versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1585
Envelhecer não é mais privilégio de poucos. O aumento expressivo da expectativa de vida e, consequentemente, o crescimento do número de pessoas que ultrapassam os 60 anos tem obtido reconhecimento mundial(1).
No Brasil, essas modificações ocorrem de forma acelerada e radical. O número de idosos passou de 3 milhões, em 1960, para 7 milhões, em 1975, e 20 milhões em 2008. Além disso, é importante ressaltar que, nesse contingente, é a população “muito idosa,” ou seja, de 80 anos ou mais, que tem apresentado as taxas de crescimento mais expressivas(2, 3).
As pessoas querem envelhecer com boa saúde, para que possam continuar participando da vida em sociedade(4).
Sabe-se que o processo biológico natural do envelhecimento determina alterações no controle motor(5). Alterações como o alargamento da base de suporte, a diminuição do comprimento e da altura do passo, a redução da velocidade, a diminuição da extensão dos joelhos e dos quadris, como também a alteração na flexibilidade e no equilíbrio, manifestam-se como padrões anormais da marcha, habilidade fundamental para a locomoção. Tais manifestações são responsáveis por limitar e elevar o índice de sedentarismo dessa população que envelhece(6–8).
Evidências atuais mostram que a prática de atividade física traz resultados favoráveis à saúde do idoso. Isso nos leva à certeza de que a falta dessa prática leva os idosos a condições funcionais insatisfatórias(9).
A atividade física realizada de uma forma regular e sistemática é reconhecida como sendo uma forte aliada no processo de envelhecimento, suavizando alterações como a diminuição da força muscular, do equilíbrio, da flexibilidade e da resistência aeróbia(10).
Estudos relatam que o Tai Chi Chuan promove incremento do equilíbrio e da flexibilidade em adultos de idade avançada(11). Outras pesquisam relataram que a ginástica melhora a amplitude dos movimentos, a orientação espacial, a estimulação visual e auditiva, a flexibilidade e o equilíbrio(12).
Diversos estudos afirmaram que as atividades aeróbicas regulares possibilitam uma melhora significativa na aptidão física(13). Exercícios com peso, corridas e caminhadas isoladas são exemplos de atividades benéficas para retardar a perda de massa óssea, diretamente ligada ao processo de envelhecimento(14–16).
Dessa forma, fazem-se necessárias estratégias que tenham por objetivo a manutenção da marcha em idosos.
Analisar a marcha em idosos e correlacionar os efeitos de dois programas de atividade física específicos em idosos sedentários.
Trata-se de um estudo de intervenção, controlado, randomizado com amostras correlatas, no qual cada grupo foi controle dele mesmo. Teve início em Fevereiro de 2002 e término em Fevereiro de 2003, sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Foram sujeitos desta pesquisa 40 idosos, com idade entre 60 e 90 anos, de ambos os sexos, sedentários e que não tinham realizado nenhum tipo de atividade física nos últimos seis meses, encaminhados pelo ambulatório do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. Um dos idosos desistiu de participar e dois outros foram afastados para a realização de cirurgia, resultando em um total de 37 idosos.
Os idosos foram randomizados e distribuídos em dois grupos, de acordo com os programas:
exercícios aeróbios (Grupo A): caminhadas monitoradas na pista de atletismo (400 m);
exercícios de flexibilidade e equilíbrio (Grupo B): exercícios de alongamentos ativos de membros inferiores e superiores (alongamento de bíceps braquial, tríceps braquial, peitoral maior, quadríceps, tríceps sural, ísquio tibiais e glúteo máximo) e exercícios com a alteração progressiva da base de apoio e da condição visual (ficar nas pontas dos pés com a base larga e depois diminuída, lateralização do tronco, agachamento com base alargada e depois diminuída e exercícios realizados com os olhos fechados).
As atividades foram desenvolvidas na Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC) da FMUSP, com duração de 50 minutos cada sessão, por 12 meses.
Todos os idosos assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, autorizado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq).
Para cumprir os objetivos desta pesquisa, foi utilizado para coleta de dados um questionário contendo perguntas referentes à idade, sexo, estado civil, doenças associadas ao envelhecimento, uso de medicamentos e o motivo que levou à prática da atividade física.
A marcha foi avaliada antes do início dos exercícios e refeita após três meses para comparação dos dados. Foi utilizado o teste de marcha Tinetti(17). As variáveis avaliadas pelo teste foram: a iniciação da marcha, o comprimento do passo, a altura do passo, simetria e a continuidade do passo, o desvio da linha reta, o tronco e a base de apoio.
Para a realização deste teste pediu-se que o idoso caminhasse em um terreno regular de maneira natural(17).
Para a análise estatística foi utilizado o programa SigmaStat 3.0 para Windows®, onde para a comparação intragrupos foi usada a análise univariada para um fator (ANOVA 1 fator). Foram considerados significativos os resultados com p < 0,001.
A tabela 1 representa os dados demográficos dos 37 idosos que concluíram o estudo. Os valores estão apresentados em média ± desvio padrão.
Tabela 1 Dados demográficos
Dados | Grupo A | Grupo B | Valor p |
---|---|---|---|
Sujeitos (37) | n = 18 | n = 19 | |
Idade (anos) | 69,8 ± 3,4 | 73,8 ± 3,5 | 0,003 |
Mínimo-máximo (anos) | 62 – 75 | 69 – 78 | |
Sexo: M/F | 2/16 | 2/17 | 0,98 |
Podemos observar no Teste da Marcha que na análise univariada, tanto o Grupo A (p = 0,035) quanto o Grupo B (p ≤ 0,001) apresentaram diferença significativa para os parâmetros. Observa-se que na análise intergrupo não houve diferença significante (pré-teste, p = 0,919 e pós-teste, p = 0,878) (Figura 1).
O desvio da linha reta verificado nos dois momentos do estudo, em ambos os grupos, mostrou pela análise univariada que somente o Grupo B apresentou melhora significante (p = 0,009), enquanto a análise intergrupos não apresentou diferença significante dos parâmetros (pré-teste, p = 0,710 e pós-teste, p = 0,622) (Figura 2).
Figura 2 Desvio da linha reta. Box plot ilustrando o desvio da linha reta verificado nos dois momentos do estudo, em ambos os grupos
Em relação ao posicionamento do tronco durante a marcha, na análise univariada somente o Grupo B apresentou melhora significante (p = 0,037). A análise intergrupos não apresentou incremento significante dos parâmetros (pré-teste, p = 0,570 e pós-teste, p = 0,678) (Figura 3).
A manutenção da habilidade de caminhar é primordial para idosos, por ser um elemento necessário em todas as suas atividades diárias(18,19).
No presente estudo foi demonstrado que exercícios físicos específicos de flexibilidade e equilíbrio melhoram a estabilidade postural do idoso, que podem levar à redução considerável das quedas nessa população, o que não foi observado no Grupo A, o qual realizou somente exercícios de caminhada.
Muitos estudos têm utilizado propostas indiretas, como caminhada, dança, exercícios aeróbios ou exercícios associados aos alongamentos para obter efeitos sobre a flexibilidade. Para alguns autores, o treinamento de flexibilidade oferece melhora da velocidade, amplitude e cadência da marcha(20, 21). Já em outro estudo(22), foi verificada melhora significativa na velocidade da marcha em idosos, após um treinamento que consistia em atividades de equilíbrio, força e flexibilidade, com duração de 22 semanas.
Quanto à iniciação da marcha, em ambos os grupos foi verificada melhora significativa dos parâmetros nos dois momentos do estudo.
Atividade física simples, como a caminhada, ajuda na recuperação da condição física do idoso, além de apresentar interessante melhora no fortalecimento muscular dos pés e dos membros inferiores(12). Sob o ponto de vista populacional, a caminhada diária durante 40 a 60 minutos é o tipo de exercício mais simples e de baixo custo, podendo ser facilmente incorporado à rotina de vida(23). A presente pesquisa observou que a caminhada de forma isolada não incrementa as condições de marcha dos idosos sedentários, quando comparados aos que realizaram exercícios específicos de flexibilidade e equilíbrio.
O treinamento composto por exercícios de flexibilidade e equilíbrio (Grupo B) demonstrou incremento significativo quanto ao desvio da linha, posicionamento do tronco e continuidade dos passos, o que demonstrou melhora do controle postural desses idosos durante a marcha.
Já no Grupo A notou-se um aumento da base de apoio e do comprimento e altura dos passos, o que pode ter sido influenciado pela caminhada realizada em terreno aberto e irregular.
O aumento da mobilidade articular permite a realização de atividades comuns da vida diária, frequentemente impossibilitadas nos idosos sedentários. Programas de exercícios que envolvam a ginástica ou exercícios de flexibilidade que façam uso de mudanças posturais são benéficos e capazes de aumentar, além do equilíbrio, a flexibilidade, a capacidade de controle postural, a força muscular e a resistência aeróbia(24–26).
Ficou evidenciado, neste estudo, que ambos os grupos apresentaram melhoras dos determinantes da marcha, porém o Grupo B, que realizou exercícios específicos, obteve melhora expressiva em todos os componentes de marcha estudados, e a associação e realização desses dois tipos de atividades seriam benéficas para o idoso.
Exercícios simples, de fácil execução, sob orientação específica, possibilitam um incremento importante nos componentes da marcha em idosos sedentários.
A caminhada realizada em ambiente aberto, com terreno irregular, possibilita melhora da qualidade da marcha, mas não demonstra ser totalmente eficaz.
A marcha foi beneficiada, predominantemente, no Grupo B (exercícios específicos), pois proporcionou aumento em todos os componentes da marcha estudados.
Com isso, este estudo chama a atenção para o maior incentivo da prática de exercícios físicos específicos em idosos sedentários.