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Correlação entre os parâmetros espaçotemporais e a habilidade manual de adultos com paralisia cerebral do tipo discinético

Correlação entre os parâmetros espaçotemporais e a habilidade manual de adultos com paralisia cerebral do tipo discinético

Autores:

Mariana Cunha Artilheiro,
Danielli Souza Speciali,
Bárbara Alves Lopes,
João Carlos Ferrari Correa,
Paulo Roberto Garcia Lucareli

ARTIGO ORIGINAL

Fisioterapia e Pesquisa

versão impressa ISSN 1809-2950

Fisioter. Pesqui. vol.21 no.2 São Paulo abr./jun. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/38721022014

INTRODUÇÃO

A paralisia cerebral do tipo discinética (PCD) caracteriza-se pela presença de movimentos involuntários, descontrolados, recorrentes e ocasionalmente estereotipados, representando uma das formas mais incapacitantes da doença, devido ao comprometimento motor severo1.

A movimentação involuntária pode promover desconforto, interferir na movimentação voluntária, limitar e até impedir as funções dos membros superiores (MMSS), o que acarreta em prejuízo no desempenho das atividades de vida diária (AVD), como a vestimenta, a alimentação e a higiene pessoal, uma vez que o alcance, a preensão e a manipulação estão prejudicados2.

O prejuízo funcional dos MMSS em adultos com PCD é pouco descrito na literatura. Estudos indicam que há atividade muscular anormal decorrente de contração simultânea e sustentada dos músculos agonistas e antagonistas durante o ato motor, gerando dificuldades para manutenção da trajetória linear e alta variabilidade de movimentos3, o que também limita o aprendizado de habilidades motoras do membro superior (MS)4.

A avaliação clínica do movimento dos MMSS deve ser específica e contemplar instrumentos de mensuração usuais da prática fisioterapêutica. A escala Manual Ability Classification System (MACS)5 é utilizada para classificar como crianças e adultos jovens portadores de paralisia cerebral manuseiam objetos durante as AVD.

Para avaliar quantitativamente o movimento, a análise cinemática tem sido considerada um instrumento com potencial para mensuração de resultados clínicos e tem contribuído para demonstrar como atividades funcionais, como os movimentos envolvidos no ato de levar um copo à boca, são realizadas por pacientes com disfunção do movimento no MS6.

Sendo assim, devido à escassez de resultados advindos de instrumentos de mensurações utilizados na prática clínica que possam ser comparados à avaliação quantitativa proporcionada pela cinemática, este estudo objetivou verificar se existe relação entre as variáveis cinemáticas espaçotemporais e a habilidade manual e entre as próprias variáveis espaçotemporais estudadas durante o movimento de levar uma caneca à boca em indivíduos adultos com PCD.

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo transversal, realizado no Laboratório de Estudos do Movimento do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo (SP), Brasil. Todos os sujeitos foram informados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNINOVE (nº 429636/2011).

A amostra foi calculada baseada na variável índice de curvatura, dos parâmetros lineares de suavidade do movimento, pois acredita-se que a mesma é sensível para indicar alterações do movimento nos pacientes, quando comparados ao movimento de voluntários saudáveis. Foi adotado α de 0,05 e poder de 80%. Para atingir este poder, foi verificada, no cálculo da amostra, a necessidade de 14 indivíduos com PCD.

Voluntários com diagnóstico de PCD foram selecionados a partir do levantamento de uma lista de pacientes atendidos no Ambulatório de Paralisia Cerebral do Centro de Reabilitação Lar Escola São Francisco, no período de 2009 a 2011. Cinquenta e nove pacientes foram incluídos por serem capazes de movimentar voluntariamente o MS (destros ou sinistros) durante a tarefa solicitada e por serem capazes de compreender comandos verbais simples. Destes, 43 foram excluídos por apresentarem doenças associadas, por terem realizado procedimentos cirúrgicos prévios nos MMSS ou por apresentarem incapacidade funcional dos MMSS, totalizando 16 participantes submetidos às avaliações.

Protocolo e instrumentação

Inicialmente a habilidade manual do MS considerado dominante pelos voluntários foi avaliada e classificada pela escala MACS. Uma filmagem do movimento de levar uma caneca à boca também foi realizada, para verificar a habilidade de preensão dos voluntários e completar análise da habilidade manual. Todos os indivíduos foram questionados quanto à capacidade de manusear objetos e executar tarefas que estão presentes no cotidiano das atividades manuais e/ou se para tal necessitam de auxílio ou supervisão. As perguntas foram direcionadas a 13 voluntários capazes de responder voluntariamente aos questionamentos. Contudo, três participantes demonstraram incapacidade de responder e necessitaram ter os questionamentos feitos ao seu respectivo cuidador. A escala pode ser pontuada em cinco níveis, sendo que o menor nível indica menor limitação motora manual e o maior nível sugere dependência para AVD5.

Para a captura do movimento e aquisição dos dados cinemáticos espaçotemporais, os voluntários foram posicionados em uma cadeira de encosto e altura ajustáveis que permitiram posicionamento de tornozelos, joelhos e quadris a aproximadamente 90º, de maneira padronizada7. Duas faixas de velcro cruzadas anteriormente ao tórax foram colocadas para manter a estabilidade e conter os movimentos sinérgicos do tronco. O MS dominante foi apoiado em uma mesa à frente, com o ombro em posição neutra, o cotovelo em flexão de 90o e o antebraço em pronação, enquanto o MS não dominante foi posicionado ao longo do corpo.

Uma caneca cilíndrica (10,70 cm de altura e 8 cm de diâmetro) com 50% de preenchimento de seu volume total, para simular o conteúdo líquido, foi colocada a 75% do alcance máximo do MS com o tronco estabilizado.

Os voluntários foram instruídos a transportar a caneca com o MS dominante até a boca (fase de ida), simular a tarefa de beber água (fase de ajuste) e retornar o copo à posição inicial (fase de retorno). Seis movimentos consecutivos foram realizados em velocidade confortável sem que o paciente soltasse o copo durante cada repetição. Uma tentativa como forma de treino e orientação foi permitida minutos antes da aquisição dos dados.

Como parte da instrumentação cinemática, os voluntários também foram submetidos às mensurações antropométricas (altura, peso, distância entre o acrômio e a tubérculo maior do úmero, diâmetro dos cotovelos, punhos e mensuração da espessura da mão) solicitadas para cálculo do modelo biomecânico e obtenção das variáveis estudadas.

Para a aquisição dos dados cinemáticos, 24 marcadores esféricos retrorreflexivos de 14 mm foram fixados com fita dupla face hipoalergênica em pontos anatômicos, posicionados em 4 pontos da cabeça, no processo espinhoso da sétima vértebra cervical, na escápula, no processo espinhoso da décima vértebra torácica, entre as espinhas ilíacas posterossuperiores, no manúbrio e no corpo do esterno, nas espinhas ilíacas anterossuperiores, nos acrômios, nos epicôndilos laterais, nos processos estiloides dos rádios e ulnas e na falange proximal dos terceiros dedos.

O modelo originalmente descrito por Rab et al.8 foi utilizado como referência para a formação dos segmentos cabeça, tronco, pelve, braços, antebraços, mãos e na falange média dos terceiros dedos (Figura 1).

Figura 1 Representação da disposição dos marcadores utilizados para a coleta dos dados cinemáticos baseada no modelo de Rab et al.8 

Os dados cinemáticos foram capturados por 9 câmeras de infravermelho Vicon(r) MX 40 (Oxford Metrics Group, Oxford, UK) com frequência de captura de 120 Hz. A reconstrução e o processamento da posição dos marcadores no volume tridimensional foram feitos pelo programa Vicon Nexus(r).

Para avaliação quantitativa do movimento, os seguintes parâmetros espaçotemporais foram estudados: tempo para a execução das fases de ida, ajuste e retorno do movimento e a velocidade do movimento, dividida em velocidade média, velocidade máxima (pico de velocidade) e o tempo para atingir o pico de velocidade, que é determinado entre o início da fase de ida e o momento em que se dá o pico máximo de velocidade.

Análise estatística

Os dados dos 16 voluntários selecionados e avaliados foram utilizados para a análise estatística, sem ocorrência de perda amostral. A verificação da distribuição dos dados foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste de correlação de Spearman9 foi aplicado para correlacionar a pontuação obtida na escala MACS com as variáveis espaçotemporais e para relacionar as variáveis espaçotemporais entre si. Adotou-se para indicador de correlação fraca um coeficiente de correlação de Spearman (ρ) entre 0,20 e 0,39, para correlação moderada um CCS entre 0,40 e 0,59 e para correlação forte um CCS acima de 0,5910. Foi adotado também nível de significância (p) de 0,05. As análises foram realizadas por meio do programa SPSS(r), versão 15.0.

RESULTADOS

As características da amostra quanto à idade (média e desvio-padrão), gênero, dominância manual e pontuação na MACS são apresentadas de maneira descritiva na Tabela 1. Quanto à classificação por meio da MACS, 4 dos 16 voluntários obtiveram pontuação 4, indicando que são necessárias adaptações para a manipulação ou apoio contínuo e/ou equipamento adaptado, mesmo para a realização parcial da atividade. Três voluntários foram classificados com a pontuação três, na qual o desempenho é lento e limitado em relação à qualidade e quantidade do movimento e também há necessidade de ajuda para preparar e/ou modificar a atividade. Por fim, nove voluntários foram classificados com pontuação dois, o que demonstra que a manipulação é feita com menor qualidade ou velocidade e que há alguma dificuldade para o movimento.

Tabela 1 Características da amostra quanto à idade, descrita em média e desvio-padrão, gênero, dominância manual e pontuação na Manual Ability Classification System (MACS), apresentados de maneira descritiva 

Pacientes (PCD) Idade (anos) Gênero Dominância MACS
1 29 Masculino Esquerda II
2 31 Masculino Esquerda II
3 24 Masculino Esquerda II
4 27 Feminino Esquerda II
5 23 Masculino Direita IV
6 32 Masculino Esquerda IV
7 29 Feminino Esquerda II
8 25 Masculino Direita IV
9 37 Masculino Esquerda III
10 47 Feminino Esquerda IV
11 27 Feminino Direita II
12 26 Masculino Esquerda III
13 29 Masculino Direita II
14 37 Masculino Direita II
15 30 Feminino Esquerda II
16 21 Feminino Esquerda III
29,62 (3,42) (6F/10M) (5D/11E) (9-II; 3-III; 4-IV)

PCD: paralisia cerebral do tipo discinético

F: feminino

M: masculino

D: direita

E: esquerda

A análise de correlação entre a pontuação total da MACS e as variáveis espaçotemporais constatou correlação positiva fraca entre a classificação da habilidade manual e a fase de ajuste do movimento (ρ=0,219), sugerindo que voluntários com pontuações elevadas na escala apresentam tempo aumentado para a fase de ajuste. Correlação negativa fraca foi encontrada entre a pontuação na MACS e as variáveis de velocidade - velocidade média (ρ=-0,313), velocidade máxima (ρ=-0,282) e tempo para atingir o pico de velocidade (ρ=-0,250), sugerindo que voluntários com pontuações maiores na escala movimentam-se com velocidade reduzida com relação aos voluntários com pontuações baixas (Tabela 2).

Tabela 2 Coeficiente de Correlacao de Spearman (ρ) entre a pontuacao na Manual Ability Classification System (MACS) e as variaveis de tempo e de velocidade do movimento para os voluntarios com paralisia cerebral do tipo discinetico 

MACS Fase de ida (s) Fase de ajuste (s) Fase de retorno (s) Velocidade média (m/s) Pico de velocidade (m/s) Tempo para atingir opico de velocidade (s)
MACS (1) (-0,094)¥ (0,219) (0) (-0,313) (-0,282) (-0,250)
Fase de ida (-0,094)¥ (1) (0,024)¥ (0,559)**£ (-0,062)¥ (-0,029)¥ (0,518)**£
Fase de ajuste (0,219)*¥ (0,024)¥ (1) (0,082)¥ (-0,635)***§ (-0,562)**£ (-0,026)¥
Fase de retorno 0 (0,559)**£ (0,082)¥ (1) (0,026)¥ (0,035)¥ (0,388)*¥
Velocidade média (-0,313)*¥ (-0,062)¥ (-0,635)***§ (0,026)¥ (1) (0,947)***§ (0,229)*¥
Pico de velocidade (-0,282)*¥ (-0,029)¥ (-0,562)**£ (0,035)¥ (0,947)***§ (1) (0,197)¥
Tempo para atingir o pico de velocidade (-0,250)*¥ (0,518)**£ (-0,026)¥ (0,388)*¥ (0,229)*¥ (0,197)¥ (1)
Mediana (IIQ) 2 (2,00–3,75) 1.403(1.029–1.721) 1.022 (0.5258–2.436) 1.81 (1.463–2.694) 0.3221 (0.2708–0.4923) 0.5567(0.4299–0.8761) 0.4667 (0.3795–0.5634)
*correlação fraca; **correlação moderada; ***correlação forte; s: segundos; m/s: metros por segundo; IIQ: intervalo interquartílico (inferior e superior); £diferença significante ≤0.05; §diferença significante ≤0.01; ¥diferença não significante ≥0.05

*correlacao fraca

**correlacao moderada

***correlacao forte; s: segundos

m/s: metros por segundo

IIQ: intervalo interquartilico (inferior e superior)

£diferenca significante <0.05

§diferenca significante <0.01

¥diferenca nao significante >0.05

A pontuação na MACS não se correlacionou, entretanto, com o tempo de ida e de retorno, mostrando que a habilidade manual não influencia o tempo de excursão da ida da caneca à boca e do retorno do objeto à mesa.

Apesar de a pontuação da MACS ter se relacionado de maneira fraca com as variáveis espaçotemporais, estas se correlacionaram de maneira moderada e forte. Correlação moderada positiva foi encontrada para a fase de ida e a fase de retorno do movimento (ρ=0,559) e para a fase de ida e o tempo para atingir o pico de velocidade (ρ=0,518), mostrando tendência do tempo de execução da fase de ida em determinar o tempo para atingir o pico de velocidade e o retorno no movimento. A fase de ajuste se correlacionou de maneira moderada e negativa com a velocidade máxima (ρ=-0,562), o que indica que quanto maior o tempo dispendido para a fase de ajuste, menor o pico de velocidade do movimento. Correlação positiva forte foi encontrada entre a velocidade média e o pico de velocidade (ρ=0,947). Por fim, correlação negativa forte foi encontrada entre a fase de ajuste e a velocidade média (ρ=-0,635), mostrando que, apesar de a habilidade se relacionar de maneira baixa com a fase de ajuste, apresenta forte associação com a velocidade média (Tabela 2).

DISCUSSÃO

A mensuração dos movimentos funcionais dos MMSS é de grande importância, pois fornece informações sobre como as tarefas são realizadas. Algumas escalas foram desenvolvidas com intuito de avaliar a função do movimento do MS apenas na população infantil com paralisia cerebral de maneira qualitativa e fornecem uma descrição subjetiva, por meio de pontuação baseada em avaliação observacional, do desempenho motor durante a execução de tarefas.

A cinemática tridimensional dos MMSS é tecnicamente mais desafiadora, devido à grande complexidade do movimento da articulação do ombro11. No entanto, modelos biomecânicos para o MS têm sido utilizados8 , 12 e estudos com avaliações de tarefas funcionais com uso desta ferramenta têm sido descritos na literatura para a população infantil com paralisia cerebral, em sua grande maioria no tipo hemiparético espástico, por apresentarem maior incidência13.

Visto que há escassez de estudos na literatura que correlacionem os métodos de avaliação qualitativa e quantitativa do movimento na população com o tipo discinético, o presente estudo objetivou verificar possível correlação entre as variáveis cinemáticas quantitativas e a habilidade manual qualitativa durante o movimento de levar uma caneca à boca e em indivíduos adultos da população em questão.

A hipótese traçada foi a de que voluntários com maior pontuação na MACS executariam as fases da tarefa de forma lenta e com velocidade reduzida. Apesar de ter sido encontrada relação fraca, constatou-se que a maior pontuação na MACS, que indica maior comprometimento funcional, é relacionada ao tempo maior para execução da fase de ajuste. Os movimentos requeridos nessa fase são relacionados à maior precisão, quando comparados às demais. No ajuste, a caneca deve atingir com sucesso a boca e, para aumentar a precisão do movimento, pode haver aumento da duração do tempo de realização da tarefa3. Como esperado na hipótese do estudo, um maior comprometimento funcional da MACS também se relacionou com menor velocidade média, velocidade máxima e tempo para atingir o pico de velocidade. Esta última variável apresenta tendência em acompanhar os valores resultantes de velocidade média e seu menor tempo pode indicar lentidão para elaboração da estratégia de levar a caneca à boca, já que esta variável de velocidade foi analisada na fase de ida do movimento.

Acredita-se que as relações fracas encontradas podem estar ligadas a fatores inerentes à ausência de distribuição similar do número de voluntários da amostra nos níveis da escala (nove voluntários foram pontuados no nível II e os demais foram pontuados nos níveis III e IV). Arner et al.14 mostraram que voluntários com PCD podem ser classificados nos cinco níveis, com maior concentração nos níveis IV e V, e que a escala é um indicativo para alteração da função manual e da independência em atividades manuais. Butler et al.15 também classificaram crianças com PCD com pontuações baixas (I, II e III) e verificaram que os pacientes que apresentaram comprometimento mais severo possuíam maior pontuação na MACS e maior tempo para execução da tarefa estudada.

Deve-se considerar a interferência da movimentação involuntária, característica da doença, na variabilidade do desempenho, devido à incapacidade de exclusão dos componentes indesejados na trajetória do movimento1. Desse modo, comportamentos motores que não seguem um padrão para execução da mesma tarefa podem resultar em interferência nas variáveis de velocidade e do tempo de execução utilizadas para comparação com a pontuação da MACS e, talvez, reflitam no achado de relação fraca. Além disso, também pode ser apontado o fato de que uma mesma pontuação na MACS pode incluir a mesma habilidade funcional, mas diferentes habilidades motoras. A falta de homogeneidade motora de cada pontuação pode ter interferido na análise de relação entre as variáveis de mensuração e o resultado em relações fracas.

As análises entre as próprias variáveis cinemáticas estudadas resultaram em relações moderadas e fortes, independentes da classificação da habilidade manual. De forma positiva moderada, as relações entre a fase de ida e a fase de retorno do movimento e entre a fase de ida e o tempo para atingir o pico de velocidade apontam para o fato de que a fase de ida influencia o retorno do movimento e a elaboração de estratégia para levar o copo à boca. A fase de ajuste, previamente apontada como de precisão, se relacionou de maneira negativa moderada com a velocidade máxima e de maneira negativa e forte com a velocidade média, corroborando a hipótese de diminuição de velocidade para movimentos que requerem maior precisão3. De forma forte e positiva, as velocidades média e máxima (expressa pelo pico de velocidade) se relacionaram, como esperado.

Os achados deste estudo colaboram para o conhecimento sobre a função manual e para a tomada de decisão a respeito dos objetivos terapêuticos do fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional na reabilitação dos MMSS em adultos com PCD. A análise tridimensional é uma ferramenta importante para a tomada de decisões clínicas a respeito da técnica terapêutica adotada16 - 17, porém muitas vezes não está disponível como rotina de avaliação, diferente da MACS, que representa uma escala clínica de fácil aplicação que não necessita de treinamento prévio5 e mostrou-se capaz de ser uma alternativa para sugerir que uma maior pontuação pode ser relacionada aos desempenhos prejudicados para atividades funcionais dos MMSS com relação às variáveis espaçotemporais estudadas.

Como limitações do estudo, pode-se apontar que os movimentos das articulações acromioclavicular, escápulo-torácica e esternoclavicular não foram analisados individualmente, devido à complexidade dos movimentos do braço e também pelo fato de o tronco ter seus movimentos restritos durante a tarefa. Além disso, a restrição dos movimentos do tronco, apesar de isolar de certa forma o movimento do MS, não reproduz uma condição funcional. Muito embora o procedimento mais utilizado para coleta de dados cinemáticos seja o uso de marcadores retrorreflexivos sobre a pele, usando proeminências ósseas como referência, os artefatos dos movimentos dos tecidos moles sobre os ossos não podem ser excluídos18.

CONCLUSÃO

A análise entre a habilidade funcional durante o movimento de levar uma caneca à boca e as variáveis cinemáticas é capaz de sugerir que o prejuízo funcional pode ser relacionado ao maior tempo de execução da fase de ajuste e com a redução da velocidade do movimento em indivíduos com PCD. A análise entre as variáveis cinemáticas demonstrou relação positiva entre a fase de ida e a fase de retorno do movimento, entre a fase de ida e o tempo para atingir o pico de velocidade e entre a velocidade média e o pico de velocidade. Foi verificada relação negativa entre a fase de ajuste e as velocidades média e máxima. Estes achados permitem indicar que o tempo de execução das fases influencia a velocidade do movimento.

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