Compartilhar

Dança, Insuficiência Cardíaca e Função Erétil: Perspectiva de Melhor Manejo Clínico?

Dança, Insuficiência Cardíaca e Função Erétil: Perspectiva de Melhor Manejo Clínico?

Autores:

Tales de Carvalho,
Ana Inês Gonzáles,
Daiane Pereira Lima,
Adair Roberto Soares dos Santos

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.6 Rio de Janeiro nov./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170088

Introdução

A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome clinica complexa, de grande morbidade e alta taxa de mortalidade, constituindo-se em um dos maiores problemas contemporâneos de saúde. Na sua fisiopatologia, tem-se dado destaque à hiperatividade simpática, ao remodelamento ventricular e, mais recentemente, aos fatores inflamatórios e pró trombóticos, aspectos fisiopatológicos que mantém forte vínculo entre si, influindo na perpetuação, prognóstico e gravidade da doença.1

Nos pacientes com IC, tem sido observada alta prevalência de disfunção sexual, e mais especificamente de disfunção erétil (DE), a qual é considerada preditora de risco cardiovascular, e de morte por causa cardiovascular e por todas as causas. Portanto, a DE possui grande importância em termos de saúde pública, sendo capaz de prejudicar gravemente a saúde e a qualidade de vida,2 com características fisiopatológicas em comum com a IC.

Neste contexto, o exercício físico, especialmente a dança por suas peculiaridades, representa uma intervenção com grande potencial de beneficiar ambas as situações, IC e DE.

Desenvolvimento

Nas fisiopatologias da DE e da IC, têm sido observados elevados níveis de citocinas pró-inflamatórias, associados a um desequilíbrio do sistema nervoso autonômico,3,4 o que pode ser caracterizado como um fenômeno primariamente inflamatório e neurovascular.

A hiperatividade simpática tem importante função compensatória na fase inicial da IC. Sua manutenção, no entanto, contribui para posterior agravamento da disfunção cardíaca que coexiste com o aumento significativo da vasoconstrição central e periférica,1 que promove o aumento do tônus da musculatura lisa do pênis e vasoconstrição dos vasos penianos, presentes na DE.3,4

Assim como a hiperatividade simpática, o sistêmico processo inflamatório de baixo grau, caracterizado como subclínico nos pacientes com DE,1 contribui para a disfunção endotelial3 e consequente redução da capacidade de dilatação arterial peniana.2 Ambas as situações, modulação autonômica anormal e inflamação subclínica, estão igualmente presentes na DE e IC.3

Recentemente, estudos de neurociência identificaram uma base neural, que somada à ação humoral e imune, é capaz de reflexamente monitorar e ajustar a resposta inflamatória em condições fisiológicas, denominado de "reflexo inflamatório".5 Neste contexto, o sistema nervoso, que recebe informação do sistema imunitário na forma de mediadores solúveis e de neurônios sensoriais, também é capaz de suprimir a inflamação,5 presente tanto na IC quanto na DE.

Entretanto, em condições patológicas caracterizadas por uma hiperexcitação simpática e/ou supressão vagal, como no caso da IC, o reflexo inflamatório encontra-se comprometido. Nesse caso, o exercício físico pode desempenhar papel importante, contribuindo para a adequação da modulação autonômica e o controle da inflamação. O exercício físico tem potencial para produzir algo semelhante também na DE, sendo capaz de favorecer a função erétil pelos mesmos mecanismos, ou seja, aprimoramento da modulação autonômica e controle da inflamação.6-8

Tradicionalmente, o exercício aeróbico prescrito para pacientes com IC é de intensidade moderada com carga constante. Ou seja, prevalece o treinamento contínuo, com protocolos que habitualmente incluem apenas exercícios cíclicos convencionais. Na prática clínica, este tipo de treinamento pode gerar monotonia, resultando em baixa motivação e pequena aderência dos pacientes aos programas de reabilitação cardíaca. Neste contexto, a dança, atividade lúdica e prazerosa, que facilmente pode ser incorporada à vida social, vem configurando-se como alternativa com grande potencial.9,10

A dança, ao associar atividade física e música, acentua os benefícios físicos, cognitivos e emocionais, favorecendo sobremaneira a integração social.9 Ou seja, possibilita, mais do que uma mera somatória, uma verdadeira sinergia de benefícios decorrentes do exercício físico e da música.9,10 Assim como a atividade física, a música é capaz de ativar o funcionamento do organismo, em especial do sistema nervoso, tendo a propriedade de ao penetrar no ouvido humano, transformar ondas musicais em atividades elétricas que transmitem informações para regiões talâmicas e subtalâmica e concomitantemente também para o sistema límbico, considerado a unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais.9

O hipotálamo, pertencente ao sistema límbico e considerado o principal centro da expressão emocional e do comportamento sexual, também é estrutura central envolvida no reflexo inflamatório. Assim, sua ativação torna plausível a hipótese de que a dança possa ser uma intervenção capaz de modular positivamente a resposta inflamatória, por meio da ativação de vias colinérgicas anti-inflamatórias, de forma similar ou até mesmo superior ao exercício físico convencional, ao mesmo tempo em que promove um aumento na ativação vagal.5

Considerando-se aspectos semelhantes na fisiopatologia, que explicam a grande prevalência de DE em pacientes com IC, é plausível a hipótese de que a dança seja eficaz no tratamento concomitante de ambas as situações. Entretanto, até o momento, um único estudo observacional (caso controle), realizado pelo nosso grupo, demonstrou que pacientes com doenças cardiovasculares (coronariopatas e hipertensos) praticantes de dança de salão apresentam menor chance de desenvolver disfunção sexual, sendo que nenhum estudo foi encontrado sobre a influência da dança nos pacientes com IC.10 Algo que representa uma lacuna na literatura.

Conclusões

Considerando-se as semelhanças observadas nas fisiopatologias da IC e DE, particularmente em relação à modulação autonômica e inflamação, a dança se apresenta como terapêutica promissora de ambas as situações.

A inexistência de estudos que tenham avaliado o efeito da dança no tratamento concomitante da IC e DE corresponde a uma lacuna na literatura a ser preenchida.

REFERÊNCIAS

1 Triposkiadis F, Karayannis G, Giamouzis G, Skoularigis J, Louridas G, Butler J. The sympathetic nervous system in heart failure physiology, pathophysiology, and clinical implications. J Am Coll Cardiol. 2009;54(19):1747-62. doi: 10.1016/j.jacc.2009.05.015.
2 Alberti L, Torlasco C, Lauretta L, Loffi M, Salonia A, Margonato A, et al. Erectile dysfunction in heart failure patients: a critical reappraisal. Andrology. 2013;1(2):177-91. doi: 10.1111/j.2047-2927.2012.00048.x.
3 Rodrigues FL, Fais RS, Tostes RC, Carneiro FS. There is a link between erectile dysfunction and heart failure: it could be inflammation. Curr Drug Targets. 2015;16(5):442-50. PMID: 25892310.
4 Rodrigues FL, Lopes RA, Fais RS, de Oliveira L, Prado CM, Tostes RC, et al. Erectile dysfunction in heart Failure rats is associated with increased neurogenic contractions in cavernous tissue and internal pudendal artery. Life Sci. 2016;145:9-18. doi: 10.1016/j.lfs.2015.12.005.
5 Tracey KJ. The inflammatory reflex. Nature. 2002;420(6917):853-90. doi: 10.1038/nature01321.
6 Sties SW, Ulbrich AZ, Mara LS, Gonzáles AI, Netto AS, Carvalho T, et al. Influence of high intensity training on erectile function of patients with heart failure. Global Heart. 2013;1(9):270-1.
7 Hsu CY, Hsieh PL, Hsiao SF, Chien MY. Effects of exercise training on autonomic function in chronic heart failure: systematic review. Biomed Res Int. 2015;2015:591708. doi: 10.1155/2015/591708.
8 Guasch E, Benito B, Nattel S. Exercise training, inflammation and heart failure: working out to cool down. J Physiol. 2010;588(Pt 14):2525-6. doi: 10.1113/jphysiol.2010.194134.
9 Gomes Neto M, Menezes MA, Oliveira Carvalho V. Dance therapy in patients with chronic heart failure; a systematic review and a meta-analysis. Clin Rehabil. 2014;28(12):1172-9. doi: 10.1177/0269215514534089.
10 Gonzáles AI, Braga HO, Sties SW, Mara LS, Carvalho GD, Carvalho T, et al. Sexual function and cardiopulmonary capacity in coronary and hipertensive practitioners of dance. Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2015;20(4):366-75. doi: .