versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.42 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000192
A disfagia após intubação orotraqueal prolongada (IOTP) - acima de 48 h(1-3) - é definida como a inabilidade em transferir eficientemente o alimento da boca ao estômago.(4) Na literatura, esse tipo de disfagia tem uma incidência que varia de 44 a 87%(3,5,6) dos casos após a extubação, podendo elevar a morbidade e mortalidade. (7) Baseado em dados levantados em hospitais dos EUA, o custo anual com pacientes disfágicos ultrapassa 500 milhões de dólares.(4)
Recentemente, uma das preocupações tem sido o estudo das disfagias e de seu impacto no sistema de saúde. (8-11) A disfagia após a IOTP retarda o início do retorno para a alimentação oral, aumenta o risco para doenças pulmonares e atrasa a alta hospitalar. (12,13) Com base nesse cenário, a identificação precoce de preditores que apontem os pacientes com risco de aspiração é extremamente relevante para a priorização dos atendimentos, com o estabelecimento de condutas adequadas e promovendo o retorno mais breve e seguro para a alimentação oral.(14) Vários testes estão disponíveis para o diagnóstico da disfagia após a IOTP, incluindo a avaliação da deglutição à beira de leito, realizada por um fonoaudiólogo, além dos exames de imagem (videofluoroscopia e videoendoscopia).(15) Contudo, cabe ressaltar que o uso de tais exames não é a realidade na maioria dos centros de atendimento, além de haver uma limitação quanto as suas indicações para o paciente crítico.(10)
Um estudo recente(15) investigou clinicamente os preditores de risco da disfagia após a IOTP, com base nos resultados da avaliação clínica da deglutição à beira do leito. Os autores concluíram que pacientes que apresentam escape extraoral, deglutições múltiplas, ausculta cervical alterada, engasgos, qualidade vocal alterada e tosse após a deglutição devem ser avaliados prontamente antes de se iniciar a reintrodução da alimentação por via oral. Outros estudos que utilizaram avaliações à beira de leito apontam os seguintes sinais como indicativos de risco para aspiração: qualidade vocal após a deglutição(16,17) e presença de tosse após a deglutição.(17,18)
Sabe-se que a gravidade da disfagia após a IOTP está relacionada com o tempo de duração de ventilação mecânica (> 48 h), com escores da escala de coma de Glasgow ≤ 14 ou idade ≥ 55 anos.(1-3) Porém, há estudos que procuraram verificar a associação da disfagia com outros fatores de risco, como as medidas de gravidade do estado de saúde do paciente.(19-21) Em tais estudos, os autores incluíram o resultado de instrumentos que determinam a gravidade dos pacientes no momento da internação, tais como Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II).(19-21)
Dois estudos atuais utilizaram o escore SOFA obtido na admissão dos pacientes na UTI para investigar suas correlações com a gravidade da disfagia.(19,20) Foi observado, em ambos os estudos, que a gravidade do paciente no momento da internação não apresentou relação com a gravidade da disfagia (determinada por avaliação à beira do leito). Os pacientes com disfagia leve ou deglutição normal apresentaram valores similares no SOFA quando comparados aos pacientes com disfagia grave.
Outro estudo,(21) cujo objetivo foi avaliar os fatores demográficos e clínicos associados à disfagia após a IOTP em pacientes com alterações pulmonares, analisou os resultados de escalas de gravidade do paciente (SOFA e APACHE II) como possíveis fatores relacionados à gravidade da disfagia após a extubação. Pela análise de regressão linear, quatro variáveis apresentaram significância: duração da intubação; comorbidades gastrointestinais altas; escore SOFA e valores baixos relacionados ao IMC.
Assim, o objetivo do presente estudo foi correlacionar a gravidade de pacientes críticos não neurológicos com preditores clínicos do risco de broncoaspiração (avaliação fonoaudiológica da deglutição à beira do leito).
Foi realizado um estudo transversal observacional prospectivo, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição sob o código CAPPesq 311784. Os procedimentos para a coleta dos dados tiveram início somente após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo próprio paciente ou seu responsável legal.
Participaram do estudo pacientes submetidos à avaliação da deglutição à beira do leito, por solicitação médica, atendidos pela Divisão de Fonoaudiologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, localizado na cidade de São Paulo (SP), entre janeiro de 2013 e janeiro de 2015.
Os critérios de inclusão adotados foram apresentar histórico de IOTP (> 48 h)(1-3); ter idade > 18 anos; não estar traqueostomizado ou apresentar histórico de traqueostomia; não apresentar doenças neurológicas ou neurodegenerativas; não apresentar histórico de disfagia esofágica; não apresentar câncer de cabeça e pescoço ou histórico de procedimentos cirúrgicos nessas regiões; e ter sido submetido à avaliação da deglutição à beira do leito nas primeiras 48 h após a extubação.
As etapas de coleta de dados do estudo estão descritas abaixo.
O risco de broncoaspiração foi determinado com base no Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco da Disfagia (PARD).(10,15) O PARD é indicado para a avaliação precoce do risco para a disfagia à beira do leito. Sua aplicação inclui a oferta de volumes controlados de água e de purê. O resultado final da avaliação sugere se o paciente pode receber volumes maiores de líquidos/alimentos e diferentes consistências alimentares, além de apontar se existe a necessidade de monitoramento para a alimentação segura. Os resultados observados durante a aplicação são registrados como "sucesso" ou "falha" para cada item do protocolo.
Uma pesquisa publicada recentemente investigou os preditores de risco de disfagia após a IOTP,(15) com base nos resultados do PARD na avaliação com água (5 ml). Naquele estudo, os autores concluíram que os preditores de disfagia na população estudada foram escape extraoral, deglutições múltiplas, ausculta cervical alterada, qualidade vocal após a deglutição, presença de tosse após a deglutição e presença de engasgos. Dessa forma, esses foram os itens do PARD considerados para a análise e sua correlação com os demais dados da pesquisa.
Para determinação do nível funcional da deglutição, foi utilizada a escala American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS).(22) Essa escala é uma ferramenta multidimensional que verifica o nível de supervisão necessária para a alimentação e as consistências alimentares indicadas para cada paciente, atribuindo-se um único número entre 1 e 7. Para o presente estudo, o nível da escala ASHA NOMS foi determinado após a aplicação completa do PARD e, quando necessário, após a avaliação clínica da deglutição. Assim, foi classificado o nível funcional da deglutição como nível 1: o individuo não é capaz de deglutir nada com segurança pela boca, e toda nutrição e hidratação são recebidas através de recursos não orais; nível 2: o indivíduo não é capaz de deglutir com segurança pela boca para sua nutrição e hidratação, mas pode ingerir alguma consistência, somente em terapia, com o uso máximo e consistente de pistas, sendo necessário o uso de uma via alternativa de alimentação; nível 3: é necessário o uso de uma via alternativa de alimentação, uma vez que o indivíduo ingere menos de 50% da nutrição e hidratação pela boca, e/ou a deglutição é segura com o uso moderado de pistas para o uso de estratégias compensatórias, e/ou o indivíduo necessita de restrição máxima da dieta; nível 4: a deglutição é segura, mas frequentemente requer o uso moderado de pistas para o uso de estratégias compensatórias, e/ou o indivíduo tem restrições moderadas da dieta e/ou ainda necessita de alimentação por via alternativa ou suplemento oral; nível 5: a deglutição é segura com restrições mínimas da dieta e/ou ocasionalmente requer pistas mínimas para o uso de estratégias compensatórias, sendo que, ocasionalmente, o indivíduo pode se automonitorar, e toda nutrição e hidratação são recebidas por via oral durante a refeição; nível 6: a deglutição é segura, e o indivíduo come e bebe independentemente, raramente necessitando de pistas mínimas para o uso de estratégias compensatórias, frequentemente se automonitorando quando ocorrem dificuldades, mas podendo ser necessário evitar alguns itens específicos de alimentos (por exemplo, pipoca e amendoim) e/ou um tempo adicional para sua alimentação (devido à disfagia); e nível 7: a habilidade do indivíduo em se alimentar independentemente não é limitada pela função de deglutição, que é segura e eficiente para todas as consistências, e estratégias compensatórias são utilizadas efetivamente quando necessárias.
Para a determinação da gravidade do paciente no momento da avaliação clínica fonoaudiológica foi utilizado o escore SOFA,(23) registrado em prontuário médico com base em exames laboratoriais e clínicos. Esse escore é um instrumento aplicado diariamente em pacientes críticos durante sua permanência na UTI para se determinar, quantitativa e objetivamente, os níveis de disfunção/falência dos órgãos. O escore SOFA é utilizado não para determinar o desfecho do paciente, mas sim para descrever as complicações de pacientes críticos. Os dois maiores objetivos do SOFA são melhorar a compreensão da disfunção dos órgãos e da relação entre os prejuízos dos vários órgãos, assim como avaliar os efeitos do tratamento médico adotado.
Para determinar a gravidade do paciente, são atribuídos escores de zero (normal) a quatro (maior grau de comprometimento) para os diferentes sistemas (respiratório, cardiovascular, hematológico, hepático, sistema nervoso central e renal). Cada sistema recebe um escore separado, e a pontuação final é obtida pela soma de todos os escores. A pontuação máxima é 20, sendo essa indicativa de maior gravidade. Os critérios para a atribuição dos pontos estão descritos no Quadro 1.
Quadro 1. Sistema de pontuação do Sequential Organ Failure Assessment.
Variáveis | Pontos | ||||
---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | 3 | 4 | |
Sistema respiratório | |||||
PaO2/FiO2, mmHg | > 400 | ≤ 400 | ≤ 300 | ≤ 200a | ≤ 100a |
Sistema hematológico | |||||
Plaquetas, ×103/mm3 | > 150 | ≤ 150 | ≤ 100 | ≤ 50 | ≤ 20 |
Sistema hepático | |||||
Bilirrubina, mg/dl (µmol/l) | <1,2 (< 20) | 1,2-1,9 (20-32) | 2,0-5,9 (33-101) | 6,0-11,9 (102-204) | > 12,0 (> 204) |
Sistema cardiovascular | |||||
Hipotensão | Sem hipotensão | MPA < 70 mmHg | Dopamina ≤ 5 ou dobutamina em qualquer doseb | Dopamina > 5, epinefrina ≤ 1 ou norepinefrina ≤ 0,1b | Dopamina > 15, epinefrina > 0,1 ou norepinefrina > 0,1b |
SNC | |||||
Escala de Coma de Glasgow | 15 | 13-14 | 10-12 | 6-9 | < 6 |
Sistema renal | |||||
Creatinina, mg/dl (µmol/l) | < 1,2 (<110) | 1,2-1,9 (110-170) | 2,0-3,4 (171-299) | 3,5-4,9 (300-440) | > 5,0 (> 440) |
Débito urinário, ml/dia | N/A | N/A | N/A | < 500 | < 200 |
MPA: média da pressão arterial; e SNC sistema nervoso central. aCom suporte respiratório.bAgentes adrenérgicos administrados por pelo menos 1 h em doses administradas em µg/kg de peso corporal por min.
Os pressupostos da distribuição normal em cada grupo e a homogeneidade das variâncias entre os grupos foram avaliados, respectivamente, com o teste de Shapiro-Wilk e com o teste de Levene.
Para comparação dos valores do escore SOFA entre os diferentes níveis funcionais da deglutição foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis e, quando foi necessário realizar comparações múltiplas, foi utilizado o teste de Dunn. As variáveis categóricas foram analisadas com o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher. O valor de significância estatística adotado para todas as análises foi de 5% (p ≤ 0,05).
Após a aplicação dos critérios de inclusão, a amostra do estudo foi composta por 150 pacientes. Os diagnósticos de base dos pacientes incluídos na pesquisa foram os seguintes: doenças pulmonares, em 59 pacientes; politraumas com ausência traumatismo cranioencefálico, em 18; transplantes renal e hepático, em 12; doenças cardíacas, em 11; doenças vasculares, em 11; hepatopatias, em 10; doenças renais, em 10; moléstias infecciosas, em 6; doenças gastroenterológicas, em 5; doenças reumatológicas, em 5; e doenças endocrinológicas, em 3.
Considerando o nível de deglutição, de acordo com a escala ASHA NOMS após a avaliação fonoaudiológica à beira do leito, foi observada a seguinte distribuição: nível 1, em 3 pacientes; nível 2, em 35; nível 3, em 22; nível 4, em 27; nível 5, em 12; nível 6, em 10; e nível 7, em 41. Para fins da análise estatística, os pacientes foram agrupados da seguinte forma: níveis 1 e 2, ASHA1; níveis 3 a 5, ASHA2; e níveis 6 e 7, ASHA3. A caracterização dos pacientes quanto a idade e tempo de intubação está descrita na Tabela 1.
Tabela 1. Idade e tempo de intubação nos pacientes estudados.
Variáveis | Grupos | p* | ||
---|---|---|---|---|
ASHA1 | ASHA2 | ASHA3 | ||
Idade, anos | 62,00 ± 17,40 | 55,30 ± 17,48 | 46,40 ± 18,30 | < 0,001 |
Tempo de intubação, dias | 7,60 ± 3,97 | 6,20 ± 3,38 | 4,90 ± 2,70 | < 0,001 |
ASHA1: pacientes nos níveis 1 e 2 no American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS); ASHA2: pacientes nos níveis 3, 4 e 5 no ASHA NOMS; e ASHA3: pacientes nos níveis 6 e 7 no ASHA NOMS. *ANOVA
A análise estatística pelo teste de Kruskal-Wallis indicou que houve diferenças significantes para a idade entre os grupos ASHA1 e ASHA3 (p < 0,001) e entre os grupos ASHA2 e ASHA3 (p = 0,026), sendo o grupo ASHA3 composto por indivíduos mais jovens. Considerando a média de tempo de IOTP (em dias) para os diferentes grupos, o grupo ASHA3 foi o que apresentou menor tempo de intubação, com uma diferença significante entre esse grupo e o grupo ASHA1 (p = 0,001).
A Tabela 2 apresenta a comparação entre os diferentes níveis de deglutição e os preditores clínicos do risco para aspiração broncopulmonar.
Tabela 2. Comparação entre os níveis de deglutição e os preditores do risco de aspiração broncopulmonar.
Sinais clínicos | Resultado | Grupos | p* | ||
---|---|---|---|---|---|
ASHA1 | ASHA2 | ASHA3 | |||
(n = 38) | (n = 61) | (n = 51) | |||
Escape extraoral | Sucesso | 35 | 57 | 50 | 0,402 |
Falha | 3 | 4 | 1 | ||
Deglutições múltiplas | Sucesso | 24 | 42 | 44 | 0,030 |
Falha | 14 | 19 | 7 | ||
Ausculta cervical alterada | Sucesso | 21 | 52 | 51 | < 0.001 |
Falha | 17 | 9 | 0 | ||
Voz molhada | Sucesso | 31 | 55 | 51 | 0.009 |
Falha | 7 | 6 | 0 | ||
Tosse | Sucesso | 16 | 37 | 50 | < 0.001 |
Falha | 22 | 24 | 1 | ||
Engasgo | Sucesso | 31 | 52 | 51 | 0,008 |
Falha | 7 | 9 | 0 |
ASHA1: pacientes nos níveis 1 e 2 no American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS); ASHA2: pacientes nos níveis 3, 4 e 5 no ASHA NOMS; e ASHA3: pacientes nos níveis 6 e 7 no ASHA NOMS. *Teste do qui-quadrado.
Os resultados indicaram que o preditor de risco "escape extraoral" não diferenciou os grupos quanto à funcionalidade da deglutição. Os preditores de risco "alteração na ausculta cervical" e "presença de tosse" após a deglutição foram os melhores indicadores de diferenciação dos grupos. Com o objetivo de verificar para quais grupos os preditores de risco de aspiração foram mais evidentes, foi aplicado o teste exato de Fisher. Nessa análise, os grupos foram pareados em relação aos preditores de risco - deglutições múltiplas: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,559); ASHA1 vs. ASHA3 (p = 0,011); e ASHA2 vs. ASHA3 (p = 0,030); ausculta cervical alterada: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,001); ASHA1 vs. ASHA3 (p < 0,001); e ASHA2 vs. ASHA3 (p = 0,004); voz molhada: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,236); ASHA1 vs. ASHA3 (p = 0,002); e ASHA2 vs. ASHA3 (p = 0,031); tosse após a deglutição: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,072); ASHA1 vs. ASHA3 (p < 0,001); e ASHA2 vs. ASHA3 (p < 0,001); e engasgo: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,630); ASHA1 vs. ASHA3 (p = 0,002); e ASHA2 vs. ASHA3 (p = 0,004).
As Tabelas 3 e 4 apresentam os resultados na comparação entre os níveis funcionais da deglutição e a gravidade do paciente (SOFA) no momento da avaliação fonoaudiológica.
Tabela 3. Comparação entre os níveis de deglutição e a gravidade do paciente.
Nível da deglutição | Mediana | IIQ | p |
---|---|---|---|
ASHA1 | 5,0 | 3,75-8,00 | 0,001 |
ASHA2 | 5,0 | 3,00-7,00 | |
ASHA3 | 3,0 | 2,00-5,00 |
IIQ: intervalo interquartil; ASHA1: pacientes nos níveis 1 e 2 no American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS); ASHA2: pacientes nos níveis 3, 4 e 5 no ASHA NOMS; e ASHA3: pacientes nos níveis 6 e 7 no ASHA NOMS. *Teste de Kruskal-Wallis.
Tabela 4. Múltiplas comparações entre os níveis de deglutição e a gravidade do paciente.
Comparações | p |
---|---|
ASHA1 vs. ASHA2 | > 0.999 |
ASHA1 vs. ASHA3 | 0,003 |
ASHA2 vs. ASHA3 | 0,005 |
ASHA1 pacientes nos níveis 1 e 2 no American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS); ASHA2: pacientes nos níveis 3, 4 e 5 no ASHA NOMS; e ASHA3: pacientes nos níveis 6 e 7 no ASHA NOMS. *Teste de Dunn.
Os resultados das duas análises indicam que quanto menos funcional for a deglutição, maior é a gravidade do paciente. Observa-se ainda que o grupo ASHA1 (sem possibilidade de alimentação por via oral) e o grupo ASHA2 (com restrição máxima a moderada de consistência de dieta) não se diferenciaram quanto à gravidade dos pacientes segundo SOFA.
A fim de verificar quais os possíveis indicadores de gravidade do paciente que poderiam ter impactos na deglutição, foi realizada a correlação entre os indicadores de funcionamento dos sistemas respiratório, cardiovascular e de sistema nervoso central dos escores SOFA com o nível de funcionalidade da deglutição do paciente no momento da avaliação fonoaudiológica (Tabela 5). Os resultados indicaram que somente a alteração do sistema nervoso central correlacionou-se com a alteração da funcionalidade da deglutição, indicando que quanto pior for a funcionalidade da deglutição, pior é a condição do sistema nervoso central. Analisando somente o indicador referente ao sistema nervoso central, o teste de Dunn indicou que o grupo com pior funcionalidade da deglutição se diferenciou dos demais: ASHA1 vs. ASHA2 (p = 0,018); ASHA1 vs. ASHA3 (p < 0,001); e ASHA2 vs. ASHA3 (p = 0,101).
Tabela 5. Comparação da gravidade do sistema respiratório, do sistema cardiovascular e do sistema nervoso central com os níveis de deglutição.
Escore SOFA | Grupos | p | ||
---|---|---|---|---|
ASHA1 | ASHA2 | ASHA3 | ||
(n = 38) | (n = 61) | (n = 51) | ||
Respiratório | ||||
0 | 8 | 13 | 14 | 0,436 |
1 | 14 | 13 | 15 | |
2 | 9 | 18 | 7 | |
3 | 7 | 14 | 13 | |
4 | 0 | 3 | 2 | |
Cardiovascular | ||||
0 | 28 | 49 | 47 | 0,507 |
1 | 2 | 3 | 1 | |
2 | 1 | 1 | 1 | |
3 | 5 | 7 | 1 | |
4 | 2 | 1 | 1 | |
SNC | ||||
0 | 15 | 40 | 43 | 0,001 |
1 | 18 | 18 | 8 | |
3 | 4 | 2 | 0 | |
4 | 3 | 1 | 0 |
SOFÁ: Sequential Organ Failure Assessment; ASHA1: pacientes nos níveis 1 e 2 no American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS); ASHA2: pacientes nos níveis 3, 4 e 5 no ASHA NOMS; ASHA3: pacientes nos níveis 6 e 7 no ASHA NOMS; e SNC: sistema nervoso central. *Teste do qui-quadrado.
O presente estudo apresenta as características do risco para broncoaspiração da maior amostra de pacientes após a IOTP no Brasil. O estabelecimento de indicadores de priorização de atendimento fonoaudiológico de pacientes após a extubação é primordial para a redução de custos hospitalares, a otimização das avaliações fonoaudiológicas à beira do leito e o retorno precoce e seguro para a alimentação por via oral.
A literatura aponta que o impacto da idade na ocorrência da disfagia após a IOTP é similar em adultos jovens e idosos,(24,25) os grupos parecem se diferenciar apenas quanto à resolução da disfagia, sendo que idosos tendem a retornar para a alimentação por via oral mais tardiamente.(2,18,26) Ao contrário da literatura, o presente estudo mostrou que indivíduos com idade superior a 55 anos apresentaram maior frequência de sinais preditores de broncoaspiração.
Um estudo anterior descreveu o impacto do envelhecimento na função da deglutição, indicando que idosos saudáveis apresentam resíduos em valécula (retenção laríngea) e que, normalmente, esses indivíduos, não têm consciência dos alimentos que permanecem retidos na faringe.(27) Apesar de a limpeza faríngea ser praticamente completa em indivíduos jovens assintomáticos, o mesmo não é observado em idosos saudáveis.(27) Os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da retenção faríngea do alimento ainda não são bem conhecidos. De acordo com a literatura,(28,29) mudanças fisiológicas podem estar envolvidas no envelhecimento do processo da deglutição - amplitude da contração faríngea reduzida, encurtamento faríngeo, diminuição da propulsão/força de língua e diminuição da força de véu palatino para auxiliar o deslocamento do bolo alimentar. Esses fatores também poderiam justificar a maior frequência da ocorrência de tosse e da alteração da ausculta após a deglutição, observada no presente estudo, nos pacientes críticos com idade acima de 55 anos.
A associação entre o tempo da intubação orotraqueal e a gravidade da disfagia é bem respaldada pela literatura.(1,12,19,30,31) Essa associação pode ser explicada pelo impacto da permanência do tubo na cavidade oral, faringe e laringe. Sabe-se que os quimiorreceptores e/ou mecanorreceptores, localizados nas mucosas da faringe e laringe e envolvidos no reflexo de deglutição, podem sofrer alterações devido à presença do tubo orotraqueal.(3) A inibição das habilidades sensoriais da laringe, identificada pela ausência de tosse ou de qualquer outro sinal clínico sugestivo de aspiração, já foi observada em pacientes durante a ingestão de líquidos tanto no período imediatamente após a extubação quanto no período de até 4 h após a extubação.(32,33) No presente estudo, os resultados sugerem que indivíduos que permaneceram intubados por mais de seis dias apresentaram maior frequência de sinais preditores do risco de aspiração.
O presente estudo identificou a ausculta cervical alterada como um possível preditor do risco de broncoaspiração. Os sons associados à deglutição saudável e patológica já foram identificados com o auxílio de acelerômetros e microfones, a fim de analisar as características acústicas(34,35) e determinar os sons característicos da deglutição.(35-37) Os resultados sobre a precisão do método variam consideravelmente quanto a confiabilidade e validade quando comparados aos exames de imagem.(38) Em contrapartida, deve-se considerar que a própria interpretação das imagens e dos resultados da videofluoroscopia também apresenta variações de confiabilidade e reprodutibilidade.(39,40) Independentemente do método adotado para avaliar a deglutição, é consenso que o treinamento específico para a aplicação dos mesmos é indispensável.
A análise dos dados indicou que, no presente estudo, pacientes críticos submetidos à IOTP e que apresentaram pior nível funcional da deglutição apresentam um pior quadro clínico geral, sendo a alteração do sistema nervoso central o fator com maior impacto nessa diferença. Conforme apresentado na introdução, os resultados dos estudos que correlacionaram a gravidade do quadro clínico do paciente por SOFA com a gravidade da disfagia não encontraram significância. (19,20) Contudo, o item referente ao comprometimento do sistema neurológico não foi incluído na análise daqueles estudos. A literatura já identificou que o nível rebaixado de consciência tem impactos no mecanismo da deglutição, inclusive podendo levar à aspiração.(2,5,31)
Finalmente, cabe discutir as limitações do estudo aqui apresentado. Em primeiro lugar, a amostra de pacientes utilizada para a composição do presente estudo foi oriunda de uma única instituição e, portanto, os resultados podem apresentar algum tipo de viés decorrente das abordagens terapêuticas adotadas nos protocolos específicos. Em segundo lugar, o tipo de avaliação proposta para a identificação dos preditores de risco de broncoaspiração foi baseada exclusivamente em um protocolo observacional clínico. A verificação real da ocorrência da broncoaspiração, com base nos sinais avaliados, não foi verificada objetivamente com os exames de imagem. Cabe ressaltar que o presente estudo não excluiu a avaliação fonoaudiológica completa, incluindo os exames de imagem.
Os resultados do presente estudo sugerem que pacientes críticos submetidos à IOTP, com idade ≥ 55 anos, que permaneceram intubados por mais de seis dias, com gravidade de quadro clínico geral SOFA ≥ 5, pontuação na Escala de Coma de Glasgow ≤ 14 e que apresentaram ausculta cervical alterada e tosse após a deglutição no teste de água (5 ml) à beira do leito devem ser priorizados para a avaliação fonoaudiológica completa e, se necessário, encaminhados para a confirmação dos resultados por exames de imagem.