Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.31 no.3 São Paulo May/June 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800039
Comprender cómo médicos y enfermeros experimentan y perciben la presencia familiar en el servicio de atención de urgencias.
Estudio cualitativo, aplicando el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico, y la Teoría Fundamentada en los Datos como referencial metodológico. Participaron 20 profesionales –equitativamente divididos entre médicos y enfermeros– actuantes en dos Servicios de Urgencias del Sur de Brasil. Datos recolectados de octubre 2016 a febrero 2017 mediante entrevistas.
Se identificó la existencia de una cultura social de exclusión familiar, ampliamente difundida y practicada por los profesionales. Igualmente, a veces, las familias permanecen con sus seres queridos en el Servicio de Urgencias, dado que los profesionales analizan y deciden “caso por caso”, considerando diferentes aspectos a lo largo del proceso de atención.
Para médicos y enfermeros, múltiples aspectos se relacionan con la determinación de la presencia familiar durante la atención de urgencia. Por ello, no es aconsejable una directiva única sobre presencia familiar. En realidad, se sugiere que cada unidad de salud elabore sus protocolos considerando sus propias características.
Palabras-clave: Familia; Personal de salud; Servicios médicos de urgencia; Enfermería de urgencia; Enfermería de la familia
A presença da família durante o atendimento emergencial, acompanhando procedimentos invasivos – inclusive manobras de ressuscitação cardiopulmonar – tem sido objeto de estudo em diversas partes do mundo.(1-5) Entretanto, apesar das evidências científicas sugerirem que esta presença é positiva para profissionais, familiares e pacientes, sobretudo, por aumentar a segurança e humanizar a assistência,(6,7) e de ser crescente o endosso e o estímulo das sociedades científicas de cuidados críticos, os profissionais de saúde seguem fortemente se opondo a esta prática.(2)
Por vezes, a presença da família não é permitida porque os profissionais temem que os familiares se impactem com as cenas produzidas no atendimento emergencial; interfiram/prejudiquem a realização dos procedimentos; processem judicialmente as instituições e os profissionais por interpretarem erroneamente as decisões clínicas; violem o sigilo das informações atinentes à assistência; e dificultem o ensino do pessoal residente.(2,4)
Outros fatores que influenciam negativamente esta prática incluem: falta de políticas e diretrizes específicas que respaldem os profissionais; e falta de infraestrutura e equipe de apoio que acolham os familiares na Sala de Emergência (SE).(3) Destarte, em diversas unidades, a presença da família é informal, assistemática e inconsistente, dependendo principalmente da autoconfiança do profissional.(1) Isto desencadeia resultados desfavoráveis no apoio aos familiares e faz com que os envolvidos mantenham percepções negativas sobre a presença familiar.(2)
Nesse sentido, os estudos evidenciam as potenciais desvantagens dessa prática na perspectiva dos profissionais(7,8) ou, no máximo, dicotomizam o entendimento do fenômeno em benefícios versus limitações/prejuízos.(9) As percepções e experiências multifacetadas dos profissionais que vivenciaram o atendimento emergencial, testemunhado pelo familiar do paciente adulto, são pouco exploradas.(1,10) Isso limita a compreensão das razões pelas quais médicos e enfermeiros convidam/permitem que as famílias acompanhem o atendimento.
Como enfermeiros e médicos trabalham em colaboração no atendimento emergencial, ambos podem se beneficiar com uma melhor compreensão deste fenômeno.(1,10) Com base nas evidências apresentadas definiu-se como objetivo do estudo: compreender como médicos e enfermeiros vivenciam e percebem a presença da família no serviço de atendimento emergencial.
Pesquisa qualitativa que teve o Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como referencial metodológico, desenvolvida na SE de duas instituições públicas que não possuíam políticas institucionais ou rotinas sistematizadas que permitissem a presença da família no serviço, ficando a decisão a cargo dos profissionais. Destaca-se que nas duas unidades é permitida a entrada de duas pessoas no horário de visita, realizado duas vezes ao dia, por 30 minutos.
Optou-se por desenvolver a pesquisa nestas unidades pelas diferenças na estrutura física, perfil profissional e quadros clínicos atendidos, o que proporcionou maior variabilidade aos dados. Por exemplo, uma delas está vinculada a um hospital escola que é referência em alta complexidade para os 30 municípios da 15ª Regional de Saúde do Paraná, atendendo a casos mais graves, complexos e às vítimas de trauma e violência. Enquanto a outra pertence a uma Unidade de Pronto Atendimento Municipal, que assiste principalmente pacientes com agravos clínicos e doenças crônicas agudizadas.
Os dados foram coletados entre outubro de 2016 e fevereiro de 2017, com entrevistas que duraram entre 20 e 45 minutos, realizadas pelo primeiro autor, que não possuí qualquer relação com os entrevistados, embora já tenha atuado em serviços emergenciais, tal como os demais autores. As entrevistas foram guiadas pela seguinte questão norteadora: Qual sua vivência/percepção sobre a presença da família durante o atendimento emergencial?
O único critério de inclusão adotado foi ser médico ou enfermeiro atuante em uma das SE. Foram excluídos aqueles que trabalhavam no setor há menos de três meses, por acreditar-se que suas contribuições seriam maiores a partir deste período. Conforme preconizado pela TFD(11) a amostragem teórica guiou a coleta dos dados e a saturação teórica determinou o número de participantes em cada grupo. No total foram entrevistados 20 profissionais. Os grupos amostrais estão apresentados no quadro 1.
Quadro 1 Apresentação dos grupos amostrais participantes do estudo
Grupo Amostral | Profissionais participantes |
---|---|
G1 | Três enfermeiros e dois médicos que atuavam na SE01, localizada em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), os quais apontaram as precárias condições de infraestrutura e de gestão como interferentes no convite às famílias. Após a análise das informações desses participantes identificou-se que era necessário buscar profissionais que vivenciavam condições de infraestrutura distintas, com melhor aporte tecnológico e maior número de leitos e de profissionais para o atendimento. |
G2 | Três enfermeiros e seis médicos atuantes na SE02 de um hospital universitário. Embora em menor proporção, para estes profissionais os aspectos atinentes à gestão do serviço também configuravam como intervenientes na presença das famílias. Assim, ao identificar-se a saturação das categorias iniciais deste grupo buscou-se expandir o entendimento do fenômeno a partir da inclusão dos gestores de cada uma das unidades participantes. |
G3 | Dois enfermeiros, sendo cada um o único gestor da unidade, os quais foram abordados para ampliar o conhecimento relativo à gestão do serviço no que tange as potencialidades e fragilidades para a concretização da presença da família nas SE. |
G4 | Dois enfermeiros e dois médicos, sendo um médico e um enfermeiro de cada unidade, atuaram como validadores do constructo teórico. A validação ocorreu após a finalização da análise dos dados e identificação da categoria central. |
Em consonância ao método comparativo constante as entrevistas ocorreram concomitante a análise dos dados e formação dos grupos amostrais.(11) Todos os depoimentos foram áudio-gravados. À medida que a entrevista era transcrita e as falas editadas, efetuavam-se leituras flutuantes objetivando compreender o conteúdo do texto e, em seguida, iniciava-se o processo de codificação aberta, realizado com o auxílio do software QDA Miner® e a construção de memorandos e diagramas.
A codificação axial permitiu o agrupamento de códigos por similaridades e diferenças conceituais, iniciando a identificação das propriedades das categorias, com o estabelecimento dos conceitos provisórios. Finalmente, o processo de integração permitiu a densificação das categorias e a agregação dos conceitos (Quadro 2).
Quadro 2 Representação do processo analítico dos dados
Parte do corpus de análise | Sub-categoria | Categoria |
---|---|---|
O clima da Sala de Emergência é complicado, é um ambiente agitado, com procedimentos agressivos, onde tudo ocorre muito rápido. Para a família o cenário, talvez, possa soar como muito incomum, isso distancia um pouco a família da emergência (G4, Profissional 20 – Enfermeira). | Clima no espaço emergencial | Análise de aspectos concernentes ao ambiente e ao contexto |
[...] Tem vezes que você nem enxerga a família que está a tua volta, porque o seu foco é o paciente (G2, Profissional 07 – Médica). | Filosofia de cuidado | |
A gente precisa de uma estrutura que permita maior privacidade, porque acredito que se a pessoa está ali, ela está para acompanhar seu ente querido e não o paciente que está ao lado. Então, é necessária esta privacidade. Se a estrutura não permitir isto, a família vai acompanhar o atendimento e o sofrimento do outro também (G1, Profissional 01 – Enfermeira). | Estrutura física | |
Hoje, estávamos com uma paciente na Sala de Emergência e não tinha nenhum monitor funcionando! As enfermeiras tentaram trocar, mexeram em tudo, mas nada funcionou. A paciente vai morrer por falta de monitor? Claro que não! Mas, será que se a família presenciar isso, de não ter materiais, ela vai entender? Sem material não tem como colocar a família (G1, Profissional 05 – Médica). | Materiais médico-hospitalares | |
Um pouco é referente ao protagonismo do sujeito. Ele enquanto profissional escolhe se vai ter uma postura de trazer a família mais para perto ou se vai afastar mais a família [...] Então, vai muito da postura profissional (G3, Profissional 16 – Enfermeiro gestor). | Recursos humanos | |
[...] Mas também tem que se lembrar da questão de contaminação. Colocar todo mundo dentro da Sala de Emergência é perigoso, lá tem de tudo, por exemplo, de vez em quando chega um paciente com suspeita de meningite ou tuberculose (G1, Profissional 03 – Médico). | Infecção relacionada a assistência à saúde | |
O paciente que está grave, em estado terminal, você tem que discutir: “Eu vou investir? Vou fazer massagem cardíaca nesse paciente que parou?”. O familiar pode dizer: “Meu pai sempre disse que não queria ser entubado, que não queria ir para uma UTI”. O médico diz: “Olha eu preciso fazer isso” e a família contesta: “Não, mas ele não queria”. Então, nós paramos por aqui! Seria a própria família ajudando nas decisões clínicas (G2, Profissional 14 – Médico). | Nível de complexidade do quadro clínico | Análise de aspectos concernentes aos pacientes e seus procedimentos |
Algumas vezes a família não atrapalha. Procedimento simples, o fato dela estar presente, não atrapalha. Desde que a gente avalie e veja que o familiar não vai dar problema. Mas, em procedimentos extremos acredito que ela não deve estar próxima, porque nos atrapalha. Aqui, três vezes eu tive que fazer uma toracotomia a céu aberto. Tenho impressão que nenhum familiar iria querer estar num ambiente onde isso está sujeito a acontecer (G2, Profissional 11 – Médico). | Nível de complexidade dos procedimentos invasivos | |
[...] Para criança precisa que a família esteja junto ao paciente. É preciso que esteja a mãe ou pai e isso é bastante comum. Quando atendo uma criança é com a família do lado, é tudo na frente da família (G2, Profissional 07 – Médica). [...] Para pacientes idosos, tem casos que não tem como deixar de colocar a família. Em muitos casos nós deixamos ficar para conseguirmos informações e para que o idoso fique menos agitado (G1, Profissional 02 – enfermeira). | Idade dos pacientes | |
Tem casos, que eu já não sou muito taxativa no sentido de obrigar o paciente a ficar sozinho. Porque, sei que isso vai causar um estresse muito grande e, possivelmente, ele vai ter uma piora no estado de saúde de um modo geral. Por isso, eu deixo por algum momento, mas se vê que a família não está colaborando, já peço para sair (G1, Profissional 04 – Enfermeira). | Possibilidades de o paciente se beneficiar | |
Acho que a emoção se sobressai. A gente tem que ser mais técnico e fazer a medicina, não dá para envolver emoção e medicina. A presença da família, de certa forma, pressiona os profissionais de saúde, a família acaba ficando muito emocionada, muito abalada e isso sensibiliza todo mundo (G2, Profissional 10 – Médica). | Impacto psicoemocional para a equipe | Análise de aspectos concernentes aos profissionais de saúde |
[...] Minhas atitudes clínicas não mudam em nada, estando a mãe, o pai, ou quem for. Eu sempre tomo a mesma decisão. Temos que ser profissionais preparados para atuar em situações de estresse (G1, Profissional 05 – Médica). | Formação e preparo dos profissionais | |
A presença da família passa maior segurança até mesmo para o médico diante de algum procedimento, por exemplo, ele pode pedir para o familiar explicar ao paciente o que vai acontecer, talvez até numa linguagem mais fácil (G3, Profissional 15 – enfermeiro gestor). | Possibilidade de auxílio aos profissionais | |
[...] é fundamental [a presença da família] para eles verem também que a gente faz tudo o que a gente poderia fazer, tudo que era para ser feito pelo paciente a gente fez (G2, Profissional 08 – Enfermeiro). | Atender as necessidades familiares | Análise de aspectos concernentes à família |
Muitas vezes você pega um familiar muito agressivo. Neste caso pode mais atrapalhar do que ajudar, porque a gente nunca sabe a reação de um familiar no momento de estresse. Ele pode ficar violento, querer agredir uma pessoa da equipe (G1, Profissional 04 – Enfermeira). | Perfil do familiar | |
Geralmente os acompanhantes são leigos, aí quando vai fazer algum procedimento mais invasivo, por exemplo, entubar, eu acho que é uma coisa que já impressiona assistir, ver aquilo tudo, acho que é um pouco traumatizante (G1, Profissional 02 – Enfermeira). | Preparo familiar |
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá, parecer número 1.888.327 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE: 62787916.4.0000.0104).
Participaram 20 profissionais (dez médicos e dez enfermeiros), sendo 12 do sexo feminino. A idade variou entre 24 e 60 anos, tempo de formação entre seis meses e 37 anos e de atuação em SE entre seis meses e 32 anos.
Os profissionais, usualmente, não permitem às famílias acompanhar o atendimento emergencial. Para além, existe uma cultura social de exclusão familiar, que mesmo não formalizada em protocolos/políticas institucionais, é simbólica e amplamente aceita e compartilhada pela equipe. Contudo, considerando diferentes aspectos, as famílias podem permanecer com seus entes. Assim, a expressão “caso a caso” é recorrente nas falas dos profissionais.
O fenômeno “decidindo caso a caso”, leva às consequências presença ou ausência da família. As condições causais, intervenientes e contextuais relacionam-se a quatro grandes aspectos: ambiente/contexto; familiares; pacientes/procedimentos e; profissionais de saúde. A situação de permitir ou não a presença familiar não é cristalizada, pois ao longo do processo de assistência, os profissionais tendem a agir, interagir e avaliar constantemente, levando-os a rever a decisão de permitir ou não a presença da família. Destarte, familiares que estão presentes, por vezes, dependendo da evolução clínica do paciente e das atividades/procedimentos realizados, são solicitados a aguardar do lado de fora, enquanto outros, dependendo da forma como o paciente evolui, são convidados a estarem próximos dele (Figura 1).
Figura 1 Relação entre a categoria central ‘Decidindo “caso a caso”: a busca por subsídios para deliberar sobre presença/ausência familiar no serviço emergencial’ e suas categorias
Foram citados seis aspectos concernentes ao ambiente e ao contexto da SE, para se permitir ou não a presença familiar. O clima no espaço emergencial, em geral, configura-se como altamente estressante, agitado e conturbado, tornando-o pouco convidativo/receptivo às famílias. A rotina agitada do setor também não proporciona tempo para estabelecer contato prévio e acolhedor com as famílias – importante para a formação de vínculo entre familiar-profissional e para permitir o acompanhamento do atendimento.
A exclusão familiar também é reflexo da filosofia de cuidado praticada nas unidades emergenciais. O cuidado é centrado, exclusivamente, nas necessidades do paciente, ainda que considerando principalmente aquelas de ordem fisiopatológica, sendo que a família, quando presente, muitas vezes, nem sequer é percebida pelos profissionais.
Segundo os profissionais a estrutura física também não permite à equipe desempenhar suas funções com a presença da família e, tampouco, proporciona privacidade aos pacientes e familiares, impedindo que eles reservadamente vivenciem o sofrimento da doença e do atendimento. Também há incômodo profissional com o fato de, por vezes, os familiares assistirem o atendimento de outros pacientes.
Foi sinalizado que, às vezes, pela falta de materiais médico-hospitalares, é necessário adaptar a assistência e protocolos de salvamento e, consequentemente, existe receio das famílias compreenderem a situação como negligência do serviço. A falta de materiais foi citada como limitador apenas na SE01. Entretanto, a prática não é mais comum na SE02, mostrando que a quantidade suficiente de materiais, per se, não impulsiona a presença familiar.
Dispor de recursos humanos preparados para o trabalho com enfoque nas famílias, que estejam disponíveis em período integral e que se responsabilizem por elas, proporcionando o suporte emocional e informacional que necessitam, foi destacado. Entretanto, os gestores acreditam que para além do numerário, a atitude acolhedora e receptiva dos profissionais é relevante para que as famílias sejam convidadas/permitidas a permanecerem na SE.
Os médicos demonstram preocupação com a possibilidade de se elevar os índices de infecção relacionada a assistência à saúde decorrentes da presença irrestrita da família, pois a SE é um “ambiente contaminado” por frequentemente atender pacientes com doenças transmissíveis diagnosticadas ou não.
A permissão para a presença familiar também está relacionada a aspectos concernentes aos pacientes. Por exemplo, em relação ao quadro clínico, os profissionais aceitam melhor a presença nos casos de menor complexidade clínica, pois o controle da situação é maior, sendo o desfecho mais previsível e com pouca possibilidade de óbito. Para pacientes graves há entendimentos divergentes quanto à presença da família. Alguns profissionais identificam como desnecessário para pacientes inconscientes – já que não percebem a proximidade de suas famílias. Outros, por sua vez, compreendem que pacientes com doenças terminais devem ter a oportunidade de morrer próximos às suas famílias, inclusive, possibilitando aos familiares participarem das decisões terapêuticas no fim da vida e se despedirem de seus entes queridos.
Quanto à complexidade dos procedimentos invasivos, os profissionais tendem a permitir a presença das famílias durante aqueles pouco invasivos e/ou que não violam o pudor e a intimidade do paciente. Em contrapartida, ela não é bem aceita/praticada quando são necessárias maior habilidade psicomotora e atenção dos profissionais, pois o estresse dificulta a destreza manual.
Em relação à idade dos pacientes, no caso de crianças e idosos a presença familiar é entendida como necessária, bem aceita e até usual no setor de emergência, pois são percebidos como mais frágeis física e emocionalmente. Além disso, os profissionais, muitas vezes, necessitam de informações familiares para melhor prestar a assistência.
Por fim, consideram a possibilidade de os pacientes se beneficiarem com maior conforto, calma, segurança e recebimento de cuidados individualizados. Às vezes, a ausência familiar desencadeia estresse e ansiedade no paciente, agravando seu quadro clínico. Assim, os profissionais permitem que a família esteja presente, mesmo que por curto período de tempo, mas o suficiente para o paciente sentir-se mais familiarizado com o ambiente e, consequentemente, mais calmo.
Para permitir ou não a presença das famílias, são analisados aspectos concernentes aos profissionais de saúde. Uma das barreiras se relaciona ao fato de os profissionais, possivelmente, se comoverem com o sofrimento familiar ou se sentirem pressionados pela cobrança de condutas imediatamente resolutivas. Esse impacto psicoemocional coopera para estressar emocionalmente o profissional.
Houve também destaque para aspectos relacionados à formação e preparo dos profissionais. Muitos não se sentem capacitados para atuar com as famílias durante situações emergenciais. Aqueles que se auto denominam preparados, percebem que suas condutas clínicas e habilidades psicomotoras não são influenciadas pela presença da família e, nesses casos, decidiam a favor da mesma.
Por fim, a presença da família também é condicionada à possibilidade de ocorrer auxílio aos profissionais, pois ela é vista como potencial colaboradora no processo comunicacional entre equipe-paciente, ofertando informações úteis para o estabelecimento do diagnóstico e transmitindo a mensagem profissional, em linguajem acessível, ao paciente.
Com relação aos aspectos concernentes à família, os profissionais para permitir sua presença referem que desejam atender às necessidades familiares. Entre essas necessidades estão: obter informações acerca do quadro clínico/prognóstico do paciente; sentir-se parte do cuidado; transmitir força ao paciente; compreender a situação crítica de saúde; identificar que todo o possível foi feito; e acompanhar os últimos momentos de vida do paciente, possibilitando a despedida, o que facilita o início do processo de luto.
Mas, para permitir esta presença, é necessário que o familiar tenha perfil e preparo prévio. Em relação ao perfil do familiar é considerada a proximidade do parentesco com o paciente, o fato de não ser idoso, de ter boa saúde física e mental e autocontrole emocional. Já a necessidade de preparo familiar decorre do fato de o cuidado ser demasiadamente técnico e procedimental. Sem preparo, familiares podem traumatizar-se com as cenas produzidas, passar mal, tornarem-se agressivos, ou mesmo culpar os profissionais pelo óbito, desencadeando, possivelmente, processos judiciais.
Os dados apresentados permitem compreender as vivências e percepções de profissionais sobre a presença familiar no serviço emergencial. Usualmente, as famílias são impedidas de estar com seus entes na SE. Entretanto, na prática diária ocorre uma permissão condicionada, pois os profissionais analisam e decidem “caso a caso”. Isto já havia sido identificado em relação à ressuscitação cardiopulmonar.(3) Mas, o presente estudo avança, pois revela que esta permissão condicionada se estende a diferentes tipos de atendimento emergencial e também por apontar que a decisão final é influenciada por aspectos atinentes ao contexto, familiares, pacientes e próprios profissionais.
O espaço físico, por exemplo, foi considerado despreparado para receber/acolher a família. Analogamente, estudo realizado na Austrália com médicos de emergência apontou que fatores organizacionais como falta de espaço e de apoio às famílias, assim como o excesso de carga de trabalho, configuravam-se como principais razões para não se permitir que familiares testemunhassem o atendimento.(1)
O ambiente da SE, em decorrência do tipo de assistência prestada, é considerado violento e agressivo para a família(4,12) Por isso, as pessoas que ali trabalham sentem-se revestidas de autoridade e, até mesmo, de poder legitimado para, em nome da proteção às famílias, mantê-las excluídas do espaço de cuidado.(3) Ademais, os profissionais referem centrar sua atenção no paciente com agravo crítico e agudo, na tentativa de salvar sua vida.(5) O paciente, portanto, é o centro da assistência.
Acredita-se ser oportuno e premente discutir e incentivar a possibilidade de adotar-se a filosofia do Cuidado Centrado na Família (CCF) em unidades emergenciais. Profissionais de diferentes países reconhecem os inúmeros desafios para implementá-la nestes setores, porém, percebem-na como propulsora da qualificação do atendimento aos pacientes graves e suas famílias, ao humanizar a assistência.(7,13,14) No contexto brasileiro, o CCF ainda é bastante incipiente, não tendo sido implementado nos serviços de saúde e tampouco discutido na formação profissional.(15,16)
Nesta investigação, os profissionais destacaram que a complexidade dos procedimentos invasivos, a gravidade do quadro clínico e a possibilidade de óbito eram determinantes para o afastamento familiar da SE, o que coaduna com os resultados de estudos realizados no Brasil(17) e na Austrália.(5) Entretanto, também entende-se que esta presença deve ser promovida quando o paciente tem poucas chances de sobrevida, para que possam se despedir.(2,3)
Os resultados também demonstraram que os profissionais são mais propensos a aceitar a presença familiar quando os pacientes são crianças ou idosos, como em outras investigações.(1,3) No caso de crianças, o apoio à presença dos pais pode ser explicado pela dependência nutricional e pela relação estritamente próxima entre pais e filhos pequenos,(3) além da percepção de que excluir os pais durante a hospitalização de uma criança é prejudicial ao seu bem-estar.(18) Mas, se os profissionais estão dispostos e se sentem capazes de superar as barreiras pessoais e organizacionais para facilitar a presença dos pais durante o atendimento emergencial pediátrico, deve-se questionar os motivos de tamanha relutância em fazer o mesmo para o paciente adulto.
A resposta à pergunta explicitada não está pronta e nem parece ser fácil construí-la/alcançá-la. Contudo, uma pista pode estar na identificação da existência de uma cultura de exclusão da família do paciente adulto, a qual é amplamente aceita e compartilhada pelos profissionais desta investigação. Semelhantemente, outro estudo de TFD identificou que profissionais atuantes em serviços emergenciais reivindicavam a propriedade do paciente e, mesmo sem haver políticas institucionais que proibissem a presença familiar, se sentiam na posição de autoridade para permitir ou negá-la, o que era difundido entre os colegas, familiares e pacientes, já que as famílias apresentavam pouca resistência à exclusão.(3)
Este entendimento profissional talvez esteja relacionado à falta de sensibilização acerca da presença familiar. De fato, nesta investigação os profissionais percebiam ausência de formação voltada ao adequado acolhimento às famílias. Acredita-se que alterações no processo de formação inicial e educação continuada dos profissionais pode potencializar a sensação de autoconfiança durante a assistência sob o olhar dos familiares, ao tempo que parecem constituir estratégias factíveis de serem engendradas.
Não contemplar/incluir as famílias durante a formação, não é um problema exclusivamente brasileiro. Estudo com enfermeiros australianos de cuidados críticos, por exemplo, evidenciou que a formação era tida como inadequada para o atendimento às necessidades das famílias nos momentos que antecedem e seguem a morte de pacientes.(19) Por outro lado, existem exemplos encorajadores de universidades na Dinamarca,(20) Estados Unidos(21) e Canadá(22) que reconhecem a importância de formar enfermeiros generalistas com competências, principalmente atitudinais, que favoreçam o acolhimento e o cuidado aos pacientes e seus familiares.
Ainda, estudo realizado nos Estados Unidos evidenciou aumento da permissividade para a presença das famílias após intervenções educativas junto aos profissionais de uma unidade emergencial.(23) Já na Coreia do Sul, pesquisadores sugeriram desenvolver e implementar um programa educacional, para modificar a percepção negativa dos profissionais quanto a presença das famílias na SE.(24) Estes estudos, portanto, mostram que modificações no processo formativo colaboram para diminuir a cultura simbólica de exclusão familiar por parte dos profissionais.
Outro aspecto relevante é a possibilidade de serem elaboradas estratégias de sensibilização para que se fortaleça nos profissionais o exercício da alteridade. Por vezes, nesta investigação, os profissionais assumem o papel do outro no processo interacional, facilitando a compreensão do desejo de estar com o ente. A equipe de enfermagem, por exemplo, ao presenciar a vivência familiar da morte, pode apresentar sentimentos de compaixão e solidariedade e ao se colocar no lugar da família que sofre, consegue compreender melhor suas necessidades.(25) Isto tem potencial para diminuir o rigor utilizado pelos profissionais para selecionar o perfil ideal de familiar que pode acompanhar o atendimento.
Por fim, destaca-se que na ausência de protocolos estruturados, o que orienta a tomada de decisão e a prática clínica é a autoconfiança profissional, bem como a percepção individual, as experiências e crenças acerca da presença familiar no atendimento. Isso explica as grandes variações identificadas nesse estudo e na literatura, culminando em uma presença familiar inconsistente e esporádica.
As entrevistas foram realizadas durante a jornada laboral dos participantes, o que pode ter cooperado para que as respostas fossem mais superficiais, já que alguns se preocupavam em regressar às atividades.
Para médicos e enfermeiros a presença da família na SE configura-se como um processo complexo e multideterminado. Aspectos relacionados ao: ambiente/contexto; familiares; pacientes/procedimentos e; próprios profissionais são considerados na decisão. Entretanto, como o fenômeno é heterogêneo e apresenta múltiplas facetas, esta decisão não é cristalizada, pois é constantemente considerada ao longo da assistência e realizada de forma distinta para cada caso.