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Correlação entre Atividade Física e Variáveis Clínicas de Pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio

Correlação entre Atividade Física e Variáveis Clínicas de Pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio

Autores:

Ana Teresa Glaser Carvalho,
Thays Fraga Duarte,
Andressa Sarda Maiochi,
Roberto Leo da Silva,
Tammuz Fattah,
Daniel Medeiros Moreira

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170091

Introdução

A isquemia miocárdica é o passo inicial para o desenvolvimento do infarto agudo do miocárdio, e resulta de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio pelo miocárdio. É provocada, em sua maioria, por doença arterial coronariana, a qual, por sua vez, é a principal causa de morte e morbidade em todo o mundo.1

Estudos sugerem que a modificação do estilo de vida é de substancial importância, em indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, de todas as regiões geográficas do mundo, e pertencentes aos principais grupos étnicos. Realizar atividade física moderada deve estar entre as prioridades na prevenção da doença coronária em todas as populações em todo o mundo.2

Diversos estudos já demonstraram benefício da atividade física na redução de risco de doença coronariana. O sedentarismo é fator de risco independente para infarto agudo do miocárdio, e está diretamente relacionado a níveis baixos de colesterol HDL, aumento de peso, aumento da pressão sanguínea e também de alguns fatores da coagulação.3

Evidências apontam uma relação inversa dose dependente entre atividade física e taxa de eventos cardiovasculalares. Atividade física aeróbica de moderada a grande intensidade é recomendada em média três a quatro vezes por semana, com duração de aproximadamente 40 minutos.4

Este estudo pretende correlacionar as atividades físicas dos pacientes, mensurada pelo escore de Baecke, com outras variáveis clínicas de pacientes internados em hospitais da rede pública de Santa Catarina após o primeiro infarto agudo do miocárdio.

Métodos

Trata-se de uma análise do Catarina Heart Study, um estudo de Coorte prospectivo que pretende avaliar 1426 pacientes até o ano 2020. Os pacientes selecionados, por amostra consecutiva por conveniência, foram atendidos em hospitais da rede pública de Santa Catarina, com diagnóstico de primeiro infarto agudo do miocárdio e foram submetidos a questionário que engloba diferentes variáveis clínicas, laboratoriais, eletrocardiográficas, ecocardiográficas e angiográficas no período de julho de 2016 a dezembro de 2016.

A atividade física foi mensurada pelo Escore de Baecke, que consiste em um questionário composto de 16 questões que abrangem três escores da atividade física habitual dos últimos 12 meses: escore de exercícios físicos ocupacionais com oito questões, escore de exercícios físicos no lazer com quatro questões e escore de atividades físicas de lazer e locomoção, com quatro questões. Neste trabalho, foram utilizados os escores de exercício físico no lazer e de atividades físicas de lazer e locomoção validados para o Brasil, sendo escore total considerado como a soma destes dois.5

A depressão foi avaliada através do PHQ9, que consiste em um questionário composto por nove perguntas que avaliam a presença de cada um dos sintomas para o episódio de depressão maior, descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV). Os nove sintomas constituem humor deprimido, anedonia, problemas com o sono, cansaço ou falta de energia, mudança de apetite ou peso, sentir-se lento ou inquieto e pensamentos suicidas.6

Foram considerados critérios de inclusão: Idade superior a 18 anos; presença de dor precordial sugestiva de infarto agudo do miocárdio associada a eletrocardiograma com nova elevação do segmento ST no ponto J em duas derivações contíguas com os limites: ≥ 0,1 mv em todas as derivações além das derivações V2-V3. Para essas, aplicaram-se os seguintes limites: ≥ 0,2 mv nos homens ≥ 40 anos; ≥ 0,25 mv nos homens < 40 anos e ≥ 0,15 mV nas mulheres; ou presença de dor precordial sugestiva de infarto agudo do miocárdio associada à elevação de troponina I ou CK-MB acima do percentil 99 do limite superior de referência. Foram considerados critérios de exclusão: infarto agudo do miocárdio prévio e discordância dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo tem como desfecho primário avaliar a atividade física dos pacientes internados com o primeiro infarto, pelo escore de Baecke, e sua correlação com anos de escolaridade. Os desfechos secundários corresponderam à correlação da atividade física com estados depressivos, avaliados pelo PHQ9, correlação entre atividade física e avaliação do estado mental, através do minimental e avaliação dos estados depressivos em relação aos anos de escolaridade e Mini Mental.

Em conformidade com a resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, todos os pacientes incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos das instituições envolvidas.

Análises estatísticas

Na análise estatística, uma amostra mínima de 92 pacientes foi calculada para encontrar uma correlação de 0,3 com poder de 90% e alfa de 0,05. Os dados obtidos foram tabulados e analisados pelo software SPSS 13.0 for Windows. A avaliação da normalidade foi realizada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Variáveis quantitativas com distribuição normal foram expressas como média ± desvio-padrão. As variáveis categóricas foram expressas como número absoluto e percentual. A correlação entre duas variáveis quantitativas foi avaliada através da Correlação de Pearson. Foram considerados significativos valores de p < 0,05.

Resultados

Foram avaliados 108 pacientes no período de julho de 2016 a dezembro de 2016, com idade média de 59,3 ± 11,6 anos, sendo que 75 (69,4%) pertenciam ao sexo masculino. Do total de infartos, 51 (47,2%) foram infartos com supra de segmento ST, e 57 (52,7%) foram infartos sem supra de segmento ST e 57 (52,7%) foram infartos sem supra de segmento ST. Os fatores de risco clássicos para doença coronariana e os potencias fatores de risco da população estudada estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Características da população estudada 

Fatores de risco Valores
Idade em anos * 59,3 ± 11,6
Sexo masculino 75 (69,4%)
Hipertensão arterial sistêmica 62 (57,4%)
Diabetes mellitus 24 (22,2%)
Dislipidemia 35 ( 32,4%)
Tabagismo 34 (31,5%)
História familiar de doença coronariana 44 (40,7%)
Variáveis estudadas
Escore de Baecke * 4,9 ± 1,3
PHQ 9 * 6,9 ± 6,2
Mini mental * 24,1 ± 4,5
Anos de escolaridade * 6,1 ± 4,3

*média ± desvio-padrão;

N (%);

O estudo evidenciou uma correlação positiva fraca entre o escore de Baecke e anos de escolaridade com r = 0,361 (p = 0,001).

Nas análises, houve uma correlação negativa fraca entre o escore de Baecke e o escore de depressão PHQ9 com r = -0,252 (p = 0,009). O estudo também apresentou correlação negativa fraca entre o escore de depressão PHQ9 e o Mini Mental com r = -0,258 (p = 0,007), assim como uma correlação negativa entre o PHQ9 e os anos de escolaridade com r = -0,199 (p = 0,039).

Discussão

Este estudo evidencia uma correlação positiva fraca entre atividade física e anos de escolaridade. Tal informação confere originalidade ao estudo, pois havia poucos dados na literatura que correlacionassem essas variáveis em pacientes internados com infarto agudo do miocárdio. Um estudo grego longitudinal, publicado em 2016, analisou a associação entre o status educacional de pacientes internados com síndrome coronariana aguda em hospitais gregos e o prognóstico desses pacientes. A mortalidade por todas as causas foi maior no grupo de menor escolaridade, assim como eventos coronarianos recorrentes. Esse mesmo estudo também demonstrou que paciente de maior escolaridade eram mais fisicamente ativos.7

Resultados do presente estudo apontam para uma fraca correlação negativa entre atividade física e depressão em pacientes internados com infarto. Tais resultados são concordantes com outros estudos anteriores que correlacionaram essas variáveis em outras populações. Estudos recentes apontam que a atividade física de volume moderado a intenso é inversamente associada à ansiedade e a sintomas depressivos.8 A correlação entre atividade física e depressão também foi estudada em outras populações. Em pacientes com Doença de Alzheimer, por exemplo, a atividade física também mostrou correlação negativa com sintomas depressivos.9 Em pacientes com depressão maior, hábitos sedentários revelaram-se como fatores de risco independentes para doença cardiovascular e mortalidade precoce.10

Além disso, observou-se uma correlação negativa fraca dos escores de depressão com a avaliação do estado mental pelo Mini-mental. Estudo semelhante foi realizado nos Estados Unidos incluindo 116 pacientes com insuficiência cardíaca e também demonstrou correlação entre depressão e deterioração cognitiva nestes pacientes.11

Apesar da originalidade do estudo, este apresenta algumas limitações. O tamanho da amostra é pequeno, embora exista poder suficiente para mostrar correlações significativas entre as variáveis. Além disso, as correlações não comprovam relação de causa-efeito, podendo corresponder somente a associações. Os resultados significativos podem ser somente fruto do acaso. Estas limitações, entretanto, não invalidam os achados deste estudo, que oferecem a sua contribuição para a cardiologia brasileira e internacional.

Conclusões

Há uma correlação positiva entre atividade física e anos de escolaridade em pacientes internados com infarto agudo do miocárdio em Santa Catarina.

Existe uma correlação negativa entre atividade física e depressão nestes pacientes, uma correlação negativa entre depressão e anos de escolaridade assim como entre depressão e Mini Mental.

REFERÊNCIAS

1 Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Simoons ML, Chaitman BR, White HD, et al; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG). Third universal definition of myocardial infarction. Eur Heart J. 2012;33(20):2551-2567. doi: 10.1093/eurheartj/ehs184.
2 Yusuf S, Hawken S, Ounpuu S, Dans T, Avezum A, Lanas F, et al; INTERHEART Study Investigators. Effect of potentially modifiable risk factors associated with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet. 2004;364(9438):937-52. doi: 10.1016/S0140-6736(04)17018-9.
3 Saad EA. Prevenção primária e secundária da aterosclerose: perspectivas atuais e futuras. Rev SOCERJ. 2004;17(2):112-32.
4 Eckel RH, Jakicic JM, Ard JD, Jesus JM, Miller NH, Hubbard VS, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 AHA/ACC guideline on lifestyle management to reduce cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S76-S99. doi: 10.1161/01cir.0000437740.48606.d1. Erratum in: Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S100-1. Circulation. 2015;131(4):e326.
5 Florindo AA, Latorre MR. Validação e reprodutibilidade do questionário de Baecke da avaliação da atividade física habitual em homens adultos. Rev Bras Med Esporte. 2003;9(3):121-8.
6 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LS, Silva NT, Tams BD, et al. Sensibilidade e especificidade do Pattient Health Questionnaire 9 (PHQ-9) entre adultos da população geral. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1533-43. doi: .
7 Notara V, Panagiotakos DB, Kogias Y, Stravopodis P, Antonoulas A, Zombolos S, et al. The impact of educational status on 10-year (2004-2014) cardiovascular disease prognosis and all-cause mortality among acute coronary syndrome patients in the Greek Acute Coronary Syndrome (GREECS) longitudinal study. J Prev Med Public Health. 2016;49(4):220-9. doi: 10.3961/jpmph.16.005.
8 Doré I, O'Loughlin JL, Beauchamp G, Martineau M, Fournier L. Volume and social context of physical activity in association with mental health, anxiett and depression among youth. Prev Med. 2016;91:344-50. doi: 10.1016/j.ypmed.2016.09.006.
9 Vital TM, Hernandez SS, Stein AM, Garuff M, Corazza DI, de Andrade LP, et al. Depressive symptoms and level of physical activity in pacientes with Alzheimer's disease. Geriatr Gerontol Int. 2012;12(4):637-42. doi: 10.1111/j.1447-0594.2011.00830.x.
10 Schuch F, Vancamfort D, Firth J, Rosembaum S, Ward P, Reichert T, et al. Physical activity and sedentary behavior in people with major depressive disorder: a systemic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2017;210:139-50. doi: 10.1016/j.jad.2016.10.050.
11 Garcia S, Spitznagel MB, Cohen R, Raz N, Sweet L, Colbert L, et al. Depression is associated with cognitive dysfunction in older adults with hearth failure. Cardiovasc Psychiatry Neurol. 2011;2011:368324. doi: 10.1155/2011/368324.