versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.1 São Paulo 2020 Epub 20-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180328
Diretrizes da American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) recomendam o uso da CV lenta (CVL) como denominador para o índice de Tiffeneau.1 A despeito dessa recomendação, a manobra expiratória lenta (MEL) não é utilizada de rotina na maioria dos laboratórios de função pulmonar no Brasil.
A CV é determinada pelos limites da inspiração e expiração máximas (CPT e VR, respectivamente), os quais compreendem a complacência e a retração elástica dos pulmões/caixa torácica, a força muscular respiratória, o colapso alveolar e o fechamento das vias aéreas (FVA).2-4 Na ausência de anormalidades na parede torácica e nos músculos respiratórios, a CPT é determinada pela retração elástica dos pulmões.5 Em jovens, o VR é determinado principalmente por fatores estáticos (retração elástica da parede e pressão dos músculos respiratórios); em idosos e na vigência de limitação ao fluxo aéreo (LFA), o VR é determinado por fatores dinâmicos (limitação ao fluxo expiratório e FVA).3,6
Dessa forma, a CV reflete as propriedades do parênquima pulmonar em indivíduos normais, mas também as propriedades das vias aéreas naqueles com pneumopatias obstrutivas crônicas.5 Em pacientes com LFA, o FVA ocorre em altos volumes pulmonares.7 Na manobra expiratória forçada (MEF), a compressão dinâmica e o colapso das vias aéreas podem antecipar o FVA, o que reduzirá a CVF. A menor compressão de gás observada na MEL explica o fato de que, mesmo em indivíduos saudáveis, existe uma diferença entre a CVL e a CVF (ΔCVL-CVF), que se acentua nas doenças obstrutivas.5
Poucos estudos avaliaram a associação de ΔCVL-CVF com dados demográficos, de função pulmonar, sintomas e doenças pulmonares.4,8-10 Não há estudos, para nosso conhecimento, comparando a resposta ao broncodilatador em relação à ΔCVL-CVF.
O objetivo principal do presente estudo foi analisar a relação da ΔCVL-CVF com variáveis demográficas, parâmetros de espirometria e pletismografia, resposta ao broncodilatador e diagnóstico funcional, identificando os fatores independentemente associados com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Os objetivos secundários foram avaliar a ΔCVL-CVF em relação à gravidade do distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO), sintomas respiratórios e diagnóstico clínico, assim como comparar a interpretação da espirometria utilizando apenas os parâmetros da MEF em relação à inclusão dos parâmetros da MEL.
Desenvolvemos um estudo analítico e transversal. A amostra foi constituída por pacientes do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), localizado na cidade de São Paulo (SP), encaminhados para a realização de testes de função pulmonar no período entre 21 de outubro de 2013 e 28 de julho de 2015. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IAMSPE (Parecer no. 373.763, de 05/08/2013).
Os pacientes foram convidados aleatoriamente a participar do estudo, e aqueles que concordavam liam e assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido e respondiam a um questionário de saúde respiratória,11 administrado por uma enfermeira com título de técnica em função pulmonar outorgado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: pacientes ambulatoriais, com características contempladas nas equações nacionais dos valores previstos para espirometria e pletismografia.12,13 Foram considerados critérios de exclusão a obtenção de manobras de espirometria ou de pletismografia fora dos critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade preconizados pela ATS/ERS,14,15 assim como CVL < CVF.
A Figura 1 mostra o fluxograma de seleção dos participantes. Os indivíduos selecionados foram submetidos a MEL, MEF e pletismografia (nesta ordem), utilizando-se um sistema Collins (Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA). Os testes foram realizados pela enfermeira supracitada, estando o paciente sentado e usando um clipe nasal.
Os exames foram revisados pelo autor principal do estudo e pela coordenadora do laboratório de função pulmonar. Com relação à qualidade, foi dada ênfase à manobra para a medida da capacidade inspiratória (CI), realizada de modo relaxado, após pelo menos três respirações estáveis. A média de três medidas reprodutíveis (variabilidade ≤ 100 mL) definiu a CI. O maior valor de CVL foi selecionado dentre três medidas com reprodutibilidade ≤ 100 mL. Na MEF, as duas maiores medidas da CVF e do VEF1 tiveram diferença ≤ 150 mL, e as duas maiores medidas do PFE tiveram diferença ≤ 10%. Foram selecionados a maior CVF e o maior VEF1 dentre as manobras aceitáveis, dentro do critério de reprodutibilidade do PFE.14,16
Na pletismografia, o volume torácico gasoso foi a base para o cálculo da capacidade residual funcional (CRF), sendo essa determinada no final do volume de ar corrente. A CPT e o VR foram determinados a partir das seguintes fórmulas: CPT = CI + CRF e VR = CPT − CVL.15
A interpretação dos resultados seguiu os critérios da ATS/ERS.1 A espirometria foi considerada normal quando os valores se encontravam acima do limite inferior da referência; considerou-se DVO quando VEF1/CV(F) < limite inferior da referência; a redução proporcional de CV(F) e VEF1 foi interpretada como distúrbio ventilatório inespecífico (DVI); quando o DVO associou-se à redução da CV(F), definiu-se DVO com CV(F) reduzida. Primeiro, analisamos a MEF; em seguida, analisamos a espirometria incluindo os parâmetros da MEL.
Posteriormente, avaliamos as variáveis pletismográficas. Sendo a condutância específica das vias aéreas (sGaw) também um parâmetro de LFA, valores de sGaw < 0,12 [com ou sem redução da razão VEF1/CV(F)] foram interpretados como DVO.17,18 Aprisionamento aéreo foi diagnosticado se VR > 130% e hiperinsuflação pulmonar foi diagnosticada se CPT > 120%. A redução da CPT firmou o diagnóstico de distúrbio ventilatório restritivo.19 Nesses casos, o uso de um limite fixo é aceitável por conta da dispersão decrescente dos dados em torno da reta da equação dos valores preditos.20 Foi estimada uma medida teórica, o VR forçado (VRF), em valor absoluto e em percentual do previsto, referente à diferença entre a CPT e a CVF.
A classificação da gravidade de DVO baseou-se em critérios da British Thoracic Society21: leve (VEF1 ≥ 60%); moderado (VEF1 = 41-59%); e acentuado (VEF1 ≤ 40%).
Um subgrupo de indivíduos com DVO foi submetido à espirometria 20 min após a aplicação de broncodilatador (400 µg de salbutamol spray). A prova foi considerada significativa se a variação da resposta fosse CVF e VEF1 ≥ 200 mL e ≥ 7% dos valores preditos; CVL ≥ 250 mL e ≥ 8% do predito; e CI ≥ 300 mL.22
A amostra foi dividida em dois grupos: grupo ΔCVL-CVF < 200, cuja ΔCVL-CVF < 200 mL, e grupo ΔCVL-CVF ≥ 200, cuja ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, avaliados antes do uso de broncodilatador. O limite de 200 mL foi utilizado para separar os grupos, considerando-se que o valor encontra-se acima do critério utilizado para avaliar a reprodutibilidade entre manobras e acima das médias da ΔCVL-CVF observadas em indivíduos saudáveis.8,9,23
Utilizamos o pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Os dados foram apresentados como médias e desvios-padrão para as variáveis quantitativas e como números absolutos e proporções para as variáveis categóricas. A hipótese de distribuição normal foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors.
Para comparar os parâmetros funcionais, demográficos e clínicos entre os grupos utilizou-se o teste t de Student (distribuição normal confirmada) e o teste U de Mann-Whitney (distribuição normal não confirmada). O coeficiente kappa foi utilizado para analisar a concordância entre os diagnósticos espirométricos (MEF ou MEF + MEL). Os testes do qui-quadrado ou exato de Fisher foram utilizados para comparar as variáveis categóricas.
O coeficiente de Pearson ou de Spearman (de acordo com a apresentação dos dados na análise de correlação ter distribuição normal ou não normal, respectivamente) avaliou a correlação entre a ΔCVL-CVF e as variáveis demográficas, clínicas e funcionais.
Foi realizada análise de regressão logística (RL) para definir as variáveis independentemente preditoras da ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Primeiramente, uma análise de monofatores avaliou a razão de chance (OR) de cada variável demográfica. Então, aplicando o modelo de RL binominal, estudamos os parâmetros obtidos na espirometria e pletismografia, calculando a OR bruta e ajustada (para as variáveis isoladas na análise de monofatores) para prever uma ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.
A análise de RL múltipla foi realizada para avaliar se a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL seria preditora de variação significativa dos parâmetros da espirometria (VEF1, CVF, CVL e CI) após a aplicação do broncodilatador. A análise de RL múltipla também avaliou se, nos casos cuja espirometria indicava DVI ou DVO com CVF reduzida e resposta significativa ao broncodilatador, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL seria capaz de predizer CPT normal. O nível de significância de 5% foi adotado para todas as análises, com exceção do modelo inicial da análise de RL, que utilizou p < 0,20.
Foram selecionados 187 indivíduos (Figura 1). As características gerais da população recrutada e a comparação entre os grupos estão demonstradas na Tabela 1. A média da idade foi de 59,01 ± 12,80 anos, e 126 indivíduos (67,40%) eram do sexo feminino. As médias da altura e peso foram de 159,90 ± 9,60 cm e 78,46 ± 18,48 kg, respectivamente. A média da ΔCVL-CVF foi de 0,17 L, sendo que 61 indivíduos (32,62%) apresentaram ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Foi observada ΔCVL-CVF ≥ 200 mL em 28 (45,90%) dos 61 homens e em 33 (26,20%) das 126 mulheres, (p = 0,007). Indivíduos no grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 apresentaram maior estatura (p = 0,002) e peso do que aqueles no grupo ΔCVL-CVF < 200 (p = 0,017). Não ocorreram diferenças significativas no índice de massa corpórea (IMC) nem em parâmetros clínicos (tabagismo e dispneia) entre os grupos. O grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 apresentou menores valores no índice de Tiffeneau e maiores volumes pulmonares que o grupo ΔCVL-CVF < 200. A ΔCVL-CVF foi significativamente mais frequente no DVO, sendo independente da gravidade da obstrução ao fluxo aéreo.
Tabela 1 Características gerais e funcionais da amostra total e comparação entre os grupos estudados.a
Parâmetros | Amostra total | Grupos | p | |
---|---|---|---|---|
ΔCVL-CVF< 200 mL | ΔCVL-CVF ≥ 200 mL | |||
(n =187) | (n = 126) | (n = 61) | ||
Sexo masculino | 61 (32,62) | 33 (26,20) | 28 (45,90) | 0,007* |
Sexo feminino | 126 (67,40) | 93 (73,81) | 33 (54,10) | |
Idade, anos | 59,01 ± 12,80 | 59,70 ± 13,11 | 57,61 ± 12,11 | 0,300* |
Altura, cm | 159,90 ± 9,60 | 158,37 ± 9,23 | 163,00 ± 9,70 | 0,002* |
Peso, kg | 78,46 ± 18,48 | 76,25 ± 16,86 | 83,12 ± 20,90 | 0,017* |
IMC, kg/m² | 30,45 ± 6,40 | 30,26 ± 6,20 | 30,85 ± 6,84 | 0,553* |
Carga tabágica, maços-ano | 18,30 ± 27,20 | 16,17 ± 25,82 | 22,70 ± 29,60 | 0,110** |
Dispneia, mMRC | 1,0 [0,0-4,0] | 1,0 [0,0-4,0] | 1,0 [0,0-4,0] | 0,570** |
CVF, L | 2,83 ± 0,91 | 2,73 ± 0,90 | 3,03 ± 0,90 | 0,035** |
CVF, % predito | 84,72 ± 17,35 | 85,11 ± 17,67 | 83,90 ± 16,79 | 0,666* |
VEF1, L | 2,02 ± 0,73 | 1,99 ± 0,71 | 2,08 ± 0,76 | 0,418* |
VEF1, % predito | 75,00 ± 18,94 | 76,56 ± 18,44 | 71,87 ± 19,58 | 0,116* |
VEF1/CVF | 0,71 ± 0,12 | 0,73 ± 0,10 | 0,68 ± 0,12 | 0,017** |
PFE, L/s | 6,92 ± 5,00 | 6,97 ± 5,87 | 6,82 ± 2,33 | 0,587** |
CVL, L | 3,00 ± 0,94 | 2,83 ± 0,91 | 3,35 ± 0,92 | <0,001* |
CVL, % predito | 89,20 ± 17,00 | 87,50 ± 17,06 | 92,70 ± 16,50 | 0,049* |
CI, L | 2,12 ± 0,63 | 2,05 ± 0,62 | 2,26 ± 0,63 | 0,034* |
VEF1/CVL | 0,67 ± 0,11 | 0,70 ± 0,10 | 0,61 ± 0,11 | < 0,001** |
CRF, L | 2,93 ± 0,94 | 2,79 ± 0,90 | 3,21 ± 0,97 | 0,002** |
CPT, L | 5,05 ± 1,27 | 4,84 ± 1,22 | 5,47 ± 1,27 | 0,001** |
CPT, % predito | 94,44 ±16,70 | 93,73 ± 16,86 | 95,92 ± 16,34 | 0,402* |
VR, L | 2,05 ± 0,79 | 2,01 ± 0,76 | 2,12 ± 0,86 | 0,185** |
VR, % predito | 127,34 ± 45,00 | 129,17 ± 43,61 | 123,54 ± 47,90 | 0,424* |
VR/CPT | 0,41 ± 0,12 | 0,42 ± 0,11 | 0,39 ± 0,12 | 0,086* |
CI/CPT | 0,42 ± 0,10 | 0,43 ± 0,09 | 0,42 ± 0,09 | 0,495* |
sGaw, L/s/cmH2O | 0,12 ± 0,08 | 0,12 ± 0,08 | 0,11 ± 0,07 | 0,380** |
VRF, L | 2,22 ± 0,81 | 2,11 ± 0,76 | 2,44 ± 0,85 | 0,02** |
VRF, %predito | 155,71± 41,00 | 152,00 ± 36,51 | 163,84 ± 48,26 | 0,059* |
ΔCVL-CVF, L | 0,17 ± 0,14 | 0,095 ± 0,052 | 0,321 ± 0,132 | < 0,001* |
ΔCVL-CVF: diferença entre a CV lenta e a CVF; IMC: índice de massa corpórea; mMRC: escala modificada do Medical Research Council; CVL: capacidade vital lenta; CRF: capacidade residual funcional; CI: capacidade inspiratória; sGaw: condutância específica das vias aéreas; e VRF: volume residual forçado. aValores expressos em n (%), média ± dp ou mediana [mínimo-máximo]. *Teste t de Student. **Teste U de Mann-Whitney.
A Tabela 2 mostra a concordância entre os diagnósticos funcionais obtidos com a análise da MEF e análise de MEF + MEL (kappa = 0,653). Das 73 espirometrias interpretadas como normais pela análise da MEF, 21 foram reclassificadas como DVO após a análise da MEL. Dos 32 casos diagnosticados como DVI pela MEF, 17 foram reinterpretados após a análise da MEL. Das 28 espirometrias interpretadas como DVO com CVF reduzida pela MEF, 8 foram reclassificadas apenas como com DVO após a análise da MEL. Dos 91 casos de DVO definido pela MEL, apenas 54 tiveram a mesma interpretação com a avaliação apenas da MEF. Quando resultados normais da espirometria foram excluídos da análise, o valor de kappa foi menor (0,506).
Tabela 2 Concordância entre os diagnósticos funcionais obtidos apenas com os parâmetros da manobra expiratória forçada e aqueles obtidos com a adição dos parâmetros da manobra expiratória lenta.a,b
Diagnósticos funcionais | MEL | Total | kappa | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Normal | DVO | DVO com CV | DVI | |||||
MEF | Normal | 52 | 21 | 0 | 0 | 73 | 0,653 | < 0,001 |
DVO | 0 | 54 | 0 | 0 | 54 | |||
DVO com CVF | 0 | 8 | 20 | 0 | 28 | |||
DVI | 4 | 8 | 5 | 15 | 32 | |||
Total | 56 | 91 | 25 | 15 | 187 |
MEL: manobra expiratória lenta; MEF: manobra expiratória forçada; DVO: distúrbio ventilatório obstrutivo; e DVI: distúrbio ventilatório inespecífico. aValores expressos em n. bEm negrito, salientamos os diagnósticos que foram concordantes pelos dois métodos.
No questionário de saúde respiratória,11 indivíduos do grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 referiram mais frequentemente melhora da sibilância com o uso de broncodilatador dos que aqueles no grupo ΔCVL-CVF < 200 (p = 0,04). Dos 17 indivíduos com história pregressa de tuberculose, apenas 1 pertencia ao grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 (p = 0,011). De acordo com os diagnósticos clínicos, não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação da frequência dos diagnósticos clínicos em relação à diferença entre a CV lenta e a CVF.
Diagnóstico | ΔCVL-CVF < 200 mL | ΔCVL-CVF ≥ 200 mL | p* | ||
---|---|---|---|---|---|
(n = 126) | (n = 61) | ||||
n | % | n | % | ||
Desconhecido | 33 | 26,20 | 16 | 26,23 | 0,566 |
Asma | 31 | 24,40 | 14 | 23,00 | |
DPOC | 15 | 11,80 | 10 | 16,40 | |
DPI | 17 | 13,40 | 7 | 11,50 | |
Rinite | 6 | 4,70 | 1 | 1,60 | |
Bronquiolite | 7 | 5,50 | 3 | 4,90 | |
Asma + outro | 5 | 3,90 | 1 | 1,60 | |
DPOC + outro | 0 | 0,00 | 2 | 3,30 | |
Outros | 12 | 9,40 | 7 | 11,50 |
ΔCVL-CVF: diferença entre a CV lenta e a CVF; e DPI: doença pulmonar intersticial. *Teste exato de Fisher.
Aplicando o coeficiente de Pearson ou de Spearman, (dados não demonstrados), observamos correlações positivas da ΔCVL-CVF com altura, CVF (em L), CVL (em L), CVL (em % do predito), CI (em L), CPT (em L) e VRF (% do predito) e correlações negativas com a relação VEF1/CV(F), VR (em % do predito) e VR/CPT.
Na Tabela 4, empregando a RL binominal, observamos que o peso e o IMC > 30 kg/m2 foram preditores da ΔCVL-CVF ≥ 200 mL (p < 0,20). Aplicando a RL para os parâmetros de espirometria e pletismografia, calculamos a OR bruta e ajustada para peso e IMC > 30 kg/m2. Observamos que menores valores de VEF1 (em % do predito), VEF1/CVF, VEF1/CVL e CI/CPT, assim como maiores valores de CRF (em L) e VRF (em L), foram preditores independentes de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Maiores valores de CVL, CI e CPT foram associados com a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apenas no modelo bruto. O DVO (definido pela redução da VEF1/CVL e/ou de sGaw) foi independentemente associado com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.
Tabela 4 Avaliação dos parâmetros demográficos (modelo inicial) e funcionais (modelo final) preditores da diferença entre a CV lenta e a CVF ≥ 200 mL pelo método de regressão logística.
Modelo inicial | ||
---|---|---|
Parâmetros demográficos | OR (IC95%) | p |
Idade, anos | 1,348 (0,501-3,629) | 0,554 |
Sexo feminino | 0,774 (0,318-1,883) | 0,572 |
Altura, cm | 1,016 (0,947-1,090) | 0,655 |
Peso, kg | 1,036 (0,983-1,091) | 0,183 |
IMC, kg/m² | 1,038 (0,887-1,215) | 0,644 |
IMC > 30 kg/m² | 5,075 (1,583-16,270) | 0,006 |
Modelo final | ||
Parâmetros funcionais | OR bruta (IC95%) | OR ajustada (IC95%) |
CVF, L | 1,425 (1,015-2,002) | 1,020 (0,687-1,513) |
CVF, % predito | 0,996 (0,979-1,014) | 0,992 (0,974-1,011) |
VEF1, L | 1,190 (0,782-1,812) | 0,711 (0,426-1,188) |
VEF1, % predito | 0,987 (0,971-1,003) | 0,980 (0,962-0,998) |
VEF1/CVF | 0,967 (0,940-0,994) | 0,952 (0,922-0,983) |
CVL, L | 1,831 (1,296-2,586) | 1,399 (0,951-2,058) |
CVL, % predito | 1,019 (1,000-1,038) | 1,018 (0,997-1,038) |
CI, L | 1,695 (1,035-2,776) | 1,014 (0,557-1,845) |
VEF1/CVL | 0,931 (0,902-0,960) | 0,908 (0,875-0,943) |
CPT, L | 1,492 (1,156-1,924) | 1,282 (0,895-1,685) |
CPT, % predito | 1,008 (0,989-1,027) | 1,016 (0,995-1,037) |
VR, L | 1,188 (0,811-1,742) | 1,201 (0,806-1,790) |
VR, % predito | 0,997 (0,990-1,004) | 1,002 (0,994-1,009) |
VR/CPT | 0,099 (0,007-1,400) | 0,561 (0,030-10,561) |
CRF, L | 1,614 (1,155-2,255) | 1,532 (1,063-2,808) |
sGaw, cmH2O/L/s | 0,143 (0,003-8,005) | 0,032 (0,000-3,000) |
CI/CPT | 0,988 (0,955-1,022) | 0,956 (0,917-0,998) |
VRF, L | 1,692 (1,142-2,505) | 1,697 (1,119-2,572) |
VRF, % predito | 1,007 (1,000-1,015) | 1,000 (0,992-1,009) |
DVOCVF | 1,677 (0,906-3,107) | 1,879 (0,948-3,723) |
DVOCVL | 5,597 (2,543-12,322) | 9,444 (3,708-24,049) |
DVOPLET | 2,250 (1,151-4,397) | 3,225 (1,497-6,948) |
IMC: índice de massa corpórea; CVL: capacidade vital lenta; CI: capacidade inspiratória; CRF: capacidade residual funcional; sGaw: condutância específica das vias aéreas; VRF: volume residual forçado; DVO: distúrbio ventilatório obstrutivo; PLET: pletismografia.
Na Tabela 5, utilizando o modelo de RL múltipla, observamos que indivíduos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apresentaram maior chance de variação significativa do VEF1 (OR = 4,38; IC95%: 1,45-13,26) e CVF (OR = 3,83; IC95%: 1,26-11,71) após a aplicação do broncodilatador. No entanto, nos casos cujos resultados da espirometria indicavam DVI ou DVO com CVF reduzida e resposta significativa ao broncodilatador, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL não foi capaz de predizer CPT normal (OR = 1,705; IC95%: 0,333-8,721).
Tabela 5 Análise da resposta ao broncodilatador por regressão logística múltipla considerando-se a diferença entre a CV lenta e a CVF ≥ 200 mL.a
Parâmetros | OR | IC95% | Pseudo r2 | p |
---|---|---|---|---|
VEF1 | 4,38 | 1,45-13,26 | 0,112 | 0,009 |
CVF | 3,83 | 1,26-11,71 | 0,090 | 0.018 |
CVL | 0,63 | 0,38-4,91 | 0,040 | 0,630 |
CI | 2,14 | 0,53-8,64 | 0,018 | 0,284 |
Resposta positiva de qualquer parâmetro | 4,74 | 1,65-13,56 | 0,136 | 0,040 |
CVL: capacidade vital lenta; e CI: capacidade inspiratória. aEm comparação a resultados < 200 mL.
No presente estudo, foi observado que o uso da CVL e da razão VEF1/CVL diminuiu a frequência do diagnóstico de DVI e de resultados espirométricos normais ao revelar obstrução ao fluxo aéreo que pode ficar oculta quando analisadas apenas a CVF e a razão VEF1/CVF. Reduções do VEF1 em % do previsto e da razão VEF1/CV(F), a presença de DVO e achados sugestivos de aprisionamento aéreo (CRF aumentada e CI/CPT reduzida)24 foram fatores independentemente associados com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Uma resposta significativa após o uso de broncodilatador foi mais provável de ocorrer nos casos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.
A inclusão da análise dos parâmetros da MEL teve impacto em alterar o diagnóstico funcional em relação à análise apenas dos parâmetros da MEF. No presente estudo, dos 73 pacientes com espirometria normal pela análise da MEF, 21 receberam o diagnóstico de DVO quando incluídos os parâmetros da MEL. Um estudo observou que a razão VEF1/CVL aumenta a prevalência do diagnóstico de DPOC em relação à razão VEF1/CVF em indivíduos com doença leve.25 Portanto, o uso da razão VEF1/CVL passa a desempenhar um papel importante ao revelar LFA em indivíduos tabagistas com sintomas respiratórios e prejuízo da qualidade de vida, quando a razão VEF1/CVF ainda é normal, podendo contribuir para o diagnóstico precoce da DPOC. A ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, no entanto, foi independente da gravidade do DVO, observação contrária à de outros estudos.4,5
A análise da MEL alterou a interpretação da espirometria em 8 de 28 casos de DVO associado à redução da CVF, que foram reclassificados apenas como DVO, e em 12 de 32 casos de DVI, que foram reclassificados como normais (4 casos) e DVO (8 casos). A CV representa cerca de 75% da CPT,19 sendo o achado de CVL normal um dado importante, que poderia em casos selecionados (considerando a dificuldade de acesso e o gasto dos serviços de saúde com exames mais avançados) evitar a necessidade da pletismografia, principalmente naqueles cuja probabilidade de distúrbio ventilatório restritivo é menor. No entanto, a ΔCVL-CVF ≥ 200 mL não foi capaz de predizer CPT normal em nossa amostra.
Observamos, no modelo inicial da RL, que peso e IMC > 30 kg/m2 foram preditores de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Imaginamos que a associação entre o peso e a ΔCVL-CVF possa ser resultado da precocidade no FVA, já que não houve associação com sGaw. Dados de um grande estudo sugerem que a ΔCVL-CVF é proporcional ao aumento do IMC, sugerindo que a obesidade reduz a CVF mais do que a CVL; contrariamente, em indivíduos com IMC normal e sem DVO, a CVL pode ser até menor do que a CVF.10
Wang et al.26 separaram um grupo de indivíduos com CVL = CVF e outro com CVL > CVF e encontraram 65% de indivíduos com CVL > CVF, sendo esse achado mais frequente nas pessoas mais velhas. No presente estudo, a idade não foi associada com a ΔCVL-CVF; porém, a média da idade de nossa amostra foi consideravelmente alta (59 anos), não sendo possível a comparação com indivíduos mais jovens.
Na análise de RL, volumes pulmonares (CPT, CRF, CVL e CI) foram preditores de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL apenas na análise bruta, enquanto marcadores de LFA (VEF1/CVF e VEF1/CVL reduzidos) e achados de aprisionamento aéreo (como CRF aumentada e CI/CPT reduzida)24 foram preditores independentes de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL.
Na análise de correlação, a magnitude da ΔCVL-CVF correlacionou-se negativamente com o VR e positivamente com o VRF. Isso foi confirmado na RL, onde o VRF (mas não o VR) foi independentemente associado à probabilidade de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL. Uma explanação para isso seria o fato de que, durante a MEL, devido à menor compressão de gás, uma maior CV seria medida, o que poderia levar a um menor VR se considerarmos que a CPT não sofreu variação. Ao contrário, durante a MEF, uma maior compressão de gás poderia limitar o fluxo, levando à redução da CVF e, consequentemente, ao aumento do VRF.
Observamos, pela análise de RL múltipla, que indivíduos do grupo ΔCVL-CVF ≥ 200 tiveram maior frequência de resposta de VEF1 e CVF pós-broncodilatador. Essa observação nos convida a questionar, nos indivíduos com achado isolado de ΔCVL-CVF ≥ 200 mL, se a resposta ao broncodilatador poderia diferenciar obstrução verdadeira de uma variante da normalidade, de acordo com a variação da resposta ao broncodilatador (significativa ou não significativa, respectivamente). Nós avaliamos vários grupos de doenças, obstrutivas e não obstrutivas, mas nenhuma delas teve associação com a ΔCVL-CVF.
O presente estudo apresenta algumas limitações. O rigor nos critérios de inclusão estreitou o tamanho da amostra e não tivemos um grupo controle com pessoas saudáveis, sendo a maior parte da população constituída de doentes.
Esperamos que estudos futuros possam avaliar se a ΔCVL-CVF pode predizer hiperinsuflação pulmonar aos esforços e sua associação (por meio de técnicas de imagem e bioquímica) com as pequenas vias aéreas.
Em conclusão, o uso da MEL diminuiu a prevalência do DVI, podendo a ΔCVL-CVF ser resultado de LFA e aprisionamento aéreo, embora possa ser apenas uma expressão da compressão dinâmica das vias aéreas aos esforços. Indivíduos com ΔCVL-CVF ≥ 200 mL têm maior chance de apresentar resposta significativa ao broncodilatador.