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Debates Parlamentares em Portugal de 1821 a 1910: identificação de fontes para a História da Enfermagem

Debates Parlamentares em Portugal de 1821 a 1910: identificação de fontes para a História da Enfermagem

Autores:

Paulo Joaquim Pina Queirós,
Antonio José Almeida Filho,
Ana Paula Almeida Monteiro,
Tânia Cristina Franco Santos,
Maria Angélica de Almeida Peres

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.21 no.1 Rio de Janeiro 2017 Epub 16-Jan-2017

http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20170006

Resumen

La historia de la enfermería en Portugal, requiere más estudios rigurosamente, basadas en fuentes. Particularmente los que pueden contribuir a la comprensión del proceso de la invisibilidad/visibilidad de la enfermería portugués.

Objetivo:

Interpretar las fuentes históricas disponibles en las sesiones diarias de la cámara de representantes de Portugual en el período 1821-1910.

Métodos:

El uso de descriptores sensible tema de enfermería, fue posible el acceso, identificar su ubicación y organizar sesiones diarias disponibles en texto completo en la dirección digital de la Asamblea de la República.

Resultados:

Se encontraron 1317 páginas de 903 sesiones diarias correspondientes a seis cámaras que trabajaban en ese período. Está organizado cronológicamente información y procedió a la caracterización de las tendencias, brechas y aumentó referencia a enfermagem- enfermera en estos documentos.

Conclusión:

Existe una clara referencia a los siguientes descriptores enfermera, cuidado de enfermería y en ciertos períodos políticos de Portugal, con toques de luz para los momentos de mayor inversión en las colonias, lo que requiere más estudios.

Palabras clave: Historia de la Ciencia; historia; enfermería; debates parlamentarios

INTRODUÇÃO

A investigação na área da história da enfermagem tem sido apontada como um fator decisivo para a compreensão aprofundada da evolução do ensino e pesquisa nas ciências de enfermagem, do desenvolvimento de percursos assistenciais/modelos de organização dos cuidados de saúde e de tendências longitudinais de fenômenos em saúde.

Em Portugal, a escassa investigação neste domínio, sobretudo quando comparada com a produção acadêmica em outros países europeus e no Brasil, traduz uma invisibilidade social da enfermagem enquanto ramo autônomo de conhecimento científico e profissão socialmente relevante.

De fato, em pesquisa na Plataforma EBSCO, efetuada em janeiro de 2015, pela equipe de investigadores deste projeto, utilizando os descritores história de enfermagem e o nome de vários países, encontramos em texto completo apenas 481 publicações para Portugal, o de menor produção, de um conjunto de oito países europeus, em confronto com 938.981 publicações para o Brasil, e 116.686 para os Estados Unidos.

O atraso no estudo da História da Enfermagem em Portugal pode ser entendido à luz da tese que realça o atraso das áreas de conhecimento que não tiveram na génese do seu desenvolvimento a tradição da escrita, em contraste com a Medicina, a Teologia e as Ciências Jurídicas.1 A enfermagem tem sido descrita como uma disciplina orientada para a prática, cuja perspetiva é definida pelos seus aspetos específicos, pela história da profissão, pelo contexto sociopolítico e caracterizada como uma história de cidadania de menor relevância, uma história de desvalorização da missão que se reflete na afirmação disciplinar.2 Apesar destes juízos, existem diferenças consideráveis na visibilidade, no posicionamento na sociedade e no reconhecimento acadêmico da enfermagem, em geografias distintas, como sejam as de Portugal e do Brasil, Estados Unidos ou Canadá.

O estudo da História de Enfermagem em Portugal, embora contando com a atenção recente de alguns investigadores, não deixa de ser incipiente. Os esparsos estudos existentes caracterizam-se por uma abordagem tendencialmente generalista, dispersão de fontes e dificuldade de pesquisa continuada e sistemática. Esta lacuna na produção de conhecimento historiográfico tem repercussões na construção da identidade profissional, na articulação epistemológica da ciência de enfermagem e na reconfiguração dos paradigmas de cuidados. Sente-se a necessidade de maior volume de sínteses estruturadas e da abordagem histórica de aspetos particulares como vivências quotidianas, evolução dos cuidados, das técnicas e tecnologias, processos de profissionalização, formação, organizações e instituições.

No entanto uma revisão da literatura permitiu identificar alguns estudos, poucos mas de grande valia, feitos com profundidade, e de interesse para este período, quais sejam: De Curandeiro a Diplomado - (1886-1995);3 A Arte de Enfermeiro;4 A saúde pública e os enfermeiros entre o vintismo e a regeneração (1821-1852);5 Uma história da enfermagem em Portugal (1143-1973). A constância do essencial num mundo em evolução permanente.6

Este último trabalho, dissertação doutoral, verifica a existência quase sempre de pessoas de ambos os sexos na prática dos cuidados aos enfermos. Apenas em pequenos períodos, já no século XX, é que se observa alguma predominância do sexo feminino. E, neste estudo, constata-se que a construção curricular nos primórdios da formação profissional em enfermagem teve suas origens valorizando as funções que os enfermeiros já executavam nos hospitais.6

O estudo da História de Enfermagem importa para o entendimento do caminho da construção da identidade profissional e da autonomização do conhecimento específico. Esse conhecimento, resultante de um movimento de translação em espiral, entre conhecimento público e privado, no âmbito de uma epistemologia da prática, origina um saber próprio, historicamente construído, que se diferencia de outros saberes.7 Nesse sentido, os estudos históricos que institucionalizam as lembranças, contribuem para a formação de uma identidade compartilhada, a qual funciona como importante elemento de coesão dos grupos sociais, conferindo um sentimento de unidade e, por conseguinte, de filiação estatutária.8

É possível estabelecer um eixo aglutinador que define a identidade científica das ciências de enfermagem. A enfermagem encerra na sua história um profundo sentido da ética humana, no sentido epistemológico e antropológico do termo.9 Esta, instituída em sua prática acadêmico-profissional, emprega iniciativas de educação voltadas ao conhecimento em seu campo específico e para o contexto histórico-social em transformação. Desse modo, insere-se em diferentes espaços, onde o cuidado é necessário e onde foi e é possível a construção de saberes, que ao longo do tempo foi adquirindo respaldo em busca da cientificidade.10

A possibilidade do resgate de informações históricas da memória é um importante recurso nas pesquisas históricas para a construção e preservação da identidade profissional e, por extensão, institucional.8 Isso porque as fontes históricas são imprescindíveis à compreensão dos eventos pretéritos já que asseguram uma base científica à História, conferindo legitimidade ao discurso do pesquisador, portanto, produzindo a distinção entre a História e o relato de ficção.11

O objetivo deste estudo é interpretar as fontes históricas disponíveis nos diários das sessões das câmaras de representantes de Portugual, no período 1821-1910. Para tanto faz-se necessário efetuar a identificação, o levantamento e a organização de fontes históricas que possibilitem compreender, de forma sistematizada, o processo de afirmação da enfermagem moderna em Portugal através da sua visibilidade/invisibilidade na arena das lideranças políticas, tendo como pressuposto metodológico uma visão longitudinal e panorâmica da história o que, inevitavelmente, remeterá a criação de novos pontos de partida, fundamentados na análise detalhada do corpus documental.

Acreditamos que a análise dos processos de empoderamento de enfermagem em conjunturas específicas e nas longas tendências, traduzidos na visibilidade dos discursos políticos e da produção legislativa, permitirá integrar futuros estudos comparados e aprofundar o debate historiográfico global sobre a história de enfermagem.

O percurso é o estudo sistematização e a divulgação de fontes documentais relacionadas com a afirmação da profissão e da ciência de enfermagem em Portugal no espaço político. Sendo esta uma investigação inédita em Portugal, pareceu-nos importante definir como prioritária a documentação associada às instituições estruturais, incidindo a análise documental sobre os Debates Parlamentares de 1821 a 1910, que estão digitalizados e disponíveis na plataforma da Assembleia da República, através dos discursos registados nos diários das sessões das diversas câmaras de representantes em Portugal, no período da Monarquia Constitucional (1820-1910).

O período histórico selecionado enquadra-se na emergência e afirmação da ciência da enfermagem, da organização da rede de ensino e das primeiras Escolas de Enfermagem em Portugal. Por outro lado, do ponto de vista sociopolítico, trata-se de uma fase de intensas ruturas e transformações científicas, culturais e societais com impacto profundo na evolução da ciência de enfermagem, em que a relação privilegiada com outros países de língua oficial portuguesa, em particular o Brasil, tem uma relevância ainda não investigada.

MÉTODOS

Metodologicamente procedeu-se à consulta sistemática do material digitalizado e disponibilizado no sítio informático da Assembleia da República de Portugal, no que se refere aos Diários das Sessões das várias Câmaras de Representantes da nação, para um período longo, de 1821 a 1910, ou seja, desde a revolução liberal de 1820 à revolução republicana de 1910. Para o levantamento das fontes com relevância para os fins pretendidos, foi realizada uma pesquisa através do motor de busca disponibilizado no referido sítio digital, utilizando os descritores "enfermeiro", "enfermeiros", "enfermeira", "enfermeiras", "enfermagem", "enfermaria", "enfermarias".

Assinalaram-se os números de diários com referências e o número de páginas por ano e em cada Câmara específica que se encontrava em funcionamento neste período. Buscou-se tendências, ausências e concentrações, determinamos índices por período histórico e por quartéis.

Para o desenvolvimento da investigação optamos pelo rigor da investigação histórica, sobretudo à luz do que a metodologia nesta área aponta como essencial.

Nesse sentido o processo de investigação contemplará os processos da imaginação e da perspicácia, pois através de uma atitude contemplativa no sentido do rigor e profundidade da observação, da abordagem sistemática, não lacunar, nem aleatória, se aproxima da realidade que os discursos construídos - a escrita da história - procurará reportar.12 Importa portanto considerar três aspetos metodológicos consecutivos: coleta de dados (fontes, sua crítica e organização) a que este artigo dará sua contribuição; para posterior análise e síntese criando quadro interpretativo e, por último, a comunicação discursiva escrita a que se chegou. À história está ligado o "difícil trabalho da 'escrita', que supões não a mera compilação e narração, mas uma interpretação ativa e finalmente 'pública', onde a imaginação se mistura com o rigor, pondo de parte a mera opinião ou a simples ideologia.".13:49

Os aspetos científicos serão assegurados pelo rigor da delimitação temporal e espacial, pela atenção aos ciclos temporais, aos cortes e às lacunas, à análise sincrónica e diacrónica, ao estabelecimento de séries e de sequências com ordem, tempo e ritmo, atendendo a possíveis conjunturas próprias do tempo médio, não desprezando linhas de longa duração que possam corresponder a eixos estruturantes, usufruindo ainda das vantagens proporcionadas por metodologias comparativas, quando oportuno.14 Utilizou-se de métodos quantitativos em história para a determinação das concentrações temáticas, não descorando a análise interpretativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos primeiros anos do século XIX, a sociedade portuguesa seguia, repetindo rotinas ancestrais, em praticamente todos os domínios da sua existência.15 Na transição do século XIX para o século XX, os sistemas oligárquicos começam a ser minados nos seus fundamentos pelas dinâmicas de mudança de um capitalismo em profunda transformação econômica e tecnológica.16

Este corte cronológico, 1821-1910, corresponde para a enfermagem em Portugal ao início do movimento de profissionalização, das notícias e da influência de Florence Nightingale, da formação das escolas de enfermagem, em Coimbra, 1881; no Porto, 1896; e em Lisboa, 1901. Ao que não é estranho o ideário positivista, com forte expressão em Claude Bernard, introdutor do método científico nas ciências médicas. No século XIX, a ciência surge como fonte de todos os valores possíveis e o salvatério de todas as insuficiências e dificuldades humanas.17,18 É à luz desta nova religião positivista que terá de ser enquadrado o devir científico e as polêmicas desencadeadas na sociedade, nomeadamente as que à enfermagem interessam, qual seja: discussão entre enfermagem laica e religiosa.

Durante este período funcionaram seis câmaras de representantes em Portugal: Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (1821-1822); Câmara dos Senhores Deputados (1822-1910); Câmara dos Pares do Reino (1826-1838); Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (1837-1838); Câmara dos Senadores (1838-1842); Câmara dos Pares do Reino (1842-1910).

As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, em funcionamento entre 24 de janeiro de 1821 e 4 de novembro de 1822, surgindo no seguimento da revolução liberal de 1820. O diário das sessões destas cortes está disponível em forma de atas. Em 30 diários encontrámos 38 páginas com os descritores desta pesquisa.

A Câmara dos Senhores Deputados funcionou de novembro de 1822 à Revolução Republicana de 1910. Esta é a câmara de maior longevidade, a que também disponibiliza mais material através do diário das sessões legislativas. Para os descritores já mencionados encontramos um conjunto de 681 diários, com 1011 páginas.

A partir de 1826, com a carta constitucional que veio substituir a Constituição de 1822, passa a existir o sistema bi-camaral que se prolonga por todo este período até 1910, apenas com breve interregno por ocasião das Cortes Constituintes (1837-1838), onde só funcionava a câmara dos deputados. É assim, que inicia em 1826 o funcionamento de uma segunda câmara, nesse sistema bi-camaral, a Câmara dos Pares do Reino, de nomeação régia de forma vitalícia e hereditária, que se mantém até 1838. No Diário da Câmara dos Pares do Reino não foi encontrado referências a partir dos descritores, nos exemplares disponibilizados.

Após a revolução de setembro de 1936, é abolida a Carta Constitucional, e por indicação régia, são eleitos deputados para as Cortes Gerais Extraordinárias da Nação Portuguesa, com o propósito de redigir nova constituição, cujo funcionamento ocorreu nos anos de 1837 e 1838. Nas atas destas Cortes, digitalizadas e disponíveis no sítio digital da Assembleia da República, os descritores assinalaram 7 diários, com 7 páginas.

A Câmara dos Senadores, funcionou entre 1838 e 1842, no sistema bi-camaral substituíndo, após a nova constituição de 1938, a anterior Câmara dos Pares. Com interesse para este estudo encontramos 7 diários da Câmara dos Senadores, com os descritores, em 8 páginas.

Na sucessão dos tempos, ocorre nova revolta, a revolta de Costa Cabral em 1842. Na oportunidade é restaurada a Carta Constitucional em substituição a Constituição, e reinstala-se a Câmara dos Pares do Reino, que funcionou entre 1842 e 1910. A pesquisa no Diário da Câmara dos Pares do Reino permitiu-nos identificar 178 diários sensíveis aos descritores o que corresponde a 254 páginas de interesse. Os acessos permitiram identificar um volume considerável de diários das várias câmaras, onde apenas se regista a ausência dos descritores na primeira Câmara dos Pares do Reino (1826-1838), e registramos um volume considerável, em linha com o maior tempo de funcionamento, na Câmara dos Senhores Deputados (1822-1910).

Para a totalidade deste século de Monarquia Constitucional constatamos a existência de 1317 páginas com referências aos descritores que selecionamos a fazerem parte de 903 diários de sessões das seis câmaras que funcionaram neste período. (Quadro 1)

Quadro 1 Número de páginas e de diários das sessões distribuídos pelas várias câmaras e pelos descritores de pesquisa. Período da Monarquia Constitucional (1821-1910) 

Descritores Nº páginas Nº diários
1 2 3 4 5 6 totais 1 2 3 4 5 6 totais
Enfermeiro 22 213 - 1 - 64 300 14 154 - 1 - 45 214
Enfermeiros 5 231 - 1 - 62 299 5 141 - 1 - 44 191
Enfermeira - 22 - - - 3 25 - 18 - - - 2 20
Enfermeiras - 34 - - - 7 41 - 25 - - - 6 31
Enfermagem - 14 - - - 2 16 - 9 - - - 2 11
Enfermaria 6 186 - 4 3 41 240 6 146 - 4 3 31 190
Enfermarias 5 311 - 1 5 74 396 5 188 - 1 4 48 246
totais 38 1011 0 7 8 253 1317 30 681 0 7 7 178 903

Construção com dados extraídos do sítio na internet da Assembleia da República Portuguesa, acedido em janeiro de 2015. 1: Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (1821-1822); 2: Câmara dos Senhores Deputados (1822-1910); 3: Câmara dos Pares do Reino (1826-1838); 4: Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (1837-1838); 5: Câmara dos Senadores (1838-1842); 6: Câmara dos Pares do Reino (1842-1910).

Uma análise mais detalhada do período da Monarquia Constitucional, leva-nos a calcular um índice de densidade de páginas com descritores/ano (1317/90) com o valor de 14,63; e um índice de densidade de diários com descritores/ano (903/90) com o valor de 10,03. Índices que permitem a comparação com dados semelhantes, para outros períodos, nomeadamente da Primeira República e do Estado Novo (no prelo estudo que apresenta índices respetivamente para a 1ª República de 26,15 páginas e 18,65 diários e Estado Novo de 43,25 páginas e 24,64 diários. Verificando-se assim uma evolução em crescendo, nos três períodos históricos Monarquia Constitucional, 1ª República e Estado Novo, no índice de densidade de páginas 14,62; 26,15; 43,25 e também em crescendo, no índice de densidade de diários 10,03; 18,65; 24,64).

Nesta visão do conjunto das fontes disponíveis neste catálogo digital, importa perceber a distribuição ao longo dos anos, os períodos de ausência, de diminuição, os anos e as concentrações de maior informação conforme se pode observar no Gráfico 1. A relevância destes dados facilmente é percetível na determinação de tendências, mas sobretudo para as análises sincrônicas transversais. É assim que notamos o natural crescimento de páginas sensíveis aos descritores em uma trajetória crescente ao longo do período, em consonância com o aumento do volume geral de informação nos diários das várias câmaras. Importa sinalizar, para exploração em estudos posteriores, que esta linha ascendente tem o pico máximo (89 páginas) em 1896, a partir do qual a tendência é irregularmente decrescente até 1910. Registramos ainda um aglomerado de valores elevados de 1880 a 1885, e máximos anuais expressivos em 1832, 1858, 1872, 1883, 1902. Períodos de menor expressão entre 1836 e 1856, e também de 1864 a 1871. Verificam-se mínimos anuais, nos anos, 1826, 1836, 1845, 1852 e 1906.

Gráfico 1 Distribuição do número de páginas com referências aos descritores pelos anos de publicação dos diários. Período da Monarquia Constitucional (1821-1910).Fonte: Construção com dados extraídos do sítio na internet da Assembleia da República Portuguesa, acessado em janeiro de 2015. 

Ao longo de todo o século XIX e a primeira década do século XX, os órgãos coletivos de representação da nação, referem, refletem, opinam, determinam e legislam sobre a enfermagem, os enfermeiros e as enfermarias, estando disponíveis 1317 páginas no total, com distribuição desigual ao longo dos anos, uma maior concentração no final do século XIX, e uma média de 14,63 páginas por ano.

Agrupando os anos em quarteis, verificamos a duplicação do índice no quarto quartel do século XIX em relação ao terceiro quartel. E um aumento significativo de fontes como índices substancialmente mais elevados nos dois quarteis da segunda metade do século XIX quando comparados com os dois quartéis da primeira metade desse século (Quadro 2).

Quadro 2 Distribuição do número de páginas com referências aos descritores pelos anos de publicação dos diários e índices calculados, agrupados em quarteis, em todo o período em estudo (1821-1910) 

Páginas/ano/indice Século XIX
1º quartel 2º quartel 3º quartel 4º quartel
nº pág. 44 133 299 621
nº anos 6 25 25 25
Índice 7,30 5,32 11,96 24,84

Construção com dados extraídos do sítio na internet da Assembleia da República Portuguesa, acedido em janeiro de 2015.

Um exercício de agrupar os sete descritores definidos e utilizados inicialmente, em outros três, permite níveis de interpretação, lançando uma hipótese de trabalho para comprovação futura que julgamos de interesse. Recodificamos em um primeiro grupo os descritores pessoalizados, juntando enfermeiro, enfermeiros, enfermeira, enfermeiras. Um segundo grupo manteve o descritor enfermagem. Num terceiro grupo juntou-se os descritores enfermaria e enfermarias. O resultado permite verificar (Quadro 3) que na Monarquia Constitucional a dimensão pessoal (descritores pessoais) e institucional (enfermaria/as) equiparam-se com elevados valores, colocando o descritor enfermagem (esta como entidade em si, profissão, disciplina) em significativa discrição.

Quadro 3 Distribuição do número de páginas com referências aos descritores pelos três períodos históricos, em função dos descritores agrupados 

Descritores Monarquia Constitucional
Enfermeiro(s) a(s) 665
Enfermagem 16
Enfermaria(s) 636

Construção com dados extraídos do sítio na internet da Assembleia da República Portuguesa, acedido em janeiro de 2015.

Estamos perante um volume tão interessante de fontes disponíveis para serem tratadas em profundidade analítica partindo do esclarecimento de "linhas de continuidade e de fratura entre o Antigo Regime e o Liberalismo",5:477 e explorando as múltiplas dimensões da evolução no pensamento e nas políticas assistenciais durante este período de monarquia constitucional, tornando possível nesse percurso investigativo resgatar "a figura do enfermeiro como personagem que tem estado ausente na historiografia autojustificativa de certas profissões dominantes do campo da saúde".5:477

CONCLUSÕES

Do levantamento efetuado nos diários das sessões de 6 câmaras de representantes da nação portuguesa, entre 1821 e 1910, através do sítio da Assembleia da República, acessado em janeiro de 2015, com os descritores "enfermeiro/a"; "enfermeiros/as"; "enfermagem"; "enfermaria/as", obtivemos um acervo de fontes primárias de enorme dimensão e valia, 1317 páginas de 903 diários de sessões das diversas câmaras.

A determinação de índices de densidade por ano e por quartel, mostrou uma linha genericamente continua e ascendente ao longo do provir histórico, de fontes primárias disponibilizadas com interesse para a história da ciência, da saúde e da enfermagem, que acompanha o natural aumento de informação e volume ocupado pela totalidade de assuntos nos diferentes diários.

Uma análise pormenorizada permitiu identificar concentrações de fontes, lacunas, pontos altos, pontos baixos, descontinuidades pontuais, impulsos no volume de informação localizados temporalmente, evidenciando a necessidade de se aprofundar na investigação.

O reagrupar de descritores em três grupos permitiu perceber que na Monarquia Constitucional os descritores pessoalizados e os descritores institucionais se equivaliam no volume produzido de fontes em detrimento do descritor entidade "enfermagem".

Constatamos a existência de um grandioso corpus de fontes primárias relativos a quase um século de história, 1820-1910, o que permitirá o desenvolvimento de estudos em profundidade por tema e por épocas, considerando sincronias e diacronias, contribuindo para a perceção e interpretação histórica com interesse para a enfermagem, para a saúde e para a história da ciência.

Este trabalho prévio de identificação de fontes e caracterização sumária das mesmas possibilitará o sucessivo esclarecimento dos eixos estruturados ao longo do tempo para a visibilidade/invisibilidade da enfermagem, onde importará considerar a análise sincrônica com as políticas de assistência de saúde e das suas instituições, quer em Portugal e na europa, quer no Brasil. O posterior levantamento sistemático dos temas específicos e assuntos relacionados com os enfermeiros e a enfermagem, que constam nos diários das sessões das diversas câmaras de representantes em Portugal no período da Monarquia Constitucional, com o seu estudo, permitirá uma análise mais detalhada.

Esta análise documental, enquanto processo de investigação histórica, possibilita oportunidades de pesquisar com rigor metodológico, o impacto da enfermagem na sociedade portuguesa, identificando os assuntos e temas eleitos pelas elites que tiveram assento nos órgãos representativos, bem como o estudo das ausências ao longo de um determinado período histórico. Pretende-se, deste modo, criar novos pontos de partida, fundamentados pela análise das fontes primárias, para a elaboração de uma História da Enfermagem em Portugal.

A análise dos processos de empoderamento da enfermagem em conjunturas específicas e nas longas tendências, traduzidos na visibilidade dos discursos políticos e da produção legislativa, permitirá integrar futuros estudos comparados e aprofundar o debate historiográfico global sobre a história de enfermagem, dando um contributo também precioso ao estudo da história da ciência.

Desta forma, este estudo pode contribuir para a compreensão da visibilidade e da invisibilidade da enfermagem nos dias de hoje, à luz do processo de construção histórico de presenças e de ausências.

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