versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.6 Rio de Janeiro nov./dez. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170088
A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome clinica complexa, de grande morbidade e alta taxa de mortalidade, constituindo-se em um dos maiores problemas contemporâneos de saúde. Na sua fisiopatologia, tem-se dado destaque à hiperatividade simpática, ao remodelamento ventricular e, mais recentemente, aos fatores inflamatórios e pró trombóticos, aspectos fisiopatológicos que mantém forte vínculo entre si, influindo na perpetuação, prognóstico e gravidade da doença.1
Nos pacientes com IC, tem sido observada alta prevalência de disfunção sexual, e mais especificamente de disfunção erétil (DE), a qual é considerada preditora de risco cardiovascular, e de morte por causa cardiovascular e por todas as causas. Portanto, a DE possui grande importância em termos de saúde pública, sendo capaz de prejudicar gravemente a saúde e a qualidade de vida,2 com características fisiopatológicas em comum com a IC.
Neste contexto, o exercício físico, especialmente a dança por suas peculiaridades, representa uma intervenção com grande potencial de beneficiar ambas as situações, IC e DE.
Nas fisiopatologias da DE e da IC, têm sido observados elevados níveis de citocinas pró-inflamatórias, associados a um desequilíbrio do sistema nervoso autonômico,3,4 o que pode ser caracterizado como um fenômeno primariamente inflamatório e neurovascular.
A hiperatividade simpática tem importante função compensatória na fase inicial da IC. Sua manutenção, no entanto, contribui para posterior agravamento da disfunção cardíaca que coexiste com o aumento significativo da vasoconstrição central e periférica,1 que promove o aumento do tônus da musculatura lisa do pênis e vasoconstrição dos vasos penianos, presentes na DE.3,4
Assim como a hiperatividade simpática, o sistêmico processo inflamatório de baixo grau, caracterizado como subclínico nos pacientes com DE,1 contribui para a disfunção endotelial3 e consequente redução da capacidade de dilatação arterial peniana.2 Ambas as situações, modulação autonômica anormal e inflamação subclínica, estão igualmente presentes na DE e IC.3
Recentemente, estudos de neurociência identificaram uma base neural, que somada à ação humoral e imune, é capaz de reflexamente monitorar e ajustar a resposta inflamatória em condições fisiológicas, denominado de "reflexo inflamatório".5 Neste contexto, o sistema nervoso, que recebe informação do sistema imunitário na forma de mediadores solúveis e de neurônios sensoriais, também é capaz de suprimir a inflamação,5 presente tanto na IC quanto na DE.
Entretanto, em condições patológicas caracterizadas por uma hiperexcitação simpática e/ou supressão vagal, como no caso da IC, o reflexo inflamatório encontra-se comprometido. Nesse caso, o exercício físico pode desempenhar papel importante, contribuindo para a adequação da modulação autonômica e o controle da inflamação. O exercício físico tem potencial para produzir algo semelhante também na DE, sendo capaz de favorecer a função erétil pelos mesmos mecanismos, ou seja, aprimoramento da modulação autonômica e controle da inflamação.6-8
Tradicionalmente, o exercício aeróbico prescrito para pacientes com IC é de intensidade moderada com carga constante. Ou seja, prevalece o treinamento contínuo, com protocolos que habitualmente incluem apenas exercícios cíclicos convencionais. Na prática clínica, este tipo de treinamento pode gerar monotonia, resultando em baixa motivação e pequena aderência dos pacientes aos programas de reabilitação cardíaca. Neste contexto, a dança, atividade lúdica e prazerosa, que facilmente pode ser incorporada à vida social, vem configurando-se como alternativa com grande potencial.9,10
A dança, ao associar atividade física e música, acentua os benefícios físicos, cognitivos e emocionais, favorecendo sobremaneira a integração social.9 Ou seja, possibilita, mais do que uma mera somatória, uma verdadeira sinergia de benefícios decorrentes do exercício físico e da música.9,10 Assim como a atividade física, a música é capaz de ativar o funcionamento do organismo, em especial do sistema nervoso, tendo a propriedade de ao penetrar no ouvido humano, transformar ondas musicais em atividades elétricas que transmitem informações para regiões talâmicas e subtalâmica e concomitantemente também para o sistema límbico, considerado a unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais.9
O hipotálamo, pertencente ao sistema límbico e considerado o principal centro da expressão emocional e do comportamento sexual, também é estrutura central envolvida no reflexo inflamatório. Assim, sua ativação torna plausível a hipótese de que a dança possa ser uma intervenção capaz de modular positivamente a resposta inflamatória, por meio da ativação de vias colinérgicas anti-inflamatórias, de forma similar ou até mesmo superior ao exercício físico convencional, ao mesmo tempo em que promove um aumento na ativação vagal.5
Considerando-se aspectos semelhantes na fisiopatologia, que explicam a grande prevalência de DE em pacientes com IC, é plausível a hipótese de que a dança seja eficaz no tratamento concomitante de ambas as situações. Entretanto, até o momento, um único estudo observacional (caso controle), realizado pelo nosso grupo, demonstrou que pacientes com doenças cardiovasculares (coronariopatas e hipertensos) praticantes de dança de salão apresentam menor chance de desenvolver disfunção sexual, sendo que nenhum estudo foi encontrado sobre a influência da dança nos pacientes com IC.10 Algo que representa uma lacuna na literatura.
Considerando-se as semelhanças observadas nas fisiopatologias da IC e DE, particularmente em relação à modulação autonômica e inflamação, a dança se apresenta como terapêutica promissora de ambas as situações.
A inexistência de estudos que tenham avaliado o efeito da dança no tratamento concomitante da IC e DE corresponde a uma lacuna na literatura a ser preenchida.