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Custo benefício dos nutrientes dos alimentos consumidos no Brasil

Custo benefício dos nutrientes dos alimentos consumidos no Brasil

Autores:

Kennya Beatriz Siqueira,
Mirella Lima Binoti,
Renato Moreira Nunes,
Cristiano Amancio Vieira Borges,
Amanda Fernandes Pilati,
Guilherme William Marcelino,
Marco Antônio Sundfeld da Gama,
Paulo Henrique Fonseca da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.11972018

Abstract

Nutrient deficiency is one of the major problems of the human population today. Studies indicate that consumers consider that the price of food is more relevant than its nutritional value. Therefore, this work sought to compare the costs of nutrients provided by typical foods found in the Brazilian diet. Food prices available in virtual markets were collected, and the costs to meet 30% of the daily recommendations for a healthy adult were calculated for eight nutrients. Poultry was found to be the cheapest source of protein. Cereal fiber had the lowest cost for both fiber and iron. The cheapest sources of calcium were Ovaltine and dairy products, whereas cow`s liver was the best ranked food for vitamin A. Vitamin C was found to be the cheapest nutrient in the Brazilian diet, with acerola juice being the cheapest source of this nutrient. Dairy products occupied the first six positions in the ranking of vitamin D, while nuts and seeds were the cheapest sources of vitamin E. The results showed that Brazilian consumers can meet the recommended intake of critical nutrients at a low cost through the purchase of the best ranked foods. However, this ranking should be weighted according to the food quality, as recommended in the New Dietary Guidelines for the Brazilian Population.

Key words Nutrition; Public health; Nutrient deficiency; Costs

Introdução

Um dos maiores problemas da população mundial na atualidade é a deficiência de nutrientes. Conhecida como fome oculta (hidden hunger), a deficiência de nutrientes atinge mais de 2 bilhões de pessoas ou uma em cada três no mundo, superando, assim, tanto o número de pessoas que sofre de fome crônica ou desnutrição (795 milhões), quanto o de pessoas com sobrepeso (1,5 bilhões)1.

No Brasil, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 mostram que a maior parte da população apresenta deficiência de pelo menos um nutriente, sendo os principais as vitaminas E e D, que atingem mais de 90% dessa população2. Também são encontradas elevadas prevalências de inadequação para magnésio e cálcio2.

Ignorada até recentemente, a deficiência nutricional de vitaminas e minerais, que não apresenta sintomas clínicos e que era previamente considerada de menor relevância, prejudica o desenvolvimento intelectual, cognitivo e físico, causa doenças e mortes prematuras, e condena um terço do mundo a viver em condições físicas e mentais abaixo do nível ótimo3. Com isso, o custo da fome oculta para a sociedade é elevado, pois envolve gastos com saúde, previdência, perda de produtividade laboral, mortes prematuras, etc. Portanto, o grande desafio do mundo moderno não é mais alimentar a população mundial, mas sim nutrir essa população.

As razões para a deficiência de nutrientes podem ser várias: custo dos produtos alimentícios, disponibilidade dos alimentos, tradição, falta de conhecimento nutricional, preferências sensoriais, entre outras. No entanto, estudos têm mostrado que os consumidores consideram as questões nutricionais menos relevantes do que sabor e preço dos alimentos4-7. Nos Estados Unidos, Darmon et al.8 e Monsivais e Drewnowski9 identificaram que a aquisição de alimentos é mais influenciada pelo preço do que pelo valor nutricional. Resultado semelhante foi encontrado por Drewnowski et al.10 na França e Ward et al.11 na Austrália, indicando que o preço dos alimentos pode afetar a qualidade da dieta da população. O aumento do preço dos alimentos básicos previsto pela FAO-OECD12 para a próxima década pode, portanto, restringir a dieta das pessoas e gerar grandes impactos socioeconômicos e barreiras para o desenvolvimento sustentável dos países.

Diante do exposto, pode-se assumir que o Brasil pode encontrar dificuldades econômicas, sociais e do âmbito da saúde devido à má alimentação da população. Nesse sentido, torna-se oportuno associar o conceito de saúde e nutrição com o valor pago pelos alimentos, o que foi feito neste trabalho por meio da comparação do custo dos nutrientes de alimentos típicos da dieta brasileira, visando identificar produtos que apresentem vantagem em termos da relação custo benefício dos nutrientes.

Metodologia

O presente estudo teve como referência a metodologia proposta por Wenhold e Leighton13 para avaliar o custo dos nutrientes dos alimentos consumidos no Brasil em termos do atendimento de 30% das recomendações nutricionais diárias ou RDAs (Recommended Dietary Allowances) para adultos saudáveis. Esse percentual nutricional proposto por Wenhold e Leighton13 se justifica pelo fato de que nenhum alimento, por si só, consegue atender todas as necessidades diárias de um indivíduo.

Para esta análise, foi considerada a lista de alimentos mais consumidos no Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-20092, que engloba produtos típicos e tradicionais, bem como alguns alimentos processados e de marca. A mesma pesquisa foi empregada para coleta dos atributos nutricionais dos alimentos selecionados. Com a tabela de composição nutricional, cada alimento foi convertido em nutrientes. Segundo o FDA14, são considerados alimentos saudáveis aqueles que contêm os seguintes nutrientes: cálcio, proteína, vitamina A, fibras, vitamina C e ferro. Portanto, esses nutrientes foram incluídos na análise. Adicionalmente, foram incluídas as vitaminas D e E, por serem os nutrientes que apresentam maiores índices de prevalência de inadequação na população brasileira2.

Devido às dimensões continentais do Brasil, os preços dos alimentos foram cotados via internet, reduzindo, assim, os gastos elevados de uma coleta in loco em todo o território nacional. Foi realizado um levantamento dos supermercados mais representativos em cada estado da federação. No entanto, nas Regiões Norte e Nordeste não foi encontrado nenhum mercado representativo. Ao todo, foram realizadas coletas de preços em 15 supermercados distribuídos em 9 estados.

Para cada produto, foi coletado o menor preço no varejo (independente da marca), sendo este preço, posteriormente, convertido para 100 g do produto. Preços promocionais não foram considerados.

Para evitar os efeitos de inflação e de sazonalidade, a coleta de preços ocorreu duas vezes no ano de 2016 (nos meses de abril e outubro) de forma concomitante, ou seja, dentro do mesmo mês em todos os locais. Na sequência, foram calculados os preços médios para o Brasil.

Com as informações anteriores, foi possível calcular o custo dos nutrientes dos alimentos usando a seguinte fórmula:

Pnp=Nn·Pp/Qn (1)

em que: Pnp = Custo do nutriente n no alimento p (expresso em R$) ; Nn = Quantia equivalente a 30% da recomendação nutricional diária do nutriente n (expressa em g, d ou mcg) ; Pp = Preço de 100 gramas do alimento p (R$) ; Qn = Quantidade do nutriente n em 100 gramas do alimento (g, d ou mcg). [conferir cuidadosamente trechos em vermelho]

A comparação do resultado deste cálculo para cada nutriente de cada produto permitiu identificar os alimentos mais baratos e nutritivos em termos de cada nutriente de interesse.

Resultados

Do total de alimentos presentes na POF 2008-20092, apenas 443 foram considerados na análise devido à disponibilidade desses produtos nos supermercados consultados. Os alimentos foram agrupados em 13 categorias de produtos: verduras, hortaliças e derivados; frutas e derivados; pescados e frutos do mar; leguminosas e derivados; leite e derivados; ovos e derivados; carnes e derivados; bebidas; cereais e derivados; nozes e sementes; produtos açucarados, diet e light e outros alimentos. Não foram incluídas bebidas alcoólicas, óleos e gorduras.

As Tabelas 1 e 2 apresentam os principais alimentos no “ranking” do custo dos 8 nutrientes avaliados na pesquisa.

Tabela 1 Rankings dos custos de proteína, fibra, cálcio e ferro dos alimentos consumidos no Brasil (em R$/30% da RDA). 

Posição Produto Proteína Produto Fibra Produto Ca Produto Fe
1 Frango inteiro 0,59 Fibra de cereal 0,35 Ovomaltine 0,87 Fibra de cereal 0,66
2 Frango em pedaços 0,68 Coco da Bahia 1,19 Leite integral 0,97 Marisco 0,93
3 Peito de galinha 0,72 Farinha de milho 1,20 Leite pasteurizado 1,00 Coentro 0,93
4 Steak de frango 0,78 Farinha de mandioca 1,30 Leite semidesnatado 1,04 Neston 1,23
5 Filé de frango 0,82 Farofa pronta 1,51 Leite em pó integral 1,09 Fígado bovino 1,27
6 Toucinho 0,83 Semente de linhaça 1,54 Leite em pó desnatado 1,11 Milk shake diet 1,35
7 Amendoim moído 0,86 Milho (em grão) 1,64 Leite desnatado 1,16 Farinha de milho 1,36
8 Asa de galinha 0,87 Coco 1,68 Creme de milho 1,17 Diet shake 1,55
9 Fígado bovino 0,89 Amendoim moído 1,77 Leite condensado 1,25 Amendoim moído 1,56
10 Ovo de codorna 0,89 Farinha de aveia 1,83 Achocolatado em pó 1,50 Pão de forma 1,60
11 Costela suína 1,18 Aveia em flocos 1,85 Achocolatado em pó light 1,52 Ovomaltine 1,70
12 Amendoim
(em grão)
1,18 Pão light 1,89 Leite de soja em pó 1,90 Soja em grão 1,73
13 Hambúrguer de carne 1,19 Laranja 1,92 Queijo colonial 2,00 Rapadura 1,74
14 Tatu 1,32 Banana 1,93 Neston 2,02 Yakissoba 1,87
15 Fiambre 1,32 Feijão de corda 2,03 Leite de cabra 2,09 Farinha de aveia 2,02
16 Farinha de milho 1,35 Germe de trigo 2,05 Mumu 2,10 Germe de trigo 2,04
17 Bife rolê cru 1,36 Abacate 2,06 Mozzarella 2,12 Aveia em flocos 2,05
18 Fibra de cereal 1,40 Pão integral light 2,07 Coentro 2,12 Coco da Bahia 2,09
19 Carne moída 1,41 Chuchu 2,09 Queijo prato 2,13 Amendoim (em grão) 2,14
20 Apresuntado 1,47 Maracujá 2,11 Chocomilk 2,18 Espinafre 2,17
21 Bacon 1,48 Arroz integral 2,15 Iogurte desnatado 2,18 Feijão 2,25
22 Linguiça de frango 1,52 Pipoca light 2,18 Queijo ralado 2,27 Bisnaguinha 2,47
23 Ovo de galinha 1,58 Goiaba 2,26 Queijo minas 2,30 Biscoito salgado light 2,89
24 Leite integral 1,59 Limão 2,29 Queijo provolone 2,32 Molho de tomate 2,91
25 Rabada de boi 1,60 Biscoito salgado integral 2,34 Mozzarella light 2,35 Orégano 2,91

Fonte: Resultados da Pesquisa.

Tabela 2 Rankings dos custos das vitaminas A, C, D e E dos alimentos consumidos no Brasil (em R$/30% da RDA). 

Produto Vit A Produto Vit C Produto Vit D Produto Vit E
Fígado bovino 0,04 Suco acerola 0,01 Leite semidesnatado 1,19 Germe de trigo 0,49
Patê de fígado 0,11 Goiaba 0,13 Leite integral 1,38 Amendoim moído 0,71
Inhame 0,18 Laranja 0,20 Leite pasteurizado 1,41 Amendoim (em grão) 0,98
Cenoura 0,20 Coentro 0,35 Leite em pó integral 1,54 Milk shake diet 1,06
Batata doce 0,22 Lima 0,41 Leite em pó desnatado 1,55 Torrone 1,13
Margarina 0,33 Suco laranja 0,42 Leite desnatado 1,76 Diet shake 1,22
Margarina light 0,33 Pimentão 0,43 Sardinha em conserva 1,99 Neston 1,40
Moranga 0,39 Kiwi 0,45 Peixe de água doce 2,29 Margarina 1,51
Cenoura amarela 0,56 Goiabada 0,47 Ovo de codorna 2,35 Amendoim apimentado 1,64
Espinafre 0,74 Repolho 0,50 Atum em conserva 2,70 Abacate 1,72
Alface 1,04 Limão 0,52 Neston 2,80 Molho de tomate 1,74
Ovo de codorna 1,07 Suco goiaba 0,62 Leite de soja em pó 2,84 Amêndoa 1,97
Jardineira (seleta) 1,13 Abacaxi 0,64 Farinha láctea 2,96 Moranga 2,01
Creme de leite 1,14 Mamão 0,73 Chocomilk 3,06 Pasta de amendoim 2,10
Couve 1,20 Ovomaltine 0,76 Creme de milho 3,57 Yakissoba 2,12
Alface orgânica 1,40 Tangerina 0,79 Atum em conserva light 4,13 Maionese (molho) 2,19
Leite em pó desnatado 1,44 Melancia 0,83 Ovo de galinha 4,16 Presuntinho biscoito 2,53
Ovomaltine 1,53 Mariola 0,84 Toddynho 4,35 Margarina light 2,88
Leite semidesnatado 1,60 Suco maracujá 0,92 Creme de leite 4,82 Ovo de codorna 2,92
Manteiga 1,63 Suco orgânico 0,92 Salmão em conserva 5,35 Biscoito salgado light 3,06
Requeijão 1,75 Cebolinha 0,94 Leite fermentado 5,46 Batata doce 3,09
Leite desnatado 1,78 Melão 1,02 Vitamina banana 6,85 Espinafre 3,10
Ovo de galinha 1,89 Suco de goiaba organ. 1,08 Ovomaltine 7,01 Cenoura 3,28
Milk shake diet 1,92 Suco manga 1,12 Mortadela 7,06 Doce de amendoim diet 3,52
Requeijão light 1,98 Morango 1,14 Milk shake diet 7,19 Leite de soja em pó 3,53

Fonte: Resultados da Pesquisa.

Os resultados da pesquisa indicam que o frango e seus derivados são as fontes mais baratas de proteína no Brasil (Tabela 1). No “ranking” dos alimentos que apresentam menor custo para se atingir 30% das necessidades diárias de proteína, os 5 primeiros colocados são produtos avícolas. Na sequência, têm-se outros tipos de carnes, nozes e sementes, ovos e produtos lácteos. É interessante notar também que a proteína é o nutriente economicamente mais acessível à população brasileira, visto que 144 alimentos e bebidas oferecem 30% dos requerimentos diários de proteína no Brasil a um custo inferior a R$ 5,00.

No caso das fibras, o produto que consegue oferecer 30% das necessidades diárias de um adulto saudável no Brasil a um menor custo é a fibra de cereal (R$ 0,35), que se destaca por oferecer este nutriente a um valor mais de três vezes menor do que o segundo colocado no “ranking” (coco da Bahia; R$ 1,19). Do total de produtos analisados, 308 apresentam fibras na sua composição, sendo a salsicha em conserva o alimento que oferece 30% da RDA de fibra ao maior custo: R$ 2.452,04.

Além de apresentar o melhor custo benefício para fibras, a fibra de cereal também é o produto melhor ranqueado no custo do ferro: R$ 0,66. Outra informação interessante sobre o ferro é que o “ranking” desse nutriente é o mais diversificado de todos, apresentando produtos de 9 das 13 categorias analisadas entre os 25 alimentos de melhor custo benefício.

O alimento que oferta 30% das necessidades nutricionais de cálcio ao menor custo no Brasil é o Ovomaltine. Vale ressaltar que o Ovomaltine é um produto formulado, tendo produtos lácteos (soro de leite em pó e leite em pó integral) como ingredientes que agregam cálcio na formulação. Em acréscimo à importância dos lácteos no aporte de cálcio pelo Ovomaltine, a indicação de preparo do mesmo considera o uso de leite fluido (2 colheres ou 20g de Ovomaltine em 200 mL ou um copo de leite fluido). Assim, os lácteos constituem a fonte de cálcio preponderante no Ovomaltine, tanto no produto comercial quanto no produto já preparado para o consumo. Além disso, é importante ressaltar que o Ovomaltine, assim como Neston, Chocomilk, Toddynho, entre outros, são alimentos processados e que sofreram adição de nutrientes na sua formulação. Apesar de terem sido incluídos neste estudo por estarem na lista da POF 2008-2009 como os alimentos mais consumidos do País e por terem sido bem ranqueados para alguns nutrientes, o Novo Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda o consumo de alimentos na sua forma natural, sem a adição de ingredientes.

Os seis alimentos que se seguem no “ranking” do cálcio são produtos lácteos: leite UHT integral, leite pasteurizado, leite semidesnatado, leite em pó integral, leite em pó desnatado e leite UHT desnatado. Além disso, dos 25 produtos que apresentaram melhor custo benefício para o cálcio no Brasil, 15 são derivados do leite. De todos os lácteos avaliados (43), apenas 6 apresentaram um custo superior a R$ 10,00 para o cálcio.

Para satisfazer 30% das recomendações diárias de vitamina A ao menor custo no Brasil, a população deve consumir fígado bovino. No entanto, muitas verduras, legumes e produtos lácteos também oferecem este nutriente a um baixo custo.

Já a vitamina C é o nutriente mais barato no Brasil dentre os avaliados no presente estudo. Com apenas R$ 0,01 é possível suprir 30% das necessidades diárias desse nutriente consumindo suco de acerola. Além disso, 21 alimentos e bebidas oferecem 30% das RDAs de vitamina C a menos de R$ 1,00. Sucos, frutas e verduras, além de doces de frutas, figuram nas primeiras colocações no “ranking” do custo de vitamina C no Brasil.

Assim como evidenciado para fibras, uma quantidade pequena de produtos alimentícios apresenta vitamina D na sua composição. Dos 443 alimentos analisados, apenas 172 possuíam vitamina D. Desse total, os derivados lácteos se destacaram: os seis primeiros colocados nesse “ranking” foram produtos da indústria de laticínios e 11 dos 25 produtos com melhor custo benefício para a vitamina D também eram lácteos.

Para vitamina E, o melhor custo benefício no Brasil está nas nozes e sementes, que ocuparam as três primeiras colocações no ranking, atendendo 30% das necessidades diárias de um adulto saudável por menos de R$ 1,00. Além das nozes e sementes, destacam-se também neste “ranking” muitos produtos industrializados, como por exemplo, margarina, molho de tomate, maionese, etc.

Discussão

Como atualmente o desafio da maioria dos consumidores está mais relacionado à decisão de compra de alimentos mais saudáveis a um baixo custo do que propriamente ao acesso a quantidades suficientes de alimentos, o presente estudo mostrou que não é necessário investir grande quantidade de recursos para atingir as necessidades nutricionais diárias de nutrientes no Brasil. Existe uma grande variedade de produtos que oferece os oito nutrientes avaliados a baixo custo. No entanto, é preciso levar em conta as fontes alimentares onde esses nutrientes são veiculados. O Guia Alimentar para População Brasileira orienta que alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, sejam a base da dieta15.

Com isso, o estudo reforça a recomendação nutricional de um consumo de alimentos diversificados, o que coaduna com os atributos de uma alimentação saudável, que incluem a variedade da dieta. O consumo de vários tipos de alimentos proporciona a ingestão dos diferentes nutrientes, evitando a monotonia alimentar, que limita a disponibilidade de nutrientes necessários para atender às demandas fisiológicas e garantir uma alimentação adequada15. As variedades dentro de um mesmo grupo de alimentos implicam em maior diversidade no aporte de nutrientes16.

De um modo geral, pode-se dizer que os derivados do leite se destacaram na análise apresentando os menores custos para cálcio e vitamina D, e também obtiveram boas colocações nos rankings de proteína e vitamina A, corroborando resultados de pesquisas anteriores. Drewnowski16 usou dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos EUA e do USDA para calcular o custo dos nutrientes dos lácteos comparados com outros produtos da dieta americana. Os resultados indicaram que o leite e seus derivados são, de longe, as fontes mais acessíveis de cálcio e estão entre as mais baratas de riboflavina, fósforo e vitamina B12. Na África do Sul, Wenhold e Leighton13 analisaram a relação custo-benefício de cinco derivados lácteos comparados com vinte comidas típicas da população urbana, a qual envolvia principalmente comida de rua. Os resultados evidenciaram que os derivados lácteos podem suprir as necessidades de cálcio, proteína, vitamina B2 e B12 a um custo razoável.

Uma limitação deste estudo é o fato de considerar apenas um nutriente por vez. Se por um lado isso pode ser útil para orientar a compra de alimentos de pessoas com deficiência em um nutriente específico, como os anêmicos, por exemplo, por outro, essa classificação pode induzir a escolhas inadequadas por não considerar todos os nutrientes do alimento. Isso fica evidente para o Ovomaltine, por exemplo, que se destacou como a fonte alimentar de melhor custo-benefício para cálcio, mas apresenta elevado teor de açúcar e conservantes, os quais podem ser prejudiciais à saúde. Portanto, deve-se ressaltar que a decisão de compra de alimentos deve também considerar outros aspectos, tais como o nível de processamento, adição de ingredientes, etc.

Por associar o valor nutricional ao preço pago pelo produto, os resultados desta pesquisa podem afetar as decisões de compra, pois permitem ao consumidor avaliar melhor o valor pago por cada nutriente dos alimentos adquiridos, especialmente para as classes de baixa renda, que gastam 80% do seu salário com alimentação. Assim, pessoas com deficiência em um determinado nutriente podem alocar melhor seus recursos financeiros para atender às recomendações nutricionais de forma a melhorar sua saúde e seu bem estar.

Os resultados da pesquisa também contribuem para a elaboração de dietas sustentáveis, conforme recomendado pela FAO1, que são aquelas com baixo impacto para o meio ambiente e que contribuem para a segurança nutricional e alimentar, e para uma vida saudável da presente e da futura geração. Ao otimizar a escolha alimentar dos consumidores, a informação do custo benefício dos nutrientes no Brasil contribui de forma econômica, social e ambiental para o bem-estar da população.

A comparação do custo benefício dos nutrientes dos alimentos consumidos no Brasil pode ajudar na implementação de políticas numa escala global ou regional, de modo a gerar ações de nutrição mais efetivas, auxiliando, assim, o governo brasileiro a atingir os objetivos estabelecidos na Declaração de Roma, que visa à obtenção da segurança alimentar para todos.

Além disso, a exemplo do que vem ocorrendo nos EUA e UE10, este tipo de informação pode ser empregada pela indústria na rotulagem dos produtos e também pelos órgãos encarregados de orientar os consumidores e realizar as recomendações alimentares. O presente estudo também vem ao encontro do consenso acerca da necessidade dos sistemas produtivos contribuírem mais efetivamente para melhorar o nível nutricional da população, através de uma abordagem mais ampla e integrada.

REFERÊNCIAS

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