versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.3 São Paulo mar. 2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190042
A relação entre a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (DDVE), seus achados mais importantes, como aumento do átrio esquerdo e hipertrofia ventricular esquerda (HVE), e a função do ventrículo direito (VD) tem pouca documentação na literatura científica.
Avaliar a correlação entre o tamanho atrial esquerdo em indivíduos com e sem DDVE e HVE e função e dimensões do VD.
Foram selecionados 50 pacientes, sendo 25 com DDVE (grupo de estudo [GE]; 67,1 ± 10,6 anos; 40% homens) e 25 sem DDVE (grupo-controle [GC]; 49,9 ± 16,3 anos; 52% homens). Os pacientes foram submetidos a ecocardiografia transtorácica com avalição do tamanho e volume atrial esquerdo (VAE), DDVE, HVE, dimensões e função do VD. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística.
VAE > 34 ml/m2 e tamanho atrial esquerdo > 40 mm apresentaram menores valores absolutos de excursão sistólica do plano do anel tricúspide (TAPSE) e S' lateral do VD (p ≤ 0,001, coeficiente de correlação de Pearson de -0,4 e -0,38, respectivamente) no GE. O GE apresentou maior incidência de HVE e maior diâmetro atrial esquerdo quando comparado ao GC (p = 0,02 e p = 0,03, respectivamente). O GE apresentou maior diâmetro e VAE nos indivíduos com DDVE grau II quando comparados aos indivíduos com DDVE grau I (p = 0,02 e p = 0,01, respectivamente).
O presente estudo permitiu correlacionar de maneira inédita o aumento atrial esquerdo com diminuição progressiva da função ventricular direita em pacientes com disfunção diastólica de VE.
Palavras-chave: Disfunção Ventricular Direita; Função Atrial/Fisiologia; Ecocardiografia/Métodos; Pressão Sanguínea; Insuficiência Cardíaca; Volume Sistólico
Few reports exist on the relationship of the left ventricular diastolic dysfunction (LVDD) with its most important features including enlargement of the left atrium and left ventricular hypertrophy (LVH), and with the right ventricular (RV) function.
To determine the correlation between the left atrial size and the RV function and dimensions in patients with and without LVDD and LVH.
Fifty patients were included, 25 (40% men) of them with LVDD, aged 67.1 ± 10.6 years (study group) and 25 without LVDD (52% men) aged 49.9 ± 16.3 years (control group). Patients underwent transthoracic echocardiography with evaluation of the left atrial size and volume (LAV), LVDD, LVH, and RV function and dimensions. P-values < 0.05 were considered statistically significant.
LAV > 34 mL/m2 and left atrial size > 40 mm were associated with lower absolute values of tricuspid annular plane systolic excursion (TAPSE) and RV lateral S' (p ≤ 0.001, Pearson's correlation coefficient -0.4 and -0.38, respectively) in the study group. Patients in the study group showed higher incidence of LVH (p = 0.02) and greater left atrial diameter (p = 0.03) compared with the control group. In addition, greater left atrial diameter (p = 0.02) and LAV (p = 0.01) values were found in patients with LVDD grade II compared with LVDD grade I.
The present study determined, for the first time, the correlation of left atrial enlargement with progressive RV dysfunction in patients with LVDD.
Keywords Ventricular Dysfunction Right; Atrial Function/Physiology; Echocardiography/Methods; Blood Pressure; Heart Failure; Stroke Volume
A interdependência morfológica e funcional entre os dois ventrículos pode ser explicada por três mecanismos: (1) aumento da pressão diastólica final do ventrículo direito (VD) em resposta ao aumento do volume do ventrículo esquerdo (VE); (2) aumento das pressões de enchimento do VE determinando tensão mecânica nas fibras musculares comuns aos dois ventrículos; e (3) fatores humorais, como as catecolaminas, que podem mediar a hipertrofia dos ventrículos como resposta à sobrecarga pressórica de um dos dois ventrículos.1-4 A função do VD, bem como suas dimensões, está diretamente interligada à função sistólica do VE. A dilatação do VD e a redução de sua força contrátil é frequentemente encontrada em estágios avançados de disfunção ventricular esquerda, evidenciando a estreita correlação interventricular.5-7 É conhecido que nos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção do VE reduzida, a dinâmica dos fluxos e pressões está alterada, influenciando o tamanho e a função de outras cavidades cardíacas. Entretanto, a relação entre insuficiência cardíaca com fração de ejeção do VE preservada e aumento das dimensões do VD com redução de sua função sistólica tem documentação reduzida na literatura.4 O mesmo ocorre em relação à disfunção diastólica do VE (DDVE) e seus achados mais importantes como aumento do átrio esquerdo (AE), hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e a sua influência sobre a função sistólica e volumes do VD. Particularmente, o AE reflete a disfunção diastólica ventricular esquerda, uma vez que as tensões parietais causadas pela elevação das pressões de enchimento aumentadas no VE levam a sua dilatação.4 Ainda não existem trabalhos na literatura avaliando especificamente a influência de tamanho e volume atriais esquerdos (VAE) sobre diâmetros e função sistólica do VD. Assim sendo, o objetivo do presente estudo foi avaliar a correlação entre diâmetro e VAE em indivíduos com e sem DDVE e presença de HVE e função e diâmetros ventriculares direitos.
Estudo de coorte observacional transversal. Foram selecionados por conveniência 50 pacientes ambulatoriais consecutivos usuários do sistema público de saúde, que realizaram ecocardiograma transtorácico (ETT), com quantificação de função diastólica ventricular esquerda, diâmetro e VAE, presença de HVE e função sistólica e diâmetros ventriculares direitos. Dentre a população ambulatorial referendada pelo médico assistente para realização de ETT, por qualquer indicação clínica, foram selecionados pacientes de ambos os sexos, acima de 18 anos de idade, de qualquer etnia. Os critérios de exclusão foram: presença de disfunção sistólica do VE global (fração de ejeção < 52% para homens e < 54% para mulheres) ou segmentar, doenças infiltrativas e pericardiopatias, doença pulmonar obstrutiva crônica/asma, valvopatias moderadas a graves com repercussão hemodinâmica, defeitos do septo interatrial ou interventricular, pacientes com impossibilidade de análise da função diastólica do VE (valvopatias com repercussão hemodinâmica, fibrilação atrial no momento do exame, transplante cardíaco, presença de marca-passo definitivo), presença de bloqueio completo do ramo esquerdo ou direito ao eletrocardiograma e pacientes com DDVE grau III. Os seguintes dados clínicos foram coletados: idade, sexo, peso, altura, índice de massa corpórea, presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melito (DM), doença arterial coronariana (DAC), tabagismo (atual ou pregresso) e dislipidemia. Os diagnósticos da HAS, DM, dislipidemia e tabagismo constavam dos prontuários dos pacientes e/ou foram relatados pelos mesmos (informação referida). O diagnóstico de HAS foi realizado considerando presença de pressão arterial ≥ 140/90 mmHg para pressão sistólica e diastólica, respectivamente, em pelo menos duas ocasiões, ou uso de medicação anti-hipertensiva pelo paciente.8 O diagnóstico de DM foi considerado na presença de: (1) sintomas de poliúria, polidipsia e perda ponderal acrescidos de glicemia casual > 200 mg/dl. Compreende-se por glicemia casual aquela realizada a qualquer hora do dia, independentemente do horário das refeições; (2) glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl (7 mmol/l); (3) glicemia de 2 horas pós-sobrecarga de 75 g de glicose > 200 mg/dl; e (4) hemoglobina glicada A1C ≥ 6,5% ou uso de medicação hipoglicemiante ou insulina pelo paciente.9 Dislipidemia foi considerada seguindo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose, sendo considerado colesterol total > 200 mg/dl, colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL) < 40 mg/dl para homens e < 50 mg/dl para as mulheres, colesterol de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) > 160 mg/dl, triglicerídeos > 150 mg/dl ou uso de medicações para dislipidemia pelo paciente.10 A presença de DAC foi confirmada por dados de prontuário médico, incluindo: infarto do miocárdio não fatal e revascularização miocárdica cirúrgica ou percutânea. Todos os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, sendo que uma ficou em posse do participante da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local.
Os seguintes equipamentos de ecocardiografia foram utilizados: iE33™ (Phillips), EnVisor™ (Phillips) e Vivid™ e (GE), todos com software de imagem harmônica habilitado. Os exames foram realizados por dois ecocardiografistas experientes com habilitação em ETT. Os dados ecocardiográficos tabulados foram função diastólica do VE (normal, grau I e grau II), presença de HVE concêntrica e excêntrica, tamanho e VAE, dimensões e medida de função sistólica do VD. O tamanho atrial esquerdo foi medido linearmente na janela paraesternal longitudinal utilizando os modos M e bidimensional. O VAE foi estimado nas janelas apical 4 câmaras e 2 câmaras, de acordo com recomendações atuais.5-8 Na avaliação da função diastólica ventricular esquerda, foram consideradas primordialmente variáveis altamente específicas - com o objetivo de reduzir os resultados falso-positivos. São elas: relação das velocidades do fluxo transmitral E e A (< 0,8); avaliação pelo Doppler tecidual da velocidade e' anular (septal < 7 cm/s e lateral < 10 cm/s); relação média E/e' > 14; volume indexado do AE obtido nas janelas 2 e 4 câmaras > 34 ml/m2; e pico da velocidade da regurgitação tricúspide > 2,8 m/s. A graduação da disfunção diastólica foi realizada considerando-se inicialmente a análise do fluxo transmitral. Quando a relação E/A foi < 0,8 e a velocidade da onda E < 50 cm/s, foi determinada a disfunção grau I. Quando a relação E/A foi > 2, sugeriu-se disfunção grau III. Quando há houve relação E/A < 0,8 com velocidade da onda E > 50 cm/s ou relação E/A entre 0,8 e 2, outros parâmetros foram recomendados para avaliação: velocidade da regurgitação mitral, volume do AE e relação E/e', de acordo as diretrizes atuais.11 A HVE foi avaliada e categorizada em concêntrica (índice de massa aumentado + espessura relativa de parede aumentada) e excêntrica (índice de massa aumentado + espessura relativa de parede normal), de acordo com a espessura relativa das paredes (normal < 0,42), e a massa ventricular indexada (normal < 95 mg/m2 para mulheres e < 115 mg/m2 para homens), seguindo as recomendações vigentes.5 O diâmetro ventricular direito considerado foi a medida efetuada na janela longitudinal paraesternal, entre a parede anterior do VD e o septo interventricular na junção septal-aórtica.5-7 A análise da função sistólica do VD considerou dois parâmetros: TAPSE (excursão sistólica do plano do anel tricúspide) com o modo M (normal > 16 mm) e velocidade da onda S' lateral por meio do Doppler tecidual (normal > 9,5 cm/s).5-7 Os pacientes foram então divididos em dois grupos: o primeiro constituído por 25 sujeitos com análise da função diastólica normal do VE (grupo-controle [GC]) e o segundo envolvendo 25 pacientes com DDVE graus I e II (grupo de estudo [GE]).
Os resultados das variáveis quantitativas foram descritos por médias e desvios padrão, medianas e amplitudes. Para variáveis categóricas foram apresentadas frequências e percentuais. Para a comparação de dois grupos em relação a variáveis quantitativas foi usado o teste t de Student para amostras independentes. Em relação a variáveis categóricas as comparações foram feitas usando-se o teste exato de Fisher. Para avaliar a associação entre variáveis quantitativas foram analisados os coeficientes de correlação de Pearson. A condição de normalidade das variáveis quantitativas foi verificada usando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional IBM SPSS Statistics v.20.0 (Armonk, NY).
A média de idade do GC foi 49,9 ± 16,3 anos e 52% dos indivíduos eram do sexo masculino. No GE, a média de idade foi 67,1 ± 10,6 anos (p < 0,001), 40% do sexo masculino, com maior prevalência de HAS. As demais características clínicas da população estudada estão dispostas na Tabela 1. Os valores de TAPSE, S' lateral do VD, diâmetro diastólico do VD, tamanho do AE e volume do AE apresentaram distribuição normal. O GE apresentou maior incidência de HVE (concêntrica e excêntrica) e maior diâmetro atrial esquerdo quando comparado ao GC; entretanto, não houve diferença significativa em relação aos demais parâmetros (Tabelas 2 e 3). Na análise específica do GE, foram encontrados maior diâmetro e maior VAE nos indivíduos com DDVE grau II quando comparados aos indivíduos com DDVE grau I, sem alterações significativas em relação aos demais parâmetros (Tabela 4). Os padrões de HVE concêntrica ou excêntrica não influenciaram o AE ou os demais parâmetros ecocardiográficos (Tabela 4). Foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa entre o valor absoluto do TAPSE e S' lateral do VD com tamanho e VAE. Volume atrial esquerdo > 34 ml/m2 e tamanho atrial esquerdo > 40 mm apresentaram menores valores absolutos de TAPSE e S' lateral do VD [p ≤ 0,001, coeficiente de correlação de Pearson (ccP) de -0,4 e -0,38, respectivamente]. O TAPSE e o S' lateral do VD apresentaram uma forte correlação positiva (ccP de 0,70, p < 0,001), assim como o VAE e o tamanho atrial esquerdo (ccP de 0,89, p < 0,01) (Tabelas 5 e 6, Figuras 1 e 2).
Tabela 1 Características basais da população estudada
Variável | Classificação | Grupo | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
Controle (n = 25) | Estudo (n = 25) | |||
Idade (anos) | Média ± DP | 49,9 ± 16,3 | 67,1 ± 10,6 | < 0,001 |
Sexo | Masculino | 13 (52%) | 10 (40%) | |
Feminino | 12 (48%) | 15 (60%) | 0,571 | |
HAS | Não | 17 (68%) | 5 (20%) | |
Sim | 8 (32%) | 20 (80%) | 0,001 | |
DM | Não | 23 (92%) | 18 (72%) | |
Sim | 2 (8%) | 7 (28%) | 0,138 | |
Dislipidemia | Não | 21 (84%) | 18 (72%) | |
Sim | 4 (16%) | 7 (28%) | 0,496 | |
DAC | Não | 25 (100%) | 23 (92%) | |
Sim | 0 (0) | 2 (8%) | 0,490 | |
Tabagismo | Não | 22 (88%) | 21 (84%) | |
Sim | 3 (12%) | 4 (16%) | 1 |
Resultados descritos por média ± desvio padrão (DP) ou por frequência e percentual.
*Teste t de Student para amostras independentes (idade); teste exato de Fisher (variáveis categóricas); p < 0,05. HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes melito; DAC: doença arterial coronariana.
Tabela 2 Parâmetros ecocardiográficos basais nos grupos estudados
Variável | Grupo | n | Média ± desvio padrão | Valor de p* |
---|---|---|---|---|
TAPSE VD (mm) | Controle | 25 | 22,3 ± 2,0 | |
Estudo | 25 | 21,2 ± 2,6 | 0,103 | |
S' lateral VD (cm/s) | Controle | 25 | 13,7 ± 1,8 | |
Estudo | 25 | 13,2 ± 1,7 | 0,295 | |
DDVD (mm) | Controle | 25 | 20,9 ± 2,7 | |
Estudo | 25 | 22,0 ± 3,2 | 0,219 | |
Tamanho do AE (mm) | Controle | 25 | 33,5 ± 5,1 | |
Estudo | 25 | 37,3 ± 5,5 | 0,016 | |
Volume do AE (ml/m2) | Controle | 25 | 29,2 ± 5,5 | |
Estudo | 25 | 30,3 ± 6,7 | 0,508 |
*Teste t de Student para amostras independentes, p < 0,05. TAPSE: excursão sistólica do plano do anel tricúspide com o modo M; DDVD: diâmetro diastólico do ventrículo direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito.
Tabela 3 Comparação entre os parâmetros ecocardiográficos basais nos grupos de estudo e controle
Variável | Classificação | Grupo | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
Controle (n = 25) | Estudo (n = 25) | |||
Grau da disfunção diastólica VE | Normal | 25 (100%) | ||
Grau I | 21 (84%) | |||
Grau II | 4 (16%) | - | ||
HVE | Normal | 25 (100%) | 19 (76%) | |
Concêntrica (c) | 0 (0) | 5 (20%) | ||
Excêntrica (e) | 0 (0) | 1 (4%) | - | |
HVE | Normal | 25 (100%) | 19 (76%) | |
Hipertrofia (c/e) | 0 (0) | 6 (34%) | 0,022 | |
TAPSE VD (mm) | Normal (> 16) | 25 (100%) | 25 (100%) | |
Alterado (≤ 16) | 0 (0) | 0 (0) | 1 | |
S' lateral VD (cm/s) | Normal (> 9,5) | 25 (100%) | 25 (100%) | |
Alterado (≤ 9,5) | 0 (0) | 0 (0) | 1 | |
DDVD (mm) | Normal (16 a 30) | 25 (100%) | 25 (100%) | |
Alterado (< 16 ou > 30) | 0 (0) | 0 (0) | 1 | |
Tamanho do AE (mm) | Normal (< 40) | 23 (92%) | 16 (64%) | |
Alterado (≥ 40) | 2 (8%) | 9 (36%) | 0,037 | |
Volume do AE (ml/m2) | Normal (< 34) | 20 (80%) | 18 (72%) | |
Alterado (≥ 34) | 5 (20%) | 7 (28%) | 0,742 |
Resultados descritos por frequência e percentual. Teste exato de Fisher (variáveis categóricas); p < 0,05. VE: ventrículo esquerdo; HVE: hipertrofia ventricular esquerda; TAPSE: excursão sistólica do plano do anel tricúspide com o modo M; DDVD: diâmetro diastólico do ventrículo direito; AE: átrio esquerdo.
Tabela 4 Parâmetros ecocardiográficos no grupo de estudo em relação ao grau de disfunção diastólica ventricular esquerda e à presença de hipertrofia ventricular esquerda (HVE) concêntrica (c) e excêntrica (e)
Variável | Disfunção diastólica VE | n | Média ± desvio padrão | Valor de p* |
TAPSE VD (mm) | Grau I | 21 | 21,2 ± 2,5 | |
Grau II | 4 | 21,5 ± 3,5 | 0,832 | |
S' VD (cm/s) | Grau I | 21 | 13,2 ± 1,7 | |
Grau II | 4 | 12,8 ± 1,7 | 0,604 | |
DDVD (mm) | Grau I | 21 | 21,5 ± 3,2 | |
Grau II | 4 | 24,5 ± 1,9 | 0,085 | |
AE (mm) | Grau I | 21 | 35,9 ± 4,6 | |
Grau II | 4 | 44,5 ± 4,4 | 0,002 | |
Volume AE (ml/m2) | Grau I | 21 | 29,0 ± 5,5 | |
Grau II | 4 | 37,5 ± 8,9 | 0,017 | |
Variável | HVE | n | Média ± desvio padrão | Valor de p* |
TAPSE VD (mm) | Normal | 19 | 20,8 ± 2,5 | 0,176 |
HVE (c/e) | 6 | 22,5 ± 2,8 | ||
S' VD (cm/s) | Normal | 19 | 13,1 ± 1,7 | 0,580 |
HVE (c/e) | 6 | 13,5 ± 1,8 | ||
DDVD (mm) | Normal | 19 | 21,5 ± 3,3 | 0,185 |
HVE (c/e) | 6 | 23,5 ± 2,8 | ||
AE (mm) | Normal | 19 | 36,3 ± 5,2 | 0,104 |
HVE (c/e) | 6 | 40,5 ± 6,0 | ||
Volume AE (ml/m2) | Normal | 19 | 29,7 ± 6,2 | 0,413 |
*Teste t de Student para amostras independentes, p < 0,05. TAPSE: excursão sistólica do plano do anel tricúspide com o modo M; DDVD: diâmetro diastólico do ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito.
Tabela 5 Parâmetros ecocardiográficos no grupo de estudo em relação ao tamanho do átrio esquerdo (AE) em mm e ao volume do AE em ml/m2
Variável | Tamanho do AE | n | Média ± desvio padrão | Valor de p* |
TAPSE VD (mm) | Normal (< 40) | 16 | 21,9 ± 2,4 | |
Alterado (≥ 40) | 9 | 20,1 ± 2,6 | 0,103 | |
S' lateral VD (cm/s) | Normal (< 40) | 16 | 13,6 ± 1,8 | |
Alterado (≥ 40) | 9 | 12,4 ± 1,2 | 0,111 | |
DDVD (mm) | Normal (< 40) | 16 | 21,7 ± 3,2 | |
Alterado (≥ 40) | 9 | 22,4 ± 3,3 | 0,584 | |
Volume AE (ml/m2) | Normal (< 40) | 16 | 26,8 ± 3,8 | |
Alterado (≥ 40) | 9 | 36,7 ± 6,2 | <0,001 | |
Variável | Volume do AE | n | Média ± desvio padrão | Valor de p* |
TAPSE VD (mm) | Normal (< 34) | 18 | 22,2 ± 2,4 | |
Alterado (≥ 34) | 7 | 18,9 ± 0,9 | < 0,001 | |
S' lateral VD (cm/s) | Normal (< 34) | 18 | 13,7 ± 1,7 | |
Alterado (≥ 34) | 7 | 11,9 ± 0,7 | 0,001 | |
DDVD (mm) | Normal (< 34) | 18 | 21,7 ± 3,3 | |
Alterado (≥ 34) | 7 | 22,6 ± 3,2 | 0,565 | |
Tamanho AE (mm) | Normal (< 34) | 18 | 34,7 ± 3,6 | |
Alterado (≥34) | 7 | 43,9 ± 4,0 | < 0,001 |
*Teste t de Student para amostras independentes, p < 0,05. TAPSE: excursão sistólica do plano do anel tricúspide com o modo M; DDVD: diâmetro diastólico do ventrículo direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito.
Tabela 6 Avaliação da correlação entre variáveis quantitativas no grupo de estudo
Variáveis | n | Coeficiente de correlação de Pearson | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade × TAPSE VD | 25 | -0,22 | 0,281 |
Idade × S' lateral VD | 25 | -0,42 | 0,035 |
Idade × DDVD | 25 | 0,04 | 0,866 |
Idade × tamanho do AE | 25 | 0,31 | 0,134 |
Idade × volume do AE | 25 | 0,40 | 0,050 |
TAPSE VD × S' lateral VD | 25 | 0,70 | < 0,001 |
TAPSE VD × DDVD | 25 | 0,33 | 0,106 |
TAPSE VD × tamanho do AE | 25 | -0,33 | 0,107 |
TAPSE VD × volume do AE | 25 | -0,40 | 0,047 |
S' lateral VD × DDVD | 25 | 0,40 | 0,051 |
S' lateral VD × tamanho do AE | 25 | -0,26 | 0,216 |
S' lateral VD × volume do AE | 25 | -0,38 | 0,063 |
DDVD × tamanho do AE | 25 | 0,30 | 0,149 |
DDVD × volume do AE | 25 | 0,23 | 0,271 |
Tamanho do AE × volume do AE | 25 | 0,89 | < 0,001 |
TAPSE: excursão sistólica do plano do anel tricúspide com o modo M; DDVD: diâmetro diastólico do ventrículo direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito.
Figura 1 Correlação entre TAPSE (excursão sistólica do plano do anel tricúspide) e volume atrial esquerdo (painel esquerdo; p < 0,001) e entre S' lateral do ventrículo direito e volume atrial esquerdo (painel direito; p < 0,001). VD: ventrículo direito; AE: átrio esquerdo; EP: erro padrão; DP: desvio padrão. Teste T de Student para amostras independentes, p < 0,05.
A importância do VAE como um índice sensível que expressa a gravidade da função diastólica do VE e que fornece informações prognósticas em várias cardiopatias está bem documentada na literatura;4 entretanto, sua possível influência no desempenho ventricular direito ainda é um campo que carece de pesquisas. O presente estudo evidenciou correlação significativa inversa entre tamanho e VAE e valores absolutos do TAPSE e S' lateral do VD em pacientes com DDVE.
Em um estudo semelhante, Torii et al.,12 comparando 239 indivíduos com fibrilação atrial (FA) e 281 indivíduos com ritmo sinusal, evidenciaram menores valores de TAPSE nos pacientes com FA independentemente de idade, sexo, frequência cardíaca, fração de ejeção ventricular esquerda ou grau de regurgitação tricúspide. Não foi feita, nessa pesquisa, nenhuma correlação com o tamanho ou o VAE. Uma vez que no presente estudo não foram admitidos pacientes portadores de FA, é possível inferir que o aumento do AE por si só esteja influenciando também os valores do TAPSE e S' lateral do VD. Sabe-se que o aumento do AE ocorre de modo não uniforme devido a limitações físicas impostas pelo esterno e pela coluna vertebral, os quais também influenciam a dilatação e o movimento das demais câmaras.4 O TAPSE reflete não apenas o encurtamento da parede livre do VD, mas também a tração do VD resultante da contração ventricular esquerda e os efeitos da translação do coração dentro do tórax.13 O aumento do AE devido à sobrecarga de pressão e volume causa alterações estruturais nas demais câmaras cardíacas, incluindo dilatação concomitante do anel tricúspide, aumento da mobilidade dos folhetos tricúspides, remodelamento ventricular direito e aparecimento de regurgitação valvar tricúspide.14,15 Uma hipótese possível seria que a dilatação do anel tricúspide, secundária ao aumento do AE, altere os valores de TAPSE e S' lateral devido ao deslocamento do próprio anel mitral, causando remodelamento ventricular direito e alterando sua capacidade de encurtamento longitudinal, uma vez que o local determinado para a realização dessas medidas é justamente o implante lateral da valva tricúspide. Entretanto, não se pode afastar que essas alterações e deslocamentos anatômicos das cavidades cardíacas causados pelo aumento atrial esquerdo provoquem alterações no ângulo do feixe ultrassônico, modificando os valores de Doppler tecidual obtidos. Um achado interessante foi o fato de que o volume atrial esquerdo medido em toda a população foi praticamente normal, embora o tamanho linear do AE tenha sido maior no GE. Sabe-se que essa medida linear do AE tem baixa acurácia e reprodutibilidade na sua quantificação devido a limitações técnicas como a angulação do feixe de ultrassom e a geometria irregular do próprio AE.4
Também se faz necessário ressaltar que os valores de referência para o volume atrial esquerdo são baseados em trabalhos internacionais que envolvem populações de maior estatura, não existindo dados envolvendo uma grande população exclusivamente brasileira.16 Entretanto, aumentos pequenos no VAE notados nos pacientes com DDVE foram suficientes para alterar os valores de TAPSE e S' lateral do VD.
Os critérios de exclusão no presente estudo foram rígidos e não eram esperados sinais de disfunção ventricular direita evidentes em nenhum dos grupos, o que foi confirmado pelos valores normais de TAPSE e S' lateral do VD na população estudada. Em um estudo prévio de Bruhl et al.,17 avaliando 51 indivíduos saudáveis, sem história de doença cardíaca, os valores tanto do TAPSE, do MAPSE (excursão sistólica do plano do anel mitral) quanto os índices de Doppler tecidual do VD e do VE permaneceram estáveis independentemente de idade, sexo e superfície corpórea. Esses achados refletem a relação e a interdependência sistólica entre os ventrículos. O tamanho e a função ventricular direita correlacionam-se à ocorrência de sintomas e à capacidade física em várias condições clínicas. Uma acurada avaliação ecocardiográfica do VD permite detecção precoce de doenças cardíacas, aumenta a estratificação de risco e pode indicar o início apropriado de terapia medicamentosa.18,19 Zakir et al.,20 correlacionaram, com propriedade e detalhamento, a DDVE e a disfunção sistólica do VD, com base na medida da pressão invasiva do sistema venocapilar pulmonar. A DDVE sabidamente causa o aumento das pressões de enchimento do AE e, retrogradamente, hipertensão arterial pulmonar, provocando sobrecarga pressórica no VD. De acordo com Simon et al.,21 a progressão da disfunção do VD inicia-se com a hipertensão pulmonar, o que gera a hipertrofia do VD e finalmente o déficit sistólico direito. Entretanto, no presente estudo, mesmo nos pacientes com DDVE grau II, os valores absolutos de TAPSE e S' lateral do VD permaneceram normais. Acredita-se também que a dificuldade da análise da função do VD, por sua conformação geométrica e complexa correlação com a região septal do VE, propicie o retardo do diagnóstico da disfunção sistólica do VD, sendo esta evidenciada apenas em casos avançados de doença. Assim, uma análise seriada do volume atrial esquerdo e dos valores de TAPSE e S' lateral do VD nos pacientes com DDVE ou com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada de VE pode fornecer indícios de deterioração inicial da função ventricular direita.
Os demais achados do presente estudo estiveram de acordo com dados de literatura. Pode-se observar que os indivíduos com DDVE eram mais idosos, apresentaram maior incidência de HVE e maior tamanho do AE quando comparados ao GC e também maior prevalência de HAS.22-24 O AE foi maior em pacientes com função diastólica alterada, assim como mostrou-se progressivamente aumentado em relação ao grau de disfunção diastólica, o que está de acordo com o trabalho de El Aouar et al.,16
Com relação à prevalência de HAS no GE, sabe-se que a sua presença causa não apenas HVE como também pode provocar hipertrofia ventricular direita,25,26 a qual não foi avaliada no presente estudo. O fato de não terem sido encontradas diferenças significativas entre os grupos com relação às variáveis ecocardiográficas do VD reflete os rígidos critérios de exclusão; reflete também a constatação de que os parâmetros ecocardiográficos para análise da função do VD apresentam grande discussão na literatura e sofrem com grande variabilidade intra e interobservador.6,7 Não existe padrão-ouro, mas um conjunto de dados que devem ser interpretados com cautela e de modo seriado diante do quadro clínico de cada paciente. Assim, mudanças sutis nos valores analisados em relação à função do VD encontradas no presente estudo e sua correlação com o aumento do AE podem fornecer dados para futuras pesquisas neste campo. Nesse sentido, a inclusão da análise do VD com a tecnologia speckle-tracking (strain e strain rate) na avaliação do VD se faz pertinente. O strain (ε) e o strain rate (SR ou s-1) são índices que avaliam a deformação miocárdica regional e global com muitas vantagens em relação ao strain obtido pelo Doppler tecidual, principalmente com menor variabilidade intra e interobservador. Por meio do rastreamento de pontos (speckle-tracking) pela ecocardiografia bidimensional, é possível determinar o strain nos sentidos longitudinal, circunferencial e radial da estrutura ou local analisado, sem sofrer influência do ângulo.27
Finalizando, devem ser citadas algumas limitações importantes do presente estudo: (1) o número pequeno de pacientes envolvidos, sendo necessária uma população maior para confirmar os achados aqui apresentados; (2) o não pareamento adequado dos indivíduos, principalmente em relação à idade; (3) a falta de informações adequadas ou precisas sobre o tempo de doença hipertensiva e o seu tratamento, bem como medicações em uso pelos pacientes; e (4) a não inclusão do diâmetro do anel tricúspide, bem como do volume atrial direito nas variáveis analisadas, as quais poderiam fornecer mais informações sobre o remodelamento ventricular direito. Com relação à idade na população aqui estudada, o grupo de pacientes com DDVE foi composto por indivíduos mais idosos em relação ao GC, o que pode ter influenciado os resultados obtidos, principalmente em relação ao VAE. Sabe-se também que a prevalência de HAS aumenta com a idade e de maneira diferente entre homens e mulheres.28,29 A proporção entre homens e mulheres, embora sem um pareamento perfeito, foi semelhante nos dois grupos; entretanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos nas variáveis estudadas.
O presente estudo permitiu correlacionar de maneira inédita o aumento do volume atrial esquerdo com alterações progressivas da função ventricular direita em pacientes com DDVE. Entretanto, mais estudos são necessários para confirmar tais achados.