versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.5 São Paulo nov. 2019 Epub 02-Dez-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190233
Sem dúvida, as doenças cardiovasculares (DCV) são e continuarão a ser um dos principais problemas de saúde da sociedade moderna.1 Uma fração significativa das mortes relacionadas a doenças cardiovasculares é uma consequência direta ou indireta das arritmias cardíacas.2 As arritmias cardíacas são condições anormais que se referem a qualquer alteração na sequência normal dos impulsos elétricos cardíacos, que podem ser classificadas de acordo com a frequência, o mecanismo, a duração, bem como o local de origem, resultando em bombeamento ineficiente.3 Mais especificamente, as arritmias cardíacas indicam alterações na taxa ou regularidade do ritmo cardíaco, além de alterações na sequência de condução dos impulsos elétricos fisiológicos, desde sua origem no nó sinoatrial, até seu final, no sistema His-Purkinje e nos ventrículos.4 Os mecanismos estruturais que resultam nas arritmias cardíacas,5 bem como as limitações na segurança e eficácia das drogas antiarrítmicas “clássicas”,6 fazem com que essa doença seja de difícil tratamento.
O uso de plantas medicinais para o tratamento, cura e prevenção de doenças é uma das formas mais antigas de prática medicinal humana.7Os produtos naturais à base de plantas medicinais se revelaram uma fonte abundante de compostos biologicamente ativos, muitos dos quais têm sido a base para o desenvolvimento de novos produtos químicos pela indústria farmacêutica.8 Os óleos essenciais, extraídos de plantas aromáticas, são produtos naturais que apresentam uma variedade de ações biológicas, dentre as quais propriedades cardiovasculares.9 Os monoterpenos são as moléculas mais representativas, que constituem 90% dos óleos essenciais,10 e também produzem efeitos relevantes em parâmetros cardiovasculares mensuráveis, incluindo a promoção de vasorrelaxamento e hipotensão em ratos anestesiados e não anestesiados.11,12Adicionalmente, os monoterpenos podem atenuar o desenvolvimento de hipertensão em ratos espontaneamente hipertensos por meio da diminuição da hipertrofia cardíaca.13 Desse modo, fica evidente que os monoterpenos são moléculas que poderiam continuar a ser desenvolvidas para a prevenção e/ou tratamento de doenças cardiovasculares. Um estudo desenvolvido por nosso grupo de pesquisa demonstrou que o monoterpeno carvacrol tem efeitos cronotrópicos e inotrópicos negativos em ratos,12 ao passo que a pulegona e o geraniol têm um efeito inotrópico negativo em mamíferos.13,14
Nascimento et al.,15 neste fascículo dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, conduziram um estudo experimental para avaliar os efeitos cardiovasculares e a potencial resposta antiarrítmica produzidos pelo monoterpeno D-limoneno (DL) em ratos. O estudo demonstrou que o DL produziu bradicardia intensa e persistente associada à hipotensão no coração dos ratos, corroborando os resultados observados em corações isolados (in vitro), nos quais o DL produziu bradicardia e reduziu a pressão no ventrículo esquerdo. Além disso, os autores também observaram atividade antiarrítmica utilizando abordagens in vivo.
O estudo é claro e apresenta evidências da atividade antiarrítmica do DL. Entretanto, o mecanismo de ação envolvido nas respostas do DL não foi estudado e ele é de suma importância para identificar quaisquer diferenças potenciais com aquelas drogas atualmente utilizadas no tratamento antiarrítmico. Além disso, talvez a utilização de um modelo animal de arritmia para avaliar os efeitos causados pelo tratamento subcrônico com DL pudessem fornecer mais informações acerca do potencial antiarrítmico desse monoterpenoide. Clauss et al.,16 em uma excelente revisão, descreveram as várias espécies utilizadas atualmente na pesquisa sobre arritmia, incluindo animais de pequeno e grande porte.
Outra questão pendente que esse estudo levantou foi em relação à provável ação do DL sobre os canais de Ca2+. Os autores sugeriram que o efeito antiarrítmico produzido pelo DL pode envolver a inibição dos canais de cálcio. Experimentos demonstrando os efeitos do limoneno nas arritmias induzidas pelo ativador dos canais de cálcio Bayk8644 não são suficientes, uma vez que qualquer substância que aja sobre diferentes canais de íon são relevantes para o potencial desencadeamento da ação cardíaca, o que poderia reduzir as arritmias induzidas por Bay K, e não necessariamente uma consequência do bloqueador do canal de Ca2+. Assim sendo, outros estudos são necessários para esclarecer o mecanismo exato através do qual o DL promove seus efeitos antiarrítmicos.