versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 São Paulo abr. 2020 Epub 30-Mar-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20200209
Estamos vivendo a pandemia do novo coronavírus desde o dia 11 de março de 2020. Inicialmente, em 31 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a infecção pelo novo cornavírus como emergência global e a seguir nomeou a doença de COVID-19. O Grupo de Estudos de Coronavírus do Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus propôs que o vírus seja designado de SARS-Cov-2.1 O sequenciamento genômico e a análise filogenética indicaram que se trata de um betacoronavírus, do mesmo subgênero da síndrome da insuficiência respiratória aguda grave (SARS), que causou epidemia na China em 2003, e da síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS), que causou o mesmo quadro no Oriente Médio em 2012. Há 96,2% de identidade genética com o betaCoV/bat/Yunnan, vírus isolado de morcegos. A estrutura do gene do receptor de ligação do vírus às células é muito semelhante ao coronavírus da SARS e o vírus parece usar o mesmo receptor enzima 2 de conversão a angiotensiva (ACE2) para entrar na célula.
O quadro clínico da COVID-19 é semelhante ao de outras viroses respiratórias, a saber, febre, tosse geralmente seca, cansaço e, em casos mais graves (5%), dispneia, sangramento pulmonar, linfopenia grave e insuficiência renal. Em 80% dos casos, os sintomas são leves. O diagnóstico dos casos sintomáticos deve ser confirmado com a pesquisa do vírus por reação em cadeia da polimerase (PCR) de swab nasal.
O que tem chamado a atenção dos clínicos são as complicações cardíacas desta doença. Num estudo que avaliou 138 pacientes internados por COVID-19, 16,7% desenvolveram arritmia e 7,2% apresentaram lesão cardíaca aguda.2 Por outro lado, os cardiologistas do Hospital San Raffaele, em Milão, Itália, hospital de referência para complicações cardiovasculares da COVID-19, coletaram enzimas (BNP, troponina, CK-MB) de todos os pacientes para detectar a prevalência de acometimento cardíaco. Em 9 de março, dos 82 pacientes internados, sendo 19 pacientes em UTI, apenas uma paciente de 43 anos foi admitida por dor torácica com alteração do segmento ST e foi diagnosticada com pneumonia. A angiocoronariografia foi normal.3
Um grande estudo publicado pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, com dados de 44.672 casos confirmados do COVID-19, relatou mortalidade de 2,3%. As comorbidades mais frequentes nos pacientes que evoluíram a óbito foram hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença cardiovascular e idade acima de 70 anos .4
Outro estudo1publicado a partir da análise retrospectiva do banco de dados de dois hospitais de Wuhan (Jin Yin-tan Hospital e Tongji Hospital) avaliou 150 casos de infecção laboratorialmente confirmada por SARS-CoV-2, dos quais 68 (45%) evoluíram para óbito. Os critérios utilizados para alta dos pacientes foi estar afebril por pelo menos 3 dias, ter apresentado melhora significativa da função respiratória e ter 2 pesquisas consecutivas negativas do vírus. Houve diferença estatisticamente significante para idade avançada nos pacientes que evoluíram a óbito (p < 0,001), porém não houve diferença entre os sexos (p = 0,43). Um total de 63% (43/68) dos pacientes que evoluíram para óbito apresentaram doença de base em comparação a 41% (34/82) dos que tiveram alta hospitalar (p = 0,0069). Os pacientes com doença cardiovascular associada tiveram maior risco de morte (p < 0,001). Houve também maior incidência de infecções secundárias nos pacientes que evoluíram para óbito em comparação aos que tiveram alta (16% [11/68] x 1% [1/82], p = 0,0018). A Figura 1 mostra valores mais elevados dos mediadores inflamatórios nos pacientes que evoluíram para óbito, e a Figura 2 resume as causas de óbito.
Figura 1 – Principais parâmetros laboratoriais dos de casos de infecção confirmada por COVID-19 de acordo com a evolução.1
Outro estudo publicado em The Lancet 5 identificou valores elevados de interleucina-6 (IL-6), troponina 1 ultrasensível e DHL como achados mais frequentes em pacientes internados que evoluíram para óbito (n = 54) em comparação aos que sobreviveram (n = 137) em 2 hospitais de Wuhan, China. Dentre todos os pacientes, 91 (48%) tinham alguma comorbidade, sendo as mais comuns: hipertensão arterial, 58 pacientes (30%), diabetes mellitus, 36 pacientes (19%) e doença coronariana crônica, 15 pacientes (8%). Entretanto, na análise multivariada de fatores de risco de evolução para óbito, apenas a idade avançada, escore SOFA elevado e D-dímero acima de 1 μg/l na admissão foram estatisticamente significantes.
Ainda não há evidências de que o uso de inibidores de enzima de conversão da angiotensina (ACE) ou bloqueadores de receptores de angiotensina (ARB) possam afetar a atividade do vírus. O Council on Hypertension of the European Society of Cardiology recomenda que médicos e pacientes devam continuar o tratamento anti-hipertensivo usual.
Outra recomendação fundamental é de que todos sejam vacinados contra influenza, que já iniciou sua atividade sazonal no Brasil e tem, até este momento, maior mortalidade que o COVID-19.
Este é um momento de vigilância, de bom senso e de investigação científica. As sociedades médicas devem se organizar para que sejam feitos protocolos para reconhecer e tratar complicações.