessidades e à promoção integral da sua saúde7-8.

Nesse contexto, a promoção à saúde é uma abordagem adequada para sensibilizar sobre o tema, para o qual desenvolveram-se diversos modelos, como o Modelo de Promoção da Saúde de Nola Pender. Aliado às práticas de educação em saúde mais includentes e protagonistas, Nola Pender é um referencial relevante. Fundamentalmente, um modelo de enfermagem que pode ser usado em contextos multiprofissionais para implementar e avaliar ações de promoção da saúde em três aspectos principais: 1. Características e experiências individuais; 2. Sentimentos e conhecimentos sobre o comportamento que se quer alcançar; e 3. Comportamento de promoção da saúde desejável9. São inexistentes estudos na população masculina sob esse referencial, embora estejam presentes em outros públicos e contextos10-13.

Ancorado nas premissas da promoção da saúde14, profissionais da Estratégia Saúde da Família - ESF, da Unidade Básica de Saúde - UBS Paraisópolis II, administrada em parceria pelo Hospital Albert Einstein, localizada na zona sul da cidade de São Paulo, desenvolveram um projeto para organizar e fortalecer a atenção básica, conforme os princípios e diretrizes do SUS: um grupo socioeducativo, multiprofissional, voltado à saúde do homem, denominado “Conversa de Boteco”. Desde 2013, são realizados encontros deste Grupo em bares da comunidade de Paraisópolis, com a presença de 15 homens moradores locais, em média, e com a atuação de uma equipe de saúde constituída por enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agentes comunitários de saúde (ACS), além de profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que se revesam no apoio às ações desse Grupo.

Por meio da utilização de diferentes estratégias socioeducativas de caráter participativo e protagonista, como o mapa-falante15, diversos temas vêm sendo discutidos nesses encontros de forma interdisciplinar e conforme interesse do grupo, contribuindo para qualificar a participação dos envolvidos15-16, como se espera também de processos de educação voltados à promoção da saúde.

Balizados pelo referencial teórico-conceitual de promoção da saúde9, interessava ao grupo executor compreender melhor o comportamento de promoção em saúde desenvolvido junto aos homens participantes do Grupo ‘Conversa de Boteco’, haja visto que em uma intervenção educativa coletiva e dialógica dessa natureza o dinamismo no grupo limita a clara apreensão dos elementos que consolidam a promoção da saúde, muito embora a premissa fosse de que sua aplicação coletiva seja viável.

Assim, a presente pesquisa teve por objetivo avaliar o processo de execução de ações dialógicas participativas junto a um grupo socioeducativo masculino, na perspectiva da promoção da saúde.

MÉTODO

O presente estudo foi desenvolvido por meio de abordagem qualitativa, de campo, de natureza exploratório-descritiva17, fundamentada pela pesquisa avaliativa compreensiva18, tomando por parâmetro avaliativo os aspectos teóricos conceituais do modelo de promoção da saúde de Nola Pender9 presentes no percurso do desenvolvimento do grupo socioeducativo, com homens adultos, denominado ‘Conversa de Boteco’.

O trabalho foi realizado na comunidade de Paraisópolis, considerada a segunda maior favela de São Paulo, localizada na zona sul da cidade, na Vila Andrade, no bairro do Morumbi. Em uma área de, aproximadamente, 1 Km2 vive uma população de aproximadamente 60 mil habitantes em situação de forte vulnerabilidade socioambiental19. Trata-se de um cenário marcado pela desigualdade e exclusão social, poucas opções de lazer, ausência de planejamento urbano e de serviços de saneamento básico adequados, dentre outros problemas socioambientais e de saúde.

Quanto aos instrumentos para coleta de dados, realizaram-se entrevistas semiestruturadas e a técnica do Grupo Focal (GF)20. Participaram das entrevistas sete profissionais da saúde da UBS Paraisópolis II que já haviam atuado em pelo menos um encontro do grupo socioeducativo “Conversa de Boteco”: três agentes comunitários de saúde; um médico psiquiatra, uma médica da família, uma enfermeira e uma fonoaudióloga. O GF foi desenvolvido com nove homens moradores da comunidade de Paraisópolis, compreendendo a faixa etária entre 20 e 59 anos, que já frequentavam os encontros do Grupo. Assim, a amostra foi intencional, considerando elegíveis para o estudo aqueles que tiveram vivências/experiências junto ao grupo.

O roteiro de perguntas utilizado nas entrevistas com os profissionais da saúde enfatizou os seguintes aspectos: conceitos de promoção da saúde e; planejamento, desenvolvimento e repercussões do grupo socioeducativo “Conversa de Boteco” para a promoção da saúde dos homens.

Para o GF foi também previamente elaborado e testado um roteiro de tópicos que procurou levantar as percepções sobre: participação no grupo; temas de maior interesse e adequações das estratégias utilizadas nos encontros; percepções de mudanças nas condições de vida e saúde, incluindo o autocuidado; impacto dos assuntos abordados; aproximação com a UBS e com os profissionais da saúde. O GF foi realizado em um bar na comunidade de Paraisópolis no dia 24 de fevereiro de 2016, com duração de três horas, aproximadamente, e contou com a participação de nove homens, além de um relator e um observador (para anotar as expressões não verbais dos participantes), integrantes da equipe de saúde. O mediador do GF foi o próprio pesquisador principal deste estudo. O encontro foi previamente agendado para esse fim, sendo convidados a participar todos os homens que já frequentavam os encontros do Grupo.

A análise dos resultados obtidos com as entrevistas semiestruturadas e com o grupo focal foi realizada pela técnica de Triangulação de Métodos21, favorecendo distintas formas de olhar a realidade. Assim, os resultados foram inicialmente organizados e transcritos em separado, porém, analisados de forma conjunta, buscando-se ideias convergentes e divergentes, comparando-as com os aspectos teóricos-conceituais de promoção da saúde de Nola Pender9, de forma que permitiram aglutinar temáticas emergentes apreendidas pelo pesquisador, para então avaliar o percurso de promoção da saúde existente no grupo ‘Conversa de Boteco’.

Para atender aos aspectos éticos exigidos, foi solicitado aos participantes o preenchimento de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE) e registrado sob o número 48.115.715.

RESULTADOS

As entrevistas e grupos focais permitiram eleger temáticas emergentes, a saber: 1) A Conversa de Boteco é intervenção orientadora do autocuidado; 2) A Conversa de Boteco valoriza conhecimentos e saberes científicos e populares por meio de técnicas participativas com protagonismo dos envolvidos; 3) A Conversa de Boteco abarca prevenção de doenças específicas e mudanças de hábitos pela busca do bem-estar; 4) A Conversa de Boteco tem distintas percepções quanto aos aspectos estruturais e técnicos dos encontros. Tais temáticas serão apresentadas e discutidas.

A Conversa de Boteco é intervenção orientadora do autocuidado

A respeito da participação dos homens participantes do Grupo Socioeducativo, foi relatada grande satisfação para com os encontros e discussões estimuladas. Percebeu-se que suas falas convergiram para aspectos voltados ao autocuidado e ao modo como compreendiam sua saúde. Valorizaram a importância desse grupo, pois os saberes compartilhados durante os encontros permitiam, muitas vezes, reconhecer determinantes do processo saúde-doença, favorecendo uma condução crítica em relação às condições de vida e saúde:

Pra mim, é ficar sabendo de um problema de saúde antes dele acontecer, eu acho.

Entre os assuntos abordados durante os encontros, alguns foram motivo de discussão e esclarecimentos, como por exemplo a Hipertensão Arterial, como lembrou um dos participantes do grupo focal:

Eu não sabia que os negros têm uma tendência a ter a pressão elevada, então, isso marcou muito, passei a me cuidar, isso foi um dos pontos-chave pra mim.

Além de discutir questões específicas de determinadas doenças, a partir do interesse e preocupação dos participantes, procurava-se estimular, sempre que possível e necessário, hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis, ampliando a compreensão de seus determinantes e permitindo que o autocuidado não se limitasse ao uso de medicações, trocas de receitas ou realização de exames. Evidenciou-se tentativas de transformação do conceito de saúde e comportamento desses homens em relação ao modelo biomédico para uma perspectiva de sua coparticipação na manutenção ou recuperação da sua saúde.

A Conversa de Boteco valoriza conhecimentos e saberes científicos e populares por meio de técnicas participativas com protagonismo dos envolvidos

Ao serem questionados sobre os aspectos positivos de sua participação no Grupo, os profissionais da saúde valorizaram o aprendizado de novas estratégias, como o mapa-falante e o painel integrado, a troca de experiências entre áreas diversas e destes profissionais com os participantes no processo de educação em saúde. Consideraram, também, que este diálogo fora da UBS contribuiu para maior interação e aproximação destes para com os usuários e, do mesmo modo, dos usuários para com os serviços de saúde.

Na fala de um dos entrevistados, ficou claro o reconhecimento daquele espaço como possível para realização de reflexões voltadas à educação e promoção da saúde do homem:

Mesmo estando no bar, eles foram lá pra falar da saúde deles, com o que eles tinham de dúvida e a oferecer.

Outro aspecto mencionado pelos entrevistados foi o sentimento de reconhecimento de seu trabalho ao serem convidados a participar dos encontros. Houve também o entendimento de que sua participação específica trouxe mais segurança ao grupo. Dentre os aspectos negativos, foram citados: a rotatividade de participantes nos encontros, dificultando a abordagem de assuntos de maior complexidade e de modo continuado; a descontinuidade decorrente, especialmente, da mudança de área de atuação das equipes (reterritorialização) e; a pouca ênfase dada ao tema da promoção da saúde na formação acadêmica.

Dentre os assuntos indicados pelos entrevistados para serem abordados nos encontros, valorizou-se mais uma vez o fato de se tratar de um Grupo aberto e dinâmico, lembrando-se da importância da livre demanda e de tratar de temas do cotidiano, próximos da realidade vivenciada por aqueles homens, como álcool e drogas e DSTs. Sugeriu-se também enfatizar a importância dos homens que serão pais no acompanhamento da gestação de seus filhos, bem como de seu envolvimento e participação nos cuidados cotidianos e de sua família:

Não existe uma fórmula do que a gente tem que fazer, porque saúde envolve todo um contexto de vida do ser humano.

As reflexões, os diálogos e os processos de aprendizagem compartilhada propiciados pelos encontros do Grupo dentro do boteco eram, segundo os participantes, sempre comentados com amigos e familiares, promovendo também o debate em outros ambientes e rodas de conversas, ampliando seu impacto na comunidade. A notícia da existência de um trabalho como esse, voltado à saúde dos homens, gerava curiosidade e atraía mais participantes.

Entre os temas de maior interesse mencionados pelos participantes do grupo focal, tiveram destaque: DSTs; tabagismo; alcoolismo; depressão; dores na coluna; entre outros.

A Conversa de Boteco abarca prevenção de doenças específicas e mudanças de hábitos pela busca do bem-estar

Todos os entrevistados concordaram que o Grupo Socioeducativo “Conversa de Boteco” contribui para a promoção da saúde dos participantes, pois possibilita a abordagem de temas diversos - desde aqueles relacionados a doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus, como também questões de vulnerabilidade socioambiental, álcool e outras drogas, sexualidade -, em um espaço informal e em linguagem acessível. Essa foi também considerada situação favorável para diminuir a resistência dos homens participantes com relação aos cuidados em saúde, sejam preventivos ou curativos, aproximando-os dos serviços e dos profissionais da saúde. Os encontros do Grupo proporcionam, portanto, orientações voltadas à prevenção de doenças.

Sobre possíveis mudanças sustentadas pela participação no grupo, permanece certa resistência na procura por atendimento médico por parte de alguns frequentadores do Grupo:

Pra mim começou pela alimentação, passei a cuidar mais, mas eu evito procurar médico, mas abriu mais a mente.

Para outros, os encontros e reflexões propostas têm contribuído para diminuir essa resistência e aproximá-los dos profissionais e serviços de saúde da comunidade:

A informação muda, porque conforme que você tá falando aqui, a gente tem um probleminha e vai no posto.

A Conversa de Boteco tem distintas percepções quanto aos aspectos estruturais e técnicos dos encontros

Para alguns profissionais, as dificuldades da promoção da saúde no contexto do trabalho em grupo estão:

Na não adesão dos usuários, por exemplo, às estratégias propostas ou da existência de espaços inadequados para realizá-las.

Inadequação do local para os diálogos.

Na adequação da linguagem e do conhecimento técnico aos saberes populares.

Foram discordantes para os homens, já que o ambiente onde acontecem os encontros foi considerado propício:

Para que se sintam à vontade para falar de seus problemas, tirar dúvidas e sugerir temas para discussão.

Em relação às estratégias educativas utilizadas nos encontros, os participantes destacaram o esforço da equipe de saúde para realizar um trabalho como este, atendendo as demandas da comunidade por meio de técnicas que favoreçam a troca de conhecimento. Os homens participantes do Grupo deixaram claro que as estratégias utilizadas nos encontros os deixava à vontade para participar:

Eu não falaria sobre isso, se não fosse aqui.

Então, alguém tá aqui pra ir escutando aos poucos, isso é muito bom.

Reconheciam esse espaço ‘como seu’, não sendo recomendada, portanto, nenhuma mudança quanto às formas de abordagem. Apenas sugeriram a mudança do horário dos encontros para depois das 17 horas e, se possível, também aos finais de semana, para que mais homens participassem:

Quanto mais gente melhor, né?

DISCUSSÃO

O primeiro componente do esquema de promoção da saúde de Nola Pender refere-se às características e experiências individuais. Esse componente compreende o comportamento anterior, ou seja, o comportamento que deve ser mudado, bem como os fatores pessoais divididos em fatores biológicos, psicológicos e socioculturais9. Nesse sentido, os achados dessa pesquisa evidenciam que, de forma pontual nas temáticas de escolha do grupo, bem como nas estratégias participativas adotadas intra ‘Conversa de Boteco’, esses elementos estiveram presentes. Muito embora as intervenções individuais não tenham sido traçadas como propõe o modelo de Pender, a intervenção educativa coletiva foi capaz de incitar o grupo ao entendimento de fatores envolvidos nas condições crônicas de saúde abordadas no “Conversa de Boteco”.

Ações de educação em saúde com foco na noção de risco acabam por isolar determinantes, desconsiderando a complexidade de práticas sociais. Nesse caso, as chances de adoecimento relacionam-se, isoladamente, à comportamentos inadequados em saúde, ignorância ou irresponsabilidade. Já nas ações de educação em saúde com foco na noção de vulnerabilidade, como abordado na ‘Conversa de Boteco’, são considerados de forma integrada determinantes individuais, coletivos e contextuais do processo saúde-doença22.

O papel de educador dos profissionais facilita a autonomia de grupos que se encontram em desvantagem social23, tal como identificado nesse estudo, desvelando que o primeiro componente do modelo de Pender pode ter sua apreensão/intervenção em grupos educativos dialógicos.

A relevância do uso de técnicas e estratégias participativas na educação e promoção da saúde24-25 coletivas vão ao encontro também da PNAISH1, que recomenda a apropriação de estratégias de fácil acesso a essa população e que estabeleçam relação direta com a promoção e prevenção da saúde dos participantes.

A valorização desse processo de aprendizagem compartilhada, por parte dos profissionais de saúde envolvidos é fundamental para o alcance dos objetivos propostos por este Grupo, ou seja, de uma educação em saúde crítica e reflexiva aos moldes da promoção da saúde, devidamente contextualizada à realidadede local22,24-25. E, como nos lembra Paulo Freire26

[...] simplesmente, não posso conhecer a realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos também deste conhecimento que, sendo para eles, um conhecimento do conhecimento anterior (o que se dá em nível de sua experiência cotidiana) torna-se um novo conhecimento26:35.

O segundo componente do modelo de Pender9, sentimentos e conhecimentos sobre o comportamento que se quer alcançar, é formado por: perceber benefícios para ação e ter representações mentais positivas que reforcem as consequências de adotar um determinado comportamento; perceber barreiras para ação, perceber negativamente um comportamento como dificuldades e custos pessoais; perceber autoeficácia, julgar as capacidades pessoais de organizar e executar ações; ter sentimentos em relação ao comportamento, que pode ser positivo, negativo, agradável ou desagradável; perceber que existem influências interpessoais para o comportamento; reconhecer as influências situacionais, no sentido de que o ambiente pode facilitar ou impedir determinados comportamentos de saúde. Esse componente, embora pouco evidente no processo de execução do Grupo ‘Conversa de Boteco’, demonstra a sua possibilidade de aprofundamento, sobretudo pelo sentimento de pertencimento do homem a esse grupo, manifestado pelos depoimentos de ‘espaço nosso’.

Por essa razão, advoga-se que, para a promoção da saúde de forma efetiva e sustentada, dialogar em grupo sobre os benefícios das ações de promoção da saúde, reforçar os mecanismos intrapsíquicos para a mudança de comportamento e os fatores também externos a esse caminho10 são ações essenciais para alcançar a promoção da saúde, avaliada como uma potencialidade que precisa ser melhor abordada no ‘Conversa de Boteco’.

Reconhece-se, portanto, que a equipe multiprofissional ao atuar de forma interdisciplinar nos encontros do Grupo, vem contribuindo para o desenvolvimento de vínculo e, consequentemente, para o estabelecimento da confiança entre os participantes16. Os temas abordados podem ser propostos tanto pela equipe de saúde como pelos homens participantes, de forma compartilhada e dialógica, com o devido respeito aos saberes populares, indicando o terreno fértil para se avançar na direção da abordagem mais aprofundada dos sentimentos e do conhecimento dos comportamentos que se desejam alcançar.

Também o local para o desenvolvimento das ações de promoção da saúde coletivas, o bar, é perfeitamente adequado para diálogos que facilitem o engajamento da população, como sugere a PNAISH1 na utilização destes espaços de convívio social para a aproximação do público masculino.

Por fim, o ultimo componente do modelo em discussão, denominado comportamento de promoção da saúde desejável9, refere-se ao compromisso com o plano de ação, no sentido das ações que possibilitem ao indivíduo manter-se no comportamento de promoção da saúde esperado. É preciso compreender, nesse componente, que as pessoas têm baixo controle sobre os comportamentos que requerem mudanças imediatas, enquanto as preferências pessoais exercem um alto controle sobre as ações de mudança de comportamento.

Os achados desta pesquisa mostraram que o modelo biomédico ainda se faz claramente presente em algumas representações, como nos profissionais de saúde entrevistados, pois embora reconheçam a importância do Grupo para a promoção da saúde, a fim de que assumam o controle sobre os determinantes de sua saúde, também admitem que o entendimento do objetivo do Grupo é facilitar e viabilizar o acesso dos homens aos serviços de saúde da UBS para realizar exames preventivos ou mesmo consultas de rotina voltadas ao acompanhamento de sua saúde integral, por exemplo.

Apesar da existência da PNAISH, existe ainda uma postura de resistência por parte da população masculina para com os cuidados em saúde2-4,6, mencionada em diversos momentos nas entrevistas e no Grupo Focal. Diante dessa resistência, estratégias como a do “Conversa de Boteco” ampliam a possibilidade de sustentação de práticas exitosas de promoção da saúde masculina pela adoção de comportamentos desejáveis, conforme recomendado pela PNAISH, os quais se mostram indispensáveis em contextos de elevada iniquidade em saúde e vulnerabilidade socioambiental, como retratado na comunidade de Paraisópolis.

O impacto de um projeto ou de uma ação educativa, ou seja, seu poder de influência e multiplicação sobre instituições ou atores sociais, é um dos principais indicadores de mudanças, como se espera de processos de educação e promoção da saúde27. Esse alcance esteve presente no “Conversa de Boteco” ao indicar a disseminação de saberes para seus pares no território, e está indiretamente relacionado ao comportamento de promoção da saúde desejável de Pender.

CONCLUSÕES

Os resultados desta pesquisa mostraram que o Grupo Socioeducativo “Conversa de Boteco” tem contribuído para a promoção da saúde dos homens participantes. Esta conclusão se deu com base nas reflexões e discussões propostas e pelas estratégias utilizadas nos encontros que, por sua natureza participativa, e abordando temas de acordo com demandas e interesses locais, favorecem o (re)conhecimento, por parte dos participantes, dos principais determinantes de suas condições de vida e saúde. Também foi possível identificar e analisar importantes opiniões e conhecimentos a respeito de aspectos relacionados à promoção da saúde por parte da equipe multiprofissional que atua nos encontros, bem como suas principais dificuldades para desenvolver ações socioeducativas junto aos homens participantes desse Grupo.

Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram eficientes para o alcance dos objetivos propostos, especialmente quanto ao GF, pois se aproximou da dinâmica dos debates realizados nos encontros, deixando os participantes à vontade para expressarem abertamente suas opiniões. Considera-se ainda que a técnica do Grupo Focal aplicada em situações como as dessa pesquisa e conforme sua intencionalidade, pode favorecer a valorização de saberes populares em um processo de aprendizagem mútua voltado à autonomia dos participantes, não reduzindo-os, portanto, a meros objetos de pesquisa.

Assim, a análise combinada dos resultados obtidos com as entrevistas e com o Grupo Focal, subsidiada pela revisão bibliográfica, permitiu um olhar ampliado sobre a realidade investigada que, por sua vez, contribuirá para o aprimoramento das ações do Grupo.

Concluiu-se, ainda, que os objetivos do Grupo Socioeducativo “Conversa de Boteco” vão ao encontro dos princípios da ESF ao procurar desenvolver ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde dos homens participantes, em suas dimensões territoriais e socioambientais.

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