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Cuidado parental e (não) vacinação do filho: por um diálogo entre a perspectiva socioantropológica e bioética

Cuidado parental e (não) vacinação do filho: por um diálogo entre a perspectiva socioantropológica e bioética

Autores:

Carolina Luísa Alves Barbieri,
Márcia Thereza Couto

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.11 Rio de Janeiro nov. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152111.07322016

O artigo de Lessa e Schramm1 contribui de forma importante na ampliação das reflexões e abordagens da vacinação em massa como estratégia de saúde pública. Os autores, cientes da complexidade do tema e sem menosprezar os êxitos alcançados por programas de vacinação universal, trazem discussões sobre as contradições e os conflitos existentes na relação individual-coletivo inerente à imunização sob o prisma da bioética. Propõem enxergar a vacinação de rotina obrigatória por meio da lei no país sob o olhar dos princípios prima facie de responsabilidade, solidariedade e justiça social para além do “princípio da proteção do ‘corpo social’”2.

Destacam que o cenário contemporâneo se tornou propício para debate que, apesar da validade científica e legitimidade das vacinas no decorrer do tempo, emergem questões como a percepção de controle epidemiológico das doenças e maior visualização dos efeitos adversos. Ressaltam que, a despeito do Programa Nacional de Imunizações reconhecido e eficaz, o país não tem um programa público de compensação estabelecido para aqueles que tiveram reações adversas graves, nem a devida preocupação moral sobre os afetados.

Em artigo publicado nesta revista3, buscamos compreender na perspectiva socioantropológica a dimensão do cuidado e (não) vacinação dos filhos por casais de camadas médias de São Paulo/SP. Esta carta, assim, propõe iniciar um diálogo sobre o cuidado parental na dialética entre o princípio da autonomia e da proteção4. Nos nossos achados, apesar das diferentes escolhas de vacinação nos filhos, os casais se aproximaram no que tange à dimensão simbólica de cuidado parental, ou seja, para todos os entrevistados, a escolha por (não) vacinar os filhos estava ancorada na proteção a estes, sob distintas vias: proteger vacinando, proteger singularizando as vacinas e proteger não vacinando (proteger dos riscos da vacinação).

Ancorado no sentido de garantir a saúde de um ser vulnerável (a criança), o princípio de proteção, além de presente, veio emaranhado de valores e juízos de moral sobre o ideário de “boa mãe/bom pai”. Nos pais que não vacinaram e alguns seletivos, tais escolhas foram balizadas também pelo princípio da autonomia frente a uma normatização universal, autonomia esta de preceito individualizante no âmbito privado familiar. Na percepção dos pais não vacinadores, “o melhor para os filhos” se apoiou nos dois princípios de proteção e autonomia, perdendo assim o sentido de oposição entre estes princípios.

Esta carta objetivou, em primeiro lugar, destacar o importante passo deste artigo de Lessa e Schramm1 que corrobora sobre o entendimento da prática de vacinação como um fenômeno complexo, contextualizado e não polarizado, dogmático, intangível ou a-histórico5, agregando às perspectivas socioantropológicas e históricas da vacinação a da bioética. Em segundo lugar, dá ênfase à dimensão relacional entre as proposições de proteção coletiva da esfera das políticas públicas do Estado e o âmbito das decisões e ações na esfera privada-doméstica, agregando novos elementos ao debate.

REFERÊNCIAS

1. Lessa SC, Schramm FR. Proteção individual versus proteção coletiva: análise bioética do programa nacional de vacinação infantil em massa. Cien Saude Colet 2015; 20(1):115-124.
2. Schramm FR. Bioética da proteção em Saúde Pública. In: Fortes PAC, Zoboli ELCP, organizadores. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola; 2003. p. 71-84.
3. Couto MT, Barbieri CLA. Cuidar e (não) vacinar no contexto de famílias de alta renda e escolaridade em São Paulo, SP, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(1):105-114.
4. Schramm FR, Braz M, organizadores. Bioética e saúde: novos tempos para mulheres e crianças? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.
5. Moulin AM. A hipótese vacinal: por uma abordagem crítica e antropológica de um fenômeno histórico. Hist ciênc saúde-Manguinhos 2003; 10(Supl. 2):499-517.