versão impressa ISSN 1806-3713
J. bras. pneumol. vol.40 no.6 São Paulo nov./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000600007
Apesar dos efeitos negativos do consumo de cigarros sobre a saúde, o número de adolescentes fumantes aumentou recentemente em vários países em desenvolvimento.( 1 - 3 ) Além disso, é bem reconhecido que a maioria dos fumantes começa a fumar quando são adolescentes, e a investigação dos fatores relacionados ao tabagismo na adolescência assume, portanto, grande importância.
Um número substancial de características psicológicas e ambientais é hoje reconhecidamente associado ao início do tabagismo na adolescência, incluindo baixo nível socioeconômico, laços familiares fracos, pares fumantes e pressão dos pares.( 4 - 8 ) Porém, a maioria dos estudos disponíveis sobre as características relacionadas ao tabagismo do adolescente envolve comparações entre fumantes atuais e não fumantes ou entre experimentadores de cigarros e não experimentadores. Existe pouca informação sobre correlatos de tabagismo atual ou tabagismo regular entre adolescentes em oposição apenas à experimentação anterior. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos adolescentes brasileiros, pois não há estudos avaliando esse último aspecto.
Entre as várias potenciais influências psicológicas, os níveis altos de estresse têm sido associados ao tabagismo em adolescentes. ( 9 , 10 ) A adolescência é um período da vida que se caracteriza muitas vezes por problemas de ajustamento, e o estilo de vida moderno pode impor ônus psicológicos adicionais aos jovens. A 10-item Perceived Stress Scale (PSS-10, Escala de Estresse Percebido com dez questões) é uma ferramenta que avalia em que grau de estresse o indivíduo se encontra nas situações da vida (o quão "imprevisível", "fora de controle" e "sobrecarregada" o indivíduo considera sua vida).( 11 ) A PSS-10 foi empregada em estudos anteriores sobre o tabagismo na adolescência. Em um estudo, as maiores pontuações na PSS-10 se associaram ao tabagismo atual, enquanto as pontuações intermediárias se associaram apenas à experimentação e as menores pontuações se associaram a nunca ter fumado.( 10 ) Nesse contexto, é de grande relevância verificar se níveis altos de estresse percebido desempenham algum papel na experimentação de cigarros e no consumo regular de cigarros na adolescência.
O presente estudo teve como objetivo investigar níveis de estresse percebido e várias características sociais como correlatos de consumo de cigarros em estudantes brasileiros do ensino médio. Adotou-se uma abordagem que procurou identificar elementos que permitissem fazer uma distinção entre adolescentes que haviam experimentado cigarros e aqueles que nunca haviam fumado. Além disso, buscou-se estabelecer uma distinção entre adolescentes que experimentaram cigarros, mas não progrediram para o tabagismo regular e aqueles que se tornaram fumantes atuais. Nossa hipótese era que o perfil dos correlatos seria diferente entre os dois últimos grupos.
Trata-se de um estudo observacional, de corte transversal, envolvendo estudantes adolescentes do ensino médio de Ribeirão Preto (SP), cidade de aproximadamente 600.000 habitantes. No cálculo do tamanho da amostra, nosso objetivo foi atingir um poder de 90%, com erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%, considerando uma prevalência de tabagismo de 5,3%, conforme estimado com base nos achados de um estudo piloto inicial. Isso resultou em um tamanho necessário de amostra de 2.000 sujeitos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo e pelo(a) diretor(a) de cada uma das escolas envolvidas.
Entre as 56 escolas de ensino médio da área em estudo, foram selecionadas aleatoriamente10 (9 escolas públicas e 1 escola particular). Dentro de cada uma dessas 10 escolas, foram selecionadas aleatoriamente seis turmas de estudantes para serem entrevistadas, duas para cada um das três séries (primeira, segunda e terceira). Os estudantes foram inicialmente convidados a participar do estudo, e cada um recebeu um termo de consentimento para ser assinado em casa por um dos pais ou responsáveis legais. Alguns dias depois, os participantes responderam um questionário autoaplicável, anônimo e de múltipla escolha durante uma aula regular. Esse instrumento, desenvolvido pelos autores, incluiu questões do Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND, Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina)( 6 ) e da PSS-10,( 11 , 12 ) assim como questões relacionadas às condições sociais da família, mas foi baseado principalmente no questionário empregado no estudo de Vigilância Global de Tabaco em Jovens organizado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.( 13 )
No total, 2.044 estudantes foram convidados a participar do estudo. Nove estudantes não apresentaram o termo de consentimento assinado ou se recusaram a participar da pesquisa. Dos 2.035 questionários distribuídos, 21 foram devolvidos incompletos e, portanto, foram excluídos da análise. Consequentemente, a amostra final foi constituída por 2.014 questionários respondidos.
Os estudantes foram inicialmente categorizados, por situação tabágica, como nunca fumantes (aqueles que nunca haviam fumado cigarros) ou como experimentadores (aqueles que haviam experimentado cigarros pelo menos uma vez, independentemente de sua atual situação tabágica). Os experimentadores de cigarros foram subcategorizados como fumantes atuais ou como não progressores (aqueles que haviam e aqueles que não haviam fumado um cigarro no último mês, respectivamente). A definição de fumante atual foi a mesma empregada no estudo de Vigilância Global de Tabaco em Jovens.( 13 )
Com base em relatos anteriores da literatura,( 4 - 8 ) selecionou-se um conjunto de características sociodemográficas e socioeconômicas para avaliação como variáveis dicotômicas ou categóricas.
• Religião -. Os estudantes foram classificados como religiosos (pertencentes a qualquer religião organizada ou professantes de qualquer tipo de convicção religiosa) ou não religiosos.
• Repetição de ano na escola -. Os estudantes foram classificados como já tendo repetido ano ou como nunca tendo repetido ano.
• Renda pessoal -. Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo renda pessoal (advinda de atividade ou emprego remunerado regularmente).
• Consumo de álcool -. Em relação à ingestão de bebidas alcoólicas, os estudantes foram classificados como abstêmios; como consumidores de baixas quantidades ou consumidores ocasionais (consumo baixo/ocasional); ou como consumidores de grandes quantidades (consumo alto, embriaguez esporádica) ou consumidores regulares (consumo regular, pelo menos uma vez por semana).
• Uso de drogas ilícitas -. Os estudantes foram classificados como usuários ou não usuários de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack ou substâncias semelhantes), sendo que aqueles que relataram uso mesmo esporádico dessas substâncias foram classificados como usuários.
• Pais/responsáveis fumantes -. Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um dos pais ou responsáveis fumante.
• Situação parental -. Em relação à estrutura familiar e ao suporte disponível, os estudantes foram classificados como tendo pais vivos e morando juntos, pais vivos que não moravam juntos ou pelo menos um dos pais falecido. Nível educacional dos pais/responsáveis - Para cada estudante, o nível educacional do chefe da família foi classificado como nível universitário (> 12 anos de escolaridade, tendo completado ou não o curso), nível médio (9-12 anos de escolaridade, tendo completado ou não o ensino médio) ou nível fundamental (≤ 9 anos de escolaridade, tendo completado ou não o ensino fundamental).
• Irmãos ou primos fumantes -. Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um(a) irmão(ã) ou primo(a) fumante.
• Amigos fumantes -. Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um(a) amigo(a) fumante.
• Classe socioeconômica -. Com base em dados de autorrelato relacionados a diversas variáveis, incluindo número e tipo de eletrodomésticos presentes na residência e nível educacional dos pais, os estudantes foram classificados como pertencentes a uma das quatro classes socioeconômicas definidas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (A, B, C e D, com A sendo a mais alta).
• Regras sobre fumar em casa -. Os estudantes foram classificados como residentes em um lar onde fumar é permitido ou não. Aulas sobre tabagismo - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo assistido a aulas ou palestras a respeito dos efeitos do tabagismo sobre a saúde.
• Nível de estresse percebido -. Com base na média da pontuação da PSS-10 obtida para a amostra geral, os estudantes foram classificados como tendo nível alto ou nível baixo de estresse percebido (pontuação individual ≥ 17 ou < 17 na PSS-10, respectivamente).
As associações entre as características e a situação tabágica foram investigadas por meio de modelos logísticos ajustados para todas as características. Esses modelos permitiram a estimativa de risco mesmo quando os desfechos foram binários. Utilizou-se a função PROC LOGISTIC do programa SAS/STAT, versão 9.0 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA). O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05.
As características clínicas e sociodemográficas dos adolescentes estão listadas na Tabela 1. Dos 2.014 estudantes que responderam o questionário, 1.067 (53%) eram do sexo feminino e 947 (47%), do masculino. A média de idade da amostra geral foi de 16,2 ± 1,1 anos. A média da pontuação da PSS-10 para a amostra geral foi de 17 (variação: 0-40). A média da pontuação do FTND para os fumantes atuais foi de 0 (variação: 0-8). Dos 244 estudantes classificados como fumantes atuais, 190 (77.9%) obtiveram pontuação ≤ 2 no FTND, que é indicativa de níveis muito baixos de dependência de nicotina.
Tabela 1 - Características sociodemográficas e clínicas de 2.014 estudantes do ensino médio em Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Característica | Categoria | n (%) |
---|---|---|
Sexo | Feminino | 1067 (53) |
Masculino | 947 (47) | |
Situação tabágica | Nunca fumante | 1283 (63,7) |
Fumante atual | 244 (12,1) | |
Não progressor | 487 (24,2) | |
Experimentador | 731 (36,3) | |
Idade, anos | ≤ 14 | 96 (4,8) |
15 | 476 (23,6) | |
16 | 683 (33,9) | |
17 | 591 (29,3) | |
≥ 18 | 168 (8,3) | |
Religioso | Não | 265 (13,2) |
Sim | 1749 (86,8) | |
Repetição de ano na escola | Não | 1691 (84) |
Sim | 323 (16) | |
Renda pessoal | Não | 1544 (77) |
Sim | 470 (23) | |
Consumo de álcool | Nenhum | 687 (34,1) |
Baixo ou ocasional | 1085 (53,9) | |
Pesado ou regular | 242 (12) | |
Uso de drogas ilícitas | Nunca | 1898 (94,2) |
Já | 116 (5,8) | |
Pais/responsáveis fumantes | Não | 1164 (58,5) |
Sim | 827 (41,5) | |
Situação parental | I | 1315 (65,3) |
II | 554 (27,5) | |
III | 145 (7,2) | |
Anos de escolaridade dos pais/responsáveis | ≤ 9 | 619 (35,6) |
9-12 | 727 (41,8) | |
> 12 | 392 (22,6) | |
Irmãos ou primos fumantes | Não | 1179 (58,5) |
Sim | 835 (41,5) | |
Amigos fumantes | Não | 715 (35,5) |
Sim | 1299 (64,5) | |
Classe socioeconômica | A | 257 (15) |
B | 1118 (65,2) | |
C | 333 (19,4) | |
D | 6 (0,4) | |
Permitido fumar em casa | Não | 1374 (68,2) |
Sim | 640 (31,8) | |
Nível de estresse (pontuação da PSS-10) | Alto (≥ 17) | 1080 (53,6) |
Baixo (< 17) | 934 (46,4) |
I: ambos os pais vivos e morando juntos; II: ambos os pais vivos, mas morando separados; III: um ou ambos os pais falecidos; e PSS-10: 10-item Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido com dez questões).
As odds ratios e os intervalos de confiança de 95% para os fatores de risco associados à experimentação de cigarros estão listados na Tabela 2. O risco de experimentação de cigarros foi significativamente maior para os estudantes que haviam repetido o ano (OR = 1,8), tinham consumo baixo/ocasional ou alto/regular de álcool (OR = 8,92 e OR = 2,64, respectivamente), faziam uso de drogas ilícitas (OR = 9,32), tinham irmãos ou primos fumantes (OR = 1,39), tinham amigos fumantes (OR = 2,08) ou tinham nível alto de estresse percebido (OR = 1,32).
Tabela 2 - Riscos de experimentação de cigarros, por variável, entre estudantes do ensino médio em Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Variável | Comparação | OR | IC95% | p |
---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino vs. Feminino | 1,08 | 0,85-1,38 | 0,52 |
Idade, anos | 15 vs. ≤ 14 | 0,97 | 0,52-1,82 | 0,92 |
16 vs. ≤ 14 | 0,98 | 0,53-1,81 | 0,95 | |
17 vs. ≤ 14 | 0,98 | 0,53-1,81 | 0,94 | |
≥ 18 vs. ≤ 14 | 1,35 | 0,65-2,79 | 0,42 | |
Religioso | Sim vs. Não | 1,05 | 0,74-1,49 | 0,78 |
Repetição de ano na escola | Sim vs. Não | 1,80 | 1,28-2,53 | < 0,01 |
Renda pessoal | Sim vs. Não | 0,81 | 0,62-1,06 | 0,13 |
Consumo de álcool | Baixo/ocasional vs. Nenhum | 8,92 | 5,83-13,64 | < 0,01 |
Alto/regular vs. Nenhum | 2,64 | 1,99-3,51 | < 0,01 | |
Uso de drogas ilícitas | Já vs. Nunca | 9,32 | 4,48-19,39 | < 0,01 |
Pais/responsáveis fumantes | Sim vs. Não | 0,96 | 0,76-1,22 | 0,74 |
Situação parental | I vs. II | 1,20 | 0,92-1,56 | 0,18 |
I vs. III | 0,89 | 0,57-1,40 | 0,62 | |
Anos de escolaridade dos pais/responsáveis | > 12 vs. ≤ 9 | 1,10 | 0,77-1,57 | 0,59 |
≤ 12 vs. ≤ 9 | 1,02 | 0,75-1,38 | 0,91 | |
Irmãos ou primos fumantes | Sim vs. Não | 1,39 | 1,10-1,75 | < 0,01 |
Amigos fumantes | Sim vs. Não | 2,08 | 1,60-2,71 | < 0,01 |
Classe socioeconômica | A vs. D | 0,65 | 0,10-4,24 | 0,65 |
B vs. D | 0,63 | 0,10-3,99 | 0,62 | |
C vs. D | 0,68 | 0,11-4,30 | 0,68 | |
Permitido fumar em casa | Sim vs. Não | 1,19 | 0,93-1,52 | 0,17 |
Nível de estresse (pontuação da PSS-10) | Alto (≥ 17) vs. Baixo (< 17) | 1,32 | 1,04-1,68 | 0,02 |
I: ambos os pais vivos e morando juntos; II: ambos os pais vivos, mas morando separados; III: um ou ambos os pais falecidos; e PSS-10: 10-item Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido com dez questões).
A análise por sexo mostrou que, entre os estudantes do sexo masculino, a experimentação de cigarros associou-se significativamente a repetição de ano na escola (OR = 1,66), consumo baixo/ocasional e alto/regular de álcool (OR = 10,05 e OR = 3,34, respectivamente), uso de drogas ilícitas (OR = 11,31) e amigos fumantes (OR = 1,96). Resultados semelhantes foram obtidos para as estudantes do sexo feminino, entre as quais a experimentação de cigarros também se associou significativamente a morte de pais (OR = 1,44), a irmãos ou primos fumantes (OR = 1,41) e a nível alto de estresse percebido (OR = 1,52).
As odds ratios e os intervalos de confiança de 95% para o risco de passar de experimentador de cigarros para fumante atual estão listados na Tabela 4. Os resultados obtidos com o modelo ajustado mostram que o risco de um experimentador se tornar um fumante atual foi significativamente maior na presença dos fatores consumo de álcool baixo/ocasional ou alto/regular (OR = 3,28 e OR = 2,16, respectivamente), uso de drogas ilícitas (OR = 3,61) e amigos fumantes (OR = 7,20).
Tabela 3 - Riscos de experimentação de cigarros, por variável e por sexo, entre estudantes do ensino médio em Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Variável | Comparação | Masculino | Feminino | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
OR | IC95% | p | OR | IC95% | p | ||
Idade, anos | 15 vs. ≤ 14 | 0,92 | 0,36-2,38 | 0,86 | 0,90 | 0,38-2,14 | 0,81 |
16 vs. ≤ 14 | 0,70 | 0,28-1,76 | 0,45 | 1,15 | 0,50-2,67 | 0,75 | |
17 vs. ≤ 14 | 0,76 | 0,30-1,93 | 0,56 | 1,06 | 0,45-2,47 | 0,89 | |
≥ 18 vs. ≤ 14 | 1,25 | 0,43-3,69 | 0,68 | 1,28 | 0,47-3,51 | 0,63 | |
Religioso | Sim vs. Não | 0,80 | 0,49-1,31 | 0,38 | 1,48 | 0,87-2,51 | 0,15 |
Repetição de ano na escola | Sim vs. Não | 1,66 | 1,03-2,67 | 0,04 | 2,11 | 1,28-3,46 | < 0,01 |
Renda pessoal | Sim vs. Não | 0,80 | 0,55-1,18 | 0,26 | 0,81 | 0,55-1,18 | 0,27 |
Consumo de álcool | Baixo/ocasional vs. Nenhum | 10,05 | 5,53-18,25 | < 0,01 | 8,40 | 4,50-15,70 | < 0,01 |
Alto/regular vs. Nenhum | 3,34 | 2,19-5,12 | < 0,01 | 2,03 | 1,37-2,99 | < 0,01 | |
Uso de drogas ilícitas | Já vs. Nunca | 11,31 | 4,59-27,89 | < 0,01 | 6,41 | 1,74-23,69 | < 0,01 |
Pais/responsáveis fumantes | Sim vs. Não | 0,76 | 0,53-1,09 | 0,13 | 1,18 | 0,86-1,63 | 0,31 |
Situação parental | I vs. II | 0,92 | 0,44-1,93 | 0,82 | 0,88 | 0,49-1,57 | 0,66 |
II vs. III | 0,98 | 0,66-1,46 | 0,93 | 1,44 | 1,01-2,06 | 0,05 | |
Anos de escolaridade dos pais/responsáveis | > 12 vs. ≤ 9 | 1,37 | 0,78-2,40 | 0,28 | 1,05 | 0,66-1,68 | 0,84 |
≤ 12 vs. ≤ 9 | 1,32 | 0,81-2,15 | 0,27 | 0,87 | 0,58-1,31 | 0,51 | |
Irmãos ou primos fumantes | Sim vs. Não | 1,42 | 0,99-2,04 | 0,06 | 1,41 | 1,02-1,94 | 0,04 |
Amigos fumantes | Sim vs. Não | 1,96 | 1,32-2,93 | < 0,01 | 2,32 | 1,62-3,32 | < 0,01 |
Classe socioeconômica | A vs. C & D | 0,66 | 0,32-1,35 | 0,25 | 1,15 | 0,61-2,19 | 0,67 |
B vs. C & D | 0,66 | 0,40-1,10 | 0,11 | 1,18 | 0,78-1,76 | 0,44 | |
Permitido fumar em casa | Sim vs. Não | 1,15 | 0,80-1,67 | 0,45 | 1,19 | 0,85-1,67 | 0,30 |
Nível de estresses (pontuação da PSS-10) | Alto (≥ 17) vs. Baixo (< 17) | 1,17 | 0,82-1,66 | 0,38 | 1,52 | 1,08-2,13 | 0,02 |
I: ambos os pais vivos e morando juntos; II: ambos os pais vivos, mas morando separados; III: um ou ambos os pais falecidos; e PSS-10: 10-item Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido com dez questões).
Tabela 4 - Riscos de passar da experimentação de cigarros para o tabagismo atual, por variável, entre estudantes do ensino médio em Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Variável | Comparação | OR | IC95% | p |
---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino vs. Feminino | 1,28 | 0,86-1,90 | 0,22 |
Idade, anos | 15 vs. ≤ 14 | 0,89 | 0,27-2,96 | 0,85 |
16 vs. ≤ 14 | 0,90 | 0,28-2,89 | 0,86 | |
17 vs. ≤ 14 | 1,19 | 0,37-3,76 | 0,77 | |
≥ 18 vs. ≤ 14 | 1,03 | 0,29-3,73 | 0,96 | |
Religioso | Sim vs. Não | 1,02 | 0,61-1,70 | 0,95 |
Repetição de ano na escola | Sim vs. Não | 1,11 | 0,69-1,79 | 0,68 |
Renda pessoal | Sim vs. Não | 1,17 | 0,77-1,78 | 0,45 |
Consumo de álcool | Baixo/ocasional vs. Nenhum | 3,28 | 1,57-6,85 | < 0,01 |
Alto/regular vs. Nenhum | 2,16 | 1,09-4,29 | 0,03 | |
Uso de drogas ilícitas | Já vs. Nunca | 3,61 | 2,12-6,14 | <0,01 |
Pais/responsáveis fumantes | Sim vs. Não | 1,22 | 0,82-1,81 | 0,32 |
Situação parental | I vs. II | 0,92 | 0,60-1,40 | 0,70 |
I vs. III | 1,91 | 0,95-3,83 | 0,07 | |
Anos de escolaridade dos pais/responsáveis | > 12 vs. ≤ 9 | 1,32 | 0,73-2,41 | 0,36 |
≤ 12 vs. ≤ 9 | 1,35 | 0,81-2,26 | 0,25 | |
Irmãos ou primos fumantes | Sim vs. Não | 1,14 | 0,77-1,68 | 0,52 |
Amigos fumantes | Sim vs. Não | 7,20 | 3,19-16,28 | < 0,01 |
Classe socioeconômica | A vs. D | 0,23 | 0,01-4,92 | 0,35 |
B vs. D | 0,19 | 0,01-3,77 | 0,27 | |
C vs. D | 0,27 | 0,01-5,42 | 0,39 | |
Permitido fumar em casa | Sim vs. Não | 1,09 | 0,73-1,61 | 0,69 |
Nível de estresse (pontuação da PSS-10) | Alto (≥ 17) vs. Baixo (< 17) | 0,84 | 0,56-1,25 | 0,38 |
I: ambos os pais vivos e morando juntos; II: ambos os pais vivos, mas morando separados; III: um ou ambos os pais falecidos; e PSS-10: 10-item Perceived Stress Scale (Escala de Estresse Percebido com dez questões).
Os resultados do presente estudo indicam que, entre os adolescentes brasileiros, o risco de experimentação de cigarros é significativamente maior para aqueles que repetiram o ano na escola, aqueles que consomem bebidas alcoólicas, aqueles que usam drogas ilícitas, aqueles que têm irmãos ou primos fumantes, aqueles que têm amigos fumantes e aqueles que têm um nível alto de estresse percebido. Esses fatores já foram reconhecidamente associados a essa experimentação.( 4 - 10 ) Os achados mais relevantes de nosso estudo foram as distinções entre os experimentadores que evoluíram para tabagismo atual e aqueles que não o fizeram. Observou-se que os fatores de risco significativamente associados à transição da experimentação de cigarros para o tabagismo atual foram consumo de álcool, uso de drogas ilícitas e amigos fumantes. Esses resultados sugerem que o uso de outras substâncias viciantes e pressão dos pares desempenham papéis importantes no estabelecimento da dependência de nicotina.
O grau bastante baixo de dependência de nicotina apresentado pelos fumantes atuais identificados no presente estudo provavelmente se deve a curta história de tabagismo dos estudantes avaliados. A nicotina atua no sistema nervoso central ligando-se aos receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs), que são canais iônicos regulados por ligantes.( 14 ) A exposição repetida dos nAChRs à nicotina leva à neuroadaptação a alguns de seus efeitos. Simultaneamente à neuroadaptação, há aumento do número de nAChRs no cérebro, como resposta à dessensibilização mediada pela nicotina. Esses mecanismos parecem desempenhar papéis importantes no desenvolvimento de tolerância à nicotina e, consequentemente, no processo de aumento do consumo de cigarros ao longo dos anos seguintes.( 15 )
A ocorrência de fatores estressantes no âmbito da família, das amizades e da escola tem sido associada ao tabagismo na adolescência em diversos contextos culturais.( 9 , 10 ) No presente estudo, verificou-se que o risco de apresentar níveis altos de estresse percebido foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes, achado concordante com os de estudos anteriores.( 9 ) Pode-se, portanto, considerar que estressores e níveis altos de estresse percebido são os principais determinantes da experimentação ou não de cigarros entre adolescentes. Nossos resultados também indicam que certos estressores são determinantes mais fortes dessa experimentação em adolescentes do sexo feminino do que do sexo masculino. De fato, existem dados na literatura indicando que eventos estressantes na vida podem ser contribuintes mais importantes para o início do tabagismo em adolescentes do sexo feminino do que do sexo masculino.( 16 , 17 ) No presente estudo, a proporção de adolescentes do sexo feminino com pelo menos um dos pais falecidos foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes, o que pode ter contribuído para nosso achado de que a pontuação da PSS-10 foi maior entre as experimentadoras do sexo feminino do que entre os do sexo masculino. Entre adultos fumantes, verificou-se que as mulheres são mais propensas que os homens a relatar redução da tensão como razão para fumar.( 18 ) A evidência disponível, portanto, implica que fenômenos emocionais desempenham um papel mais importante na experimentação de cigarros em indivíduos do sexo feminino do que nos do sexo masculino.
Em nossa amostra, a pontuação da PSS-10 foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes. Porém, essa medida não nos permitiu fazer uma distinção clara entre os experimentadores que se tornaram não progressores e aqueles que se tornaram fumantes atuais. Esse achado sugere que níveis altos de estresse percebido não explicam totalmente a progressão para dependência de nicotina. Isso também é evidência de que o fumo contínuo por si só não está associado com aumentos progressivos do nível de estresse percebido na adolescência.
Vários estudos demonstraram fortes associações entre tabagismo e abuso de álcool em adolescentes e adultos.( 19 , 20 ) Isso também vale para tabagismo e uso de drogas ilícitas.( 21 ) De fato, o tabagismo em adolescentes é reconhecido como preditor de alcoolismo e uso de drogas ilícitas em adultos jovens. ( 22 ) Embora a verdadeira natureza dessas associações ainda não seja completamente compreendida, fatores genéticos e ambientais parecem contribuir para os desfechos individuais de forma complementar.( 23 ) Além disso, as drogas psicoativas talvez exerçam seus efeitos através dos mesmos sistemas neurais.( 23 )
Algumas características do comportamento adolescente, tais como a disposição para correr riscos e a busca de sensações, têm sido tradicionalmente consideradas fatores de vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos de abuso de substâncias. O cérebro humano poderia ser constitucionalmente predisposto para a busca de sensações e a disposição para correr riscos na adolescência.( 24 ) À medida que os adolescentes se tornam mais velhos, eles desenvolveriam as habilidades para regular melhor suas emoções e impulsividade. A exposição repetida de um cérebro ainda em desenvolvimento à nicotina poderia certamente levar a mudanças estruturais, incluindo a expressão excessiva de nAChRs e o comprometimento da habilidade de regular a impulsividade. Estudos recentes sugerem que os nAChRs desempenham um papel importante não apenas na dependência de nicotina mas também na dependência de álcool e outras drogas.( 25 ) Portanto, pode-se aventar a hipótese de que o tabagismo na adolescência é um importante contribuinte para o estabelecimento de outras dependências em jovens. Independentemente dos mecanismos envolvidos, os achados do presente estudo confirmam a necessidade de adoção de abordagens mais abrangentes para a concepção de intervenções profiláticas e terapêuticas para prevenir o uso de todas as drogas na adolescência.
Verificou-se que, em comparação com os nunca fumantes, os experimentadores de cigarros tinham maior probabilidade de ter amigos fumantes, assim como de ter irmãos ou primos fumantes. A última associação foi forte entre adolescentes do sexo feminino. Porém, é provável que seja válida para adolescentes do sexo masculino também, apesar do fato de que, entre os adolescentes do sexo masculino aqui avaliados, a associação entre experimentação de cigarros e ter irmãos ou primos fumantes atingiu apenas significância limítrofe (p = 0,06). Embora ter amigos fumantes tenha sido identificado como um fator de risco para passar de experimentador de cigarros para fumante atual, história de tabagismo entre parentes próximos, incluindo pais/responsáveis e irmãos/primos, não o foi. Isso ressalta a grande importância potencial da pressão dos pares, juntamente com a necessidade de aceitação em grupos de todos os tipos e de identificação com os mesmos, para a manutenção da dependência. A interação continua com amigos fumantes não só pode servir como um estímulo positivo para manter os adolescentes fumando como também poderia inibir, na origem, impulsos e iniciativas para deixar de fumar. Nossos achados sugerem a necessidade de desenvolvimento de novas formas de intervenção, voltadas para grupos de amigos e não para indivíduos. Novas formas de comunicação de mídia por meio de redes virtuais, que são tão populares entre os adolescentes, poderiam ser um meio adequado para essas intervenções inovadoras.
O presente estudo tem limitações substanciais, incluindo seu delineamento transversal e o fato de se basear unicamente em dados autorrelatados. Porém, estudo recentes sugerem fortemente que os jovens fornecem informações confiáveis sobre seu consumo de cigarros e drogas.( 26 ) Além disso, alguns dos estudantes que foram classificados como fumantes ativos podem ser na realidade não progressores em transição. Ademais, alguns dos estudantes classificados como não progressores poderiam ter sido mais precisamente classificados como ex-fumantes, dependendo da quantidade de cigarros fumados anteriormente. Apesar disso, como a média de idade da amostra foi baixa, qualquer ex-fumante erroneamente classificado como não progressor teria uma história curta de tabagismo e, portanto, seria improvável que o erro de classificação alterasse os resultados finais de maneira substancial. Por fim, não tivemos acesso a adolescentes que não eram estudantes regulares do sistema escolar. Apesar dessas limitações, nossos resultados contribuem para aprofundar o conhecimento sobre os fatores de risco para o tabagismo entre adolescentes brasileiros, tema sobre o qual há poucos estudos sólidos.( 27 - 29 )
Em suma, embora níveis altos de estresse percebido e vários elementos sociais estejam claramente associados à experimentação de cigarros, apenas of fatores ter amigos fumantes, consumir bebidas alcoólicas e usar drogas ilícitas parecem ser marcadores importantes para a identificação de experimentadores com alto risco de se tornarem fumantes atuais. Os resultados do presente estudo sugerem a necessidade de adoção de abordagens mais abrangentes nas intervenções de saúde relacionadas ao uso de múltiplas substâncias na adolescência.