versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.2 São Paulo abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017gs3855
Pneumonias representam uma causa substancial de morbimortalidade no mundo. Em 2010, 120 milhões de novos episódios da doença e 935 mil mortes atribuídas à pneumonias ocorreram em crianças menores de 5 anos globalmente.1 Na América Latina, estima-se que entre 980 mil e 1,5 milhão de casos de pneumonia ocorram anualmente em menores de 5 anos.2-4 O Brasil está entre os países com alta incidência de pneumonia no mundo.5
Na América Latina, o tratamento hospitalar da pneumonia em menores de 5 anos resultou em custos estimados entre US$ 804.46 e US$ 1,076.89.2,6 Diversas metodologias de custeio podem ser aplicadas com diferentes níveis de precisão e qualidade para estimar custos de doenças, sendo as mais utilizadas o microcusteio de “baixo para cima” (micro-costing/bottom-up), o microcusteio de “cima para baixo” (micro-costing/ top-down) e o macrocusteio (gross costing).7
Em função da alta carga econômica da pneumonia para a sociedade e para o sistema de saúde,2,8 é importante estimar os custos da pneumonia em crianças considerando o Sistema Único de Saúde (SUS), que cobre cerca de 75% da população. Particularmente, tendo em vista as diferentes metodologias de custeio possíveis (que resultam em valores de custos variáveis), o conhecimento dos custos hospitalares das pneumonias graves em crianças estimados por diferentes metodologias de custeio no Brasil é de grande relevância.
Determinar e comparar custos hospitalares no tratamento da pneumonia bacteriana adquirida na comunidade por diferentes metodologias de custeio, na perspectiva do Sistema Único de Saúde.
Estudo observacional descritivo de avaliação econômica parcial na perspectiva do SUS. Foram estimados os custos de doença por diferentes metodologias. O estudo de custo foi realizado no município de Goiânia (GO) entre outubro e dezembro de 2011.
A população de estudo foi formada por crianças com idade entre 28 dias a 35 meses, hospitalizadas por pneumonia adquirida na comunidade (PAC), que foram arroladas para participar em um estudo prospectivo de vigilância de base populacional de pneumonias, conduzido em 17 hospitais pediátricos de Goiânia (GO).8 Nosso estudo de estimativa de custos considerou amostra de crianças internadas em dois destes hospitais que, juntos, somavam 111 leitos de clínica e 38 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica, correspondendo a aproximadamente 30% das crianças hospitalizadas por PAC em estudo prospectivo de base populacional. Os casos foram os internados com suspeita de pneumonia (tosse e/ou dispneia), confirmada clinica ou radiologicamente, e que receberam terapia antibacteriana para pneumonia durante a internação. Foram excluídos casos cujo diagnóstico de alta foi pneumonia viral, bronquiolite, asma ou pneumonia atípica; e os internados pelo sistema de saúde suplementar.
No período do estudo, 1.520 crianças com suspeita de pneumonia foram identificadas pelo estudo de vigilância, dos quais 330 cumpriram com a definição de caso de PAC. Destas, 106 (32%) foram admitidas nos dois hospitais considerados no estudo de custos, dos quais 11 (10%) foram excluídas por indisponibilidade de seus prontuários. Das 95 crianças cujos prontuários foram avaliados, foram excluídas mais 11 (12%) por não terem recebido antibióticos durante a internação; 5 (5%) por terem recebido diagnóstico de alta de bronquiolite, asma, pneumonia viral ou pneumonia atípica; e 31 (31%) por terem sido internadas pelo sistema de saúde suplementar. A amostra final foi de 59 casos de crianças hospitalizadas por pneumonia pelo SUS, dos quais 52 hospitalizados em enfermaria e considerados casos graves, e 7 internados na UTI e considerados casos muito graves.
Seguindo recomendações internacionais,7,9,10 foram considerados custos diretos, incluindo custos médicos e não médicos comuns a outros estudos publicados sobre os custos de pneumonias.2,10-12 Entre os custos médicos, foram incluídos serviço hospitalar (internação na enfermaria e/ou UTI), serviços profissionais (honorários médicos), medicamentos, exames radiológicos e laboratoriais, e fisioterapia respiratória. Como custo não médico, foi considerado o custo com diárias de acompanhante na enfermaria. As informações de utilização dos recursos foram avaliadas a partir da data da admissão até a data da alta do paciente.
Os custos foram calculados em reais (R$) considerando dezembro de 2011 e convertidos em dólares internacionais ($Int.) usando taxa de câmbio de 2011 (R$ 1,00 Real = $Int. $ 1.10).13
Foram aplicadas três metodologias de custeio: (1) micro-costing/bottom-up, por meio de revisão de prontuários; (2) micro-costing/top-down, por meio de custeio por diretriz terapêutica; e (3) gross costing/top-down, por meio de reembolso do SUS aos prestadores dos serviços hospitalar.
Casos de pneumonias muito graves que foram internados em enfermaria e UTI tiveram os custos dos dois períodos contabilizados. Procedimento que não constavam na tabela de ressarcimento do SUS e não tinham valor de reembolso definidos, como procedimentos de aspiração, nebulização e fornecimento de oxigênio, não foram contabilizados.
Dados de utilização de recursos de saúde foram obtidos por meio da revisão de prontuários. Os custos médicos incluíram serviço hospitalar, honorários médicos, medicamentos e procedimentos; os custos não médicos foram as diárias de acompanhante − R$ 8,00, que é o valor pago pelo SUS para o hospital referente à estadia do acompanhante da criança.
Os custos unitários de cada recurso consumido foram multiplicados pela quantidade estimada de recursos. Os custos dos medicamentos foram obtidos para cada criança, conforme a quantidade de dose prescrita e realizada durante a internação. O preço dos medicamentos foi considerado segundo a média dos preços praticados pelo Banco de Preços em Saúde (BPS),14 da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED)15 e da Revista ABC Farma.16 Como existem vários laboratórios que produzem os mesmos medicamentos com diferenças entre os preços, foi utilizada a lista padronizada de medicamentos de um dos hospitais, para selecionar o laboratório fabricante dos medicamentos e foi aplicado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) de 17% (percentagem do Estado de Goiás).
Os custos dos serviços profissionais, serviço hospitalar, fisioterapia respiratória, exames radiológicos e laboratoriais foram estimados pelo Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP),17 conhecida como “tabela SUS”.
O valor diário do leito hospitalar e dos honorários médicos foi obtido pela divisão dos valores de reembolso pago pelo SUS para serviços hospitalares e honorários médicos, respectivamente, pelo tempo médio de permanência de cada paciente.
Foram estimados os recursos de saúde consumidos por cada paciente a partir da diretriz terapêutica padronizada pelas Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Sociedade Brasileira de Pediatria para o tratamento de crianças hospitalizadas por PAC,18 conforme detalhado no quadro 1.
Quadro 1 Recursos de saúde considerados para custeio por diretriz terapêutica para tratamento da pneumonia adquirida na comunidade
Componentes | Recursos de saúde |
---|---|
Medicamentos* | Crianças <2 meses: ampicilina (50mg/kg/dia) + gentamicina (7,5mg/kg/dia) e dipirona injetável Crianças ≥2 meses: penicilina cristalina (50.000UI/kg/dia) e dipirona injetável |
Pneumonia muito grave: ceftriaxona (50mg/kg/dia) + oxacilina (50mg/kg/dia) e dipirona injetável | |
Exames radiológicos | 1 radiografia de tórax |
*O custo do tratamento medicamentoso foi estimado considerando: (dose/kg x número de administrações ao dia x duração do tratamento x preço da dose).
O tempo de internação em enfermaria e UTI foi a média de dias de hospitalização dos pacientes incluídos neste estudo, identificado na revisão de seus prontuários. Assim como o custeio por revisão de prontuários, os custos diários do leito hospitalar e honorários médicos foram estimados dividindo-se os valores de reembolso pago pelo SUS para serviços hospitalares e honorários médicos, respectivamente, pelo tempo médio de permanência dos pacientes.
Os preços dos medicamentos foram os praticados pelos órgãos nacionais BPS,14 CMED15 e Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABC Farma).16 Os demais componentes foram obtidos do SIGTAP.17 A fisioterapia respiratória não constava na recomendação da diretriz. O fornecimento de oxigênio, embora recomendado para crianças com hipoxemia, não foi considerado, por não haver valor previsto do procedimento na tabela SUS, conforme detalhado anteriormente.
Os valores de ressarcimento das internações em hospitais do SUS ou hospitais privados conveniados com o SUS são pagos por meio de um pacote referente aos serviços profissionais e hospitalares, incluídos custos com alimentação, taxas de sala, materiais hospitalares, medicamentos e exames de apoio diagnóstico. Este pacote tem valor fixo definido em função do diagnóstico de cada internação (pelo código CID indicado como diagnóstico de alta de cada paciente). O valor de reembolso para internações por pneumonia é de R$ 504,07 ($Int. 554.47), e o valor dos honorários médicos durante cada internação é de R$ 78,40 ($Int. 86.24). O valor pago é padrão e referente a um tempo mínimo para internação para determinado diagnóstico.19 O valor é pago se houver o cumprimento de permanência mínima de 50% do período total previsto para a internação que, para pneumonias, é de 4 dias (procedimento 0303140151 – SIGTAP/DATASUS). A partir de 9 dias de internação, há um valor adicional de R$ 20,00 pago em função do tempo de permanência a maior.17,19
Foram obtidos os espelhos das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) de cada paciente, a partir do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), por meio da Secretaria da Saúde do Município de Goiânia. Os valores ressarcidos pelo SUS para cada paciente com serviços hospitalares, diárias de acompanhante, serviços profissionais e fisioterapia respiratória foram identificados e analisados para estimar os custos da internação de cada paciente.
A análise descritiva do perfil demográfico e clínico dos casos foi realizada. Foram calculados, para cada metodologia de custeio, os custos médios do tratamento da pneumonia grave e pneumonia muito grave, o intervalo de confiança de 95% (IC95%) e o desvio padrão (DP) dos custos estimados. Para o estudo comparativo de custos por diferentes metodologias, consideraram-se apenas os pacientes graves internados em enfermaria, uma vez que o número de casos muito graves foi pequeno. Foi realizado o teste de Friedman para detectar diferenças de custos entre os métodos, comparando-os um a um, aplicado ao nível de significância de 0,05. Os dados foram tabulados em planilha Excel e as análises estatísticas foram realizadas com o programa de software estatístico Statistical Package Social Sciences (SPSS) versão 23.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, protocolo do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) MHA/HC/UFG 174/09.
As características clínicas e demográficas dos 59 casos de PAC hospitalizadas são apresentadas na tabela 1. Os casos foram categorizados por gravidade, sendo 52 (88%) pacientes com pneumonia grave com permanência hospitalar média de 4 dias (DP: 2,2; mínimo: 2 dias; máximo: 13 dias) e 7 (12%) casos com pneumonia muito grave internados em UTI, com tempo médio de permanência (incluindo estadia na UTI e enfermaria) de 7 dias (DP: 5,1; mínimo: 3 dias; máximo: 18 dias), ou seja, significativamente maior que os pacientes graves que não foram para a UTI (p<0,0001).
Tabela 1 Características clínico-epidemiológicas dos casos hospitalizados por pneumonia grave e muito grave
Variáveis | Pneumonia grave (n=52) | Pneumonia muito grave (n=7) |
---|---|---|
Sexo, n (%) | ||
Masculino | 28 (47) | 6 (10) |
Feminino | 24 (41) | 1 (2) |
Idade (meses), média (DP) | 14,8 (9,6) | 9 (8,3) |
Critério de confirmação diagnóstica, n (%) | ||
Clínico | 26 (44) | 0 |
Radiológico | 26 (44) | 7 (12) |
Tempo de permanência hospitalar (dias), média (DP) | 4 (2,2) | 7 (5,1)* |
Desfecho, n (%) | ||
Alta | 52 (88) | 6 (10) |
Óbito | 0 | 1 (2) |
Os recursos de saúde e as respectivas quantidades utilizadas pelos 52 pacientes com pneumonia grave são detalhados na tabela 2. Todos os pacientes receberam cuidados médicos pediátricos no período de internação, com média de 5 visitas/consultas médicas (DP: 2,1). Somente um paciente recebeu visita de outra especialidade médica (infectologista). Os antibióticos mais prescritos foram ampicilina (n=42, com duração média de uso 3,14 dias; DP: 1,29), seguido de ceftriaxona (n=15, com duração média de uso 4,8 dias, DP: 5,10). Durante o período de internação, 22 pacientes receberam mais de um antibiótico, sendo que 17 receberam ampicilina+amoxicilina, 2 receberam gentamicina+amoxiciliana, 2 receberam ampicilina+amoxicilina+gentamicina e 1 recebeu ceftriaxona+oxacilina. Outros medicamentos coadjuvantes do tratamento incluíram corticoides (23 pacientes), descongestionante nasal (30 pacientes), broncodilatador (21 pacientes), protetor gástrico (10 pacientes) e antitérmico (40 pacientes). Exames laboratoriais foram realizados em 16 (31%) crianças e exames de imagem em 13 (25%) delas. A fisioterapia respiratória foi realizada por 3 crianças (média de 3,67 sessões; DP: 2,08) e a nebulização por 49 (média de 3,96 nebulizações/dia; DP: 2,08).
Tabela 2 * Em pacientes com pneumonia muito grave, a média de internação na unidade de terapia intensiva foi de 5 dias e, na enfermaria, de 2 dias, totalizando 7 dias de internação. DP: desvio padrão.. Tipo e quantidade de recursos de saúde utilizados por pacientes hospitalizados por pneumonia grave
Recurso de saúde | Prescrição/quantidade/duração | Pacientes |
---|---|---|
média (DP) | n (%) | |
Visita do médico pediatra | 5 visitas (DP: 2,1) | 52 (100) |
Visita do infectologista | 1 visita | 1 (2) |
Medicamentos antimicrobianos | ||
Ampicilina injetável | Prescrita a cada 6 horas; 3,14 dias (DP: 1,29) | 42 (81) |
Amoxicilina oral | Prescrita a cada 8 horas; 1,58 dia (DP: 1,16) | 15 (29) |
Benzilpenicilina injetável | Prescrita a cada 6 horas; 2,2 dias (DP: 1,30) | 5 (10) |
Cefalexina oral | Prescrita a cada 6 horas; 3 dias | 3 (6) |
Cefalotina injetável | Prescrita a cada 6 horas; 4,50 dias (DP: 1,87) | 6 (11) |
Ceftriaxona injetável | Prescrita a cada 12 horas; 4,8 dias (DP: 5,10) | 15 (29) |
Gentamicina injetável | Prescrita a cada 12 horas; 4 dias (DP: 3,54) | 4 (15) |
Oxacilina injetável | Prescrita a cada 6 horas; 6 dias (DP: 1) | 1 (2) |
Outras classes medicamentosas | ||
Dipirona oral | Prescrita a cada 6 horas; 1,5 dia (DP: 0,58) | 4 (8) |
Dipirona injetável | Prescrita a cada 6 horas; 1,65 dia (DP: 0,95) | 35 (67) |
Paracetamol oral | Prescrito a cada 6 horas; 1 dia | 1 (2) |
Bromoprida injetável | Prescrita a cada 8 horas; 1 dia | 1 (2) |
Bromoprida oral | Prescrita a cada 8 horas; 1 dia | 1 (2) |
Domperidona | Prescrita a cada 12 horas; 1,86 dia (DP: 0,90) | 4 (8) |
Omeprazol injetável | Prescrito a cada 12 horas; 3,33 dias (DP: 1,15) | 2 (4) |
Ranitidina oral | Prescrita a cada 12 horas; 9,5 dias (DP: 2,12) | 2 (4) |
Dexametasona injetável | Prescrita a cada 8 horas; 2 dias (DP: 1,41) | 2 (4) |
Hidroxizina injetável | Prescrita a cada 6 horas; 2,97 dias (DP: 1,85) | 6 (11) |
Prednisolona oral | Prescrita a cada 12 horas; 1,4 dia (DP:dp 0,89) | 11 (21) |
Prednisolona oral | Prescrita a cada 24 horas; 2,14 dias (DP: 1,21) | 4 (8) |
Acebrofilina oral | Prescrita a cada 12 horas; 2,09 dias (DP: 1,45) | 8 (15) |
Acetilcisteína oral | Prescrita a cada 8 horas; 8 dias (DP: 9,64) | 9 (17) |
Ambroxol cloridrato oral | Prescrito a cada 12 horas; 3 dias (DP: 1,26) | 4 (8) |
Nafazolina nasal | Prescrita a cada 4 horas; 3 dias (DP: 2,41) | 21 (40) |
Soro fisiológico nasal | Prescrito a cada 12 horas; 3 dias (DP: 1,26) | 9 (17) |
Nebulização | Prescritas 3,96 nebulizações/dia (DP: 2,08) | 49 (94) |
Solução salina + fenoterol | Prescrita a cada 5,8 horas (DP: 0,84); 3,49 dias (DP: 1,88) | 52 (100) |
Solução salina + beclometasona | Prescrita a cada 12 horas; 1,71 dia (DP: 0,76) | 19 (37) |
Fisioterapia respiratória | Prescritas 3,67 sessões (DP: 2,08) | 3 (6) |
Exames radiológicos (raio X) | Prescritos 0,35 exames (DP: 0,62) | 13 (25) |
Exames laboratoriais | ||
Hemograma | Prescrito média de 0,38 (DP: 0,75) | 13 (25) |
Proteína C-reativa | Prescrita média de 0,60 (DP; 1,06) | 9 (17) |
Sódio sérico | Prescrito média de 0,26 (DP: 0,47) | 4 (8) |
Potássio sérico | Prescrito média de 0,40 (DP: 0,51) | 6 (11) |
Cálcio sérico | Prescrito média de 0,06 (DP: 0,24) | 3 (6) |
Magnésio sérico | Prescrito média de 0,06 (DP: 0,24) | 3 (6) |
Cloretos | Prescritos média de 0,33 (DP: 0,49) | 5 (10) |
Gasometria arterial | Prescrito média de 0,07 (DP: 0,26) | 1 (2) |
DP: desvio padrão.
Os custos das pneumonias muito graves foram significativamente maiores do que os custos das pneumonias graves, independente da metodologia de custeio utilizada (p<0,001). Os custos estimados para os casos de pneumonia grave variaram em função da metodologia utilizada, resultando em custo médio de R$ 780,70 (IC95%: 674-885) por revisão de prontuários, R$ 641,90 (IC95%: 639-642) por diretriz terapêutica e R$ 594,80 (IC95%: 566-627) por ressarcimento do SUS (Tabela 3).
Tabela 3 Custo do tratamento da pneumonia hospitalizada grave e muito grave, considerando diferentes metodologias de custeio, na perspectiva do sistema de saúde
Custo estimado em R$ | Intervalo de confiança de IC95% | Desvio padrão | |
---|---|---|---|
Pneumonia grave (n=52) | |||
Custeio por prontuário | 780,70 | 674-885 | 393,50 |
Custeio por diretriz | 641,90 | 639-642 | 2,38 |
Custeio por ressarcimento | 594,80 | 566-627 | 108,30 |
Pneumonia muito grave (n=7) | |||
Custeio por prontuário | 3.569,20 | 1.269-5.807 | 2.453 |
Custeio por diretriz | 3.369,40 | 3.263-3.476 | 8 |
Custeio por ressarcimento | 3.175,00 | 682-5.667 | 2.719 |
Na revisão de prontuários, considerando o tempo médio de permanência (4 dias), foram estimados os valores diários do serviço hospitalar na enfermaria em R$ 126,00 ($Int. 138.60) e os honorários médicos em R$ 19,58 ($Int. 21.53). O custo médio total foi de R$ 780,70 (DP: 393,5; mínimo: 343,14; máximo: 2.415,96)/$Int. 858.77, sendo R$ 750,10 ($Int. 825) com custos médicos e R$ 30,60 ($Int. 33.6) com custos não médicos. O custo do serviço hospitalar (internação na enfermaria) foi de R$ 507,20 (DP: 269; mínimo: 250; máximo: 1.630)/$Int. 557.90 e de medicamentos de R$ 159,00 (DP: 68; mínimo: 63,50; máximo: 387,30)/$Int. 174.90, sendo que os antibióticos representaram 40% do custo com medicamentos (R$ 64/$Int. 70.4) e os medicamentos coadjuvantes foram 60% (R$ 95/$Int. 104.5).
Por meio da diretriz terapêutica, o custo médio total foi de R$ 641,90 (DP: 2,38; mínimo: 635,20; máximo: 645)/$Int. 706, sendo R$ 609,90 ($Int. 670.90) custos médicos e R$ 32,00 ($Int. 35.20) custos não médicos. No custeio por ressarcimento, o custo médio foi de R$ 594,80 (DP: 108,30; mínimo 201,07; máximo: 847,64)/$Int. 654.28, sendo R$ 565,50/$Int. 622 com custos médicos e R$ 29,30/$Int. 32.23 com custos não médicos (Tabela 4).
Tabela 4 Custos do tratamento da pneumonia hospitalizada grave, na perspectiva do Sistema Único de Saúde, considerando componentes de custos, por diferentes métodos de custeio
Pneumonia grave | Custeio por prontuário R$ (%) | Custeio por diretriz terapêutica R$ (%) | Custeio por ressarcimento R$ (%) |
---|---|---|---|
Serviço hospitalar | 507,20 (65,0) | 504,00 (78,5) | 487,60 (82,0) |
Serviços profissionais | 75,30 (9,6) | 78,40 (12,2) | 76,80 (12,9) |
Medicamentos | 159,00 (20,4) | 18,00 (2,8) | ------* |
Exames radiológicos | 4,30 (0,6) | 9,50 (1,5) | -------* |
Exames laboratoriais | 3,30 (0,4) | ------† | -------* |
Fisioterapia | 1,00 (0,1) | -----† | 1,10 (0,2) |
Diária de acompanhante | 30,60 (3,9) | 32,00 (5,0) | 29,30 (4,9) |
Custo médio final, | 780,70 (858.65) | 641,90 (705.00) | 594,80 (654.40) |
R$ ($Int) |
*Incluídos no valor do ressarcimento por serviço hospitalar; †não especificado na diretriz.
Os custos de casos graves estimados por diferentes metodologias foram diferentes. A utilização de metodologias de microcusteio (revisão de prontuários e diretriz) resultou em estimativas de custos equivalentes (p=0,405), enquanto o custo estimado por ressarcimento foi significativamente menor do que os custos estimados por diretriz (p<0,001) e por revisão de prontuário (p=0,006).
Evidências indicam que o tempo de internação influencia expressivamente nos custos do tratamento de hospitalizações em geral,20 incluindo pneumonia ou doença pneumocócica.21,22 Neste estudo, o período médio de hospitalização dos pacientes foi de 4 dias, ou seja, esteve dentro do tempo previsto pelo SUS para o tratamento de pneumonias17 e em consonância com o tempo de permanência recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 5 dias, e também do observado em recente avaliação sistemática global de custos de pneumonias em crianças (média 5,8 dias).23
Os custos hospitalares da pneumonia grave em crianças estimados neste estudo são semelhantes aos relatados por outros estudos realizados na América Latina, que, após ajuste para inflação do país de origem, conversão para dólar americanos (PPP 2010)6 e atualização para Real (2011), apresentaram resultados variando entre R$ 721,36 e R$ 1.488,26, utilizando metodologia gross costing/top-down,24 e até R$ 1.373,5325 e R$ 2.957,34,26 quando estimados combinando as metodologias bottom-up/top-down. Como era esperado, os custos estimados por ressarcimento foram significativamente menores que os estimados por revisão de prontuários.
Estimativas de custo de doenças são de grande importância para subsidiar estudos de carga econômica de condições de saúde e também estudos de custo-efetividade de intervenções de saúde. No Brasil, poucos são os estudos que avaliaram o valor de reembolso do SUS comparado com os custos estimados por meio de outras metodologias de custeio em pacientes hospitalizados. No entanto, há evidências sugerindo que custos de ressarcimento representam uma subestimativa do custo real de uma internação hospitalar.27 Nossos resultados demonstram diferenças significativas entre as estimativas de custo obtidas pelas metodologias de ressarcimento e diretriz, e ressarcimento e revisão de prontuários, corroborando as evidências da literatura, que indicam que o uso de diferente metodologia pode ter grande impacto nos resultados obtidos em estudos de custos.7,10
É sabido que uma importante razão de custos diferentes é resultante do uso de diferentes metodologias e do nível de precisão determinada na identificação de componentes de custos, ao aplicar as metodologias gros costing ou micro-costing, assim como a forma de valoração dos componentes de custo top-down ou bottom-up.7 Isso justifica a heterogeneidade de estimativas de custos em estudos realizados na América Latina em função da metodologia empregada.
Escassos são os estudos que compararam as metodologias de custeio. Swindle et al.,28investigaram a necessidade de combinar custeio bruto com microcusteio, para refletir variações de uso de recursos essenciais para os serviços hospitalares, no entanto, não distinguiram entre a aplicação de top-down e bottom-up. Wordsworth et al.,29 compararam as estimativas de custo por top-down e bottom-up, mas não exploraram a metodologia de gross costing. Tan et al.,20 compararam a confiabilidade de estimativa do custo total de um serviço hospitalar quando os componentes de custo de micro-costing/bottom-up são substituídos por componentes de custo de micro-costing/top-down ou gross costing nos Países Baixos. Este é o primeiro estudo da literatura que avaliou os custos hospitalares de uma única amostra de pacientes, considerando três diferentes metodologias de custeio.
Embora a metodologia de micro-costing/bottom-up (custeio por prontuário) seja considerada padrão-ouro, apresentando maior acurácia,7,10 ela é de difícil execução, uma vez que a coleta de dados é laboriosa e com maior dispêndio de tempo e de recursos. As alternativas metodológicas apontadas são top-down combinado ao micro-costing ou gross costing, devido a maior facilidade e ao menor custo em sua aplicação.7,9 No entanto, evidências sugerem que o micro-costing/bottom-up deve ser priorizado para o custeio de componentes de custo de maior impacto na estimativa do custo total, como as diárias hospitalares.20,29
Neste estudo, os custos de hospitalização de pacientes com pneumonia grave internados pelo SUS estimados por top-down/micro-costing (por meio de diretriz terapêutica) foram semelhantes aos estimados por micro-costing/bottom-up (por revisão de prontuários). Este resultado é de grande relevância, pois indica que a metodologia top-down/micro-costing (por meio de diretriz terapêutica) pode ser uma alternativa às demais, com baixo custo e maior praticidade na execução.20 Ainda, o custeio por diretriz é de fácil aplicação, considerando a estrutura de financiamento do SUS, e permite estimar maior número de componentes de custo, do que os estimados pelo ressarcimento.
Este estudo tem diversas limitações. Primeiro, o número de casos de pneumonia muito grave (n=7) limitou a comparação entre as três metodologias para este grupo. Novos estudos avaliando custos de pneumonia que requerem internação na UTI, com número adequado de pacientes, são necessários. Segundo, o valor médio da diária hospitalar de R$ 126,00 adotado pode ter resultado no aumento dos custos estimados por diretriz terapêutica e revisão de prontuários.
No cenário do SUS, os custos estimados por top-down/micro-costing (diretriz terapêutica) são semelhantes aos estimados por micro-costing/bottom-up (prontuário), sugerindo que esta metodologia pode ser uma alternativa à utilização da técnica de microcusteio por meio de revisão de prontuários para o custeio de pneumonias graves. Estudos comparando diferentes metodologias de custeio devem ser realizados para outras doenças, para corroborar nossos achados. Estes resultados podem subsidiar estudos de avaliação econômica de intervenções para prevenção e controle de pneumonias.