versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.36 no.4 Rio de Janeiro 2020 Epub 22-Abr-2020
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00070120
La vigilancia del síndrome respiratorio agudo grave (SRAG) en Brasil tiene como objetivo caracterizar la circulación de los virus de la Influenza A y B en casos y muertes hospitalizadas, y se expandió en 2012 para incluir otros virus respiratorios. La COVID-19 se detectó en Brasil por la primera vez en la 9ª semana epidemiológica de 2020, y el examen test para el virus SARS-CoV-2 se incluyó en el protocolo de vigilancia a partir de la 12ª semana epidemiológica. El objetivo de este estudio fue investigar el patrón de hospitalizaciones por SRAG en Brasil desde la entrada de SARS-CoV-2, comparando el perfil temporal y de edad y los resultados de laboratorio entre los años 2010 a 2019. En 2020, las hospitalizaciones por SRAG, compiladas a partir de la fecha del primer caso confirmado de COVID-19 hasta la 12ª semana, excedió los números observados durante el mismo período en cada uno de los 10 años anteriores. El grupo de edad mayor de 60 años fue el más afectado, a niveles superiores a los históricos. Hubo un aumento considerable en las pruebas de laboratorio negativas, lo que sugiere la circulación de un virus diferente de los que ya están presentes en el panel. Se concluye que el aumento de las hospitalizaciones por SRAG, la falta de información específica sobre el agente etiológico y el predominio de casos entre los ancianos en el mismo período en que hubo un aumento de casos nuevos de COVID-19 se entiende que con esta hipótesis de que los casos graves de COVID-19 ya estén siendo monitorados por la vigilancia de SRAG, lo que genera una sobrecarga en el sistema de salud. La inclusión de los exámenes para SARS-CoV-2 en el protocolo de vigilancia de SRAG y la eficacia de implementación son de grande importancia para monitorear la evolución de los casos graves de COVID-19 en Brasil.
Palabras-clave: Síndrome Respiratorio Agudo Grave; Infecciones por Coronavirus; Vigilancia Epidemiológica
No Brasil, a notificação de casos hospitalizados devido à síndrome respiratória aguda grave (SRAG) passou a ser realizada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) desde a pandemia de Influenza A (H1N1), em 2009 1. Inicialmente, o protocolo de vigilância de SRAG estava voltado para identificar os casos hospitalizados e óbitos relacionados aos vírus Influenza A e B, e, a partir de 2012, passou a incluir também o vírus sincicial respiratório (VSR), Adenovírus e Parainfluenza 1, 2 e 3 1,2. Com a chegada da COVID-19 e a detecção de transmissão comunitária no país, o protocolo passou a incluir também o teste para SARS-CoV-2, a partir da 12ª semana epidemiológica 3.
A introdução do teste RT-PCR para SARS-CoV-2 na vigilância de SRAG ocorre em meio à crescente disseminação deste vírus no país e os desafios de contenção e mitigação da pandemia 3. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi avaliar se a entrada do SARS-CoV-2 no país resultou em alterações no padrão de hospitalizações por SRAG. Em particular, comparando a evolução do número de casos confirmados de COVID-19 e de SRAG da 9ª a 12ª semanas epidemiológicas no ano de 2020, e a frequência de hospitalização por SRAG entre os anos de 2010 e 2020, estratificada por faixas etárias e resultados de testes laboratoriais para a identificação de vírus respiratórios. A hipótese levantada é a de que a importância do novo vírus como causa de SRAG em 2020 já esteja sendo observada, mesmo antes da confirmação laboratorial desses casos.
Em função da readequação necessária dos protocolos e do sistema de informação do país, os casos novos de COVID-19 não estavam publicamente disponíveis no sistema, mas sim em relatórios/boletins epidemiológicos produzidos pelas Secretarias Estaduais de Saúde e Ministério da Saúde. Nesse contexto, os casos registrados entre a 9ª semana epidemiológica de 2020, quando ocorreu a confirmação do primeiro caso 4, até a 12ª semana foram coletados por dois agregadores de dados independentes. O primeiro agregador foi desenvolvido por Wesley Cota 5, disponibilizado na página de Internet https://labs.wesleycota.com/sarscov2/br/ e será referenciado por “COVID-19 (WC)”. O segundo foi desenvolvido por Álvaro Justen e colaboradores e disponibilizado na página https://brasil.io/dataset/covid19/boletim e será chamado de “COVID-19 (AJ et al.)”.
São considerados casos de SRAG, devendo ser notificados compulsoriamente, os indivíduos com a combinação dos seguintes quadros sintomáticos 6:
Febre alta (acima de 37,8ºC) E
Tosse OU dor de garganta E
Dificuldade respiratória OU dispneia OU saturação de O2 < 95% E
Necessitou de hospitalização OU veio a óbito tendo apresentado os sintomas referidos, independentemente de hospitalização.
Os números de casos novos de hospitalização por SRAG no Brasil, por faixa etária, por ano, entre os anos de 2010 e 2020, da 9ª até a 12ª semana epidemiológica de cada ano, bem como os resultados dos testes laboratoriais realizados nesses pacientes foram extraídos do SINAN e do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (SIVEP-Gripe), que substituiu o SINAN para a notificação de SRAG a partir de 2019. A contagem predita de casos de SRAG para as semanas anteriormente citadas foi extraída do sistema Infogripe (http://info.gripe.fiocruz.br), que usa um método estatístico bayesiano para a correção de atraso da notificação 7. Esse método é utilizado na rotina da vigilância da Influenza, conforme o plano de contingência estabelecido pelo Ministério da Saúde 8. O sistema Infogripe é fruto da parceria entre o Ministério da Saúde, o Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (http://www.procc.fiocruz.br) e a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (https://emap.fgv.br/).
Os dados de SRAG utilizados foram inseridos no sistema até o dia 21 de março de 2020, último dia da 12ª semana epidemiológica.
Calculamos a frequência absoluta por semana epidemiológica de casos novos de COVID-19 para o ano de 2020 e de hospitalização por SRAG para os anos de 2010 a 2020, estratificada por faixas etárias. Para avaliar o efeito da entrada da COVID-19 no Brasil nas notificações de hospitalizações por SRAG, foi conduzida uma análise descritiva realizada no software R, versão 3.6.3 (http://www.r-project.org).
A COVID-19 foi registrada pela primeira vez no Brasil na 9ª semana epidemiológica, totalizando dois casos. A Figura 1 apresenta a evolução do número de casos a partir dessa semana até a 12ª semana epidemiológica. Nesse intervalo, observou-se uma tendência de aumento na frequência de notificação dessa doença, ultrapassando 100 casos na 11ª semana epidemiológica e 1.000 casos na 12ª. A frequência de hospitalização por SRAG também apresentou tendência crescente nesse mesmo período, com o número de casos na 11ª semana epidemiológica (n = 1.365) aumentado cerca do dobro do da semana anterior (n = 691). Para a comparação, a mediana histórica de casos, em temporadas não epidêmicas, é de 266 na 11ª semana e 299 casos na 12ª. De acordo com a estimativa de SRAG com correção do atraso de notificação, a ocorrência real de hospitalização por SRAG na 12ª semana é 59% maior do que o notificado até o momento. Usando-se essa correção, observa-se um aumento de SRAG concomitante à chegada da COVID-19 (Figura 1).
Figura 1 Frequência absoluta de casos novos confirmados de COVID-19 usando dois agregadores de dados (linhas sólidas vermelha e laranja), hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave - SRAG (linha sólida preta) e hospitalizações por SRAG com correção pelo atraso de notificação (linha pontilhada) e intervalo de 95% de confiança (IC95%), para o Brasil, em 2020, segundo semana epidemiológica.
Os anos com os maiores registros de hospitalização por SRAG foram 2010, 2016, 2019 e 2020 (com n = 1.826, n = 3.821, n = 3.305 e n = 4.056 hospitalizações, respectivamente). Esses valores são superiores à média observada para os demais anos, considerando-se o mesmo período de tempo (n = 951,3 hospitalizações/ano). A Figura 2 apresenta a frequência de hospitalização por SRAG entre a 9ª e a 12ª semanas epidemiológicas dos anos 2010 a 2020, estratificada por faixa etária. A estratificação por idade revela que a faixa de 0 a 2 anos de idade é a de maior frequência em todos os anos, exceto em 2020, quando a maior frequência foi observada entre indivíduos com 60 anos ou mais (26,7%).
Figura 2 Frequência absoluta de casos de hospitalização por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, entre a 9ª e a 12ª semanas epidemiológicas, nos anos de 2010 a 2020, estratificada por faixas etárias.
A Figura 3 mostra a frequência relativa dos resultados dos testes laboratoriais para os vírus respiratórios Influenza A e B, Parainfluenza tipos 1, 2 e 3, VSR e Adenovírus, dentre os casos hospitalizados de SRAG entre a 9ª a 12ª semanas epidemiológicas dos anos de 2010 a 2020. Observa-se que entre 2010 e 2018, cerca de 50% a 70% dos testes realizados foram negativos para os vírus testados, já em 2019 e 2020 a proporção de testes negativos subiu para 72,1% e 94,5%, respectivamente. Nos anos com maior frequência de hospitalização por SRAG (2010, 2016, 2019 e 2020), o vírus Influenza A foi detectado em 12,5%, 34,5%, 4,9% e 2,8% dos casos, respectivamente. Em 2019, o VSR foi detectado em 23,3% dos casos, já o Influenza B, o Parainfluenza e o Adenovírus não ultrapassaram as frequências de 3%, 2% e 1%, respectivamente, em nenhum dos anos analisados.
Figura 3 Frequência relativa dos resultados dos testes laboratoriais para a identificação dos vírus respiratórios Influenza A e B, Parainfluenza (tipos 1, 2 e 3), vírus sincicial respiratório (VSR) e Adenovírus, entre os casos de hospitalização por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) n no Brasil, da 9ª a 12ª semanas epidemiológicas, para os anos de 2010 a 2020.
Em 2020, a hospitalização por SRAG desde a detecção do primeiro caso de COVID-19 no Brasil superou o observado, no mesmo período, em cada um dos 10 anos anteriores, mesmo com o reconhecido atraso de notificação existente. O aumento das hospitalizações por SRAG em 2020, a falta de informação específica sobre o agente etiológico das hospitalizações e a predominância de casos entre idosos, no mesmo período em que cresce o número de casos novos de COVID-19, é consistente com a hipótese de que a COVID-19 está sendo detectada pelo sistema de vigilância de SRAG, embora não seja possível comprovar devido à ausência de testes específicos. Nesse caso, a hospitalização de casos graves de COVID-19 já consiste numa sobrecarga para o sistema de saúde.
Chama a atenção a alta negativação dos testes laboratoriais de SRAG na vigilância, tanto historicamente, como em 2020. É possível que uma parte dessa dificuldade em obter resultados positivos derive de problemas com a qualidade da amostra coletada, manuseio inapropriado, ou demora de processamento 2. Porém, não se pode descartar a possível circulação de outros agentes etiológicos diferentes dos testados. Ao longo dos anos, a composição do painel de testes foi se modificando para aumentar a abrangência da vigilância, embora tenha sempre colocado como prioridade o vírus Influenza 8. A negativação dos testes em 2020 alcançou 91%, um nível antes não encontrado.
Os fatores de risco para a hospitalização por COVID-19 são idade maior que 60 anos e presença de comorbidades como hipertensão, diabetes, cardiopatias e doenças respiratórias 9. Essa faixa etária foi a mais hospitalizada em 2020 com diagnóstico de SRAG.
O ano de 2019 também foi atípico quanto às hospitalizações por SRAG. Nesse ano, mais da metade dos casos ocorreu entre menores de dois anos de idade e o vírus com maior frequência de detecção no período foi o VSR (23,3%). Esse vírus, no Brasil, tem mostrado sazonalidade semelhante ao Influenza e tem sido reconhecido, mundialmente, como a causa mais comum de infecção respiratória aguda entre crianças, apesar de também causar doenças respiratórias nos outros grupos etários, sobretudo idosos e adultos com comorbidades 10.
A chegada da COVID-19 ocorreu durante a estação do ano em que a atividade dos vírus respiratórios é, em geral, baixa. Apenas em 2010 e 2016 a sazonalidade da SRAG ocorreu mais precocemente (no final do verão e outono) na maioria dos estados brasileiros 11, com predominância do vírus da Influenza A. O aumento da hospitalização por SRAG tão precocemente em 2020 chama a atenção, uma vez que existe a tendência de aumento de casos entre outono e inverno, sobretudo nos estados de maior latitude 11. Nesse cenário, preocupa que a persistência da pandemia de COVID-19, juntamente com os picos de infecção por Influenza, possa sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde nos próximos meses, o que justificou a antecipação da campanha de vacinação contra a Influenza no país em 2020.
A hipótese de que o aumento do número de casos de COVID-19 no país já esteja evidenciando sua importância como causa de SRAG em 2020 é coerente com a mudança do perfil de hospitalização identificado. Sua comprovação requer a inclusão da testagem para SARS-CoV-2 no protocolo de vigilância de SRAG e sua efetiva implementação em todo o país.