versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.4 Porto Alegre out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.1304
O advento da correção endovascular do aneurisma da aorta abdominal trouxe uma nova morbilidade denominada vazamento (ou escape sanguíneo), pressurizando o saco aneurismático. Com isso, o risco da tão temida rotura do aneurisma persiste, sendo que esta não ocorre igualmente entre os diferentes tipos de vazamento1. Tem sido recomendado que os vazamentos tipo 1 e 3 sejam corrigidos prontamente; porém, quanto à conduta no tipo 2, persiste o debate entre a intervenção e o seguimento clínico do mesmo.
Este debate não é recente. Em uma conferência de especialistas na área, concluiu-se que o vazamento tipo 2 pode ocorrer entre 10 e 25% das correções endovasculares do aneurisma da aorta abdominal. Entre 30 e 100% dos casos, oclui-se espontaneamente, sem efeitos adversos na evolução. Quando, porém, ocorre crescimento do aneurisma após EVAR (correção endovascular), é mandatória a intervenção cirúrgica ou endovascular2.
Em revisão sistemática, incluindo-se 61 entre 606 trabalhos, avaliaram-se a eficácia e a segurança do reparo endovascular eletivo do aneurisma da aorta infrarrenal (AAA), em 19.804 casos. O vazamento tipo 2 foi o mais comum, ocorrendo em 14% dos casos, no primeiro mês, e decrescendo espontaneamente para 10,3%, em até 12 meses3.
Na experiência da Cleveland Clinic, durante um período de oito anos, entre outubro de 1999 e dezembro de 2007, entre 1.606 EVAR, ocorreram nove (0,52%) casos de vazamento tipo 24. Em nossa experiência, tratando 105 casos consecutivos de AAA, com um único tipo de endoprótese, entre março de 1997 e julho de 2003, observamos a ocorrência de quatro (3,8%) casos de vazamento tipo 25.
No acompanhamento de 873 pacientes submetidos à EVAR por AAA, observaram-se 164 (18,9%) casos de vazamento tipo 2. Evoluíram para completa resolução, em menos de seis meses, 131 casos (79,9%), não tendo ocorrido nenhum evento adverso neste período. Para os que persistiram por período superior a seis meses, ocorreram quatro roturas do aneurisma em um tempo médio de 31,6 meses, sugerindo que deve ser intensificada a vigilância ou atuar-se mais agressivamente6.
No acompanhamento de 486 pacientes consecutivos submetidos à EVAR para AAA, utilizando-se a tomografia computadorizada, foram analisadas a presença de vazamento tipo 2 e a ocorrência de crescimento do saco aneurismático maior que 5 mm. Em 90 (18,5%) pacientes, foi detectado o vazamento tipo 2. No seguimento médio de 21,7±16 meses, somente 35 (7,2%) pacientes mantiveram o vazamento tipo 2 por mais de seis meses. O crescimento do saco aneurismático foi observado em cinco pacientes, representando 1% de toda a série. Após o tratamento, não houve recorrência do crescimento do aneurisma em seguimento de 18,2±8 meses. Não houve ocorrência de rotura do aneurisma durante o seguimento do vazamento tipo 2, tanto nos tratados quanto nos não tratados7.
Entre os achados da tomografia computadorizada na avaliação pré-operatória do AAA, a presença de trombo mural circunferencial parece ser um fator protetor contra a presença do vazamento tipo 28. Na mesma linha de observação, em estudo retrospectivo da tomografia pré-operatória em 326 pacientes, foram analisados o diâmetro do aneurisma, a presença do trombo mural e a perviedade da artéria mesentérica inferior e das artérias lombares. A análise univariada demonstrou que a perviedade de todas as artérias lombares é um significativo preditor do vazamento tipo 2. Por outro lado, a análise multivariada demonstrou que a oclusão da artéria mesentérica inferior ou a oclusão do par de artérias lombares em nível de L3 ou em nível de L4, é um fator protetor independente contra o vazamento tipo 29.
No seguimento de 108 pacientes durante 24 meses, após embolização da artéria mesentérica inferior antes do EVAR para AAA, foi observada a diminuição do crescimento do saco aneurismático e da ocorrência de vazamento tipo 210. Contra a embolização rotineira pré-operatória da artéria mesentérica inferior, há o risco da isquemia intestinal. A recomendação é que somente o tronco da artéria mesentérica inferior seja embolizado, sendo deixadas livres a artéria cólica esquerda e a artéria retal superior11. Quanto à embolização pré-operatória das artérias lombares, esta costuma ser mais demorada, tecnicamente mais difícil e com maior ocorrência de falhas técnicas. Por estes motivos, tal intervenção não é realizada pela maioria dos especialistas12.
O resultado da avaliação do espectro de velocidade de fluxo pela ultrassonografia Doppler do vazamento tipo 2 pode ser preditivo de selamento espontâneo. Em seguimento de 265 pacientes submetidos à EVAR para AAA, foram avaliados 14 pacientes que, sem intervenção, tiveram selamento do vazamento tipo 2 em até seis meses. Outros 16 pacientes tiveram o vazamento persistente além deste período. A velocidade foi menor no grupo com selamento em tempo inferior a 6 meses (75,5±78,8 cm/s versus 138±36,2 cm/s; p<0,01). Os pacientes com vazamento selado e baixa velocidade (<100 cm/s) tinham menor ocorrência de artéria mesentérica inferior pérvia (43% versus 81%; p<0,01), diâmetro menor da artéria mesentérica inferior (5,6± 1,8 mm versus 7,2±1,3 mm; p<0,01) e menor número de pares de lombares (1,3±0,8 versus 2,4±0,6; p<0,0001), quando comparados com o grupo com vazamento persistente e velocidade intrassaco maior que 100 cm/s. Estes dados sugerem que a alta velocidade no vazamento tipo 2 está relacionada com o número e o diâmetro aumentado dos ramos na avaliação pré-operatória13.
Considerando-se a presença de fatores preditivos para ocorrência de vazamento tipo 2, foram analisados 195 pacientes pela tomografia computadorizada. Foi observado vazamento tipo 2 em 28 (13,4%) pacientes. Em dez pacientes, estavam presentes, em média, 4,3 artérias lombares pérvias, que tinham diâmetro menor de 2 mm (média 1,5 mm). Nos demais 18 pacientes, o diâmetro médio das artérias lombares era de 2,7 mm. Não foi observada significante correlação entre o diâmetro ou a perviedade da artéria mesentérica inferior e o desenvolvimento do vazamento tipo 2. Porém, a presença de quatro lombares pérvias (p<0,001) e pelo menos de uma artéria ilíaca interna pérvia (p<0,001) foram fatores preditivos. O mesmo foi observado para pelo menos uma artéria lombar pérvia com diâmetro maior de 2 mm (p<0,001)14.
Em que pese à controvérsia entre condutas, intervir ou acompanhar o vazamento tipo 2, temos adotado a seguinte conduta no seguimento do EVAR para AAA: tomografia computadorizada em até um mês de pós-operatório e, posteriormente, de acordo com o resultado da mesma, exame de ultrassonografia da aorta e das ilíacas a cada seis ou 12 meses, por laboratório agregado ao serviço. Este controle visa a acompanhar o diâmetro do aneurisma e a detecção de vazamento. Em caso de vazamento tipo 2, dependendo do achado ultrassonográfico, a repetição se dará com dois ou três meses de intervalo, com a finalidade de detectar o possível crescimento do aneurisma.