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Cross-cultural adaptation of the Caring Ability Inventory to Portuguese

Cross-cultural adaptation of the Caring Ability Inventory to Portuguese

Autores:

Cleci Lourdes Schmidt Piovesan Rosanelli,
Lúcia Marta Giunta da Silva,
Maria Gaby de Rivero Gutiérrez

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.29 no.3 São Paulo mai./June 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600048

Introdução

Doenças crônicas impõem grandes desafios na atenção à saúde. Sua prevalência; caráter multifatorial; coexistência de determinantes biosocioculturais trazem implicações para as equipes de Saúde, indivíduos acometidos, famílias e comunidade.(1)

Desafios na cronicidade incluem mudanças para um estilo de vida mais saudável,(2) longos períodos de reabilitação, observação e cuidados de profissionais da saúde e/ou cuidadores.(3-5)

Este estudo aborda as características da cronicidade decorrentes do diagnóstico de câncer, enfatizando demandas de cuidado geradas para familiares ou cuidadores informais (CIs).

Estudos mostram que realizar cuidados sem o conhecimento e domínio das habilidades necessárias, associado à natureza crônica e intensiva desses cuidados e às rupturas na vida diária dos cuidadores acarretam consequências negativas, emocionais e físicas, que interferem na capacidade de atender as demandas do paciente, pela sobrecarga e impacto negativo na qualidade de vida dos cuidadores.(6-8)

Estratégias para reduzir o estresse do cuidador incluem oferecer oportunidades de familiarizar-se com as ações de cuidado ou incrementar sua habilidade. Nkongho(9) define a habilidade dos cuidadores para o cuidado como sendo o “potencial que tem a pessoa adulta que assume o papel de cuidador principal de um familiar ou pessoa significativa que se encontra em situação de doença crônica incapacitante.”(9) Aponta que dimensões cognitivas e atitudinais, identificadas e medidas segundo indicadores de conhecimento, coragem e paciência se incluem nessa habilidade, fundamentando-se na concepção de cuidado de Mayeroff.(10) Entre as habilidades para o cuidado genuíno, ele considera não somente o conhecimento de si e do outro e as habilidades técnicas, mas também a coragem para desenvolvê-las, a paciência e o desejo de estar com o ser cuidado.

Nkongho(9) construiu o Caring Ability Inventory (CAI), constituído de 37 itens e três dimensões, Conhecimento (14 afirmativas); Coragem (13 afirmativas) e Paciência (10 afirmativas). As respostas são organizadas em escala tipo Likert de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), originando um escore de 37 a 259 pontos. Quanto maior a pontuação, maior o nível de habilidade de cuidado. Essa versão foi aplicada a 537 sujeitos e obteve um Alpha de Cronbach total de 0,84 e, nas dimensões Conhecimento 0,79, Coragem 0,75 e Paciência 0,71.(9)

A ausência de instrumentos adaptados e validados em português para mensurar a auto percepção da habilidade de cuidado dos cuidadores, a concepção de cuidado adotada pela autora,(10) e as publicações internacionais sobre aplicação do CAI para mensurar a habilidade de cuidado de cuidadores e de profissionais da área da saúde(6,11-14) motivaram o interesse pela tradução e adaptação transcultural.

Assim, o objetivo deste estudo é descrever a adaptação transcultural e validação para o português do Caring Ability Inventory (CAI).

Métodos

Estudo metodológico realizado em duas etapas. Na de adaptação transcultural utilizaram-se as diretrizes propostas na literatura que incluem: tradução, síntese da tradução, retrotradução, comitê de especialistas e pré-teste da versão pré-final.(15) Na segunda etapa realizou-se a análise da confiabilidade (reprodutibilidade e consistência interna) e validade (de conteúdo e de construto).(16)

Para a adaptação transcultural, dois tradutores independentes (T1 e T2) traduziram o instrumento após consentimento da autora e os resultados foram submetidos à análise de um comitê de especialistas originando a versão T3.

O comitê constituiu-se de quatro enfermeiras docentes com experiência assistencial e uma pedagoga. Elas preenchiam, pelo menos, dois dos seguintes requisitos: domínio da língua inglesa; conhecimento das teorias de enfermagem; experiência na tradução e validação de instrumentos de pesquisa.

A retrotradução da versão T3, realizada por outros dois tradutores com o inglês como língua nativa, que desconheciam a versão original e o objetivo do estudo, originou as versões Rt1 e Rt2. Essas versões foram avaliadas pelo mesmo comitê, originando a versão RT3, analisada juntamente com a original e a T3 quanto às equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual, obtendo-se a versão pré-final, a qual foi encaminhada à autora para incorporação de seus comentários. Optou-se pela denominação original em inglês, em conformidade com publicações em outros idiomas.

Para verificação das propriedades psicométricas, o tamanho amostral foi calculado assumindo um valor de correlação intraclasse de 0,80 e nível de significância de 0,05, resultando num total de 212 participantes (148 CIs e 64 enfermeiros).

A seleção dos sujeitos teve como pressuposto que as respostas dos enfermeiros, devido a ter formação específica para realizar ações de cuidado evidenciariam diferenças em relação aos CIs quanto aos atributos do instrumento e suas dimensões.

Os critérios de inclusão dos CIs foram: ter idade igual ou superior a 18 anos; realizar ações de cuidado há pelo menos três meses; conhecer o diagnóstico dos pacientes e demonstrar compreensão dos enunciados. Para os enfermeiros foi ter experiência em oncologia na instituição de estudo há, no mínimo, seis meses.

Antes da aplicação do pré-teste, seis auxiliares de pesquisa receberam treinamento com a aplicação do instrumento em 12 CIs de pacientes com câncer, não incluídos na amostra. Observou-se dificuldade para escolher, entre as alternativas da escala tipo Likert de 7 pontos, a alternativa que melhor representasse sua opinião. Após contato e consentimento da autora do instrumento, a escala foi reduzida para 5 pontos (1 - discordo fortemente; 2 - discordo; 3 - não discordo nem concordo; 4 - concordo; 5 - concordo fortemente).

O pré-teste foi realizado em uma sub-amostra de 80 sujeitos (50 CIs e 30 enfermeiros) de um hospital de grande porte, referência para o atendimento de pacientes oncológicos da região Sul do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, de maio a julho de 2013. A confiabilidade foi verificada nessa sub-amostra por meio do teste-reteste, utilizando o Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC) e considerando os seguintes valores: abaixo de 0,40 “pobre”, entre 0,40 e 0,75, “moderado para bom” e, acima de 0,75, “excelente”. Analisou-se, também, a consistência interna na amostra dos 212 sujeitos utilizando o Coeficiente Alpha de Cronbach, com os seguintes valores: entre 0,50 a 0,70, consistência moderada e maiores que 0.70, consistência boa ou excelente.(17) A correlação entre o escore total e todos os itens do questionário foi mensurada pelo coeficiente de correlação linear de Spearman.

Para validade de conteúdo utilizou-se o cálculo do Índice de Validade de Conteúdo (IVC), adotando-se uma concordância mínima de 0,80.(18)

Na validade de construto utilizou-se a abordagem de grupos conhecidos, analisada por meio da associação entre as respostas dos CIs e dos enfermeiros, utilizando o teste t e de correlação de Pearson.(19) Quando as variáveis quantitativas apresentaram distribuição normal, verificada por meio do teste de Anderson-Darling, aplicou-se o teste t. Quando rejeitada a hipótese de normalidade utilizou-se o teste de Mann-Witney.

Outra abordagem para verificação da validade de construto foi análise fatorial exploratória, utilizando o método de componentes principais, com três componentes fixos e rotação varimax. Apenas os itens com cargas fatoriais maiores que 0,40 ou menores que -0,40 foram considerados pertinentes à dimensão avaliada.(17)

O nível de significância estatística adotado foi 5% e as análises foram feitas pelo software SPSS 19.0 e software livre R.

Aprovado pelo CEP_UNIFESP 115.973, o estudo atendeu aos requisitos éticos de pesquisa com seres humanos.

Resultados

A concordância do Comitê de Especialistas sobre o conteúdo do CAI foi de 86,5%. Os itens que geraram controvérsia (13,5%) foram submetidos a nova rodada de avaliação, sendo incorporados à versão pré-final do CAI após consenso. Esta versão foi submetida ao pré-teste e, como não houve alteração, constituiu a versão final do instrumento.

O CAI apresentou boa reprodutibilidade global no teste-reteste (ICC de 0,76; Conhecimento 0,85; Coragem 0,80; e Paciência 0,79.) O valor global do Alpha de Cronbach foi de 0,78 e, de suas dimensões: Conhecimento 0,70; Coragem 0,74 e Paciência 0,63. Os itens do instrumento com a numeração de acordo à sequência da versão original estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1 Consistência interna do instrumento CAI e suas dimensões 

Dimensões e Itens/Afirmativas do CAI Alpha de Cronbach Correlação item vs total* Alpha de Cronbach se o item for deletado*
Conhecimento 0,70
A2 - Hoje está cheio de oportunidades 0,16 0,70
A3 - Eu geralmente digo o que penso para os outros 0,20 0,70
A6 - Eu consigo gostar das pessoas, mesmo que elas não gostem de mim 0,46 0,66
A7 - Eu entendo as pessoas facilmente 0,44 0,66
A9 - Eu arranjo tempo para conhecer outras pessoas 0,29 0,68
A19 - As pessoas podem contar comigo para fazer o que eu digo que farei 0,23 0,69
A22 - Eu encontro significado em toda situação 0,35 0,68
A26 - Eu realmente gosto de mim mesmo 0,34 0,68
A30 - Eu aceito as pessoas exatamente da maneira como elas são 0,48 0,66
A31 - Quando eu cuido de alguém, não tenho que esconder meus sentimentos 0,24 0,69
A33 - Eu consigo expressar meus sentimentos para as pessoas de um jeito meigo e cuidadoso 0,38 0,67
A34 - Eu gosto de conversar com as pessoas 0,41 0,67
A35 - Eu me considero sincero em meus relacionamentos com os outros 0,45 0,68
A36 - As pessoas precisam de espaço (quarto, privacidade) para pensar e sentir 0,08 0,71
Coragem 0,74
A4 - Tem muito pouco que eu possa fazer para uma pessoa desamparada 0,35 0,72
A8 - Eu já vi o bastante no mundo para o que preciso saber 0,4 0,72
A11 - Não há nada que eu possa fazer para tornar a vida melhor 0,5 0,71
A12 - Eu me sinto desconfortável sabendo que outra pessoa depende de mim 0,39 0,72
A13 - Eu não gosto de sair do meu caminho para ajudar outras pessoas 0,39 0,72
A14 - Ao lidar com as pessoas é difícil deixar meus sentimentos à mostra 0,26 0,73
A15 - Não importa o que eu diga, desde que eu faça a coisa certa 0,34 0,72
A16 - Acho que é difícil entender como a outra pessoa se sente, se eu não tive experiências semelhantes 0,33 0,73
A23 - Eu receio “deixar” aqueles que eu cuido porque receio o que possa acontecer com eles 0,31 0,73
A25 - Eu não gosto de me comprometer além do presente 0,41 0,72
A28 - Novas experiências são geralmente assustadoras para mim 0,42 0,71
A29 - Eu tenho medo de me abrir e deixar que os outros vejam quem eu sou 0,33 0,73
A32 - Eu não gosto que me peçam ajuda 0,26 0,73
Paciência 0,63
A1 - Eu acredito que aprender leva tempo 0,10 0,66
A5 - Eu consigo ver a necessidade de mudança em mim mesmo 0,34 0,59
A10 - Algumas vezes eu gosto de me envolver e outras vezes não 0,17 0,65
A17 - Eu admiro pessoas que são calmas, controladas e pacientes 0,44 0,57
A18 - Eu acredito que é importante aceitar e respeitar as atitudes e sentimentos dos outros 0,42 0,59
A20 - Eu acredito que há espaço para melhorias 0,31 0,61
A21 - Bons amigos cuidam uns dos outros 0,44 0,58
A24 - Eu gosto de encorajar as pessoas 0,54 0,55
A27 - Eu vejo pontos fortes e fracos (limitações) em cada indivíduo 0,30 0,60
A37 - Eu posso ser abordado pelas pessoas a qualquer hora 0,21 0,62
CAI 0,78

*As análises de correlação dizem respeito à importância dos itens nas dimensões e não para o instrumento CAI como um todo; CAI-Caring Ability Inventory

A análise da validade de construto do CAI mostrou diferença estatisticamente significativa (p-valor <0,05) entre os CIs e os enfermeiros nas dimensões Conhecimento, Coragem e Paciência, mas não no instrumento como um todo (Tabela 2).

Tabela 2 Associação entre respostas de cuidadores informais e enfermeiros segundo o CAI e suas dimensões 

Dimensões Grupo Média DP EP Mediana IQ Mínimo Máximo n p-value
Conhecimento Cuidadores 57,82 5,64 0,46 57,0 8,0 44 70 148 <0,001**
Enfermeiros 53,41 4,70 0,59 54,0 6,25 43 61 64
Coragem Cuidadores 42,72 7,27 0,60 43,5 11,0 21 59 147 <0,001**
Enfermeiros 50,91 5,30 0,66 51,0 6,0 35 63 64
Paciência Cuidadores 43,20 3,80 0,31 44,0 5,0 29 50 148 0,003*
Enfermeiros 41,80 3,39 0,42 42,0 4,25 35 49 64
CAI Cuidadores 143,74 11,05 0,91 145,0 13,25 111 175 148 0,089*
Enfermeiros 146,11 9,17 1,15 147,5 14,25 127 163 64

DP - Desvio Padrão; EP - Erro Padrão; IQ - Intervalo Interquartil; *Teste Mann-Whitney; **Teste t; CAI-Caring Ability Inventory

A correlação entre as dimensões do CAI mostraram que todas são positivamente correlacionadas com o instrumento e que apenas as dimensões Coragem e Paciência não estão correlacionadas entre si. A dimensão Conhecimento é positivamente correlacionada com a Paciência e negativamente com a Coragem. Portanto, quanto maior o Conhecimento, maior é a Paciência e menor a Coragem (Tabela 3).

Tabela 3 Correlação de Spearman entre o CAI e suas dimensões 

Correlação Estimativa p-value
CAI vs Conhecimento 0.60 <0.001
CAI vs Coragem 0.60 <0.001
CAI vs Paciência 0.58 <0.001
Conhecimento vs Coragem -0.19 0.007
Conhecimento vs Paciência 0.6 <0.001
Coragem vs Paciência -0.09 0.206

CAI-Caring Ability Inventory

A análise fatorial exploratória mostrou que a soma dos três primeiros componentes explicam apenas 29% da variância total (37 itens) e houve modificação na composição das dimensões originais. Ao excluir os itens com cargas fatoriais não significativas, a configuração das dimensões alterou-se da seguinte forma: a dimensão Coragem ficou com 11 itens (todos iguais à original), Conhecimento passou a ter nove itens (cinco originais), e Paciência com seis itens (apenas dois da dimensão original). Com base nesta análise, o instrumento ficaria com 26 itens.

Análise complementar da consistência interna dessa nova configuração das dimensões do instrumento mostrou um alpha de Cronbach semelhante ao da versão original: Conhecimento 0,75; Coragem 0,72 e; Paciência 0,65.

Discussão

A estrutura básica do instrumento original relativa ao número, à ordem e ao conteúdo das afirmativas foi mantida. A adequação da versão em Português ao construto evidencia-se pela concordância (86,5%) na validação de conteúdo pelo comitê de especialistas. A constituição do comitê na primeira etapa da adaptação cultural e o fato da quase totalidade conhecer os fundamentos teóricos que sustentam a construção do instrumento e do construto em análise contribuiu para resolver, por consenso, as poucas diferenças na interpretação da tradução e retrotradução das afirmativas.

Em relação à confiabilidade do instrumento adaptado observou-se boa consistência interna (alpha de Cronbach de 0,78). Este resultado permite afirmar que os domínios do instrumento e seus itens se inter-relacionam e medem o construto em análise, embora o valor seja menor ao do estudo original(9) e ao da versão em espanhol.(20)

Na análise da validade de construto constatou-se que todas as dimensões do instrumento apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os CIs e os enfermeiros (Conhecimento e Coragem p<0,01; Paciência 0,003), associando-se positivamente aos CIs as relativas ao Conhecimento e à Paciência. Esse resultado pode estar relacionado ao perfil dos CIs que participaram do estudo. Eles cuidaram diuturnamente dos pacientes durante um a cinco anos, o que pode ter contribuído não somente para aumentar a aproximação e a tolerância entre os cuidadores e as pessoas cuidadas, mas também para aprofundar o conhecimento do outro e de si próprio, conforme os pressupostos norteadores do instrumento.

Nas dimensões em que os CIs apresentaram melhor desempenho (Conhecimento e Paciência), destaca-se a necessidade de enfatizar os aspectos expressivos do cuidado (sem negligenciar os instrumentais), no processo de formação e de educação permanente dos enfermeiros. Na prática profissional, as enfermeiras deveriam dar primazia ao cuidado de si e dos outros. No entanto, é observada uma lacuna no cuidado prestado pelo enfermeiro, quando ela prioriza os procedimentos técnicos e os relativos à gestão da unidade, em detrimento do cuidado humanístico. Possivelmente, esta situação decorre do processo de formação que prioriza o cuidado instrumental como forma de atender demandas dos serviços, sustentada pelos processos institucionais e legitimados por meio das normas e rotinas. Estudos apontam que a formação do enfermeiro é fragmentada, compartimentada e moderada por competências instrumentais em detrimento das emocionais, fato que dificulta a aproximação intersubjetiva na práxis cuidativa.(21-23)

Estudo realizado para avaliar as diferenças e o nível de capacidade de cuidados praticado por farmacêuticos, de acordo com o gênero, grau de instrução, anos de experiência e prática clínica, identificou correlação positiva e significativa entre os anos de prática e a pontuação CAI. Os farmacêuticos que estavam próximos aos pacientes e os que prestavam cuidados clínicos obtiveram escores significativamente maiores que os farmacêuticos que se envolviam somente com a gestão e distribuição de medicamentos.(13)

No presente estudo, as respostas dos enfermeiros apresentaram associação significativa com a dimensão Coragem (p<0,001), entendida por Mayeroff(10) como a capacidade que tem o cuidador para enfrentar o desconhecido - a pessoa a quem se cuida. A habilidade de enfrentar o desconhecido requer confiar no crescimento do outro e no seu próprio. Por outro lado, sem a coragem de lançar-se no desconhecido tal confiança seria impossível.

Neste contexto é importante destacar a necessidade de instrumentalizar os cuidadores para o cuidado de seu familiar, posto que vivenciam o declínio físico da pessoa por ele cuidada e a desesperança ao perceber que os esforços não são efetivos para trazer a cura e/ou minimizar a dor ou o desconforto do outro. Estudos que analisaram a habilidade de cuidado dos cuidadores de pessoas com enfermidade crônica apontam a necessidade de apoio social, pois, dependendo da situação, sentimentos de impotência vivenciados ao longo do tempo podem diminuir a coragem do cuidador no enfrentamento das adversidades do cuidado.(6,24)

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os CIs e os enfermeiros na pontuação global do instrumento traduzido. Esse resultado é positivo, na medida em que revela que pode ser aplicado para profissionais e cuidadores leigos. O diagnóstico de habilidade de cuidado alcançado por meio da avaliação das três dimensões permite destacar os aspectos que devem ser fortalecidos nos diferentes grupos.

Estudo internacional que utilizou o instrumento na versão em espanhol para avaliar a efetividade de um programa para desenvolver habilidades de cuidado em familiares de pessoas com doença crônica, apontou que o reconhecimento das necessidades e potencialidades possibilita a compreensão de como se pode reforçar o apoio às características individuais e do grupo de cuidadores.(25) Diante das considerações apresentadas sobre a validade de grupos conhecidos pode-se afirmar que o CAI foi capaz de discriminar os enfermeiros e CIs.

A análise fatorial, realizada para verificar a validade de construto e confirmar as três dimensões do instrumento adaptado, revelou que as correlações entre os itens e as dimensões do instrumento explicam somente 29,3% das variações, o que indicaria a necessidade da inclusão de variáveis que não foram contempladas no questionário. Esses resultados foram confirmados pela análise da ponderação adequada de cada questão, em cada uma das três dimensões do instrumento, as quais não se agruparam de forma similar ao preconizado pela autora e não mantiveram o mesmo número de afirmativas, conforme os agrupamentos originais.

Por outro lado, no que diz respeito à relação entre o CAI e suas dimensões, o coeficiente de correlação de Spearman mostrou que todas as dimensões apresentaram uma correlação positiva com o CAI e alto nível de significância estatística, o que confirma a pertinência das dimensões e seus itens em relação ao construto avaliado.

Diferenças entre a população incluída na avaliação das propriedades psicométricas do instrumento original pode ter influenciado este resultado. No instrumento original, a população compreendeu enfermeiros (75) e estudantes de Enfermagem (527), e na versão em português, por enfermeiros (64) e cuidadores informais (148). Além da diferença entre as habilidades para o cuidado formalmente adquiridas pelo estudante de Enfermagem e as adquiridas pelo CI na sua prática diária, a proporção de estudantes em relação aos enfermeiros no estudo original (1/7,0) foi muito maior do que a proporção de CIs e enfermeiros do presente estudo (1/2,3).

Outro aspecto relevante deste instrumento é sua estrutura, a qual inclui 37 afirmativas que não discriminam a dimensão dentro da qual estão distribuídas. Assim, os especialistas e os sujeitos que participaram do processo de validação analisaram cada questão do instrumento em relação ao construto principal, a habilidade de cuidado, e não as suas dimensões em particular. Neste contexto, também se considerou a possibilidade de que a nova conformação dos itens de cada uma das dimensões do instrumento possa estar relacionada ao compartilhamento teórico de alguns dos seus componentes, o que pode ter motivado a sua migração.

Finalmente, o fato de que na versão traduzida houve redução dos pontos da escala Likert, de sete no original, para cinco na versão adaptada, pode ter interferido nos resultados.

Uma das limitações deste estudo é não contar com outros estudos realizados no Brasil sobre a confiabilidade e validade do CAI. Em publicações em espanhol que utilizaram o instrumento para investigar o cuidado prestado por familiares de crianças com câncer,(26) analisar os efeitos de um programa educativo para cuidadores(24,25) e para a melhoria do cuidado,(27) são descritas dificuldades na compreensão e análise do instrumento. Isto tem motivado sua revisão com o objetivo de melhorar sua tradução e, consequentemente, suas qualidades psicométricas. Nesse contexto, foi desenvolvido um novo instrumento para mensurar a habilidade de cuidado de cuidadores, com importantes mudanças na sua estrutura teórica, o qual foi submetido à validação de face e conteúdo.(27) Isto mostra a necessidade de aprofundar os estudos sobre o conceito de habilidade de cuidado, de modo a que os instrumentos desenvolvidos para sua mensuração estejam em consonância com o meio cultural onde serão utilizados. Propõe-se o desenvolvimento de um estudo multicêntrico para aprofundar o processo de validação das dimensões encontradas, de modo a aperfeiçoar o referido instrumento. Considera-se que este é um dos principais desafios para sua utilização na prática. No entanto, destaca-se que dadas as características das doenças crônicas e o envolvimento dos cuidadores na provisão do cuidado, a disponibilidade do instrumento no Brasil é importante. Enfatiza-se, também, a possibilidade de sua utilização no ensino, pesquisa e serviços de saúde para identificar as potencialidades e fragilidades relativas à habilidade de cuidado do cuidador e, desse modo, desenvolver estratégias para apoiá-los na tarefa de prestar um cuidado humanizado e seguro, para o ser cuidado e para os cuidadores.

Conclusão

A tradução e adaptação transcultural do Caring Ability Inventory originou um instrumento adaptado à cultura Brasileira e o pré-teste confirmou que sua aplicação no Brasil é possível. A avaliação das propriedades psicométricas mostrou que a versão brasileira é confiável, possui estabilidade temporal e consistência interna para avaliar a habilidade de cuidado do cuidador. Ao verificar a validade de construto, pela análise fatorial, constatou-se que os itens de cada uma das dimensões do instrumento não se agruparam de forma idêntica ao do inventário original e não mantiveram o mesmo número de itens. Identificou-se, porém, correlação entre as dimensões e os respectivos componentes por meio das cargas fatoriais que se mantiveram agrupadas.

Na validade de grupos conhecidos não foi encontrada diferença significativa entre enfermeiros e cuidadores para o instrumento como um todo. No entanto, a diferença foi observada na análise de suas dimensões, mostrando que os CIs apresentaram escores mais elevados nas dimensões Conhecimento e Paciência e os enfermeiros na Coragem. Ao final das análises, o CAI permaneceu com os 37 itens originais, porém com alteração na pontuação da escala Likert, que passou de 7 para 5 pontos. As propriedades psicométricas do CAI foram demonstradas, confirmando que a avaliação da habilidade de cuidado do cuidador é possível na realidade Brasileira. Entretanto é importante continuar os estudos para consolidar o processo de validação da nova configuração do referido instrumento.

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