versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 07-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082018ao4247
Os pacientes deambuladores com paralisia cerebral (PC) classificados como níveis I-III, de acordo com o Gross Motor Function Classification System (GMFCS),(1)frequentemente apresentam desvios rotacionais da marcha, o que pode levar à disfunção de braços de alavanca e ao aumento do gasto energético.(2,3) Entre os problemas rotacionais mais comuns na PC, estão o aumento da anteversão femoral e a torção tibial externa.(2–5)
A avaliação quantitativa destas alterações com base no exame físico é, muitas vezes, subjetiva e imprecisa, o que pode afetar diretamente o tratamento.(6–8) Da mesma forma, a mensuração da anteversão femoral e da torção tibial com tomografia computadorizada pode apresentar alta variabilidade inter-e intra-avaliador, podendo não se correlacionar com o exame físico e o padrão real da marcha.(8–11)
Muitas estratégias de tratamento buscam melhorar a marcha de crianças com PC, e a correção de problemas rotacionais é essencial no planejamento de intervenções ortopédicas para este grupo de pacientes.(3) Por isto, é necessário avaliar adequadamente essas anormalidades, para determinar as melhores indicações cirúrgicas para cada paciente e garantir correções precisas. A combinação entre exame clínico e análise de marcha tridimensional (AM3D) é frequentemente usada em pacientes com PC para essa finalidade.(9,12)
Estudos já exploraram a correlação entre achados do exame físico e da AM3D apresentando resultados conflitantes, a depender dos parâmetros analisados.(13–16)Eventuais discordâncias entre dados clínicos e a cinemática podem estar relacionadas a fatores dinâmicos, que não alteram as medidas estáticas do exame físico, como instabilidade articular, desequilíbrio muscular e movimento involuntário.(14) O impacto destes fatores dinâmicos pode variar, de acordo com a fase do ciclo de marcha, dependendo das forças externas e internas que atuam em cada membro, com possíveis reflexos nas medidas angulares da cinemática. Até onde sabemos, nenhum estudo avaliou especificamente a correlação entre dados do exame físico e a cinemática do plano transverso em diferentes pontos no tempo durante o ciclo de marcha. Determinar qual medida se correlaciona melhor com a avaliação clínica pode ser relevante para o planejamento de correções cirúrgicas nesses pacientes.
Determinar se dados do exame físico referentes à rotação do quadril e torção tibial se correlacionam com a cinemática do plano transverso na avaliação do perfil rotacional de crianças com paralisia cerebral, e determinar quais pontos no tempo e eventos do ciclo de marcha apresentam maior correlação com os achados deste exame.
Após aprovação pelo Comitê de Ética local de cada centro (CAAE: 53157815.2.1001.0071), analisamos retrospectivamente os bancos de dados de dois laboratórios de marcha separados, localizados em um hospital de Atenção Terciária (Laboratório 1 - Laboratório de Marcha do Hospital Israelita Albert Einstein - LEME, São Paulo, Brasil) e uma unidade de reabilitação (Laboratório 2 - Laboratório de Marcha do Hospital AACD, Unidade Abreu Sodré, São Paulo, Brasil). Realizamos uma busca eletrônica para identificar uma série de pacientes consecutivos submetidos à AM3D completa entre 2008 e 2016.
Os pacientes foram incluídos neste estudo de acordo com os seguintes critérios: idade entre 4 e 18 anos; diagnóstico de PC; diparesia espástica ou hemiparesia espástica; GMFCS I-III; com AM3D e exame físico completos disponíveis no banco de dados.
Pacientes que apresentavam algum dos seguintes critérios foram excluídos deste estudo: cirurgia ortopédica anterior envolvendo osteotomia de derrotação femoral e/ou tibial, componente discinético significativo, e dados incompletos no banco de dados do laboratório de marcha.
Os protocolos para o exame físico e a AM3D eram semelhantes nos dois centros, o que minimizou o risco de diferenças sistemáticas nas medidas. Todas as medidas foram obtidas por fisioterapeutas capacitados, com mais de 1 ano de experiência em AM3D, como parte dos exames de rotina realizados em cada laboratório de marcha, tendo sido analisadas retrospectivamente. O mesmo fisioterapeuta realizou o exame clínico e a AM3D de cada paciente.
O exame físico das alterações rotacionais foi realizado com o paciente em decúbito ventral, com o joelho no lado testado flexionado a 90°. Usando a perna como referência, foram realizadas rotações interna e externa do quadril. O ângulo da rotação do quadril é medido com a ajuda de um goniômetro, usando uma linha vertical e o eixo longitudinal da perna como referência (Figura 1). O ponto médio da amplitude de rotação passiva do quadril foi calculado para cada paciente, conforme descrito por Kerr et al.,(15) como o ponto médio entre as rotações interna (RIQ) e externa máximas do quadril (REQ). A medida clínica da anteversão femoral pelo teste da proeminência trocantérica(17) não foi utilizada, uma vez que a confiabilidade e a correlação desse teste com a anatomia óssea real podem não ser satisfatórias.(6,18)A medição da torção tibial também foi realizada com o paciente em decúbito ventral. O ângulo formado entre o eixo central da coxa e o eixo transmaleolar, observado no plano coronal reflete a torção tibial sem a influência de eventuais deformidades intrínsecas dos pés (Figura 2).
Para coleta de dados cinemáticos, marcadores reflexivos foram posicionados em referências anatômicas específicas descritas por Kadaba et al.(19) Os pacientes foram instruídos a caminharem descalços, em uma velocidade escolhida por eles, ao longo de um corredor de 8m. Para avaliar a variabilidade, foram coletados, no mínimo, dez ciclos de marcha para cada membro inferior. A trajetória dos marcadores dentro do laboratório foi capturada por um sistema eletrônico com oito câmeras de infravermelho (Vicon no Laboratório 1, e Qualisys OQUS300, no Laboratório 2). Os dados foram processados com o software Nexus (Oxford Metrics, Oxford, Reino Unido), no Laboratório 1, e Vicon Clinical Manager, (Oxford Metrics, Oxford, Reino Unido), no Laboratório 2, de acordo com a técnica descrita por Davis et al.(20) Foi selecionado um único ciclo de marcha representativo (Figura 3). Para os fins deste estudo, analisamos exclusivamente a cinemática do plano transverso do quadril (rotação do quadril) e do pé (rotação do pé em relação à perna - RP). A RP mede a rotação do pé em relação à posição do joelho durante a marcha.(21)Essa medida foi usada no lugar do ângulo de progressão do pé (APP) para excluir o movimento pélvico e do quadril nas análises que envolviam torção tibial.
Figura 3 Exemplo de cinemática do plano transversal obtida na análise de marcha tridimensional. Lado direito em azul, lado esquerdo em vermelho, marcha normal em verde. As anormalidades mostradas incluem assimetria pélvica, rotação interna do quadril direito e ângulo externo bilateral de progressão dos pés. Este paciente era um menino de 13 anos com hemiparesia direita, anteversão femoral elevada e torção tibial externa no lado afetado
Os seguintes dados demográficos foram extraídos do banco de dados: idade no momento do exame, classificação topográfica, nível GMFCS e cirurgias anteriores.
Os dados do exame clínico incluíram RIQ, REQ, ponto médio da rotação do quadril (PMRQ)(15) e torção tibial medida pelo eixo transmaleolar (ETM).
Os dados cinemáticos incluíram rotação de quadril no contato inicial, rotação de quadril média no apoio, rotação de quadril média no apoio simples, rotação de quadril máxima, rotação de quadril mínima, rotação de quadril média no balanço, RP no contato inicial, RP média no apoio, RP média no apoio simples, RP máxima, RP mínima, RP média no balanço.
Para todos os ângulos, seguimos a convenção usual de valores negativos para rotação externa e valores positivos para rotação interna. Foram feitas correlações entre (1) exame físico do quadril e cinemática do quadril; (2) torção tibial ao exame físico e cinemática do pé. Cada lado foi analisado individualmente.
Com base em dados de estudos previamente publicados,(13–15) um tamanho de amostra de 195 pacientes foi calculado para a obtenção de correlações significativas de pelo menos 0,45, com nível de significância de 5% e poder de 90%.
As correlações entre as medidas do exame físico e da cinemática foram analisadas pelos coeficientes de correlação de Spearman, apresentados com intervalos de confiança de 95% e valores de p. Para todas as análises, o programa R 3.2.2 (R Core Team, 2015) foi usado, e um nível de significância de 5% foi considerado. As correlações foram interpretadas de acordo com as seguintes diretrizes: coeficiente <0,20, muito fraco; 0,21-0,40, fraco 0,41-0,60, moderado; 0,61-0,80, forte; 0,81-1,00, muito forte.(22)
Uma série de 195 pacientes consecutivos, que cumpriram os critérios de inclusão, formou a amostra deste estudo, com 85 pacientes (43,6%) do Laboratório 1 e 110 (56,4%) do Laboratório 2. Os intervalos de confiança para todas as correlações foram semelhantes nos dois centros, de modo que todos os dados foram analisados como um único grupo. Os dados demográficos estão resumidos na tabela 1.
Tabela 1 Características demográficas dos pacientes incluídos
Características | ||
---|---|---|
Idade, ano [Média (DP)] | 10,2 (3-18) | |
GMFCS n (%) | ||
I | 61(31) | |
II | 90(46) | |
III | 44(23) | |
Distribuição motora n (%) | ||
Hemiparesia | 43 (22) | |
Diparesia | 152(78) | |
Sexo n (%) | ||
Masculino | 109(56) | |
Feminino | 86 (44) |
Resultados expressos como n (%) ou media (desvio padrão).
GMFCS: Gross Motor Function Classification System.
Quanto às correlações entre as medidas de rotação de quadril ao exame físico e a cinemática do quadril, elas foram moderadas a fortes para todas as variáveis (p<0,001) (Tabela 2). Os valores dos coeficientes de correlação de Spearman variaram de 0,39 a 0,61. Os coeficientes mais altos foram observados entre a PMRQ ao exame físico e os parâmetros da cinemática do quadril, principalmente a rotação de quadril média no balanço. Os coeficientes mais baixos foram observados para as correlações relativas à REQ ao exame físico. Entre os parâmetros da cinemática do quadril, os coeficientes mais baixos foram observados para correlações envolvendo rotação de quadril média no apoio simples.
Tabela 2 Correlações entre as medidas de quadril ao exame físico e a cinemática do quadril
Exame físico | Cinemática | Faixa rho | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Rotação interna do quadril (esquerda/direita) | Rotação do quadril no contato inicial | (0,53/0,43) | (0,42; 0,62)/(0,31; 0,54) | <0,001/<0,001 |
Rotação média do quadril no apoio | (0,47/0,45) | (0,36; 0,57)/(0,34; 0,56) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no apoio simples | (0,43/0,45) | (0,31; 0,54)/(0,33; 0,55) | <0,001/<0,001 | |
Rotação máxima do quadril * | (0,51/0,46) | (0,40; 0,61)/(0,35; 0,57) | <0,001/<0,001 | |
Rotação mínima do quadril† | (0,53/0,44) | (0,43; 0,63)/(0,32; 0,55) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no balanço | (0,57/0,46) | (0,46; 0,66)/(0,35; 0,57) | <0,001/<0,001 | |
Rotação externa do quadril (esquerda/direita) | Rotação do quadril no contato inicial | (0.40/0.48) | (0,27; 0,51)/(0,36; 0,58) | <0,001/<0,001 |
Rotação média do quadril no apoio | (0,43/0,44) | (0,31; 0,54)/(0,32; 0,54) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no apoio simples | (0,40/0,42) | (0,27; 0,51)/(0,30; 0,53) | <0,001/<0,001 | |
Rotação máxima do quadril * | (0.41/0.39) | (0,28; 0,52)/(0,26; 0,50) | <0,001/<0,001 | |
Rotação mínima do quadril† | (0,45/0,45) | (0,33; 0,55)/(0,33; 0,55) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no balanço | (0,48/0,45) | (0,36; 0,58)/(0,33; 0,56) | <0,001/<0,001 | |
Ponto médio da rotação do quadril (esquerda/direita) | Rotação do quadril no contato inicial | (0,53/0,57) | (0,42; 0,63)/(0,47; 0,66) | <0,001/<0,001 |
Rotação média do quadril no apoio | (0,53/0,55) | (0,42; 0,62)/(0,44; 0,64) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no apoio simples | (0,48/0,53) | (0,36; 0,58)/(0,43; 0,63) | <0,001/<0,001 | |
Rotação máxima do quadril * | (0,53/0,53) | (0,42; 0,63)/(0,42; 0,62) | <0,001/<0,001 | |
Rotação mínima do quadril† | (0,57/0,57) | (0,47; 0,66)/(0,46; 0,65) | <0,001/<0,001 | |
Rotação média do quadril no balanço | (0,61/0,58) | (0,52; 0,69)/(0,48; 0,67) | <0,001/<0,001 |
*A rotação máxima do quadril reflete a rotação interna máxima;
†a rotação mínima do quadril reflete a rotação externa máxima.
rho: coeficiente de correlação de postos de Spearman; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Correlações moderadas também foram encontradas entre a medida do ETM ao exame físico e os dados da cinemática do pé (p<0,001), com coeficientes entre 0,44 e 0,56 (Tabela 3). Os valores mais altos foram observados entre a torção tibial ao exame físico e a RP mínima na cinemática (RP externa máxima). Os coeficientes mais baixos foram observados para correlações envolvendo RP no contato inicial.
Tabela 3 Correlações entre as medidas de torção tibial ao exame físico e a cinemática do pé
Exame físico | Cinemática | Faixa rho | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Eixo transmaleolar (lado esquerdo) | Rotação do pé em relação à perna no contato inicial | 0,44 | 0,32-0,55 | <0,001 |
Rotação média do pé em relação à perna no apoio | 0,49 | 0,38-0,59 | <0,001 | |
Rotação média do pé em relação à perna no apoio simples | 0,50 | 0,38-0,60 | <0,001 | |
Rotação máxima do pé em relação à perna * | 0,46 | 0,34-0,57 | <0,001 | |
Rotação mínima do pé em relação à perna† | 0,51 | 0,39-0,60 | <0,001 | |
Rotação média do pé em relação à perna no balanço | 0,48 | 0,36-0,58 | <0,001 | |
Eixo transmaleolar (lado direito) | Rotação do pé em relação à perna no contato inicial | 0,49 | 0,38-0,59 | <0,001 |
Rotação média do pé em relação à perna no apoio | 0,54 | 0,43-0,64 | <0,001 | |
Rotação média do pé em relação à perna no apoio simples | 0,54 | 0,43-0,64 | <0,001 | |
Rotação máxima do pé em relação à perna * | 0,52 | 0,41-0,62 | <0,001 | |
Rotação mínima do pé em relação à perna† | 0,56 | 0,46-0,65 | <0,001 | |
Rotação média do pé em relação à perna no balanço | 0,54 | 0,43-0,63 | <0,001 |
*A rotação máxima do pé reflete a rotação interna máxima;
†a rotação mínima do pé reflete a rotação externa máxima.
rho: coeficiente de correlação de postos de Spearman; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Neste estudo, encontramos correlações significativas entre os dados do exame físico e a análise de marcha na avaliação de perfil rotacional de crianças com PC. Até onde sabemos, este é um dos estudos sobre esse assunto com o maior tamanho de amostra.
Para as análises de rotação de quadril, os coeficientes mais altos foram observados para correlações envolvendo a PMRQ ao exame físico. Resultados semelhantes foram publicados por Kerr et al.,(15) que encontraram correlações significativas entre as medidas do exame físico e os dados de cinemática para o quadril. Os autores reportaram que a PMRQ se correlacionou melhor com a rotação de quadril na fase de apoio, com valores de r entre 0,55 e 0,58. Não houve avaliação separada da cinemática do quadril na fase de balanço, embora os autores tenham reportado tendência de aumento nas correlações quando se considerou a rotação de quadril apenas na fase de apoio. Em nosso estudo, encontramos coeficientes de correlação discretamente mais altos nas análises que envolviam rotação de quadril em balanço.
A rotação do quadril no apoio, particularmente no médio apoio, é bastante útil para estimar o valor necessário da derrotação quando as osteotomias femorais são realizadas para tratar a marcha na PC.(23,24) No entanto, em nosso estudo, as correlações mais baixas entre as medidas do quadril ao exame físico e a cinemática do plano transversal foram observadas para a rotação de quadril no apoio simples. É possível que o aumento da carga sustentada pela extremidade inferior em apoio simples aumentaria o papel de outros fatores, como contraturas, espasticidade e fraqueza. Desloovere et al., encontraram correlações consideráveis da RIQ no apoio com a espasticidade dos flexores do quadril e as contraturas dos adutores do quadril,(14) o que corrobora ainda mais nossa hipótese.
Além disto, estudos que consideram a medida da anteversão femoral não encontraram correlação adequada entre a anatomia do fêmur proximal e a marcha.(10,11)Carriero et al.,(11) investigaram a relação entre marcha e morfologia óssea na ressonância magnética (RM) em crianças saudáveis e crianças com PC diplégica espástica. Os autores encontraram correlação significativa entre a anteversão femoral e a rotação pélvica e do quadril em crianças saudáveis, mas não no grupo com PC. Isso enfatiza a importância de fatores dinâmicos na cinemática do quadril no plano transverso em crianças com PC.
Quanto à comparação entre as medidas de torção tibial do exame físico e a cinemática do pé, encontramos correlações moderadas para todos os parâmetros analisados. Resultados semelhantes foram relatados por Aktas et al., que encontraram fortes correlações entre a rotação tibial durante a marcha e a torção tibial medida no exame físico e na tomografia computadorizada.(10)Concordamos com os autores quando eles comentam que a torção tibial provavelmente é o principal fator determinante da rotação tibial durante a marcha, já que a quantidade de rotação nas articulações do joelho e do tornozelo é desprezível. No entanto, é importante destacar que não pudemos usar a medida cinemática de rotação tibial em nossos estudo devido às restrições impostas pela configuração do laboratório de marcha das duas instituições.
Outros estudos usaram o APP para avaliar a cinemática do pé no plano transversal, mas não encontraram correlação entre a torção tibial e a progressão do pé.(11,14) O APP refere-se ao ângulo entre o eixo longitudinal do pé e a linha de progressão da marcha no laboratório, e pode ser influenciado por desvios rotacionais em diferentes níveis, incluindo a pelve, o quadril, a tíbia e o pé.(3,20) A RP foi usada como parâmetro alternativo neste estudo, embora estejamos cientes de que deformidades no pé podem ter influenciados nossos resultados.(21)Ainda assim, o fato de termos encontrado correlações significativas entre o ETM medido no exame físico e a RP na marcha sugere que este parâmetro é mais representativo da torção tibial do que o próprio APP.
Acreditamos que a combinação de exame físico e AM3D continua sendo muito importante na tomada de decisões relativas à cirurgia ortopédica em pacientes com PC. Fatores dinâmicos podem causar desvios da marcha do plano transverso sem alterações significativas no exame clínico estático, principalmente para rotação de quadril. Isso poderia alterar a escolha do procedimento cirúrgico de uma osteotomia derrotativa do fêmur para uma transposição muscular, por exemplo.(25)Nos centros que não oferecem a AM3D, uma análise visual da marcha detalhada, combinada a um exame físico cuidadoso, pode ser uma alternativa viável. No entanto, é importante ressaltar que a análise visual da marcha pode ter baixa concordância interobservadores, principalmente para anormalidades da marcha do plano transverso.(26)
Este estudo tem algumas limitações. Os dados foram analisados retrospectivamente e, portanto, podem estar sujeitos a erros de coleta de dados. No entanto, as avaliações de qualidade são uma rotina nas duas instituições, com número limitado de fisioterapeutas capacitados e ortopedistas envolvidos na coleta e interpretação de dados. O fato de este estudo incluir pacientes de dois laboratórios de marcha separados também pode afetar a variabilidade. No entanto, ambos usaram protocolos semelhantes e compartilharam parte dos profissionais envolvidos neste estudo. Finalmente, não fizemos comparações diretas entre os diferentes subtipos de PC e níveis do GMFCS, nem comparamos o lado afetado ao não afetado em hemiparéticos, devido ao pequeno número de pacientes nesse subgrupo.
Tomamos medidas adicionais para aumentar a confiabilidade de nossos resultados, como a análise de poder para estabelecer um tamanho de amostra adequado, a inclusão de uma série de pacientes consecutivos com critérios rigorosos e a análise independente inicial das correlações dos dois centros para detectar diferenças.
Este estudo confirmou que o ponto médio da rotação do quadril no exame físico é um indicador mais sensível e com utilidade clínica da rotação de quadril durante a marcha para crianças com paralisia cerebral, principalmente na fase de balanço. Além disto, a medida da torção tibial ao exame físico pelo eixo transmaleolar correlaciona-se significativamente com a rotação do pé durante a marcha, particularmente com a rotação externa máxima do pé em relação à perna. Estes achados podem ter implicações clínicas no tratamento de desvios da marcha do plano transverso em crianças com paralisia cerebral.