versão impressa ISSN 1677-5449
J. vasc. bras. vol.12 no.2 Porto Alegre jun. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492013000200016
Os aneurismas para-anastomóticos podem ser verdadeiros ou pseudoaneurismas. Sua incidência entre o oitavo e o nono ano do pós-operatório de aneurismectomia chega a 10%. Pseudoaneurismas tendem a ser assintomáticos até a ruptura. Podem ocorrer em qualquer época do pós-operatório, porém aumentam sua incidência com o maior tempo de acompanhamento. Devem ser tratados cirurgicamente, mesmo se assintomáticos, pois a mortalidade com o tratamento conservador chega a 61%. Porém, a reintervenção cirúrgica aberta é tecnicamente difícil, com alta taxa de morbimortalidade.
Paciente do sexo feminino, 68 anos, com relato de hipertensão arterial e depressão controladas. Negava tabagismo ou diabetes. Cirurgias prévias: apendicectomia, perineoplastia, cistopexia, histerectomia, varicectomia, artroplastia em joelho e correção cirúrgica de aneurisma de aorta abdominal. Encontrava-se no oitavo ano de pós-operatório de aneurismectomia de aorta abdominal infrarrenal com reconstrução por prótese de Dácron de 14 mm por anastomose aortoaórtica. Evoluiu bem no pós-operatório mediato.
Um ano e meio após o procedimento, realizou angiotomografia (angioTC) sem evidências de anormalidades (Figura 1) e duplex-scan arterial de membros inferiores para investigação de aneurisma de artéria poplítea sem alterações.
Figura 1 Angiotomografia - prótese de Dácron com anastomose aortoaórtica infrarrenal sem pseudoaneurisma - perceber presença de colo infrarrenal.
No quarto ano de pós-operatório, uma angioTC mostrou dilatação da prótese de Dácron (diâmetro de 25 mm), sem pseudoaneurismas ou vazamentos. As alterações se mantiveram no sexto ano e a paciente permanecia assintomática.
No oitavo ano de pós-operatório iniciou quadro de dor abdominal esporádica, em cólica. Uma ultrassonografia (US) de abdome revelou presença de barro biliar e a angioTC evidenciou pseudoaneurisma trombosado para-anastomótico distal de 6,0 × 5,0 cm (Figuras 2 e 3). Optou-se pelo tratamento endovascular, sob anestesia geral, com dissecção das artérias femorais bilateralmente, implante de endoprótese bifurcada de aço e Dácron (corpo principal 26 × 82 mm) com extensão para terço distal das artérias ilíacas comuns com 12 mm de diâmetro (Figura 4). O pós-operatório com boa evolução permitiu alta hospitalar no segundo DPO. Continua em acompanhamento ambulatorial sem queixas e assintomática, após três anos.
Figura 2 Angiotomografia: Plano sagital com pseudoaneu risma trombosado de 65 mm em anastomose distal.
Entre as complicações dos enxertos no segmento aortoilíaco, o pseudoaneurisma anastomótico é a complicação tardia mais comum. Podem ser citadas como complicações: pseudoaneurisma (3%), trombose (2%), erosão entérica/fístula (1,6%), infecção de prótese (1,3%), hemorragia anastomótica (1,3%), isquemia de cólon (0,7%) e ateroembolismo (0,3%)1. Ocorrem, na maioria das vezes, entre 10-12 anos após o procedimento. Incide principalmente na anastomose distal2 e são assintomáticos até sua ruptura, trazendo desfecho trágico para o paciente e equipe médica.
Pressupõe-se que a degeneração continua na parede arterial após o implante da prótese, o que pode causar, ao longo dos anos, a fraqueza da sutura entre a artéria e a prótese, originando o pseudoaneurisma.
Szilagyi relata ocorrência de pseudoaneurisma anastomótico em 0,2% das anastomoses aórticas, em 1,2% das anastomoses ilíacas e em 3% das anastomoses femorais após três anos3. Edwardes relatou incidência de pseudoaneurisma anastomótico em aorta em 1% dos casos após oito anos e 20% após 15 anos de acompanhamento, com média de 12 anos de pós-operatório para detecção4.
Recomenda-se acompanhamento por imagem durante três a cinco anos (angioTC ou angiorressonância) para surpreender novos aneurismas ou pseudoaneurismas em formação, evitando assim a ruptura5.
A reoperação aberta é difícil tecnicamente, devido às aderências e fibroses, apresentando uma taxa de mortalidade de 5% a 17%, se eletiva, e de 24% a 88%, se na vigência de ruptura6. Com o tratamento por via endovascular, a mortalidade é de cerca de 3,8%7.
A técnica endovascular vem ganhando espaço e apresentando sucesso em séries de casos6-10, diminuindo a morbimortalidade, principalmente em pacientes com alto risco cirúrgico. Apresenta taxa de sucesso técnico inicial em torno de 98% em seu implante e diminui a mortalidade perioperatória para aproximadamente 3,8%7,9. Apesar de complicações relacionadas às endopróteses, tais como endoleaks (mais comum do tipo II), trombose, migração, ruptura, falhas estruturais e infecção serem possíveis, o acompanhamento em curto e médio prazo apresenta taxas de complicações menores do que a correção aberta. Isto sugere que a abordagem endovascular se estabelecerá definitivamente como o método de escolha no tratamento do pseudoaneurisma anastomótico6-9.
No caso relatado, foi feito acompanhamento por imagem a cada dois anos, com detecção, após oito anos, do pseudoaneurisma na anastomose aórtica distal. A paciente apresentava dor abdominal discreta, irradiada para a região dorsal. Como o ultrassom abdominal detectou colelitíase, foi aventada a hipótese de dor de origem biliar.
O acompanhamento radiológico mostrou aumento do diâmetro do pseudoaneurisma e optou-se por correção endovascular. A dor abdominal melhorou completamente e a massa abdominal regrediu. Depois de três anos de acompanhamento a paciente se mantém assintomática, com controle radiológico sem alterações até o momento.
Com o passar dos anos, a chance de se desenvolver um aneurisma ou pseudoaneurisma para-anastomótico aumenta, chegando a 20% após 15 anos de pós-operatório, o que eleva significativamente a chance de ruptura. A maioria dos casos segue de forma assintomática até a ruptura, com desfecho desastroso.
O aneurisma para-anastomótico é a complicação tardia mais comum do tratamento convencional da correção do aneurisma de aorta abdominal. Devido a aderências e processo inflamatório causado pelo próprio aneurisma e pelo ato cirúrgico anterior, torna-se dificultoso o acesso cirúrgico para nova correção desta complicação, com elevadas taxas de morbimortalidade.
Uma opção bastante interessante e que tem apresentando bons resultados a curto e médio prazo, desde que o paciente tenha uma anatomia favorável, é o tratamento endovascular, diminuindo a morbimortalidade na reabordagem desse tipo de complicação tardia de intervenções aórticas.