versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1611
Incontinência urinária (IU) é qualquer perda involuntária de urina, clinicamente demonstrável, que cause problema social ou higiênico(1). Constitui sintoma com implicações sociais, causando desconforto, perda de autoconfiança, interferindo negativamente na qualidade de vida de muitas mulheres.
Representa alteração que afeta aproximadamente um terço das mulheres de todas as idades. É provavelmente afecção subnotificada, e uma das razões para que isso ocorra é que muitas das pacientes com IU não se queixam espontaneamente se não forem objetivamente interrogadas pelo médico(2).
A causa mais frequente de IU é a incontinência urinária de esforço (IUE)(3), que se traduz como um sintoma, um sinal e uma condição. O sintoma constitui a manifestação de perda involuntária de urina durante esforço físico; o sinal é representado pela observação da perda de urina através da uretra mediante aumento da pressão intra-abdominal e a condição diz respeito à perda de urina quando a pressão intravesical excede a pressão uretral máxima, na ausência de atividade contrátil do músculo detrusor(3). Daí o conceito de IUE basear-se em dados clínicos e urodinâmicos. A segunda causa mais comum de IU entre mulheres é a decorrente da hiperatividade do músculo detrusor (bexiga hiperativa).
A prevalência de IU nos diferentes estudos é bastante variada, com relatos que vão de 17 a 45% das mulheres adultas(4,5). Uma das hipóteses para explicar a grande variação nesses estudos seria o tipo de população estudada, a definição de IU utilizada e o critério de seleção das pacientes.
Outro ponto de discussão diz respeito ao diagnóstico das várias formas de IU, mais especificamente à necessidade de realização de estudo urodinâmico na avaliação inicial da paciente com queixa de IU. Muitos especialistas utilizam inicialmente as características dos sintomas para presumir o diagnóstico e, algumas vezes, até iniciar o tratamento da IUE e urge-incontinência. Outros recomendam a realização rotineira da avaliação urodinâmica. Estudos clínicos têm considerado ambas as práticas, alguns evidenciando que os sintomas referidos na história clínica são sensíveis e específicos no diagnóstico das várias formas de IU, enquanto outros apontam que os dados clínicos não são sensíveis nem específicos(6).
O estudo urodinâmico tem sido bastante utilizado para avaliação diagnóstica e prognóstica da IU, porém não há consenso sobre sua real necessidade. Alguns autores consideram-no dispensável na avaliação inicial da paciente com IU, em virtude do alto custo e de tolerabilidade variável entre as pacientes, que muitas vezes relatam desejo de não voltar a realizá-lo(7,8). Outros consideram o exame útil para mulheres com sintomas do trato urinário inferior, além de colaborar para melhor conhecimento e diagnóstico mais acurado levando a tratamento efetivo, sendo, portanto, realmente necessário, apesar de seu alto custo financeiro(9,10).
Número variável de pacientes incontinentes pode apresentar estudo urodinâmico normal, apesar da alta sensibilidade do exame, principalmente para o diagnóstico da IUE(11). Algumas vezes, não há correlação entre os sintomas urinários e os achados do estudo urodinâmico, sendo as queixas subjetivas insuficientes para a diferenciação da etiologia da IU(12).
A IUE deve ser confirmada por uma anamnese positiva, exame clínico ginecológico no qual a hipermobilidade da uretra pode ser observada e quando o teste da tosse é positivo, reservando-se a avaliação urodinâmica para as mulheres com incontinência urinária mista (IUM)(13). Existem evidências de que em mulheres com IUM há maior incidência de instabilidade detrusora do que naquelas com sintomas de IUE pura(14).
Duggan et al. avaliaram a atitude de especialistas e generalistas com relação à indicação do estudo urodinâmico na avaliação pré-operatória de mulheres com IUE, tendo observado que a maioria o utiliza(15). Nos casos de IUE não complicada, a maioria dos especialistas e alguns dos generalistas utilizam a cistometria, sendo a urofluxometria reservada para os casos mais graves. Observa-se que, entre os generalistas, a não solicitação do exame deve-se à dificuldade na interpretação do mesmo e à não disponibilidade do exame perto do local de trabalho. Já entre os especialistas, deve-se mais à falta de confiança no exame em relação a uma história clínica detalhada e dados do exame físico bem feito. Assim, nem todos o solicitam, mesmo em casos mais complexos.
Em nosso meio, Kawano et al. sugerem, após observações preliminares, que a propedêutica uroginecológica associada à cistometria simplificada é uma opção a ser considerada na avaliação clínica e pré-operatória de pacientes com IUE, em substituição à urodinâmica convencional, particularmente onde esta não se encontra disponível(16). Concluem ainda que a cistometria simplificada é um exame acessível, capaz de detectar contrações involuntárias do detrusor, assim como identificar perdas urinárias com relativa sensibilidade, proporcionando ao examinador noções fidedignas do comportamento vesical.
Os parâmetros urodinâmicos não parecem adequados para avaliar o impacto do tratamento na qualidade de vida das pacientes. Após o tratamento, métodos clínicos tais como questionamento sobre a gravidade do incômodo que a IU traz e a quantidade de perda urinária no teste do absorvente em 48 horas mostram-se mais fidedignos(17). Desse modo, observamos que existem divergências quanto à indicação e real necessidade da avaliação urodinâmica rotineira na investigação da IU feminina, o que, em nosso meio, assume papel de relevância, considerando-se o alto custo e os poucos serviços que dispõem de tal exame para uma queixa tão frequente como é a IU nas mulheres.
Avaliar o papel do estudo urodinâmico no diagnóstico da IU, comparando-se os dados de anamnese e exame físico detalhados, somados a alguns testes clínicos de fácil aplicação.
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, foi realizado estudo retrospectivo de corte transversal, por meio da revisão de prontuário de 55 pacientes com queixa de perda urinária atendidas no serviço de Uroginecologia do Ambulatório da Saúde da Mulher do Hospital Universitário de Jundiaí, no período de Outubro de 2006 a Março de 2007. Essas pacientes, durante sua consulta, responderam a um questionário específico, que contempla as variáveis epidemiológicas e de exame físico consideradas no estudo, e as questões referentes às queixas urinárias incluem as do Norwegian EPINCONT Study(18).
As variáveis da população contemplada pelo estudo foram: idade em anos completos; raça (branca, negra, parda, indígena ou oriental); estado marital (casada, solteira, divorciada, separada, viúva ou amasiada); paridade (número de partos); tipo de parto (normal, fórceps, cesárea sem trabalho de parto prévio ou cesárea com trabalho de parto prévio); nível educacional (analfabetismo, nível primário, nível secundário, nível universitário).
As questões referentes às queixas urinárias incluem aquelas do Norwegian EPINCONT Study(18), expostas na Tabela 1. Os dados do exame físico foram considerados a partir da inspeção dos órgãos genitais externos, para caracterização e classificação do grau de distopia genital, classificada em:
procidência de parede vaginal anterior, subdividida em: ausente; primeiro grau, quando não atingir o intróito vaginal ao esforço; segundo grau, quando atingir o intróito vaginal ao esforço; terceiro grau, quando ultrapassar o intróito vaginal ao esforço e quarto grau, quando ultrapassar o intróito vaginal no repouso;
procidência da parede vaginal posterior subdividida em: grau 1, quando não atingir o intróito vaginal ao esforço (discreta); grau 2, quando atingir o intróito vaginal ao esforço (moderada) e grau 3, quando ultrapassar o intróito vaginal ao esforço (acentuada).
Tabela 1 Caracterização das queixas urinárias das pacientes do estudo
Queixa | Resposta | Subclasses |
---|---|---|
Perda involuntária de urina | Frequência | < 1 vez/mês; 1 ou + vezes/mês; 1 ou + vezes/semana; todo dia e/ou noite |
Quantidade | Gotas ou pouco; pequena quantidade, ou grande quantidade | |
Perda aos esforços | Tossir, rir, espirrar, carregar peso | Sim ou não |
Tipo de esforço | Mínimos, médios ou grandes esforços | |
Urge-incontinência | Sim ou não | |
Tempo de perda | Em anos | 0 a 5 anos; 5 a 10 anos; > 10 anos |
Consulta médica prévia causada pela perda urinária | Sim ou não | |
Consideração da paciente em relação à IU | Não ha problema; um pouco incomodada; meio aborrecida; muito aborrecida; grande problema | |
Número de micções diurnas | Número de vezes que a mulher refere ir ao banheiro para urinar | Até 7 vezes; > 7 vezes |
Número de micções noturnas | Número de vezes que a mulher refere ir ao banheiro para urinar | Nenhuma; 1 a 3 vezes; > 3 vezes |
Enurese noturna | Sim ou não |
Ainda durante o exame físico, foi realizado teste clínico chamado prova de esforço, no qual a perda de urina pode ser objetivamente demonstrável ou não, simultânea ao esforço físico, com a paciente em repleção vesical em posição de litotomia e ortostática. Além disso, a quantidade de urina eliminada no esforço é classificada em pequena, média e grande.
Na avaliação urodinâmica, foram consideradas: a presença ou não de contrações não-inibidas do detrusor; presença ou não de perda urinária e a pressão de perda de esforço (PPE) segundo sua medida em cmH2O. O diagnóstico final do estudo urodinâmico é subdividido em: IUE (subdividida em tipo I: PPE > 110 cmH2O; tipo II: PPE entre 60 e 110 cmH2O e tipo III: PPE < 60 cmH2O); hiperatividade detrusora (HD): quando o exame demonstrava a presença de contrações não-inibidas do detrusor; e IUM quando há os diagnósticos de IUE e HD concomitantemente.
Inicialmente, analisou-se a distribuição das variáveis, utilizando-se tabelas descritivas. Para se verificar a significância estatística, utilizaram-se os testes do χ2, teste exato de Fisher, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo.
A média etária foi de 55,4 ± 11,6 anos; a maioria era da raça branca (76%) e pouco mais da metade apresentava o primeiro grau incompleto (65%). Entre as mulheres estudadas, 53% encontravam-se no período de pós-menopausa, com média de 4,4 gestações e predomínio do parto vaginal (3,7 partos vaginais/mulher).
Das 55 mulheres, a maioria (47,3%) apresentava sintomas de urge-incontinência e de incontinência aos esforços associadas. Onze pacientes (20%) queixavam-se apenas de perda urinária aos esforços e 4 (7,3%) relatavam apenas urge-incontinência. Enurese noturna e noctúria também foram queixas referidas (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das pacientes de acordo com o tipo de queixa urinária, com o achádo de exame físico e do com o resultado do estudo urodinâmico (n = 55)
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Queixa urinária | |||
Noctúria | 13 | 24,5 | |
Enurese Noturna | 17 | 31,5 | |
IUE isolada | 12 | 21,8 | |
Urgincontinência isolada | 3 | 5,4 | |
IU mista | 37 | 67,2 | |
Distopia genital | |||
Cistocele | Ausente | 12 | 22,6 |
1° grau | 18 | 34,0 | |
2° grau | 17 | 32,1 | |
3° grau | 6 | 11,3 | |
Retocele | Ausente | 11 | 21,2 |
Discreta | 26 | 50 | |
moderada | 12 | 23 | |
Acentuada | 3 | 5,8 | |
Estudo urodinâmico | |||
Normal | 6 | 10,9 | |
Hiperatividade detrusora | 3 | 5,5 | |
IUE tipo I | 9 | 16,4 | |
IUE tipo II | 13 | 23,6 | |
IUE tipo III | 16 | 29,1 | |
IU Mista | 8 | 14,5 |
Para aproximadamente 60% das mulheres, a IU apresentou-se como um grave problema e, em torno de 25%, referiram sentir-se muito aborrecidas, independentemente do tipo da IU. Entretanto, apenas 60,4% delas haviam realizado alguma consulta previamente devido a essa queixa. Em relação ao exame físico, observou-se que a maioria das pacientes apresentava cistocele de primeiro ou segundo grau e retocele discreta a moderada.
Ao analisarmos os resultados da avaliação urodinâmica, observamos que aproximadamente 11% das pacientes apresentaram exame normal. HD isolada foi confirmada pelo estudo urodinâmico em somente três pacientes. A maioria das pacientes (69%) apresentou achado urodinâmico compatível com IUE. Entre essas, 9 tiveram perda com PPE > 110 cmH2O, 13 com PPE entre 60 e 110 cmH2O e 16 apresentaram perda com pressões inferiores a 60 cmH2O (Tabela 2).
Do total das mulheres estudadas, mais da metade (n = 30) apresentava queixa clínica de perda de urina aos mínimos esforços; entretanto, ao estudo urodinâmico, apenas 18 (32,7%) apresentaram PPE inferior a 60 cmH2O.
A prevalência das queixas clínicas uroginecológicas e sua correlação com o diagnóstico urodinâmico final podem ser visualizadas na Tabela 3. A perda aos esforços como única queixa foi observada em 12 mulheres (21,8%), sendo que 2 apresentavam bexiga instável. Apenas três pacientes apresentavam queixa de urgência/urge-incontinência isolada e nenhuma delas apresentou bexiga instável ao estudo urodinâmico. Observamos que 37 (67,2%) pacientes tinham sintomas mistos, constituindo a maioria da população estudada. Entretanto, a presença de contrações não-inibidas, caracterizando HD, foi observada em apenas nove pacientes.
Tabela 3 Prevalência das queixas uroginecológicas e sua correlação com os achados urodinâmicos
Queixas | Diagnóstico urodinâmico | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
HD | IUE | IUM | Normal | Valor p | |||||
n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Perda aos esforços isolada 12 (21,8%) | 0 | 0 | 8 | 22,2 | 2 | 25 | 2 | 33,3 | |
Sintomas mistos 37 (67,2%) | 3 | 100 | 26 | 72,2 | 6 | 75 | 2 | 33,3 | |
Urge-incontinência isolada 3 (5,45%) | 0 | 0 | 2 | 5,6 | 0 | 0 | 1 | 16,7 |
HD: hiperatividade do detrusor; IUE: incontinência urinária de esforço; IUM: incontinência urinaria mista.
Teste exato de Fisher.
A queixa de perda de urina aos esforços, isolada ou associada à urge-incontinência, foi confirmada pelo estudo urodinâmico na grande maioria das mulheres, sendo que o exame mostrou-se negativo em apenas 4 em 49 mulheres com queixa (Tabela 4).
Tabela 4 Correlação entre a queixa clínica de perda urinária aos esforços, de urge-incontinência e o achado clínico de perda urinária e o diagnóstico urodinâmicos
Parâmetro | Diagnóstico da urodinâmica | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
IUE | IUM | HD | Normal | Total | ||
Perda urinária aos esforços | Presente | 35 | 8 | 3 | 4 | 50 |
Ausente | 3 | 0 | 0 | 2 | 5 | |
Urge-incontinência | Presente | 28 | 6 | 3 | 3 | 40 |
Ausente | 8 | 2 | 0 | 3 | 13 | |
Sinal clínico de perda urinária | Presente | 27 | 6 | 1 | 1 | 35 |
Ausente | 9 | 1 | 1 | 4 | 15 |
IUE: incontinência urinária de esforço; IUM: incontinência urinária mista; HD: hiperatividade do detrusor.
A correlação entre o sinal clínico de perda de urina e o estudo urodinâmico está resumida na Tabela 4. O sinal clínico estava presente em 35 pacientes (63,6%), e 46 (83,6%) apresentavam o componente de esforço no estudo urodinâmico. Entre as 15 com o sinal ausente (30%), o componente de esforço foi observado em 10 (18%). Os valores preditivos positivo e negativo do sinal clínico para o diagnóstico de algum tipo de IU nesse grupo estudado foram de 97,1 e 26,7%, respectivamente.
Já em relação à queixa clínica de perda de urina aos esforços, os valores preditivos positivo e negativo para algum tipo de IU foram de 92 e 40%, respectivamente (Tabela 5). Quanto à queixa clínica de urge-incontinência, observamos valores preditivos positivo e negativo de 92,5 e 23,1%, respectivamente (Tabela 5).
Tabela 5 Desempenho do diagnóstico urodinâmico em relação à queixa urinária de perda urinária aos esforços, à queixa de urge-incontinência e ao achado clínico de perda urinária
Parâmetro | Diagnóstico urodinâmico | |||
---|---|---|---|---|
Sensibilidade (%) | Especificidade (%) | VPP (%) | VPN (%) | |
Perda urinária aos esforços | 93,9 | 33,3 | 92 | 40 |
Urge-incontinência | 78,7 | 50 | 92,5 | 23,1 |
Sinal clínico de perda urinária | 75,6 | 80 | 97,1 | 26,7 |
VPP: valor preditivo positivo; VPN: valor preditivo negativo.
A avaliação inadequada e o diagnóstico incorreto da etiologia da IU têm múltiplas consequências, sendo a mais grave a indicação de cirurgias inapropriadas ou mesmo desnecessárias. Procedimentos cirúrgicos sucessivos têm menores índices de sucesso progressivamente, além de maior risco cirúrgico e maiores taxas de complicações pós-operatórias. É largamente aceito que o melhor procedimento anti-incontinência, em termos de sucesso, é a avaliação correta(19).
Os dados do presente estudo devem ser interpretados cuidadosamente por se tratar de uma análise retrospectiva de um grupo seleto de mulheres com IU de um serviço hospitalar especializado. Apesar disso, os achados têm implicações para a avaliação diagnóstica de mulheres com queixas de IU, devendo ser seguido de futuras pesquisas nessa área.
Nossos achados, semelhantemente àqueles encontrados na literatura(20), indicam que a presença de sintomas de incontinência entre mulheres é altamente preditiva de anormalidades no estudo urodinâmico. Entretanto, permitem também considerarmos de extrema importância a abordagem clínica detalhada que pode nos levar ao diagnóstico em grande parte das pacientes.
Entre os sintomas urinários, o mais frequente foi a IUM, relatado pela maioria das mulheres, enquanto um número menor apresentou apenas perda urinária aos esforços e somente um número mínimo referiu urge-incontinência isolada. Esses resultados são quase idênticos aos encontrados por Ouslander et al.(20). De forma geral, a literatura aponta como primeira causa de IU entre mulheres a IUE, seguida da urge-incontinência; entretanto, quando se avaliam mulheres no período do climatério, urge-incontinência decorrente de hiperatividade do detrusor passa ser a primeira causa e como segunda está a IUE. Esses fatos corroboram mais uma vez os nossos achados, já que, no presente estudo, a média etária das mulheres evidenciou o período correspondente à transição da vida reprodutiva para a pós-menopausa.
Na população deste estudo, a proporção de mulheres com incontinência que consultaram médico foi idêntica à descrita por Stemberg(21) entre mulheres menopausadas e por Guarisi(22) entre mulheres climatéricas. Em relação à procura de atendimento médico pela queixa de IU, menos da metade das mulheres que participaram do estudo não havia passado por nenhuma consulta anterior por esse motivo. Esses dados são coincidentes com outros relatos da literatura, em que apenas 21,3 a 27% das mulheres consultaram médico por apresentarem IU(5,23,24). Considerando-se o impacto na qualidade de vida que esse problema pode causar, a maioria das mulheres do presente estudo considerou a perda urinária um grave problema ou sentiam-se muito aborrecidas pelo fato, diferentemente dos resultados encontrados por Hannestad et al., em que a maior parte das mulheres com incontinência relatava isso como um pequeno problema(18).
O objetivo da avaliação urodinâmica é identificar as causas específicas dos sintomas das pacientes, seja a IU, a disfunção miccional ou sintomas irritativos do trato urinário(25), além de fornecer dados para orientar o correto tratamento, cirúrgico ou não. O diagnóstico final é o resultado de uma contínua interação entre as pacientes e o examinador, sendo de fundamental importância a interpretação dos dados e a separação de informações relativas a artefatos(26).
Apesar de a queixa clínica mais frequente entre as mulheres deste estudo ter sido a IUM, o achado urodinâmico mais frequente foi a IUE, distribuída de forma crescente entre os tipos I, II e III. Apenas metade das mulheres com queixa clínica de perda urinária aos mínimos esforços apresentou valores de pressão de perda inferiores a 60 cmH2O, evidenciando que, para esse tipo de queixa, o estudo urodinâmico é importante para que não se superestime o grau de incontinência, o que poderia levar a tratamento menos conservador. Se levarmos em consideração apenas a queixa de perda urinária aos esforços, independentemente do tipo de esforço, notamos uma correlação positiva entre a clínica e a avaliação urodinâmica.
Estudos já mostraram que uma em nove mulheres pode ser operada desnecessariamente quando o diagnóstico baseia-se apenas em dados de anamnese e nos resultados do Q-tip-test, alertando que, desse modo, o tratamento será empírico e o êxito cirúrgico será baixo.
Há que se lembrar também que a quantificação clínica da perda urinária é subjetiva quando se baseia em informações prestadas pela paciente. Estudos da década de 1980 já haviam concluído que a demonstração clínica da perda urinária ao esforço estava presente em apenas 41% dos casos com diagnóstico final de IUE, pura ou mista. Além disso, 32% das pacientes com esse sinal tinham outro diagnóstico que não a IUE somente(26).
Tais observações foram confirmadas ao se avaliar a eficácia do sinal clínico de perda aos esforços comparado ao estudo urodinâmico de 863 pacientes. Concluiu-se que o sinal está presente em apenas 54,2% das 574 mulheres com diagnóstico final de IUE(27). Além disso, 38% tinham outro diagnóstico adicional, como instabilidade vesical. Observou-se que o sinal clínico tem valor preditivo positivo de 91% e valor preditivo negativo de 50%. Em nosso meio, Feldner et al. observaram valores preditivos positivo e negativo de 82 e 53,1%, respectivamente, do sinal clínico no diagnóstico de IUE(28).
Apesar dos elevados valores preditivos positivos nesses estudos, não se caracterizaram elementos que indiquem a possibilidade de diferenciação da IUE por defeito esfincteriano, o que seria importante na escolha do tratamento cirúrgico. No estudo atual, o sinal clínico de perda urinária ao esforço estava presente em 63,6% das pacientes, sendo que 83,6% apresentavam o componente de esforço no estudo urodinâmico. Entre as 15 pacientes com o sinal ausente, o componente de esforço foi observado em 10. Os valores preditivos positivo e negativo do sinal clínico para o diagnóstico de algum tipo de IU, nesse grupo estudado, foram de 97,1 e 26,7%, respectivamente.
A partir dos resultados deste estudo, observamos que, se as pacientes tivessem sido tratadas sem a realização do estudo urodinâmico, poderíamos ter deixado de tratar clinicamente pelo menos 16% delas, as quais apresentavam IUE tipo I; por outro lado, quase um terço das pacientes, as quais apresentavam IUE tipo III, poderiam ter recebido tratamento cirúrgico inadequado, uma vez que esse tipo de incontinência necessita de tratamento cirúrgico específico – as cirurgias tipo sling.
A HD associada à IUE é importante fator de risco na predição do sucesso terapêutico e deve-se propor tratamento clínico antes da cirurgia para esse grupo de pacientes. Alterações na micção também são achados relevantes, uma vez que essas mulheres têm risco aumentado para retenção urinária no pós-operatório(27). Para a queixa clínica de urge-incontinência, ao contrário, o estudo urodinâmico não mostrou um papel significativo, pois a maior parte das pacientes com esse sintoma não apresentou contrações involuntárias do detrusor durante o exame, o que se acha respaldado pela mudança na nomenclatura e nos critérios diagnósticos da síndrome da bexiga hiperativa a partir do consenso da ICS(1), que considera o diagnóstico de bexiga hiperativa como a presença de sintomas de urgência e aumento da frequência urinária sem a necessidade do achado de contrações involuntárias do detrusor durante a avaliação urodinâmica.
Esses dados apontam para a importância da avaliação clínica e não para a substituição ou maior importância atribuída muitas vezes ao estudo urodinâmico. Sem dúvida, os achados urodinâmicos contribuem para o diagnóstico de certeza do tipo de perda, mas não podem representar o método ouro, a despeito de deixarmos de tratar uma grande parcela de pacientes com o problema, principalmente de urge-incontinência.
Uma anamnese detalhada, valorizando o tipo de queixa e respaldada por alguns achados clínicos, já pode nortear o tratamento inicial e poupar algumas mulheres da realização do estudo urodinâmico. Isso porque os testes urodinâmicos são invasivos quando comparados à avaliação clínica, podem ter resultados diferentes de acordo com as suas diferentes modalidades e não é possível correlacionar os resultados dos testes urodinâmicos com os efeitos dos tratamentos não-invasivos. Assim, não se recomenda a realização de tais testes na avaliação inicial para começar a terapia conservadora(28).
Com esses achados, concluímos que a avaliação urodinâmica representa importante instrumento para avaliar o grau da incontinência, porém não se mostrou necessária para o diagnóstico da perda urinária. O achado de perda durante o exame físico tem baixa sensibilidade e especificidade no diagnóstico do tipo de perda urinária. A urodinâmica teve melhor desempenho em demonstrar a IU em pacientes com queixa de IUE (porém sem perda urinária visualizada no exame físico) do que na confirmação da urge-incontinência em pacientes com tais sintomas.
Futuros estudos se fazem necessários para confirmar os resultados obtidos neste estudo, bem como para buscar dados ainda mais detalhados, principalmente no exame físico e outros testes clínicos, para que continuemos melhorando e valorizando ainda mais a abordagem clínica de mulheres portadoras de IU.