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De Volta ao Basico: PCSK9 como um Novo Alvo para o Receptor LDL

De Volta ao Basico: PCSK9 como um Novo Alvo para o Receptor LDL

Autores:

Pablo Corral

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782X

Arq. Bras. Cardiol. vol.102 no.1 São Paulo jan. 2014

https://doi.org/10.5935/abc.20130248

Introdução

Quarenta anos após a descoberta de Goldstein e Brown do receptor de lipoproteína de baixa densidade (LDLR)1e 25 anos após a introdução das estatinas2, um marco do gerenciamento da aterosclerose, os olhos da comunidade científica se voltam novamente para o LDLR, por meio do mecanismo de ação da pró-proteína convertase subtilisina/ kexin tipo 9 (PCSK9)3.

A avaliação do polimorfismo genético com resultados inesperados em grandes estudos trouxe novamente à vida a hipótese sobre o importante papel do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-C) no metabolismo da lipoproteína4; o debate aparentemente eterno sobre a contribuição de triglicérides (TG) e seus remanescentes para o fenômeno da aterosclerose5. Tais avanços levaram à nova priorização do gerenciamento do LDL como o objetivo central e primário em relação à prevenção da principal causa da morbidade e mortalidade no ocidente, a aterosclerose.

Mais uma vez, retornamos à descoberta que levou Goldstein e Brown ao Prêmio Nobel em 1985, o LDLR1; agora buscando evitar sua degradação pelo do conhecimento e compreensão do mecanismo de ação da PCSK9.

Bases bioquímicas e moleculares

A PCSK9, também chamada de convertase 1 regulada por apoptose neuronal (NARC-1), é uma proteína serina, caracterizada por uma estrutura de três domínios e um trio catalítico; ela é o novo membro da família de convertase das pró-proteínas3.

O gene PCSK9 está localizado no cromossomo 1p32.3 e apresenta 22-kb de comprimento, englobando 12 exons codificando 692 aminoácidos da glicoproteína. Esta convertase é altamente expressa no fígado, intestino e rins6.

A PCSK9 é sintetizada como um zimogênio solúvel 74 kDa (proPCSK9) que após um processo auto-catalítico dentro do retículo endoplasmático, libera o pró-peptídeo (14kDa)-N terminal, resultando em uma enzima 60-kDa. Este processo automático de clivagem é necessário para a sua ativação e liberação do retículo endoplasmático3.

O processo auto-catalítico permite a progressão por meio do caminho de secreção e assim, interage diretamente com o LDLR. É importante mencionar que a atividade catalítica não parece ser exigida para a degradação de LDLR, mas somente para a ativação da secreção de PCSK96.

Esta protease serina lida o fator dominante de crescimento epidérmico A (EGF-A) no LDLR, no qual PCSK9 e LDLR são internalizados pelo hepatócito para que sejam finalmente degradados dentro do lisossomo (Figura 1)6.

Figura 1 PCSK9 regula a rotação de LDLR por meio da degradação intracelular elevada. 

Passado, presente e futuro da PCSK9

Há dez anos a Abifadel e cols. relatou 3 famílias na França com hipercolesterolemia familiar relacionada à funcionalidade e expressão elevadas de PCSK9, sem alteração no receptor de LDL ou estrutura apo B7.

Em 2005, dois anos mais tarde, Cohen e cols. por meio do programa/estudo Risco de Aterosclerose em Comunidades (ARIC) descreveram a perda da função de PCSK9 em indivíduos afro-americanos e caucasianos. No passado, eles relataram uma prevalência de 2,6% no déficit da função, concomitantemente, com níveis séricos reduzidos de colesterol de lipoprotína de baixa densidade LDL-C (28% inferior) e eventos CV, tais como infarto do miocárdio, necessidade de cirurgia para bypass cardíaco e mortes coronárias (88%). O último, por sua vez, exibiu uma diminuição na expressão de PCSK9 de 3,2%, com redução média de LDL-C de 15% vs. grupos de controle e redução de 47% nos eventos cardiovasculares exigindo cirurgia cardíaca, bem como a mortalidade relacionada a esta causa. De forma interessante, no estudo ARIC, 50% dos pacientes apresentavam hipertensão, 30% eram fumante e 20% apresentavam diabetes8.

A inevitável comparação entre a redução do risco observada entre os indivíduos com um déficit da expressão/função de PCSK9 e os indivíduos avaliados com estatinas por 5 anos (diminuição similar do LDL-C entre os dois grupos com risco reduzido marcado nos pacientes com a alteração genética) levou ao desenvolvimento de diferentes estratégias para silenciar a protease serina e, assim, elevar os níveis de LDLR no fígado, com uma consequente diminuição dos níveis circulantes de LDL-C.

A intervenção precoce pode magnificar a eficácia clínica da terapia redutora do colesterol, por meio da atenuação do desenvolvimento e progressão da aterosclerose.

Os grupos terapêuticos primariamente envolvidos nesta estratégia seriam aqueles com hipercolesterolemia familiar, intolerância à estatina e, talvez, pacientes com um risco cardiovascular muito elevado com falha para atingir os alvos por meio do armamentário farmacológico existente.

Também é necessário determinar se a PCSK9 afeta somente os níveis de LDL-C, ou se também pode exercer uma ação direta sobre a vasculatura e outras estruturas. Sua interação/ação recíproca com a proteína de transferência do colesterol esterificado (CETP) e com o efluxo de colesterol mediado por HDL-C ainda tem de ser determinada.

Apesar de um mecanismo de ação indubitavelmente interessante, diversas questões permanecem: a segurança da combinação da PCSK9 com estatinas, a resposta imune dos anticorpos de PCSK9 após um tratamento prolongado, o valor real dos efeitos pleitrópicos que a estatina exibe e, finalmente, as potenciais interações com outras enzimas e proteases.

Estratégias terapêuticas e a PCSK9

Considerando o que foi anteriormente descrito, diversas linhas de pesquisa estão focando atualmente no desenvolvimento de moduladores/inibidores da PCSK9, em um esforço para reduzir o LDL-C mediado por um aumento no número de LDLRs hepáticos.

Diferentes estratégias farmacológicas estão em diferentes etapas de desenvolvimento; da fase 3 a etapas pré-clínicas (Tabela 1)9.

Tabela 1 PCSK9, terapias em desenvolvimento 

Alvo/Mecanismos de Ação Medicamento/Agente Fase
Anticorpos Monoclonais SAR236553/REGN727 3
Anticorpos Monoclonais AMG-145 2
Anticorpos Monoclonais RN3169A/RG7652 2
Anticorpos Monoclonais MPSK3169A/RG7652 2
Anticorpos Monoclonais LGT209 2
Oligonucleotídeo siRNA ALN-PCS02 1
Oligonucleotídeo antisense TBD Pré-clínico
Proteína de fusão utilizando Adectin BMS-962476 Pré-clínico
Mimético de pequeno peptídeo SX-PCSK9 Pré-clínico
Modulador pequeno de PCSKP TBD Pré-clínico

Atualmente na fase 3, os anticorpos monoclonais definem a direção para esta estratégia terapêutica, com resultados demonstrados com relação à segurança e eficácia; da mesma forma os peptídeos, inibidores de pequenas moléculas e tentativas de silenciar os genes são algumas das diferenças estratégias e condutas sendo seguidas atualmente9.

Os potenciais resultados das diferentes estratégias farmacológicas, juntamente com a hipótese atrativa sobre o potencial efeito sinergístico quando administrada com estatinas, torna a modulação da PCSK9 a terapia futura mais promissora para evitar e prevenir o processo da aterosclerose em indivíduos com LDLR funcional.

Discussão

A descoberta da PCSK9 há dez anos, juntamente com os recentes resultados de estudos sobre intervenção e polimorfismo genético acerca de diferentes frações de lipoproteínas, abrem um futuro campo terapêutico promissor. Os efeitos adversos de altas doses de estatinas e afirmação lógica e racional da necessidade de alternativas no gerenciamento desta fração de lipoproteína para valores < 70 ou 50 mg/dL LDL-C10, geram a necessidade de alternativas no gerenciamento desta fração de lipoproteína, central para o processo aterosclerótico.

Resultados inesperados e falhas em diversos estudos clínicos com diferentes moléculas (ezetimibe, niacina, fibratos, ômega 3, inibidores de proteínas de transferência do colesterol esterificado -iCETP-) de forma oposta à clara demonstração dos efeitos benéficos das estatinas em diferentes cenários e populações, destacou a importância de não somente diminuir os níveis de LDL-C, mas também o mecanismo pelo qual o processo ocorre.

Não podemos ignorar a atual controvérsia sobre a função que o HDL-C desempenha no processo da aterosclerose; os resultados claros dos estudos de populações com forte evidência epidemiológica são contrastados com as recentes análises genéticas do polimorfismo e regressão de Mendelian, juntamente com as falhas recentes dos estudos de intervenção. Pendente dos resultados de diferentes estudos (IMPROVE IT com ezetimibe e DEFINE com anacetrapibe), a função atual do HDL-C (fator marcador versus fator de risco) redefine o foco sobre o LDL-C, bem como aos mecanismos ao redor de sua modulação.

As estatinas comprovaram ser compostos insuperáveis em seu efeito preventivo e terapêutico sobre as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Contudo, 60% a 70% dos pacientes com eventos cardiovasculares clínicos mantiveram, persistentemente, altos níveis de LDL-C, mesmo após atingir as doses máximas recomendadas. Isto leva claramente à necessidade de novas condutas em relação à redução do risco residual de eventos cardiovasculares. Relatos recentes e revisões sistemáticas dos efeitos das estatinas sobre os perfis glicêmicos e novos casos de diabetes associado à dimensão renal, bem como a importância de outros efeitos adversos, tais como a miopatia induzida por estatina, acrescentam mais razões para buscar terapias adicionais visando combater à aterosclerose.

O cenário descrito acima aumenta, direta e indiretamente, a importância e enfatiza a PCSK9, sua evidência genética e epidemiológica e o potencial efeito terapêutico neste campo.

A determinação de um subgrupo de pessoas com uma mutação da codificação genética da PCSK9, baixos níveis de LDL-C desde uma idade precoce e risco cardiovascular extremamente baixo sugere não somente a possibilidade de uma nova estratégia terapêutica, mas também a necessidade de gerenciar e manter o LDL-C em níveis consistentemente baixos e a partir de uma idade precoce. Esta última talvez seja a maior base a partir das estratégias atuais de prevenção, aplicável hoje desde as décadas de 40, 50 e 60.

Em conclusão, podemos dizer que estamos encarando uma nova classe terapêutica em potencial, com um mecanismo de ação no qual o receptor de LDL está localizado no centro do processo, 40 anos após sua descoberta, atingindo um marco na história da aterosclerose que deve se tornar um ponto crucial no prognóstico e terapia desta doença, atualmente posicionada como uma indubitável prioridade da saúde pública.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Corral P.

REFERÊNCIAS

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