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Curva ROC do Protocolo Qualidade de Vida em Voz Pediátrico (QVV-P)

Curva ROC do Protocolo Qualidade de Vida em Voz Pediátrico (QVV-P)

Autores:

Lívia Lima Krohling,
Kely Maria Pereira de Paula,
Mara Behlau

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.3 São Paulo mai./un. 2016 Epub 31-Maio-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015103

INTRODUÇÃO

Os protocolos de avaliação parental tem sido muito preconizados na clínica vocal pediátrica, pois a pouca idade do paciente pode inviabilizar a autoavaliação vocal(1). Dentre os procedimentos de avaliação parental, destaca-se o de qualidade de vida relacionada à voz, que possibilita o melhor direcionamento das condutas terapêuticas(2-4).

O Protocolo Qualidade de Vida em Voz Pediátrico (QVV-P) com validação brasileira(3) permite aos pais mensurarem o impacto de um problema vocal na qualidade de vida de seus filhos(5) de forma sensível e confiável; ele tem 10 questões afirmativas (4 do domínio socioemocional da qualidade de vida e 6 da esfera física) com aplicação entre 2 e 18 anos(5). Em relação às medidas psicométricas de validade do QVV-P(3) e considerando-se o uso cada vez mais frequente, objetivou-se determinar os pontos de corte do instrumento e as medidas de sensibilidade, especificidade e eficiência.

MÉTODOS

Aprovado pelo Comitê de Ética (027/11). Participaram 230 pais de crianças/adolescentes com e sem queixa vocal, de ambos os gêneros, com idade entre 2 e 18 anos; todos assinaram o termo de consentimento. A coleta ocorreu em clínica-escola de fonoaudiologia, escolas particular e pública e consultórios de otorrinolaringologia. A caracterização clínica dos participantes está na Tabela 1.

Tabela 1 Caracterização das crianças/adolescentes com e sem queixa vocal 

Grupo Feminino Masculino Valor-p M x F Total Média Idade Valor-p
Idade
Média de Escore Escore Mínimo Escore Máximo Mediana
Grupo com queixa vocal 50 62 0,231 112 9,9 0,874 G=78,65
SE=85,37
F=73,78
22,5 97,5 100
Gupo sem queixa vocal 62 56 118 9,8 G=99,05
SE=99,89
F=98,47
90 100 100

Legenda: G=escore geral; SE=escore socioemocional; F=escore físico. Valor-p mensurado pelo Teste de Mann-Whitney

Os escores do QVV-P foram analisados pela Receiver Operating Characteristic (curva ROC) que possibilitou a determinação da nota de corte pela combinação matemática de maior especificidade e sensibilidade, a verificação da eficiência, da sensibilidade e especificidade, permitindo a classificação de crianças e adolescentes com e sem queixa vocal pela definição da área sob a curva (area under curve – AUC).

A curva ROC é um instrumento binário com cinco graus de classificação: excelente (0,9 a 1), bom (0,8 a 0,9), razoável (0,7 a 0,8), pobre (de 0,6 a 0,7), e não discriminador (0,5 a 0,6)(6). Os dados de sensibilidade traduziram o número de verdadeiros positivos, identificados pelo QVV-P, em relação a todos os positivos que preencheram o instrumento. Já os dados de especificidade refletiram quadros de falso positivo em relação a todos os negativos.

RESULTADOS

Os grupos com e sem queixa de alteração vocal foram semelhantes quanto ao sexo (p=0,231) e idade (p=0,874). As notas de corte, a AUC, especificidade, sensibilidade e eficácia variaram conforme o escore investigado. O escore geral apresentou nota de corte de 96,25, área sob a curva excelente, especificidade excelente, boa sensibilidade, e eficiência excelente. O domínio socioemocional, teve nota de corte de 96,87, AUC razoável, sensibilidade excelente, especificidade pobre e eficiência razoável. Já o domínio físico obteve nota de corte de 91,68 e área sob a curva excelente, com boa sensibilidade, excelentes especificidade e eficiência - vide Tabela 2.

Tabela 2 Valor de corte, Área sob a Curva, Sensibilidade, Especificidade e Eficiência do Protocolo QVV-P 

Valor de corte Área sob a Curva Sensibilidade Especificidade Eficiência
Escore geral 96,25 0,988 0,881 0,991 0,936
Escore socioemocional 96,87 0,797 0,983 0,604 0,794
Escore físico 91,68 0,971 0,890 0,946 0,918

Legenda: Análise pela Curva ROC

DISCUSSÃO

Os dados da curva ROC do escore geral demonstraram que os pais/responsáveis, ao reconhecerem o problema vocal do filho, também percebem o impacto na qualidade de vida, em 98% dos casos. Além disso, pode-se afirmar que o QVV-P separa indivíduos com e sem queixa vocal, mesmo sem o diagnóstico de disfonia; o que o configura como excelente instrumento de triagem, avaliação e acompanhamento vocal.

A especificidade excelente demonstrou que o QVV-P só aponta prejuízo na qualidade de vida quanto à queixa de problema vocal; e a sensibilidade boa indicou que indivíduos com queixa podem não ser detectados, o que reforça a importância do cruzamento da autoavaliação, avaliação fonoaudiológica e laringológica para o correto diagnóstico da disfonia. Já a eficiência excelente assegurou que o QVV-P mensura com fidedignidade aquilo a que se propõe, sendo uma ferramenta de fácil administração e breve aplicação(5).

Se os pais/responsáveis reconhecem que em duas das 10 questões do protocolo há um problema, mesmo que pequeno (valor 2 na escala de likert do QVV-P), isso é indicativo de uma possível alteração na voz da criança/adolescente, uma vez que o escore geral ficará abaixo da nota de corte do instrumento; o que reforça o fato de o QVV-P ser um protocolo objetivo centralizado na voz com excelente especificidade e eficiência.

Analisando-se especificamente os domínios do QVV-P, pode-se constatar que o socioemocional foi fraco na diferenciação de indivíduos, pois a AUC foi razoável, demonstrando que ele não é um parâmetro forte para a detecção de alterações vocais. Além disso, a sensibilidade excelente acompanhada de especificidade pobre e eficiência razoável, demonstrou que, embora ele seja sensível à queixa vocal, não é específico à uma alteração de voz.

O domínio físico, por sua vez, demonstrou melhores dados com excelente AUC, boa sensibilidade e excelentes especificidade e eficiência. Assim, embora nem sempre as crianças/adolescentes com queixa vocal sejam identificadas por esse domínio, ele só reconhece prejuízo na qualidade de vida mediante um problema vocal; é portanto a esfera mais específica e robusta do QVV-P.

Os três escores do protocolo podem ser levados em consideração. Entretanto, recomenda-se atenção às particularidades acima apontadas; deve-se analisar, primeiramente, os resultados do escore geral, seguidos do escore físico e do socioemocional. Para ações de triagem vocal, recomenda-se, inicialmente, o uso do escore geral para critério de passa ou falha, uma vez que, apresenta excelentes especificidade e eficiência.

CONCLUSÃO

O QVV-P é um instrumento de avaliação parental eficiente e confiável, com poder discriminatório excelente, que pode ser utilizado em ações de triagem à reavaliação, mesmo que o indivíduo não tenha o diagnóstico de disfonia. A percepção dos pais quanto à presença de uma alteração na voz de seu filho possibilita a compreensão do prejuízo na qualidade de vida, em 98% dos casos, especialmente sob a ótica dos aspectos físicos.

REFERÊNCIAS

1 Verduyckt I, Remacle M, Jamart J, Benderitter C, Morsomme D. Voice-related complaints in the pediatric population. J Voice. 2011;25(3):373-80. . PMid:20359863.
2 Gasparini G, Behlau M. Quality of Life: Validation of the Brazilian Version of the Voice-Related Quality of Life (V-RQOL) Measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. . PMid:17628396.
3 Ribeiro LL, Paula KM, Behlau M. Voice-related quality of life in the pediatric population: validation of the Brazilian version of the Pediatric Voice-Related Quality-of Life survey. CoDAS. 2014;26(1):87-95. [online] PMid:24714864.
4 Connor NP, Cohen SB, Theis SM, Thibeault SL, Heatley DG, Bless DM. Attitudes of children with dysphonia. J Voice. 2008;22(2):197-209. . PMid:17512168.
5 Boseley ME, Cunningham MJ, Volk MS, Hartnick CJ. Validation of the Pediatric Voice-Related Quality-of-Life Survey. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;132(7):717-20. . PMid:16847178.
6 Tape TG. Interpreting diagnostic tests [Internet]. Omaha: University of Nebraska Medical Center; 2015 [citado em 2015 Jun 9]. Disponível em: