versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.2 Rio de Janeiro mar./abr. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170038
Estudos demonstram que depósitos de cálcio no sistema cardiovascular estão associados com a doença aterosclerótica.1-4 À semelhança da tomografia computadorizada (TC), a ecocardiografia transtorácica (ETT) bidimensional é capaz de detectar depósitos de cálcio cardíaco, além de ser portátil, não invasiva, não radiativa e de baixo custo.5 Sabe-se que a angiotomografia de coronárias é capaz de predizer o risco individual de eventos coronarianos ao avaliar o escore de cálcio das artérias coronárias e escores semiquantitativos de cálcio valvar.5
Um trabalho publicado por Gaibazzi et al.6 estabeleceu um índice de calcificação cardíaca pela ETT que identificou a presença de calcificação coronariana importante, com resultados comparáveis aos da angiotomografia de coronárias. Em pacientes com doença arterial coronariana (DAC), a calcificação do anel mitral e a esclerose valvar aórtica à ETT são fatores de risco independentes para eventos cardiovasculares.7 Alguns estudos mostram que a deposição de cálcio nas cúspides aórticas e no esqueleto fibroso da base do coração está relacionada ao envelhecimento. Em idosos, até 55% das ETTs bidimensionais demonstram calcificações.8,9 Outros estudos mostram que a ausência de calcificação cardíaca é um preditor mais forte de ausência de doença coronariana do que a ausência de fatores de risco tradicionais, com exceção do diabetes mellitus (DM).10 A calcificação do anel mitral está associada à calcificação de outras estruturas cardíacas, como a raiz aórtica, músculos papilares, cordas tendíneas e valvas aórticas, sugerindo que possa ser resultado de um processo degenerativo que aumenta com a idade, ou secundário a um aumento do estresse valvar.11 Em decorrência da alta turbulência e estresse mecânico, a valva aórtica serve como foco de deposição de lípides envolvidos no processo de aterosclerose. Estudos histopatológicos de valvas aórticas com esclerose valvar mostram acúmulo de lipoproteínas aterogênicas, infiltrado de células inflamatórias, matriz extracelular e calcificações microscópicas.12 Enfim, a esclerose valvar aórtica pode estar relacionada à aterosclerose sistêmica e eventos cardiovasculares, mas sua utilidade na predição da DAC é questionável.13
O objetivo do presente trabalho foi correlacionar o índice de calcificação cardíaca valvar à ETT com fatores de risco cardiovascular e presença de DAC.
Este estudo de coorte observacional e transversal avaliou pacientes ambulatoriais consecutivos, usuários do sistema público de saúde, que realizaram ETT com quantificação do índice de calcificação cardíaca valvar no período de maio de 2015 a fevereiro de 2016.
Dentre a população ambulatorial encaminhada por médicos assistentes para a realização da ETT por qualquer indicação clínica, foram selecionados pacientes de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos e de qualquer etnia. Os critérios de exclusão foram pacientes portadores de doença renal crônica dialítica, por apresentarem alterações no metabolismo do cálcio e calcificações ectópicas inerentes à disfunção renal, pacientes portadores de próteses valvares e pacientes com estenoses valvares, devido à calcificação destas valvas ser decorrente primariamente de estresse mecânico. Os seguintes dados clínicos foram avaliados: idade, sexo, índice de massa corpórea (IMC), hipertensão arterial (HAS), DM, DAC, tabagismo (atual ou pregresso), dislipidemia e uso de medicamentos (estatina, inibidores da enzima de conversão da angiotensina [IECA], bloqueadores do receptor da angiotensina [BRA], ácido acetilsalicílico [AAS] e betabloqueador). Os diagnósticos de HAS, DM, dislipidemia e tabagismo constavam dos prontuários dos pacientes e/ou foram relatados pelos mesmos. A presença de DAC foi confirmada por dados de prontuário médico e incluiu a ocorrência de infarto do miocárdio não fatal e revascularização miocárdica cirúrgica ou percutânea.
Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias, uma das quais permaneceu com o próprio participante da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (CAAE 58034716.9.0000.0093).
Os seguintes equipamentos de ecocardiografia foram utilizados: Philips iE33, Philips Envisor e Vivid (GE), todos com programas de imagem harmônica habilitados. Os exames foram realizados por dois ecocardiografistas experientes, e o índice composto de cálcio cardíaco valvar foi calculado segundo o escore de Gaibazzi6 (Tabela 1) por um cardiologista cegado para os dados clínicos do paciente. Este escore define esclerose valvar aórtica como áreas focais de aumento da ecogenicidade e espessamento das cúspides valvares aórticas na ausência de estenose aórtica (velocidade transvalvar < 2,5 m/seg). Cada cúspide valvar aórtica é graduada numa escala de 0 (normal) a 3 (importante) de acordo com o espessamento da cúspide e com os depósitos de cálcio; o maior escore dado para determinada cúspide é designado como o grau geral da esclerose valvar aórtica. A calcificação do anel mitral é definida como uma estrutura hiper-refringente e brilhante localizada na junção entre o sulco atrioventricular e o folheto posterior da valva mitral, medida do início ao fim das margens das cúspides valvares e graduada numa escala de 0 (normal) a 3 (importante). A calcificação do músculo papilar é definida como uma hiper-refringência da cabeça de um ou ambos os músculos papilares. A calcificação da raiz aórtica é definida como a presença de uma área focal ou difusa de hiper-refringência e espessamento do anel aórtico na janela paraesternal no eixo curto. O escore final é a soma de todos os depósitos de cálcio identificados em uma faixa de 0 (nenhum cálcio visível) a 8 (extensos depósitos cardíacos de cálcio e depósitos no anel aórtico).
Tabela 1 Sistema de graduação ecocardiográfica de calcificação cardíaca e na raiz aórtica (adaptado de Gaibazzi et al.6)
Grau | Cálcio no músculo papilar | Cálcio no anel mitral | Esclerose valvar aórtica | Cálcio na raiz aórtica |
---|---|---|---|---|
0 | Ausente | Ausente | Ausente (espessura da cúspide < 2 mm) | Ausente |
1 | Presente | Leve (< 5 mm) | Leve (espessura da cúspide > 2 mm ou hiper-refringência focal ou difusa) | Presente |
2 | - | Moderado (5-10 mm) | Moderado (espessura da cúspide > 4 mm e/ou hiper-refringência acentuada) | - |
3 | - | Importante (> 10 mm) | Severo (espessura da cúspide > 6 mm e/ou hiper-refringência acentuada) | - |
Para a descrição das variáveis quantitativas, foram consideradas as estatísticas de média, mediana, valor mínimo, valor máximo e desvio padrão. Para sumarização das variáveis qualitativas, foram consideradas frequências e percentuais. A comparação de duas classificações de uma variável em relação a uma variável quantitativa foi realizada com o teste t de Student para amostras independentes. Para avaliação da associação entre duas variáveis qualitativas, foram utilizados os testes do qui-quadrado e exato de Fisher. Para avaliação da associação conjunta de variáveis de interesse com a presença de DAC, foi ajustado um modelo de regressão logística, considerando-se o teste de Wald para avaliação da significância estatística de cada variável incluída no modelo. Valores de p menores do que 0,05 indicaram significância estatística.
Ao todo, foram avaliados 203 pacientes com idade média de 61,2 ± 14,3 anos, dos quais 117 (57,6%) eram do sexo feminino. Os fatores de risco mais prevalentes foram a HAS, dislipidemia e tabagismo (Tabela 2). Os medicamentos mais utilizados pelos pacientes foram os IECA/BRA (65,5%) e betabloqueadores (45,3%).
Tabela 2 Características basais da população estudada
Variável | Número de pacientes (n) | Porcentagem |
---|---|---|
Sexo feminino | 117 | 57,6% |
Sexo masculino | 86 | 42,4% |
Idade < 65 anos | 113 | 56,2% |
Idade ≥ 65 anos | 90 | 44,3% |
IMC < 25 kg/m2 | 58 | 28,6% |
IMC ≥ 25 e < 30 kg/m2 | 89 | 43,8% |
IMC ≥ 30 kg/m2 | 56 | 27,6% |
HAS | 149 | 73,4% |
Dislipidemia | 77 | 37,9% |
Tabagismo | 71 | 35% |
Diabetes | 54 | 26,6% |
DAC | 44 | 21,7% |
História familiar de DAC | 12 | 6% |
Uso de IECA/BRA | 133 | 65,5% |
Uso de AAS | 93 | 45,8% |
Uso de betabloqueador | 92 | 45,3% |
Uso de estatina | 36 | 17,7% |
Abreviaturas: IMC: índice de massa corporal; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DAC: doença arterial coronariana; IECA/BRA: inibidores da enzima de conversão da angiotensina / bloqueadores do receptor da angiotensina; AAS: ácido acetilsalicílico.
Com relação à presença de calcificações valvares, 41% da população estudada apresentou calcificações visíveis à ETT, enquanto que entre os pacientes acima de 65 anos (n = 90), esse índice subiu para 58,8%. Na amostra geral, 16% das calcificações vistas acometiam ambas as valvas, 15% acometiam apenas a valva aórtica e 9% acometiam apenas a valva mitral (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição da calcificação cardíaca valvar à ecocardiografia transtorácica
Ausência de calcificação | 120 (59%) |
Calcificação mitral e aórtica | 33 (16,3%) |
Calcificação mitral (do músculo papilar) | 3 (1,5%) |
Calcificação mitral (do anel) | 51 (25%) |
Calcificação aórtica (esclerose valvar aórtica) | 48 (23,6%) |
Calcificação aórtica (da raiz aórtica) | 33 (16,3%) |
Índice de calcificação 0 | 120 (59,1%) |
Índice de calcificação 1 ou 2 | 60 (29,5%) |
Índice de calcificação 3, 4 ou 5 | 23 (11,3%) |
Quanto à distribuição dos índices, 59% dos pacientes apresentaram índice de cálcio cardíaco valvar de 0 (sem calcificação), 29,5% apresentaram um índice de 1 ou 2 e 11,3% apresentaram um índice de 3, 4 ou 5. Nenhum paciente apresentou índices de calcificação entre 6 e 8.
Com relação ao índice de cálcio e à idade dos pacientes, houve uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) entre os pacientes com índice de cálcio 0 (média de idade de 56,9 anos) e aqueles com índices de cálcio 1 ou 2 (média de idade de 65,6 anos) e 3, 4 ou 5 (média de idade de 72,1 anos).
Com relação ao índice de cálcio versus a presença de HAS, observou-se que entre os participantes hipertensos (versus não hipertensos), 50,7% (versus 81,8%) apresentavam índice de cálcio de 0, 35,8% (versus 12,7%) apresentavam índice de cálcio de 1 ou 2 e 13,5% (versus 5,5%) apresentavam índice de cálcio de 3, 4 ou 5. A partir destes dados, conclui-se que a HAS está associada à presença de calcificação (p < 0,001).
O presente estudo mostrou uma associação independente entre idade acima de 65 anos e presença de calcificação cardíaca valvar (p < 0,001), mostrada na Figura 1. Também revelou uma associação independente entre presença de HAS e a ocorrência de calcificação cardíaca valvar (p < 0,001), mostrada na Figura 2. As variáveis DM (p = 0,056) e DAC (p = 0,08) mostraram tendência a uma associação independente com calcificação valvar. Dislipidemia (p = 0,45), tabagismo (p = 0,37), IMC (p = 0,22) e sexo (p = 0,53) não apresentaram correlação significativa com calcificação cardíaca.
Os fatores de risco associados à calcificação do anel mitral ou do músculo papilar foram: idade acima de 65 anos (p < 0,001), presença de HAS (p = 0,05) e presença de DAC (p = 0,004). Já a presença de DM mostrou apenas uma tendência à associação com calcificação mitral (p = 0,076). Na análise multivariada, a presença de DAC (p = 0,002, odds ratio [OR] 3,39, intervalo de confiança de 95% [IC95%] 1,58-7,29) foi um fator de risco independente para a presença de calcificação do anel mitral e/ou músculo papilar (Figura 4). Da mesma forma, idade acima de 65 anos (p = 0,003, OR 1,05, IC95% 1,02-1,08) demonstrou ser um fator de risco independente para a presença de calcificação mitral. Para cada ano de idade adicional, foi estimado 5% de aumento na OR de presença de calcificação (Figura 3). Dislipidemia (p = 0,34), tabagismo (p = 0,24), IMC (p = 0,36) e sexo (p = 0,26) não mostraram correlação com calcificação valvar mitral.
Figura 3 Associação entre calcificação mitral e idade. Abreviaturas: EP: erro padrão; DP: desvio padrão.
Quanto à presença de calcificação na raiz aórtica e/ou esclerose valvar aórtica, os fatores de risco associados foram: idade acima de 65 anos (p < 0,001) e presença de HAS (p < 0,001). A presença de DAC não mostrou correlação com calcificação aórtica (p = 0,435). Na análise multivariada, apenas idade acima de 65 anos (p < 0,001, OR 1,1, IC95% 1,06-1,14) permaneceu como fator de risco independente para a presença de calcificação valvar aórtica e/ou esclerose valvar aórtica (Figura 5). Para cada ano de idade adicional, estimou-se um aumento de 10% na OR da presença de esclerose valvar ou calcificação na raiz aórtica. Dislipidemia (p = 0,69), DM (p = 0,17), tabagismo (p = 0,6), IMC (p = 0,65) e sexo (p = 0,78) não mostraram correlação com calcificação aórtica.
O presente estudo identificou a presença de calcificação do anel valvar mitral como fator de risco associado de modo independente e significativo com DAC. Tal fato já foi comprovado em estudos de necropsia1 e populacionais que mostraram a presença de depósitos de cálcio no sistema cardiovascular em indivíduos portadores de doença aterosclerótica.2-4
A ETT é uma ferramenta prática na avaliação do cálcio cardíaco e tem eficácia comparável à da angiotomografia, como demonstrado no estudo Heinz Nixdorf Recall, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em 2010.5 Não há uma padronização em relação à maneira de se quantificar o cálcio cardíaco à ETT, e o presente estudo utilizou o escore de Gaibazzi6 para este fim.
Inúmeros estudos têm correlacionado o cálcio cardíaco à DAC estabelecida. Um estudo publicado no American Journal of Cardiology em 20157 incluindo 595 pacientes ambulatoriais portadores de DAC estável submetidos à ETT, revelou que o risco de morte foi maior em pacientes com escore de cálcio ≥ 2, mesmo quando ajustado para idade, revascularização prévia, DM, pressão arterial diastólica e taxa de filtração glomerular. Na amostra de pacientes estudada, no entanto, não se demonstrou que a presença de calcificação cardíaca fosse um fator de risco independente nos portadores de DAC prévia.
Um estudo publicado no Circulation em 200612 tentou determinar se a calcificação aterosclerótica de múltiplas áreas vasculares estaria associada significativamente à calcificação dos anéis mitral e aórtico, independentemente de fatores de risco tradicionais. Para tanto, o estudo avaliou com TC a extensão da calcificação aterosclerótica em cinco leitos vasculares e a calcificação do anel mitral e aórtico de 1.242 pacientes. Observou-se que 24% dos pacientes apresentavam calcificação no anel aórtico e 8% apresentavam calcificação no anel mitral, sendo que a idade e a HAS foram os únicos fatores de risco cardiovascular independentemente associados à presença estas calcificações. No presente estudo, resultados similares foram encontrados: 41% da população estudada apresentava algum grau de calcificação cardíaca valvar observada à ETT, sendo que 15% apresentavam calcificação apenas da valva aórtica e 9% apenas da valva mitral. Da mesma forma, apenas idade e HAS foram fatores de risco independentemente associados à calcificação valvar.
Outros estudos demonstram que a deposição de cálcio nas cúspides aórticas e no esqueleto fibroso da base do coração (anel mitral e aórtico) está relacionada com o envelhecimento. Em idosos, até 55% das ecocardiografias bidimensionais demonstram calcificações valvares.8,9. Nesta faixa etária, a esclerose valvar aórtica foi identificada em 54% dos pacientes, a calcificação do anel mitral em 42% e a calcificação do anel aórtico em 44%. As três calcificações combinadas foram encontradas em 17% dos pacientes. Os pacientes portadores de calcificações tinham mais idade do que aqueles que não as possuíam. Da mesma forma, o presente estudo notou uma prevalência maior de calcificação em pacientes com mais de 65 anos (58,8% destes apresentavam calcificações cardíacas) e que a cada ano a mais de idade significava um aumento de 5% na chance de apresentar calcificação mitral e de 10% na chance de apresentar calcificação valvar aórtica.
Um estudo demonstrou que os portadores de calcificação do anel mitral apresentam um perfil cardiovascular, renal, metabólico e funcional pior do que aqueles com calcificação do anel aórtico ou esclerose valvar aórtica. O mesmo estudo demonstrou ainda que quanto mais intensa a calcificação, maior é a relação com a doença cardiovascular. Quando o risco foi ajustado para a presença de DM, HAS, DAC prévia, índice tornozelo-braquial (ITB) ≤ 0,9, creatinina sérica ≥ 1,5 mg/dL, estenose de carótida ≥ 25%, fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) e massa miocárdica (g), apenas a calcificação do anel mitral esteve associada à doença cardiovascular.14 Da mesma forma, o presente estudo revelou na análise multivariada, que a presença de DAC e idade acima de 65 anos são fatores de risco independentes para a presença de calcificação do anel mitral e/ou músculo papilar.
Embora vários estudos mostrem uma ligação entre a esclerose valvar aórtica e fatores de risco para aterosclerose e morbidade cardiovascular, os dados ainda são controversos. Um estudo de Bhatt et al.,13 em 2015, tentou determinar a associação entre presença ou ausência de esclerose valvar aórtica e fatores de risco cardiovascular, extensão da DAC e severidade das lesões coronarianas. Após dividir 482 pacientes avaliados com cineangiocoronariografia em dois grupos, com e sem esclerose valvar, a idade foi o único fator preditor independente de esclerose valvar aórtica. A esclerose valvar aórtica também não esteve associada independentemente ao número de vasos obstruídos ou grau de obstrução, mostrando que ela é provavelmente um marcador benigno de alterações degenerativas cardíacas senis, independente da severidade e complexidade da DAC. Enfim, a esclerose valvar aórtica pode estar relacionada à aterosclerose sistêmica e eventos cardiovasculares, mas sua utilidade na predição da DAC é questionável. No presente estudo, a análise multivariada revelou que apenas a idade foi fator de risco independente para a presença de calcificação valvar aórtica. Por outro lado, há estudos que consideram a ausência de calcificação da raiz aórtica e do anel mitral como um preditor mais forte de ausência de doença coronariana do que a ausência de fatores de risco tradicionais, com exceção do DM.15
O uso de IECA, AAS, betabloqueadores e estatina foi frequente entre os pacientes do estudo devido à prevalência de HAS e dislipidemia nestes indivíduos. Não existe tratamento baseado em evidências para reduzir ou prevenir a calcificação do anel mitral e não se sabe se drogas comumente usadas, como AAS, betabloqueador e estatina, podem prevenir sua patogênese. Vários estudos apontam que a varfarina está relacionada com aumento das calcificações valvares.11 Embora Bhatt et al.13 não tenham encontrado associação entre a hipercolesterolemia e a calcificação do anel mitral, são necessários mais estudos para definir se o uso de estatinas alteraria o prognóstico destes pacientes. No presente estudo, embora muitos pacientes utilizassem medicamentos como IECA (65,5% dos pacientes), AAS (45,8% dos pacientes) e estatina (17,7% dos pacientes), o estudo não foi delineado para correlacionar o uso de medicamentos e a presença de calcificação cardíaca.
Alguns fatores limitaram este estudo. Em primeiro lugar, a população do estudo foi constituída predominantemente de pacientes idosos e hipertensos, uma vez que os mesmos foram encaminhados de um ambulatório de cardiologia para a realização da ETT. Em segundo lugar, os diagnósticos clínicos dos fatores de risco foram feitos por autorrelato dos pacientes ou através de informações obtidas na revisão de prontuário. Outro fator limitante foi a relativa subjetividade na quantificação da calcificação cardíaca. Por fim, os medicamentos utilizados pelos pacientes não entraram na análise multivariada.
O presente estudo concluiu que idade acima de 65 anos e HAS foram fatores de risco independentes para a presença de calcificação cardíaca valvar, sendo que a calcificação da valva mitral isoladamente se associou de forma significativa e independente com a presença de DAC.